PAULA FONTENELLE
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SUMÁRIO
Apresentação de José Hamilton Ribeiro ...............................................15 Introdução............................................................................................19 A cobertura jornalística em guerras anteriores ...................................25 Uma guerra construída ........................................................................43 A estratégia de comunicação dos aliados .............................................59 Coincidências planejadas: a teatralização do conlito ..........................83 A guerra da mídia ................................................................................91 Tony Blair e a opinião pública ..............................................................99 George Bush e o im da lua de mel ..................................................... 103 Conclusão .......................................................................................... 115 As entrevistas .................................................................................... 139 1. O prazer do silêncio: Bob Roberts, The Daily Mirror ...................... 145 2. O limite da coragem: James Meek, The Guardian ........................... 157 3. Tensão no deserto: coronel Sean Tully, diretor da Unidade Móvel de Transmissão, Ministério da Defesa britânico ... 167 4. Sob as rédeas do regime de Saddam: Anton Antonowicz, The Daily Mirror ............................................................................ 179 5. O Fog of War escondia a exatidão: Ben Brown, BBC ..................... 193 6. A construção das imagens da guerra: Terry Richards, fotógrafo do The Sun ..................................................................... 205 7. Inluência sim, controle não: David Howard, chefe do Departamento de Comunicação do Ministério da Defesa britânico ....................................................................................... 211 8. Amplo acesso e camaradagem: Bill Neely, ITV News .................... 229
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9. Além do controle, a depressão do Palestina: Kim Sengupta, The Independent ........................................................................... 237 10. Vietnã: – uma guerra também pessoal: José Hamilton Ribeiro, Rede Globo ................................................................................... 257 Notas ................................................................................................. 267
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A COBERTURA JORNALÍSTICA EM GUERRAS ANTERIORES
Os conlitos entre países vêm sendo acompanhados por jornalistas desde tempos remotos, muito embora os avanços tecnológicos tenham alterado radicalmente o modo como as guerras são veiculadas. Hoje, a internet permite acesso imediato à notícia, fato que confere relevância ainda maior à mídia, mas a importância da imprensa sempre foi reconhecida por governantes e políticos: “O debate público não é mais alimentado pelos eventos, e sim pela cobertura dos eventos.”1 Douglas Hurd, secretário (ministro) do Exterior da Grã-Bretanha entre 1989 e 1995.2 Eu aprendo mais com a CNN que com a CIA.3 George H. Bush Para compreender a evolução da mídia na cobertura de guerras é preciso saber como esse trabalho foi desempenhado durante os principais conlitos, em particular, os que exerceram um grande impacto nas relações entre a mídia e os governos americano e britânico.
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A Guerra Civil norte-americana (1861–1865) Durante a Guerra Civil norte-americana, 500 repórteres estiveram presentes apenas na região norte do país. Na época, o New York Herald enviou sessenta e três jornalistas ao front; o The New York Times, aproximadamente vinte.4 Naquele tempo, em vez de fotógrafos, os veículos de comunicação contratavam artistas para criar as ilustrações dos combates. A demanda por esses proissionais era tanta, que o Illustrated Weekly, principal fonte de imagens da época, chegou a ter oitenta artistas em seu quadro de funcionários. Em quatro anos, mais de 3 mil desenhos foram produzidos nos campos de batalha. Os repórteres que cobriram a guerra eram inexperientes e havia uma grande pressão do mercado por furos jornalísticos, o que acabava provocando uma reação irresponsável da mídia. Num dia de grande demanda por notícias de primeira mão, Wilbur Storey, do Chicago Times, enviou o seguinte bilhete a seus correspondentes: “Telegrafe tudo que conseguir, e quando não houver nada, mande rumores”.5
