A mulher dos sapatos vermelhos

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Carlos Herculano Lopes


Para Soraia Piva, que inspirou a crônica que dá título ao livro; Humberto Leão Sette, o Betão, e Adão Ventura, pela lembrança.



Sumário Um drinque na noite……9 Estou grávida!……12 Tempos de Lilian……17 O Julinho de Campos Altos……21 O piloto português……25 O vulcão de Nova Lima……31 A vizinha incômoda……35 O fazendeiro……39 Amores perros……43 O irmão……47 Entre amigas……51 As decisões de Marisa……55 Papai está namorando……59 Tio Juquinha……63 Até quando?……67


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Uma aventura legal……71 São Paulo em quatro tempos……75 O parto……79 Anabela……83 A mulher e o passarinho……87 Os olhos de Durvinha……91 A crônica prometida……95 Trinta e cinco anos depois……101 Num bar de Ribeirão Preto……105 O caseiro Lionel……109 O cigano e o besouro……113 O cigano e o coronel……119 Sabiá madrugador……123 A volta do madrugador……127 Manhã no Serro……131 Rumo a Canudos……135 Como o diabo gosta……139 Lembranças de menino……143 Céu de Mapiá……147 A escrava Mercês……151 O presente dispensado……155 As montanhas do Sul……159 O sumiço da faquinha……163 O pentelho e o pentelhinho……167 Dia adentro……171 A mulher dos sapatos vermelhos……175 Sobre o autor……179


Um drinque na noite

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bar estava cheio quando ele chegou. Tinha resistido em sair de casa até quase às onze horas, quando finalmente decidiu. Era sábado, a noite estava bonita, e ele se sentia muito sozinho. Trocou de roupa, passou um perfume discreto, que havia trazido de sua última viagem a Miami, aonde ia todos os meses a trabalho. Em seguida, desceu até a garagem, pegou o carro e saiu. Não havia pensado em nenhum lugar especial. Resolveu aventurar-se; ir rodando pela cidade até ver onde parar. Portanto, não vacilou quando viu aquele bar movimentado, com muita gente na calçada, rapazes e moças bonitas,


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com latinhas de cerveja nas mãos. Por sorte, nas proximidades tinha um estacionamento. Minutos depois, não sem certa dificuldade, pois a casa estava cheia, conseguiu se assentar em um banquinho junto ao balcão, onde um solícito garçom trouxe o uísque como ele gostava, com bastante gelo. A princípio, como pensou depois, rememorando aqueles instantes, não prestou atenção naquela mulher, que estava uns três metros dele, também sozinha. Deu um trago na bebida, acendeu um cigarro e, como ali tinha música ao vivo, começou a ouvir as canções, quase todas MPB, que um rapaz, com certa indiferença, mas com uma bela voz, desfiava no violão. “O repertório dele é ótimo”, pensou o homem. Das frustrações que trazia, uma delas era não saber tocar um instrumento. Agora não tinha mais vontade de aprender. Também, a vida e os tantos negócios com os quais era envolvido, não lhe davam tempo. Estava assim, entregue a esses devaneios, quando o garçom, com a mesma presteza de antes, chegou até ele e perguntou: “Mais um uísque, doutor?”. Respondeu que sim, acendeu outro cigarro e só então, involuntariamente, ao voltar os olhos para o lugar onde estava a mulher, essa ergueu o copo, fez um brinde e sorriu, como se fossem velhos conhecidos. Tímido como sempre, o homem ficou perturbado, a princípio pensou que não era para ele, e só com muito custo conseguiu retribuir o gesto. O


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cantor, sozinho com o seu violão, depois de ter feito um pequeno intervalo, agora cantava antigos sucessos dos Beatles. O movimento do bar, desde que o homem chegara ali, parecia ter se multiplicado. Desconfiado como sempre, além da autoestima que nunca tinha sido lá grandes coisas, ele pensou, depois de dar mais uma golada no uísque: “Será que ela está a fim de mim ou é apenas uma garota de programa?”. Logo em seguida, censurou-se, já arrependido de ter feito tal juízo. Sozinho desde a separação, há quase três anos, estava a fim de arranjar uma nova companheira. Quase sem perceber, então, voltou a olhar para o lugar onde a mulher estava, mas não a viu mais. Sem saber por que, como também pensou depois, ele entrou em uma espécie de pânico, para não dizer de desespero. Chamou o garçom, pediu uma água mineral e perguntou ansioso, quase gaguejando: “Você conhece aquela mulher de vestido preto que há pouco estava ali?”. “Claro que sim, doutor, ela é irmã da dona do bar”, respondeu. “E você tem ideia de aonde ela foi?” “Cris é assim mesmo, deve estar dando umas voltas por aí”, falou o garçom, para depois ir atender a um novo cliente. “Será que ela foi embora, meu Deus?”, pensou o homem, já com a certeza, romântico que era, de talvez ter perdido o grande amor da sua vida. Mas ele estava enganado, pois daí a alguns minutos, depois de voltar do banheiro, olha quem se encontrava lá, no banquinho de sempre: a mulher,


