Luiza Mahin - Amostra

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Luiz a Ma hin Os amores e a luta da líder da rebelião que reuniu todas as etnias para libertar os escravos e fundar um Estado Islâmico no Brasil

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Copyright © by Armando Avena 1a edição – Novembro de 2019 Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Editor e Publisher Luiz Fernando Emediato Diretora Editorial Fernanda Emediato Estagiário Luis Gustavo Barboza Capa e Diagramação Alan Maia Revisão Josias A. de Andrade

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD A951l Avena, Armando Luiza Mahin e o estado islâmico no Brasil / Armando Avena. - São Paulo : Geração Editorial, 2019. 232 p. ; 15,6cm x 23cm. ISBN: 978-85-8130-431-1 1. Literatura brasileira. 2. Romance. 3. Romance histórico. I. Título. 2019-1925

CDD 869.89923 CDU 821.134.3(81)-31

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índices para catálogo sistemático 1. Literatura brasileira : Romance 869.89923 2. Literatura brasileira : Romance 821.134.3(81)-31

Geração Editorial

Rua João Pereira, 81 – Lapa CEP: 05074-070 – São Paulo – SP Telefone: +55 11 3256‑4444 E-mail: geracaoeditorial@geracaoeditorial.com.br www.geracaoeditorial.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Oh! por isso, Maria, vês, me curvo Na face do presente escuro e turvo E interrogo o porvir; Ou levantando a voz por sobre os montes, — “Liberdade”, pergunto aos horizontes, Quando enfim hás de vir? Castro Alves

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Sumário

TUMBEIRO…11 I............................................................................13

A NOITE DO DESTINO…19

LUIZA…29 I............................................................................31 II...........................................................................38 III.........................................................................45 IV.........................................................................52

AHUNA…59 I............................................................................61 II...........................................................................64

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A UNIÃO DOS DEUSES…73 I............................................................................75 II...........................................................................83 III.........................................................................88

SABINA E SULE…91 I............................................................................93 II...........................................................................97 III.......................................................................102

FERRAZ…105 I..........................................................................107 II.........................................................................113 III.......................................................................118 IV.......................................................................125

MORTE NA MESQUITA NEGRA…131 I..........................................................................133 II.........................................................................138 III.......................................................................143 IV.......................................................................146

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Armando Avena — 9

A REVOLTA…151 I..........................................................................153 II.........................................................................158 III.......................................................................164 IV.......................................................................168 V.........................................................................174 VI.......................................................................180 VII......................................................................184 VIII.....................................................................188 IX........................................................................191 X.........................................................................195 XI........................................................................198 XII......................................................................202 XIII.....................................................................212 XIV.....................................................................215 XV......................................................................218 XVI.....................................................................222

EPÍLOGO…227

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TUMBEIRO

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I É pérola a noite no porão do navio, mas o luar ilumina apenas a dor e o sofrimento. O Henriqueta cruza o Atlântico lentamente, e houvesse atalhos no mar, ele os trilharia todos, para assim chegar mais cedo ao seu destino. Os que nele viajam sabem que a lentidão alongará a agonia, mas a rapidez pode significar desgosto maior: é triste o destino dos que veem o futuro como um espectro de mãos vazias. A luz prateia o brigue, e a tripulação amaldiçoa a lua que parece a serviço dos ingleses. A claridade expõe o porão onde, amontoados em compartimentos separados por frágeis biombos, homens e mulheres, crianças e adultos, já mais velhos, viajam assentados em filas paralelas, tão próximos ao casco, que o balanço do mar e o cheiro forte do material usado na calafetagem recente embrulham os estômagos mais delicados, e o odor acre de vômito inunda o local, para logo se dissipar misturado ao fedor acerbo que exala dos costados da proa e da popa onde se localizam os vasos que recolhem os excrementos. Ahuna não sabe se é o mau cheiro, a posição incômoda ou o ódio o que impede o encontro dos seus olhos com o sono. Acorrentado por argolas de ferro presas ao casco do navio, ele olha os homens ao seu redor. Resignada, a maior parte deles livrou-se das correntes submetendo-se às ordens e aos ditames violentos dos capatazes, uns poucos permanecem aguilhoados aos ferros e à sua revolta; todos, porém, parecem desolados, órfãos em sua escravidão. Soltos, muitos deles prefeririam jogar-se ao mar, trocando a escravidão em vida pela liberdade na morte.

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Entregue a um sono buliçoso, o companheiro a quem Ahuna está atado pela corrente que perpassa as argolas, desperta de repente e, desarvorado, indaga, ofegante: — Já chegamos? Já chegamos? — Não. Acho que ainda há muito mar pela frente — responde Ahuna. — Graças a Oxalá, meu pai — comenta o negro com alívio. Ahuna indaga, ríspido: — Dá graças por continuar neste inferno? — Talvez lá o inferno seja maior, meu amigo. Era esse o meu pesadelo. — Nem pesadelos eu tenho. Já não sonho mais — retruca, com uma expressão resignada. — Lá se vão quarenta dias, nem um sonho todo esse tempo? — Não — responde Ahuna, irresignado. — Em terra, na noite em que me fizeram prisioneiro, eu sonhei pela última vez. Ardia em febre por causa do ferimento, e quando dei por mim estava dando voltas ao redor de uma árvore. Depois, um homem branco acercou-se, ajustou as correntes em minhas mãos e levou-me, sem que eu esboçasse qualquer reação. “Um guerreiro não se deixa prender sem reagir, o que foi feito de mim?”, indaguei ao meu carcereiro. “Esta é a Árvore do Esquecimento”, respondeu e então contou-me o que se havia passado: “Durante um dia e uma noite nós o obrigamos a dar voltas em torno dela, e cada volta destruía um pouco da sua memória. Quando já não havia reminiscências foi fácil vencê-lo”. “Então não tenho mais passado?”, perguntei, assustado. E o homem branco respondeu: “Não, você não tem passado e não terá futuro”. Com medo de ouvir a contestação, indaguei: “O que sou eu, então?” E o homem branco respondeu: “Você é um escravo”. Acordei no meio da noite tomado por uma estranha nostalgia e, desde então, nem pesadelos tenho. — Mas foi apenas um sonho, você não acredita nele, não é mesmo? — replicou o companheiro a seu lado, tentando consolá-lo. — Eu acredito. Eles destituíram-me de tudo, arrancaram meu passado e eliminaram meu futuro.