A Primeira Guerra Mundial (1914–1918) Foi durante a Primeira Guerra Mundial que a Grã-Bretanha demonstrou supremacia na arte da guerra psicológica. Na época, o país possuía o melhor sistema de coleta e distribuição de notícias; uma imprensa “livre” e ampla experiência em comunicação internacional devido à posse de cabos submarinos. Quando a guerra teve início, em agosto de 1914, a Grã-Bretanha era o único país a enfrentar polêmica sobre sua possível participação no conflito; a pressão política interna era intensa no sentido de o país permanecer neutro. 26
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Logo no início do conlito, o governo britânico baixou decretos para impor censura à imprensa, proibindo qualquer tipo de cobertura. O exército delegou o tenente-coronel Ernest Swinton como repórter oicial com o título “testemunha ocular”. Os jornalistas que, ainda assim, tentaram acompanhar os acontecimentos, não tiveram qualquer tipo de apoio oicial. Em 1915, os seis primeiros correspondentes de guerra foram aceitos pelo governo — por pressão da mídia nacional — e apresentados no quartel-general, na França. Em sua maioria, eram complacentes com a manipulação do governo. Philip Gibbs, do jornal britânico Daily Telegraph, chegou a admitir: “Eles não precisavam censurar nosso material. Fomos nossos próprios censores”.6 As reportagens eram escritas em rodízio e enviadas a todos os jornais britânicos, mas não antes de passar pelas várias camadas de censura na França e na Grã-Bretanha. Durante a guerra, o cinema servia como fonte de informação sobre o conlito. No inal de 1915, os primeiros cinegraistas chegaram ao quartel-general. Era proibido utilizar câmeras, mas alguns soldados as carregavam para, em seguida, repassar o material à imprensa. Os primeiros dois repórteres fotográicos chegaram em 1916.7 A primeira organização oicial de propaganda criada na Grã-Bretanha foi o Gabinete de Propaganda da Guerra. Inicialmente, a agência era responsável apenas pela distribuição de material impresso nos países neutros, e, eventualmente, na Alemanha. Entre agosto de 1914 e setembro de 1918, mais de 250 mil panletos, brochuras e outras publicações foram enviadas pelo Gabinete.8 Muitos deles continham a chamada “propaganda do ódio”, ou “propaganda de atrocidades”, cujo objetivo era criar um sentimento de desconiança e rejeição ao inimigo por meio da produção de relatos sobre o tratamento desumano recebido pelos soldados, e até 27
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pelos próprios cidadãos. Grande parte das informações contidas nesse material nunca foi conirmada. O sucesso da propaganda britânica foi visto como um dos principais elementos responsáveis pela derrota da Alemanha. No livro Minha luta, Adolf Hitler fez elogios aos esforços da máquina de propaganda da Grã-Bretanha e disse, inclusive, que aprendeu com eles. O proissionalismo de seus inimigos o impressionou tanto, que na Segunda Guerra Mundial a propaganda de guerra se tornou primordial em sua estratégia. Hitler utilizou esse recurso de maneira tão sistemática, que passou a ser o principal ponto de referência para estudos nessa área. No período entreguerras, o líder nazista testou inúmeras técnicas de propaganda nos laboratórios psicológicos da Alemanha. Em Minha luta, estabeleceu regras para o sucesso de uma propaganda:9 a. b. c. d. e.
Evitar ideias abstratas; Apelar para as emoções; Repetir algumas ideias e conceitos de forma sistemática usando frases estereotipadas e evitando objetividade; Mostrar apenas um lado da história; Criticar constantemente os inimigos de Estado, selecionando um para especial difamação.
A Segunda Guerra Mundial (1939–1945) Durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler avançou enormemente nos esforços de propaganda. Para isso, contou com a dedicação doentia — mas competente — de Joseph Goebbels, seu ministro da Propaganda. Goebbels é considerado o pioneiro do marketing político mundial. Ele era um homem que sofria de complexo de inferioridade. Na Primeira Guerra Mundial, foi dispensado do serviço militar devido a um defeito no pé, consequência da poliomielite. 28
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Para superar esse complexo, apostou na intelectualidade, usando-a para o engrandecimento de Hitler. A imagem que Goebbels projetou do Führer tinha várias faces: o homem simples e modesto; a personalidade mágica, hipnotizadora; o incansável batalhador pelo bem-estar de seu povo; e o solitário governante que sofria, mas colocava a supremacia dos alemães em primeiro lugar. Era o “messias restaurador”. Esse posicionamento foi explorado à exaustão, um esforço que era igualmente um relexo de como o propagandista enxergava seu “produto”. Pelas palavras de Goebbels, é possível veriicar que Hitler ocupava, em sua visão distorcida, um pedestal inalcançável: “Nós acreditamos que o destino o escolheu para mostrar o caminho ao povo da Alemanha. Portanto, o saudamos em devoção e reverência. Desejamos que ele seja preservado para nós até que seu trabalho seja concluído.”