que lhe abriu o mesmo sorriso e fez-lhe outro brinde. Então, aquele homem, enchendo-se de coragem, deixou seu lugar, aproximou-se dela, estendeu-lhe a mão e, com o coração disparado, depois de dizer-lhe o nome, convidou-a para acompanhá-lo em um drinque.

Carlos Herculano Lopes

PS – Esta crônica é para Vinícius Gomes, no Barro Preto, em Belo Horizonte.

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20 de janeiro de 2009


Estou grávida!

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uma sexta-feira destas, as seis e pouco da tarde, muito frio em Belo Horizonte, o homem pegou o Circular 2 na Avenida Getúlio Vargas, quase esquina da Afonso Pena. Ia para casa, nas proximidades da Praça da Assembleia, onde pretendia caminhar, como vinha fazendo nas últimas semanas. Havia engordado muito, aquilo o incomodava, e queria imitar um amigo, que, nos últimos três meses, com muita disciplina e boca fechada, perdeu 10 quilos. “Senão vira uma bola de neve, e depois fica difícil voltar ao normal”, havia lhe dito sua cardiologista, em cujo consultório estivera dias antes. O trânsito, àquela


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hora, estava infernal, pior do que nos outros dias. “Talvez pelo fato de ser sexta-feira”, ele pensou, quando, após pagar a passagem a um trocador com cara de sono — e de poucos amigos — procurou uma cadeira em frente à porta de saída para facilitar sua vida na hora de descer. No ponto seguinte, alguns minutos depois, assentou-se a seu lado uma morena, que devia ter no máximo 18 anos. Cabelos curtos, dois piercings nas sobrancelhas, era uma típica menina da sua geração. Carregava ainda uma mochila, que, sem maiores cerimônias, acomodou no chão. Parecia tensa. Pegou o celular, olhou para uma foto estampada no visor, e começou a verificar as mensagens. O ônibus não andava, e, no quarteirão seguinte, bem antes de chegar à Savassi, já estava completamente lotado. Mas os passageiros não paravam de entrar. O buzinaço era geral, e, do outro lado da pista, para completar a cena, uma viatura da polícia, com sirene ligada, tentava abrir espaço a qualquer custo. “Por que não fui embora a pé?”, pensou o homem, que ofereceu seu lugar a uma senhora. “Obrigada pela gentileza, mas vou descer ali na frente”, ela disse, deu o sinal e sorriu para ele. Nisso, o celular da moça, que continuava na mão dela, começou a tocar uma música do Pato-Fu. Ansiosa, como se estivesse esperando por aquele sinal, ela atendeu. O trânsito não fluía, e o homem, mais uma vez, não se perdoou por não ter ido a pé para casa, e também por não ter, àquela hora, nenhuma vontade de descer do ônibus e, ali mesmo, começar sua caminhada.


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Celular no ouvido, teve início então, entre a moça e seu interlocutor, que estava sabe-se onde, um diálogo dos mais íntimos, do qual todos ali, espremidos naquela “lata de sardinha”, involuntariamente acabaram participando. No início, tentando deixar a conversa para mais tarde, “quando a gente se encontrar lá em casa”, ela ainda tentou despistar, desviar o assunto, mas como o outro, do outro lado da linha, não parava de insistir, a moça então perdeu a paciência e, após olhar rapidamente ao redor, disse em alto e bom tom, já com a voz meio embargada, como se fosse chorar: “Estou sim, Thiago, estou grávida!”. Duas mulheres, que tagarelavam na cadeira ao lado, silenciaram. Outra, que estava em pé, meio encostada na moça, olhou para ela assustada, enquanto levava a mão à boca. “Grávida, Thiago, estou gráaavida..., você não ouviu?. O exame deu positivo, acabo de voltar do hospital, e estou com ele aqui, dentro da minha mochila, sem saber o que será da minha vida.” Silêncio geral; dentro do ônibus, que, àquelas alturas, já havia entrado na Avenida do Contorno. Do outro lado da linha, onde talvez o pobre Thiago, tão assustado quanto a namorada, não estava sabendo o que responder. “O quê? Fazer aborto? Você ficou louco?”, a moça disparou, enquanto voltava a olhar ao redor, como se ela própria não estivesse entendendo o que se passava. A mulher que estava encostada nela fez de novo uma cara de espanto, enquanto as duas outras,