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— E o que ficou, então? — A capacidade de rebelar-me. Revolto-me, só por isso existo — respondeu Ahuna, com raiva. — E desde então você nunca mais sonhou? — Não. Um escravo não pode sonhar. Um escravo pode apenas revoltar-se! *

*

*

De repente, a voz de uma menina entoa uma canção tribal, e Ahuna põe as mãos no rosto e chora. E os versos, entoados como se fossem uma canção de ninar, fazem surgir por toda a parte pequenas pérolas brilhantes que logo se desfazem rolando nas faces negras. Olhos desolados buscam a origem do som que lhes cutuca o espírito, e à tristeza vem juntar-se uma estranha esperança. Sem que possam vê-la, a menina transforma o último verso da canção num refrão, a senha que faz cada boca cantar com ela. — É a princesa... — Os brancos lhe deram o nome de Luiza. — Luiza… Princesa. *

*

*

A luz do luar prateia o porão do tumbeiro, e a dor faz chorar as mulheres. E tanto choraram nesses dias, que as lágrimas, se doces fossem, poderiam matar a sede de muitas delas que sofrem com a pouca água que lhes dão. Algumas choram pelos filhos que deixaram mortos ou por aqueles que, fugindo do cativeiro, embrenharam-se nas matas preferindo a morte nos pântanos ao suplício nos negreiros; outras pranteiam os maridos, mortos tentando salvá-las, e há ainda aquelas que choram a pecha de adúlteras, inventada pelo próprio companheiro, para assim adquirir o direito de vendê-las como escravas. As lágrimas não vertem apenas pelo que ficou em terra, são gotas de desespero minadas do horror com o que se depararam no

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tumbeiro que as carrega mar afora, e tanta dor encontraram elas a bordo, que não podem imaginar haver suplício pior no porto onde aportarão. Por vezes, o desgosto é tanto, que muitas desistem da vida, negam-se a comer a mirrada ração; outras não se negam a nada, tampouco nada querem, apenas enlouquecem em meio à viagem e, se pudessem, dariam graças aos deuses por lhes conceder a dádiva da loucura. Não raro, um tripulante desce ao porão e arranca de lá uma adolescente que, se já não tinha alegria, deixa no convés o resto de esperança reservada para a nova terra. E nem sempre vêm dos tripulantes o sofrimento e a agonia, os cativos tratam de dar seguimento à violência e à humilhação; e quando podem, atacam e estrupam as negras, às vezes com rudeza maior, embora depois tenham a cabeça rachada pelo cabo do mosquetão do capataz. A negra Edum acaricia a cabeça da jovem negra que repousa em seu colo. Consolando-a, tenta aplacar sua revolta: — Não chore, há que ser forte quando nada mais se tem a perder. — Não suporto mais este inferno — retruca, indignada. — O cheiro, os excrementos, os homens a bolinar-me a cada instante; e não só os brancos, mas também eles, os da minha raça, que quanto mais famintos, mais parecem desejar essa carne que não alimenta. Quero chegar logo, não importa aonde, quero chegar. Quero estar de novo em terra, ver o sol brilhar, mesmo que não seja meu sol. — Não há brilho no sol do desterro — replica Edum, amargurada. A jovem levanta a cabeça, e no fundo dos seus olhos cintila um desejo: — Não importa que a terra que me espera não seja minha, ainda assim é terra e, mesmo cativa, poderei passear pelos campos, andar pelas ruas, mirar as estrelas. Qualquer coisa será melhor do que esta prisão dos mares. Edum retruca com desaprovação: — Será que você não entende! Nunca mais seremos livres. A desgraça tomou nossa liberdade. — Ninguém pode apoderar-se inteiramente da liberdade alheia. Algo de bom nos espera.

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— Engana-se, eles apoderaram-se da nossa alma. — A jovem volta a chorar, o rosto novamente assentado no colo da amiga. Edum levanta-lhe a cabeça e vaticina: — O que nos espera é a escravidão, e ela vai destituir-nos de tudo, arrancará nosso passado, dominará nosso presente e extinguirá nosso futuro. A jovem indaga, chorosa: — Então, o que nos resta? — Revoltar-se. *

*

*

De repente, a voz de uma menina entoa uma canção tribal. Edum põe as mãos no rosto e chora. E os versos, ditos em tom baixo e suave, fazem surgir por toda a parte pequenas pérolas brilhantes que logo se desfazem rolando nas faces negras. Os olhos desolados buscam a origem do som que lhes cutuca o espírito, e à tristeza vem juntar-se uma estranha esperança. Então, sem que possam vê-la, a menina transforma o último verso da canção num refrão, a senha que faz cada boca cantar com ela. — É a princesa... — Os brancos lhe deram o nome de Luiza. — Luiza... Princesa. A noite continua triste no porão do navio, mas a música consola a alma de quem ouve.

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