Era com textos desse tipo que o ministro da Propaganda conduzia uma verdadeira lavagem cerebral nos alemães. É bom lembrar que, na época, o governo tinha total controle da mídia impressa, falada e televisiva, o que facilitava muito o trabalho de Goebbels. Em 1.º de maio de 1945, logo após saber do suicídio de Hitler, ele pediu que um médico da SS (Guarda Especial do Führer) injetasse veneno em seus seis ilhos. Em seguida, ordenou que atirasse nele e em sua esposa. Pouco antes de morrer, disse: “Seremos reconhecidos na história como os maiores estadistas de todos os tempos; ou os maiores criminosos”. Já na Inglaterra, a propaganda também se proissionalizava. O governo britânico criou o Ministério da Informação, sob responsabilidade do juiz escocês, lorde Macmillan. Sua falta de experiência transformou a operação num verdadeiro caos, e em 1940 foi 29
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substituído por lorde Reith, que havia sido o primeiro diretor da BBC de 1927 a 1938. Quando Winston Churchill10 foi nomeado primeiro-ministro, em 10 de maio de 1940, demitiu Reith, substituindo-o, em julho de 1941, por Brendan Bracken. Junto ao almirante Thompson, Bracken obteve grande sucesso na nova função. Os dois foram considerados por Churchill “heróis da guerra da mídia”. Foi durante a Segunda Guerra Mundial que a BBC expandiu seu serviço de rádio. Mais de 9 milhões de licenças foram emitidas, atingindo 73% dos lares britânicos. As transmissões tiveram impacto decisivo no contra-ataque da propaganda alemã e na elevação da autoestima dos soldados. No inal do conlito, 50% da população daquele país ouviam os noticiários das 9 ou das 18 horas. Quando a guerra teve início, a BBC era transmitida em sete línguas; no inal, esse número aumentou para quarenta e cinco. De maneira geral, tanto a BBC quanto o restante da mídia britânica era a favor do governo.
A Guerra do Vietnã (1959–1975) A Guerra do Vietnã foi uma linha divisória na história da participação da mídia em conlitos, particularmente no que diz respeito à assessoria de imprensa, que mudou radicalmente. O motivo foi que o governo americano responsabilizou a mídia por sua derrota e posterior retirada do Vietnã. Foram os jornalistas que alertaram os americanos para a realidade da guerra, número de mortos; e o sucesso das operações começou a ser questionado por iniciativa dos correspondentes. Durante os anos em que estiveram naquele país, os Estados Unidos desenvolveram uma de suas maiores campanhas de propaganda. Apesar da Guerra do Vietnã ter sido um problema dos EUA, 30
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os efeitos de sua derrota afetaram igualmente a relação entre o governo britânico e a mídia. A razão disso é que era justamente no modelo americano que os militares da Grã-Bretanha fundamentavam suas táticas de comunicação de massa. Nos Estados Unidos, a autoridade encarregada da propaganda de guerra era o Joint United States Public Affairs Ofice (JUSPAO), Gabinete Conjunto para Assuntos Públicos. A organização tinha dois objetivos: enfraquecer e abolir o apoio ao regime comunista no Vietnã do Norte; e ganhar “o coração e a mente” dos vietnamitas do Sul. Entre estudiosos, há um consenso de que a Guerra do Vietnã modelou, em diversos países, os esforços futuros de relações públicas e propaganda. É o que os pesquisadores chamam de “Síndrome do Vietnã”, uma referência ao medo que um governador tem de não convencer a população devido a uma cobertura contrária da mídia. Como resultado, o controle da mídia passou a ser a principal preocupação não só dos Estados Unidos, mas igualmente de outros países.