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na cadeira ao lado, também prestavam atenção na conversa, assim como muitos no ônibus. O homem, que estava ao lado da moça, também ouvia, e tentava desviar o olhar para não constrangê-la ainda mais. “Eu falei, Thiago, falei que não podia, mas você insistiu”, ela também disse, agora um pouco mais calma, mas ainda com a voz embargada. Instantes depois, após um breve silêncio, ela tornou a dizer, antes de finalmente desligar o telefone e, dois quarteirões depois, dar o sinal para descer: “Não dá para falar mais, Thiago, nãaao dá, estou dentro de um ônibus, com um montão de gente perto de mim, você não percebe?”. “Fica assim não, minha filha, fica assim não; nessa vida, tudo se resolve”, a mulher, que estava ao seu lado, falou, quando a moça pegou a mochila e começou a se levantar. “Brigado, dona brigado”, ela então respondeu, voltou a olhar ao redor, e desceu. Já eram mais de sete da noite, estava frio, e o homem, que em seguida também deu o sinal, já não tinha certeza se queria mesmo caminhar. 5 de junho de 2007


Tempos de Lilian

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o final dos anos de 1960, quando me apaixonei pela primeira vez, existia um projeto de se construir uma catedral onde hoje é a Praça Milton Campos. Chegaram a começar a obra, que acabou não indo para frente. Mas os padres celebravam missas lá e todas as tardes de domingo, na companhia da tia Neusa Beirão, com quem morava, eu ia assisti-las. Numa daquelas ocasiões, fiquei conhecendo Lilian: morena, de olhos verdes, ela estava com sua mãe, que, por coincidência, era colega de trabalho da minha tia, e moravam ali perto, na Rua Palmira. Lá também vivia Mônica Sartori, hoje artista plástica famosa.


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Minha amiga desde aquela época, eu ia muito à sua casa, perto da qual existiam mangueiras imensas. Todas foram cortadas para a construção de edifícios, destino dado a dezenas de outras árvores no Bairro da Serra, um dos mais bonitos de BH. Ainda na Palmira, perto da nossa casa, também viviam com a família Heltinho Brant Aleixo, um dos atletas mais completos que vi, e sua irmã Eliane, anos depois nossa colega no Estado de Minas, e titular da Seleção Brasileira de Vôlei. O cartunista Mário Vale, que não morava lá, provavelmente nem sonhava em conhecer Mônica Sartori, com a qual está casado há tempos. Terminada a missa, ocorreu de a minha tia sair da igreja conversando com a amiga; Lilian e eu, que íamos um pouco atrás, a princípio não trocamos palavra. A timidez não deixava. Por sorte, fui salvo por uma camisa do Colégio Arnaldo, que estava usando. “Meu irmão também é de lá”, ela disse. Como eram duas séries na minha frente, eu não sabia dele. Em seguida, mais à vontade, aquela menina, bem mais alta do que eu, disse que estudava no Sacré Couer de Marie. Perguntei se conhecia minha prima, Maria Helena. “De vista, acho que sim. Minha mãe já falou dela”, respondeu. Na porta do nosso prédio, que ficava na esquina com Rua Dona Cecília, minha tia e a amiga ainda ficaram conversando uns 10 minutos. Lilian e eu também. Quando estávamos subindo a escada, tia Neusa falou: “Estou


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achando que você gostou dela. É uma menina muito boa”. Percebi que fiquei vermelho. De vergonha, não respondi nada. Mas já me sentia completamente apaixonado. Só uma coisa incomodava: “Será que ela havia visto que eu estava calçado com um sapato de borracha?”. Custei a esperar o domingo seguinte, quando novamente fomos à missa, dessa vez eu de tênis novo, pois toda a minha mesada foi destinada para comprá-lo. Nem me importei de ir o resto do mês a pé para o colégio. Lilian estava lá, mas em um banco bem longe do nosso. Terminada a missa, dei um jeito de falar com a minha tia: “A amiga da senhora está ali”. Ela sorriu e, maravilhosa que era, deu um jeito de cumprimentá-la, puxar conversa e, outra vez, viemos juntos. Hoje, sei que fez aquilo para me agradar. Na despedida, criei coragem e disse à Lilian: “Posso ir ao seu colégio amanhã?”. “Será?”, ela sorriu. No dia seguinte, pouco antes de as aulas terminarem, eu estava lá. Ainda mais linda de uniforme, a menina, quando me viu, se despediu de uma colega e veio conversar comigo. Passei a ir encontrá-la quase todas as tardes e continuamos a nos ver nas missas. Cada vez mais apaixonado; não quis acreditar quando, num domingo, ela me disse, depois de pegar na minha mão: “Meu pai foi transferido e vamos nos mudar de novo”. “Para onde?”, perguntei. “Para a Paraíba”, foi a resposta que ouvi. Alguns meses depois, Lilian me enviou uma única carta e nunca mais nos vimos. Mas um dia desses, ao passar pela Praça