A Guerra das Malvinas (1982) A Guerra das Malvinas foi certamente um dos conlitos mais controlados de todos os tempos. Na época, o Ministério da Defesa britânico autorizou a participação de um número bastante limitado de jornalistas, todos britânicos. Na época, a primeira-ministra Margaret Thatcher (13/10/1925-08/04/2013) reconheceu que não queria jornalistas estrangeiros presentes. Os proissionais foram submetidos a fortes restrições quanto ao que poderia ser veiculado: nenhuma imagem de tevê foi liberada — os militares alegavam problemas técnicos — e a censura foi largamente imposta aos jornalistas. No ápice de sua frustração, a emissora de tevê ITN tentou veicular uma tarja com a palavra “censurado” em suas reportagens, mas o governo não permitiu. Os militares exigiam que, ao se referir 31
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às tropas, os veículos de comunicação as tratassem por “nós”. Na época, a BBC se recusou a obedecer a tal ordem, atitude que causou um enorme alvoroço no governo. Os jornalistas americanos criticavam duramente o trabalho dos colegas britânicos pelo fato de eles se apoiarem exclusivamente nos relatos oiciais do governo. Em 14 de junho, Margaret Thatcher, conhecida internacionalmente como “A Dama de Ferro”, impôs aos repórteres um blecaute de notícias. Por um período de nove horas eles não poderiam enviar material a Londres porque ela própria queria anunciar a vitória aos britânicos. E assim o fez durante o programa New at Ten. O blecaute funcionou: a popularidade de Thatcher saltou de 24% — índice mais baixo de todos os tempos — para 60%.11 A guerra foi curta, popular e bem-sucedida.
A Guerra do Golfo (1991) Devido às similaridades com o conlito no Iraque, a Guerra do Golfo merece uma análise mais aprofundada. O controle sobre os jornalistas foi tão intenso, que a operação de mídia icou conhecida como Operação Mordaça no Deserto.12 Na Grã-Bretanha, Pete Williams icou responsável por operacionalizar os esforços. Inicialmente, nomeou treze pessoas para coordenar a imprensa, mas esse número cresceu rapidamente para sessenta e cinco, além de 150 oiciais. A estimativa é que cerca de 2 mil correspondentes foram enviados ao Golfo, dos quais 1.200 eram norte-americanos. A maioria foi retirada do Iraque antes do início da guerra. O Pentágono estabeleceu que dois grupos de dezoito repórteres fariam a cobertura, mas as organizações de mídia pressionaram o governo, que acabou acrescentando onze grupos de sete jornalistas para acompanhar os acontecimentos. De início, apenas as duas maiores equipes tinham acesso aos campos de batalha. 32
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É importante ressaltar que, ao contrário de conlitos anteriores, a Guerra do Golfo foi planejada durante meses, o que constituiu grande vantagem para os esforços de relações públicas dos aliados. Vários releases foram escritos e editados com antecedência; e a operação de mídia cuidadosamente preparada. O fato de os Estados Unidos terem apoio das Nações Unidas também contou positivamente, visto que deu legitimidade à invasão. Quando isso acontece, normalmente a mídia se torna cúmplice da opinião pública. De maneira geral, a campanha de mídia visou minimizar as iniciativas de coberturas independentes, além de favorecer ao máximo a manipulação dos fatos. Uma das mais contundentes evidências de que essa era a intenção dos norte-americanos foi fornecida por Richard Cheney, o secretário da Defesa de George H. Bush entre 1989 e 1993, hoje conhecido como Dick Cheney, que também ocupou o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos entre 2001 e 2009: “[...] Eu achava que era importante tentar administrar esse relacionamento para evitar que a imprensa nos ferrasse, se é que posso usar esse termo”.13 O jornalista independente do San Francisco Chronicle, Carl Nolte, conirmou o sucesso da iniciativa: “Você não precisava esperar pelos militares para que eles dessem o tom. A própria mídia se encarregou disso”. O controle era possível, porque grande parte das ofensivas foi executada diretamente dos aviões, o que tornou o acompanhamento dos fatos mais difícil para a imprensa. Só quando as batalhas atingem os campos é que os jornalistas adquirem maior capacidade de cobertura, mas as lutas em terra duraram apenas uma semana. Pela falta do que dizer, os jornalistas enfatizavam a aparência dos soldados, com os uniformes para proteção contra químicos, cantis e os equipamentos do exército. 33