Milton Campos, onde, nos idos dos anos de 1960, pensaram em construir uma catedral, me peguei lembrando dela. Da tia Neusa Beirão, de Mônica Sartori, dos irmãos Brant Aleixo e então resolvi contar esta história. PS – Essa crônica é para Conceição Perez, pelos deliciosos picolés de pequi trazidos de Sete Lagoas.

Carlos Herculano Lopes

10 de março de 2009

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O Julinho de Campos Altos

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dolescente, vivendo sozinho em Belo Horizonte, anos de chumbo, solidão e censura, ele quase não acreditou quando, naquela tarde de domingo, baile de carnaval no Olímpico, ela começou a olhá-lo. Tinha os cabelos castanhos, que quase lhe batiam na cintura, os olhos esverdeados, boca grande e algumas pintas no rosto. Devia ter a sua idade, ou pouco menos. Uns 15 anos, talvez. Não estava fantasiada, como a maioria das outras garotas, e ele nunca a tinha visto no bairro. “Será que é para mim que ela está olhando?”, pensou, de tão impossível parecia aquela possibilidade. Há três anos na cidade, sotaque meio cantado,


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que servia de gozação para os colegas do colégio, além da crônica timidez, que ainda o acompanhava, continuou onde estava, encostado na parede e conversando com um amigo, vizinho de prédio. De repente, esse, que se chamava Roberto, disse: “Aquela menina ali não tira o olhos de você; se fosse comigo, eu ia lá”. E apontou o dedo para ela, que sorriu. Mais desconcertado ainda, ele olhou para o chão, e continuou assim por uns segundos, até que, de repente, depois de atravessar o salão com passos decididos, ela chegou e disse: “Vamos pular um pouquinho?”. A banda tocava velhas marchinhas, ele se encheu de coragem, o coração disparou. Começaram a dançar, já abraçados. “Meu nome é Cris, e o seu?”. “Me chamo Thiago”, ele respondeu meio sem jeito, e continuaram a conversar, enquanto pulavam. “Estudo no Assunção, logo ali embaixo. E você?”. “No Arnaldo”, ele disse, tentando ficar mais à vontade, mas ainda sem conseguir engatilhar um assunto. O colega, àquelas alturas, também havia se arranjado com outra garota, conhecida dele, que morava lá mesmo na Serra. Passou perto, disse alguma coisa que ele não entendeu, pois o som estava muito alto, e sumiu no meio do salão. Como se estivesse sonhando, pois desde que chegara a Belo Horizonte não conseguira arranjar namorada, ele rodopiava com aquela deusa de cabelos castanhos, boca grande e olhos esverdeados. Era o homem mais feliz do mundo.


4 de novembro de 2008

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E já se via, daí a uns dias, indo com ela ao cinema. Tomando sorvete no Xodó, passeando no Parque Municipal, apresentando-a aos colegas, que morreriam de inveja. Sonhos e devaneios, até que veio o intervalo. Cris, mais uma vez tomando a iniciativa, pegou a mão dele, sorriu, e convidou: “Vamos tomar uma Coca lá fora?”. “Vamos sim”, ele respondeu, não se contendo de alegria. Compraram os refrigerantes, dois sacos de pipoca, saíram do salão e foram para a quadra, onde se sentaram em um banquinho, debaixo da mangueira. Continuavam de mãos dadas, falavam de várias coisas, ele já mais à vontade. Até que a garota, mais uma vez ela, se virou e disse: “Feche os olhos”. Em seguida, depois de acariciar seu rosto, beijou-o na boca, de um jeito que ele jamais experimentara. Era um sonho. Só podia ser um sonho, pois daí a pouco a Cris, depois de beijá-lo outra vez, não se conteve e falou, com toda a inocência de menina: “Tive um namorado que se parecia muito com você. Era a sua cara...”. Em seguida, veio o golpe final: “Posso pensar que você é ele, o Julinho de Campos Altos?”.