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Durante a guerra, nenhum repórter tinha permissão de se deslocar sem acompanhantes do governo, geralmente oiciais, que os levavam para ver apenas o que era interessante divulgar conforme o ponto de vista dos aliados. A cobertura era feita em rodízio, o que signiicava que apenas um número reduzido de repórteres testemunhava os esforços de guerra. Suas reportagens eram enviadas a outros veículos de comunicação, portanto, a versão do que se vivenciava nos campos de batalha era bastante uniicada e restrita. Todas as matérias eram revisadas pelos militares, um processo que às vezes levava horas, ou — quando não estava de acordo com as expectativas dos aliados — dias. Eles não chegavam a censurar o material, ou mesmo modiicá-lo, mas a revisão — que não vinha sendo adotada desde a Guerra da Coreia — atrasava o envio das reportagens às redações, fazendo que, em alguns casos, se tornasse desatualizada. O processo, segundo o correspondente do canal americano NBC, Gary Matsumoto, “era bom para a biblioteca do Congresso americano, mas não para o programa noturno da tevê”.14 Um total de 1.351 reportagens foi produzido; apenas cinco chegaram ao Pentágono para revisão. Das cinco, quatro não sofreram modiicação. A totalidade das informações repassadas aos correspondentes vinha dos militares. Como resultado, as reportagens, em sua maioria, favoreciam a versão dos aliados. O impacto desse controle foi veriicado por um estudo do Freedom Forum (Fórum da Liberdade), fundação independente que defende a liberdade de imprensa.15 O levantamento mostrou que, três semanas antes do início da guerra, as “notícias de controvérsias” (negativas) ganhavam em número para as chamadas “ita amarela”16 (de apoio às tropas), numa proporção de quarenta e cinco a oito. Seis semanas mais tarde, os números se inverteram e as favoráveis aos militares tomaram a liderança, numa proporção de trinta e seis a dezenove.17 34
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O tratamento abusivo para com os jornalistas extrapolou o aspecto proissional, como airma o coronel aposentado do exército americano, David Hackworth: A verdade e a liberdade de expressão da imprensa foram duramente “espancadas” durante a Guerra do Golfo. Jornalistas tiveram o acesso restringido, levaram tiros de nossas próprias tropas, foram vendados, levaram pancadas com riles, foram presos, enganados sobre a estratégia de propaganda do alto comando militar, interrogados e tratados com arrogância total.18
Tamanha foi a indignação e as críticas públicas ao governo, que o Departamento de Defesa americano delineou seus Princípios para a Cobertura de Operações pela Mídia, uma declaração com nove itens que descrevia como essa cobertura seria dali em diante. O documento foi assinado pelo Comitê de Chefes de Birôs de mídia de Washington e pelo Pentágono em 11 de março de 1992. O documento permitia acesso de equipes (pools) de jornalistas pré-selecionados, que seriam enviados aos locais de operação num período de vinte e quatro a trinta e seis horas, inclusive aos campos de batalha; os assessores de imprensa militares agiriam como facilitadores, sem interferir no trabalho dos repórteres; e os sistemas de comunicação não seriam banidos, com exceção dos momentos em que a segurança estivesse em risco. Mas os dois lados não concordaram no que dizia respeito à “revisão por questões de segurança”, o que fez com que as organizações de mídia propusessem um décimo princípio: o material noticioso — textos e fotos — não será alvo de revisão. O Departamento de Defesa americano (DOD) não aceitou, alegando que isso precisaria ser feito para garantir segurança e o cumprimento das regras estabelecidas. Não houve acordo nesse ponto, e a mídia respondeu que desaiaria o Pentágono caso a aprovação fosse solicitada. 35
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O cuidado excessivo dos americanos era justiicado. Não havia, no Congresso, consenso em relação à guerra; a opinião pública estava dividida; e, devido aos avanços tecnológicos, o número de telespectadores acompanhando o conflito era alto. O anúncio da guerra, em 16 de janeiro de 1991, foi assistido pela maior audiência da história daquele país, um total de 120 milhões de pessoas.19 Apenas três fatos fugiram ao controle dos aliados: o bombardeio de uma fábrica de leite infantil; a destruição de uma casamata em Bagdá, causando a morte de civis; e o que passou a ser conhecido como “a estrada para a morte”, quando mil veículos do exército iraquiano foram destruídos. Na Grã-Bretanha, pesquisas de opinião mostraram que 80% do público eram a favor das restrições impostas à mídia.20 Um dado revelador é que apenas 2% das imagens usadas pela mídia mostravam soldados feridos ou mortos, resultado direto das imposições de censura aos jornalistas. Um estudo do Fórum pela Liberdade examinou 66 mil reportagens publicadas entre 1.º de agosto de 1990 e 28 de fevereiro de 1991. O resultado mostrou que a palavra mais usada durante a guerra foi “Vietnã”, presente 7.299 vezes,21 numa demonstração de que havia, por parte dos aliados, uma enorme preocupação com o impacto da cobertura. O então presidente George H. Bush usou o termo repetidamente como analogia invertida, ou seja, para mostrar que o país não seria vítima da mídia novamente. A “Síndrome do Vietnã” provou-se verdadeira e presente.
A exclusividade de Peter Arnett, da CNN As cenas televisionadas da Guerra do Golfo — na maioria, imagens de bombardeios noturnos — izeram surgir uma estrela no jornalismo internacional: o repórter Peter Arnett, veterano 36
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correspondente de guerra da CNN. Ele começou a carreira na National Geographic e icou conhecido por suas reportagens sobre a guerra do Vietnã quando, em 1966, ganhou o Pulitzer Prize, prêmio mais importante do jornalismo mundial. Para a CNN, ele trabalhou durante dezoito anos e foi nesse canal de tevê que seu rosto se tornou familiar para o mundo. Durante a Guerra do Golfo, Arnett foi o único jornalista a permanecer em Bagdá. No início, eram cerca de quarenta repórteres no Hotel Rashid, mas logo icou claro que apenas a CNN teria condições técnicas para transmitir as imagens do conlito. Já naquele momento, o repórter incomodou o governo americano. O Pentágono tentava expor ao mundo a precisão de seus bombardeios, enquanto o repórter insistia em mostrar imagens de civis mortos pelas ruas da capital iraquiana. No final de janeiro de 1991, trinta e quatro membros do Congresso americano enviaram carta à CNN acusando Arnett de exercer “jornalismo não patriótico”. Devido à sua postura crítica, o correspondente conseguiu uma entrevista exclusiva com Saddam Hussein uma semana após o início da Guerra do Golfo. Seis anos mais tarde, em março de 1997, foi ele também o primeiro jornalista ocidental a entrevistar Osama Bin Laden. Durante a Guerra do Iraque, Arnett — que havia deixado a CNN em 1999 — foi a Bagdá pelo canal de tevê americano NBC e pela National Geographic, mas essa situação logo mudou. Após conceder entrevista a um canal de tevê iraquiano, durante a qual disse que o plano de guerra dos aliados não havia funcionado e precisava ser refeito, ele foi demitido. No mesmo dia, 31 de março, o tabloide inglês The Daily Mirror, crítico voraz à guerra, o contratou. A manchete de capa do Mirror do dia seguinte estampava, ironicamente: “Demitido pela América por dizer a verdade. Contratado pelo The Daily Mirror para continuar dizendo”. 37
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Afeganistão (2001–presente) Neste conlito, que teve origem logo após os ataques de 11 de setembro, os jornalistas tiveram pouco acesso à informação, tanto às oiciais quanto às dos campos de batalha. O governo não permitiu que repórteres acompanhassem as tropas, as estações navais norte-americanas ou os navios. Só no inal de novembro de 2001, um mês após o início do conlito, é que alguns pools foram formados, mesmo assim, em quantidade insuiciente e condições que os impediam de trabalhar adequadamente, descumprindo o acordo feito entre associações de mídia e os Estados Unidos. Apenas doze proissionais participaram da equipe, que trabalhava com restrições; como não poder acompanhar as tropas nem entrevistar militares de alto escalão. Havia censura do material produzido, e em vários momentos tinham que cobrir eventos irrelevantes, como cerimônias de promoção e missas. Por esse motivo, a guerra foi coberta quase que exclusivamente por unilaterais, repórteres independentes, o que os colocava em perigo constante devido às características do terreno e geograia do país. Várias críticas foram feitas à então secretária adjunta de Assuntos Públicos do Departamento de Defesa americano, Victoria Clarke, que após o incidente com Peter Baker havia dito a seus editores que os militares americanos não eram responsáveis por correspondentes de guerra. Em entrevista coletiva, após pergunta dura, ela tentou se justiicar: Dentro do possível, temos feito o que nos solicitam, que é enlistar repórteres. Existe uma forte impressão de que as pessoas querem ver um pouco das operações militares, mas é muito difícil colocar jornalistas em um avião que despeja soldados no Afeganistão, no meio da noite. Então, trouxemos ilmagens de lá. Ainda não encontramos uma circunstância apropriada para permitir o trabalho de um pool da mídia. 38
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À época, Owen Ullman, do USA Today disse: O presidente tem comentado que está perdendo a guerra da opinião pública; o secretário (Donald Rumsfeld) também; sei que ele até perguntou a vários consultores de relações públicas sobre como melhorar essa imagem. Sugiro a você que existe uma relação direta entre perder essa guerra da comunicação e o fato de que o governo não tem dado maior acesso à mídia americana, o que talvez resultasse em uma cobertura mais equilibrada, como vocês desejam. Portanto, se existe a preocupação de como o conlito tem sido retratado nos Estados Unidos e no exterior, opino que o problema é o “engarrafamento” da mídia.