O piloto português

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inas e suas histórias. Minas e seus memorialistas fantásticos. Só para citar alguns, pois a lista é extensa, falo de Pedro Nava, Cyro dos Anjos, Passos Maia, Joaquim Felício dos Santos e Joaquim de Salles. Esse vem a ser do Serro, onde também viveu Geraldo de Azevedo Freire, outro memorialista de primeira. Seu livro Caminhos da Memória publicado depois da sua morte, ocorrida em 1990, é um exercício de alumbramento, capaz de comover pela maneira simples e segura como o escritor conduz suas histórias. Dia desses, relendo-o, com o mesmo encantamento da primeira vez, me deparei com uma


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delas: a de José Costa, um piloto português que, em 15 de janeiro de 1937, como deliciosamente está registrado em Caminhos, foi obrigado a fazer, com o seu avião, um pouso forçado na zona rural do Serro. “Esse piloto — americano naturalizado — saiu num voo sem escalas dos EUA para a Argentina, passando pelo Brasil. Logo no Nordeste, perdeu a rota e, não se sabe como, veio dar com os costados nas velhas plagas serranas. Um roncar tremendo rompeu o silêncio dum entardecer que prometia trovoadas. Voando baixo, ele deu umas voltas sobre a cidade, ante um povo apavorado, perplexo. Depois tomou a direção do Leste, para os lados da Boa Vista, a uns seis quilômetros de distância. Dentro de pouco tempo, veio a notícia: ele desceu lá...”. Na mesma noite, com estardalhaço, todas as rádios do Rio, São Paulo e Minas começaram a anunciar o desaparecimento da aeronave, ao que as autoridades do Serro, mais que depressa, passaram um telegrama para o governo, em Belo Horizonte, anunciando a boa-nova: o avião estava lá. Nessas alturas, como escreveu Geraldo Freire, Sá Chiquinha, lá do Leiteiro, já havia enrolado a língua e passado mal. O Chico de Sá Bininha correu, “pegou a espingarda e ficou esperando para ver o que ia acontecer”. Dona Mariazinha Benta se mandou para o quarto, “chamou as duas filhas — já velhas —, acenderam uma vela e começaram a rezar uma ladainha”. E as coisas foram evoluindo.


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Menino ainda, Geraldo Freire, como todos no Serro, também não pensava em outra coisa, a não ser naquele fato extraordinário. Nem trabalhar na padaria, onde ajudava seu pai, estava conseguindo mais. Só tinha pensamentos voltados para o avião, que havia pousado na Boa Vista, para onde, naquela noite, seguiram alguns homens, que não só encontraram o “monstro”, como também o José Costa, “um rapagão alto, moreno, muito simpático, que viera com eles e estava hospedado no Hotel Glória, dormindo”. “Então, todo o pensamento serrano voltou-se, dali para frente, para o hotel. E a cidade vibrava! Pela primeira vez a gente podia escutar o nome do Serro em todas as emissoras de rádio...”, conta o escritor, que no dia seguinte também estava lá, na porta do hotel, na expectativa de ver o José Costa, saber como ele era, talvez até tocá-lo. Por não saber falar português, pois havia sido criado nos EUA, tentava se comunicar com os nativos por meio de gestos, até que dois filhos da terra, Antônio Tolentino e João Serrano, que arranhavam o inglês, resolveram o problema. E o piloto virou celebridade, uma espécie de ser de outro planeta, ao mesmo tempo em que começaram as romarias para Boa Vista, onde se encontrava o avião. Geraldo Freire, como todos os conterrâneos, também foi lá. “Fiquei deveras fascinado quando me abeirei do ‘condor’ abatido! Era um aparelho grande, monoplano,


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com um só lugar. Me assentei na cadeira do piloto, e quando voltamos, eu estava plenamente realizado.” Nos dias seguintes, como não poderia deixar de ser, José Costa passou a ser a figura mais importante do Serro, convidado para todos os bailes, jantares e piqueniques. Como não tinha outra roupa, a não ser seu uniforme, o prefeito, em pessoa, mandou fazer um terno para ele, de casimira azul, que lhe foi oferecido, ainda acompanhado de camisa e gravata. As moças ficaram encantadas com o rapaz, mas só uma delas, Elgita Guerra, conseguiu tomar conta do coração do nosso extraviado “portuga”. Enquanto isso, para a Boa Vista, onde permanecia o avião, centenas de pessoas, de toda a região, continuavam a se dirigir, e Geraldo Freire, obviamente, voltou lá outras vezes, onde até apareceram uns botecos improvisados, para melhor atender os curiosos. Mas, como o que é bom dura pouco, alguns dias depois, “terminada a desmontagem do aparelho”, feita com a ajuda de oficiais brasileiros, chegou a hora de José Costa ir embora. “O outro avião tinha dois lugares, mais uma cabine atrás da outra; e eram abertas, de modo que a gente via perfeitamente a cabeça dos pilotos, fazendo aumentar mais ainda a nossa emoção”, conta Freire, que também estava presente àquela despedida. Antes de sumirem no horizonte, os dois “ases” fizeram evoluções sobre o Serro e começaram a jogar, “aos montes, boletins — verde e rosa — que vieram a cair em todas as ruas e


2 de dezembro de 2008

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PS – Esta crônica é para Carlos Freire, Cristina e filhos, nos Estados Unidos, e pela lembrança de José Maria da Lapa Aguiar, o Lapinha.

Carlos Herculano Lopes

arredores. Numa redação bonita, repassada de gratidão, José Costa se despedia do povo serrano”. Geraldo Freire confessa ter guardado durante anos um desses boletins e Elgita Guerra, a musa do piloto, recebeu, dias depois da sua partida, “uma valiosa joia, um anel”, no qual José Costa manifestava a sua “eterna” admiração e prometia um dia voltar ao Serro. Só que isso nunca ocorreu. Tudo virou memória.



O vulcão de Nova Lima

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onsta que Dom Quixote, depois de ter lido um número sem conta de romances de cavalaria, deixou-se influenciar por aquelas histórias e, alçando armadura e espada, arranjou um pangaré velho; fez de Sancho Pança seu fiel escudeiro; de Dulcinéia Del Toboso, musa inspiradora, e saiu pelo mundo acreditando nos seus devaneios. O resultado de tudo isso, para quem conhece o livro do espanhol Miguel de Cervantes — um dos maiores da literatura universal de todos os tempos — não é novidade para ninguém. Não imagino se o moço — que uma manhã dessas me levou a Nova Lima, aonde fui conversar com os alunos do


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Liceu Santa Maria Imaculada, a convite da professora Zoí Liboni Chougais —, já tenha ouvido falar do famoso Cavaleiro Andante, ou Da Triste Figura, como o denominava seu criador. No entanto, algo nele, que confessou ser leitor voraz, não de aventuras de cavalaria, mas de tudo o que diz respeito a tremores de terra, vulcões e outras catástrofes, me fez lembrar, em certo momento, Dom Quixote. Logo depois de ter me buscado em casa, assim que começamos a subir a Avenida Raja Gabaglia, ele foi dando um jeito, depois de pequenos comentários sobre futebol e política, de bandear para o seu assunto preferido: “O senhor viu, amigo, o estrago que aquele vulcão que entrou em erupção na Islândia está fazendo na Europa, deixando muita gente na mão e dando milhões de dólares de prejuízo? E aquela fumaça negra, como se fosse o fim dos tempos, cobrindo tudo com suas cinzas, ameaçando as pessoas?”. Antes mesmo que respondesse sim, eu vi, ele foi emendando, num tom meio apocalíptico. “Não vamos demorar a ter um desses, de grandes proporções, no Brasil, e também em Minas, onde as evidências são muitas. As consequências serão as mais terríveis, com milhares de mortos.” Nisso, o carro, depois de deixarmos a Raja Gabaglia, começou a passar em frente ao BH Shopping. “Está vendo esta quantidade de prédios? Jamais poderiam ter sido feitos nesse local, pois tudo aqui é terra de minério, movediça...”


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Ainda não eram sete da manhã, e fazia um friozinho gostoso, quando, daí a pouco, pegamos a estrada de Nova Lima. Pista duplicada, que nem de longe lembra aquela estradinha estreita e cheia de curvas de antigamente. As montanhas em frente, aos pés das quais se multiplicavam as construções, desfigurando completamente a paisagem natural, ainda estavam todas cobertas de nuvens, proporcionando uma visão das mais bonitas. Não sei por que, ao passarmos em frente ao posto policial onde estava sendo feita uma batida, voltei-me para o moço e perguntei: “E o vulcão aqui em Minas vai eclodir onde?”. Foi o bastante para ele, que acabara de falar com alguém ao celular, responder sem vacilar. “O de Nova Lima será um dos primeiros...”. “Não brinca, por quê?”, quis saber, já arrependido por ter voltado ao assunto. “A cidade fica dentro de uma cratera, tem todas as características. Além do mais, os buracos que os ingleses fizeram debaixo das montanhas durante anos, em busca do ouro, vão facilitar as coisas, ajudar as lavas a passar com mais facilidade. Belo Horizonte também, pode ter certeza, será amplamente atingida por essa tragédia.” “Já existe previsão, amigo, de quando isso irá ocorrer?”, perguntei. “E quem, além de Deus, tem o poder de saber quando esse ou aquele vulcão vai entrar em erupção?”, respondeu. Quando finalmente chegamos ao Colégio Imaculada, na Avenida Rio Branco, bem no Centro da cidade, brinquei com ele: “Tomara que a explosão não comece


agora, com a gente aqui, não é mesmo?”. “Fique tranquilo, pois, como estava escrito, talvez ainda demore um tempo. Mas que o processo é irreversível, não tenho dúvidas”, afirmou, com a mesma certeza de Dom Quixote ao encarar os moinhos de vento.