Victoria Clarke manteve encontros sistemáticos com as cheias de reportagem de diversos veículos, mas essas discussões tiveram pouco efeito. Tanto que no dia 5 de dezembro de 2001, repórteres do pool e fotógrafos foram coninados em um armazém para que não testemunhassem o retorno de soldados feridos na guerra. Essa foi a última gota em uma relação já desgastada. Houve reclamações de todos os lados do país, tanto que o Departamento de Defesa teve que se desculpar publicamente e reavaliar a maneira como estava tratando os veículos de comunicação. Como resultado, o Departamento esboçou um documento que traçava, em linhas gerais e ainda de forma precária, o sistema de enlistados, grande marca da guerra contra o Iraque, em 2003.22 Após o incidente do armazém, o governo liberou quarenta e seis repórteres para que acompanhassem os marines nos campos de batalha, e os independentes obtiveram maior acesso a militares no Afeganistão. A invasão continua, mas a previsão dos Estados Unidos é de que todas as suas tropas estejam fora do país até o inal de 2014. 39
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A cobertura jornalística em guerras anteriores Guerra
Características
Guerra da Crimeia (1854–1856) Guerra Civil Americana (1861–1865)
• Cobertura limitada (apenas o The Times) • Os duros ataques ao exército provocaram censura • Proliferação de correspondentes • Telégrafo impulsionou a divulgação da notícia • Jornalistas ficaram obcecados pela obtenção de
Segunda Guerra Anglo-Bôer (1899–1902)
• Censura rígida dos militares • Repórteres estrangeiros vistos como espiões • Avanço na tecnologia aumentou curiosidade por
furos de reportagem
imagens
• Cobertura teve pouco impacto na condução da guerra
Primeira Guerra Mundial (1914–1918)
• Um censor chefe foi nomeado para vetar telegramas e cartas
• Os correspondentes foram expulsos da França: ao retornar, foram submetidos a um rígido controle
• Câmeras assumiram papel importante nos esforços de propaganda
Segunda Guerra Mundial (1939–1945)
• Várias camadas de censura com diferente intensidade
• A BBC expandiu suas transmissões radiofônicas no exterior. Passou de sete a quarenta e quatro línguas
• Imagens suscetíveis a forte censura • Pela primeira vez, o público pôde assistir e ouvir a guerra
Guerra do Vietnã (1959–1975)
• Maior ênfase à propaganda • Jornalistas mostram os horrores da guerra • A mídia questiona os esforços de paz dos Estados Unidos
• A campanha de relações públicas dos EUA é duramente criticada pela falta de informação
Guerra das Malvinas (1982)
• Controle extremo. Apenas um número reduzido de • •
Guerra do Golfo (1991)
• • • • •
jornalistas britânicos obteve permissão para cobrir o conflito Imagens não foram veiculadas Jornalistas baseavam-se estritamente em fontes militares oficiais Os militares acompanharam de perto as reportagens Jornalistas tinham pouca liberdade: suas ações eram vigiadas por acompanhantes militares Toda reportagem foi monitorada Os militares não forneciam imagens Número limitado de jornalistas, que trabalhavam em esquema de rodízio, compartilhando reportagens e fotos
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Guerra Guerra do Afeganistão (2001–presente)
Características
• Pouca abertura dos Estados Unidos para a presença da mídia no local
• Criação de um pool com apenas doze jornalistas, mesmo assim, com acesso limitado e censura
• Após repórteres serem impedidos de ver soldados americanos feridos, em dezembro de 2001, o Departamento de Defesa delineou os princípios do sistema de enlistados, que seria usado na guerra contra o Iraque, dois anos mais tarde
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