Carlos Herculano Lopes

23 de abril de 2010

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A vizinha incômoda

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m amigo desde a adolescência, pai extremoso, louco pelos seus dois filhos, há semanas está empenhado em comprar um apartamento para a filha, que vai se casar em breve. Na companhia de um corretor, pois a menina trabalha o dia inteiro, depois de olhar já não sabe quantos, em diversos locais da cidade, finalmente acabou encontrando um que achou ser o ideal, no bairro da Serra. “Três quartos, arejado, terceiro andar, boa vaga na garagem e, principalmente, dentro do meu orçamento”, contou. Não se esqueceu de dizer também que a noiva, para ter casa própria registrada no seu nome, estava disposta a


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ajudar vendendo seu carro, comprado ano passado, para não precisar fazer financiamento. “Ela sempre foi uma garota esperta, dessas que sabem o que quer, desde pequena é assim”, também disse o pai coruja, enquanto falava de outras qualidades da filha, formada havia pouco tempo em medicina, como uma das melhores alunas da turma. Mas ele, até então, só via um porém em relação ao futuro apartamento, cuja compra estava praticamente efetuada: era a vizinha ao lado, que ele ficara conhecendo na sua segunda visita ao local, para “sentir mais um pouco do clima e as energias da possível morada”. Bom de papo que é, sempre bem-humorado e com um coração do tamanho do mundo, meu amigo contou ainda que, assim que abriu a porta do elevador, na companhia do corretor, foi abordado pela mulher. Antes mesmo de lhes dar boa-tarde ou se apresentar, ela foi dizendo, cheia de verdade: “O senhor vai fazer uma ótima compra, aqui é um lugar excelente. Vizinhança de primeira, não faz barulho, tem sol o dia inteiro...”. E, virando-se para o corretor, depois de querer saber do meu amigo o que ele fazia, onde estava morando, porque andava querendo se mudar para a Serra, perguntou: “Não é mesmo, não estou certa quanto ao apartamento?”. “Claro que está, dona Dulce, além do mais, a senhora já vive aqui há muitos anos, não é mesmo?”, respondeu, sem muito entusiasmo e com um riso amarelo.


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Quando saíram, o corretor, que já conhecia a figura de outros carnavais, voltou-se para o meu amigo e, esquecendo-se da sua condição, confessou: “O único problema que vocês terão, se fecharem mesmo o negócio, será em relação a essa mulher, que é uma verdadeira mala sem alça. Já vendi outros imóveis neste prédio e ela mete o bedelho em tudo”. Ao que o outro, tentando contemporizar, respondeu: “Mas será a minha filha e o marido, e não eu, que terão de enfrentar a fera. Graças a Deus já tenho meu canto”. Um dia desses, depois de achar que não encontraria outro apartamento melhor, dentro das condições, ele resolveu chamar a menina para conhecê-lo, já que ela não estava acompanhando-o nas visitas. “Confio no senhor, pai. O que fizer, está bem feito”, tinha lhe falado. Porém, criterioso, não queria fechar negócio sem antes ter um ok da garota. O noivo, é bom que se diga, não estava participando das negociações. Meu amigo, que tinha lá suas razões, estava achando ótimo: “Um problema a menos”. Ramona, nem é preciso contar, adorou sua futura “casinha”. Entrou em um quarto, em outro, foi à cozinha, que achou realmente espaçosa, aos banheiros e isso e aquilo, sem falar da vista, “linda de morrer”. Por ela, era ir logo à imobiliária e fecharia o negócio, antes que outro pretendente aparecesse. Mas, quando iam saindo, surge de repente a vizinha, que ao vê-la foi dizendo, pois já ficara sabendo pelo corretor da sua condição de noiva.


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“Mas é você, tão novinha assim, que está querendo se casar? Nem 20 anos deve ter, faz isso não, querida. Entrei nessa fria quando tinha sua idade e juro que se arrependimento matasse...” Em seguida, aquela mulher, como se receitasse um mantra, começou a repetir: “Mas aqui a vizinhança é boa; o lugar é muito seguro; fazemos festas e todos participam; não tem barulho; você vai gostar”, e isso e aquilo, enquanto meu amigo e sua filha, com a certeza de que não voltariam mais ali, foram dando um jeito de chamar o elevador. Desde então, com a ajuda dos pequenos anúncios e do corretor, eles continuam à procura de outro apartamento, onde não exista, ao lado, uma vizinha tão incômoda. 30 de abril de 2010


O fazendeiro

e

le conhece pelo menos três nomes para este passarinho: fazendeiro, Nicolau e sabugueiro (esse último ouvido em Caxambu, durante um encontro de escritores). Gosta de ficar beirando casas e currais, onde se farta com insetos. A plumagem é preta e branca, mas ele não canta, dá apenas um piado sem graça. Nunca encontrou um desses na gaiola. Tentaram chamá-lo de atleticano, mas não colou. Mais discretos ainda são os ninhos, sempre feitos em árvores cheias de espinhos para evitar os predadores — principalmente gaviões e cobras. Dias atrás, depois de ver um dos bichinhos enquanto saía a cavalo, ele deixou que os


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olhos, mato adentro, buscassem outros pássaros, nos quais, há muito, não prestava atenção. Foi então que avistou um bando de anus brancos numa lobeira. Eles gostam de ficar atrás do gado, catando mosquitos e carrapatos. Existem os pretos, mais comuns. Naquela mesma árvore, que dá um fruto muito cheiroso quando maduro, estava o torresminho. As penas dessa avezinha são amarelo-escuras. Como o nome indica, ela é bem pequena, tão anônima quanto o fazendeiro. A manhã estava clara, bonita, os pastos verdes. Seguindo adiante, deparou-se com um bando de maritacas, que, fazendo o maior estardalhaço, ocupavam o pé de ingá. As vagens estavam maduras, e ele aproveitou para comer algumas, como na infância. Logo depois, os olhos pousaram, quase por acaso, em um tico-tico-rei, que se equilibrava com dificuldade no galho de uma orvalheira, acinzentado, o que nele faz a diferença é o topetinho vermelho. Ao vê-lo, fugiu apressado, levando a companheira e outros, que ele não identificou. Adiante, vindo de um brejo, ouviu o canto de centenas de melros, que, ao pressentirem a presença, se calaram de repente e voaram. Deram uma volta no ar para, em seguida, como se nada tivesse acontecido, voltar ao mesmo lugar e recomeçar a cantoria. Então, desceu do cavalo, deitou-se na grama e ficou alguns minutos de olhos fechados, só ouvindo aquela sinfonia. Voltou à lembrança, sem que percebesse, o som de outros cantos, hoje praticamente inexistentes na na-


PS – Esta crônica é para Maria Lúcia e Celso Pires Braga, do Bairro Cachoeirinha, em Belo Horizonte. 10 de fevereiro de 2009

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A mulher dos sapatos vermelhos

tureza, pelo menos aquela conhecida por ele, no Vale do Rio Doce. Por lá já não se ouve mais o trinado do curió, do bicudo, do ferreiro e nem do pintassilgo. “Os próximos na lista de desaparecimento são o azulão e o Joãovelho”, disse um tio, que proibiu qualquer tipo de caça na fazenda dele. “Nem as cobras estou matando mais, só quando encontro perto de casa”, falou, enquanto mostrava uns canários chapinha que, com a maior paciência, está tentando fazer voltar a seus pastos. Em outros tempos, neles também voavam as patativas do campo e a boiadeira, além do bangelinho, o catatau, a viuvinha, o sofrê, o tico-tico-da-mata-virgem e o noturno curiango. A manhã prosseguia sem pressa. Ele voltou a montar no cavalo, deixou para trás a cantoria dos melros, para escutar, chamando chuva, o doce lamento de um sabiá-laranjeira. Vinha das bananeiras, onde, provavelmente, fazia ninho. Escutou ainda os pássaros-pretos. Sentiu nostalgia ao ouvir as seriemas, assim como o canto de uns coleirinhas. Esses, como os tizius e os papa-capins, só aparecem no Vale do Rio Doce de outubro a março, para depois sumir outra vez. Perto de casa, no mesmo lugar onde o avistara, ainda mais silencioso, quase invisível, continuava o fazendeiro — ou sabugueiro, como dizem em Caxambu.



Amores perros

Movimento 1 — Tomo um táxi em direção à Floresta. Vou visitar a minha mãe. A manhã está bonita; céu azul e a cidade tranquila com poucos carros nas ruas, como só ocorre nos feriados ou em algumas tardes de domingo. O motorista, um homem mais velho, logo puxa conversa e começamos falando sobre futebol: das trapalhadas do Atlético no ano do centenário, das aventuras de Ronaldinho com os travestis, das chances de o Brasil ganhar outra Copa do Mundo, coisas assim, que acabam aproximando dois desconhecidos. Logo em seguida, em um quarteirão da Santa Catarina, uma faixa, estendida de um lado ao outro da rua, anuncia o sumiço de uma


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