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UMA HISTÓRIA POR DIA DÁ SAÚDE E ALEGRIA! Carlos Pinhão

Carlos Pinhão

O MELHOR NADADOR DO MUNDO

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O Melhor Nadador do Mundo atirou-se ao mar e começou a nadar, a nadar sem mais parar. O Treinador tinha-lhe dito que só parasse quando se sentisse cansado, mas, como ele não se sentia cansado, continuava a nadar, a nadar, já ia muito longe da costa, de terra já há muito que o haviam perdido de vista, até porque a noite não tardara a cair, já ninguém se lembrava mais do Melhor Nadador do Mundo e ele sempre a nadar, a nadar. Consideravam-no O Melhor Nadador do Mundo, não só porque nadava com muita rapidez, mas também porque era grande a sua resistência, nunca se cansava, dele se dizia que era homem para nadar dia e noite, noite e dia, sem se cansar. Dizia-se assim por dizer, sem grande convicção, mas a verdade é que, daquela feita, tão bem-disposto se sentia, a previsão estava mesmo a confirmar-se e a única dúvida, agora, era esta: quando pararia, onde pararia. Como nadava, normalmente, de olhos fechados, O Melhor Nadador do Mundo nem se apercebera de que passara um dia e uma noite, já outro dia e outra noite - e só deu por isso, era noite escura, quando decidiu, a certa altura, passar a nadar de costas e viu estrelas lá no alto. Nadava agora de costas, porque o Treinador estava longe, não o podia ver, não se podia zangar. O Treinador não queria, de maneira nenhuma, que ele nadasse de costas, porque não era aquela a sua especialidade, porque isso podia afetar a sua «forma», poderia prejudicá-lo nas classificações e nos «recordes»?, mas, àquela distância toda, já certamente a milhas e milhas da terra, não havia hipótese nenhuma de o Treinador vir a saber desta desobediência do seu pupilo. E assim, por mais horas e horas e horas, continuou a nadar de costas, até porque já estava cansado de nadar de frente, sempre mudava, sempre variava e, sobretudo, podendo agora nadar de olhos abertos, sempre ia vendo umas coisas para se distrair: as estrelas, as nuvens, o Sol, as aves marinhas e, de quando em quando, de longe em longe, um barco. Agora, precisamente, estava a ver um barco, ao longe, e pareceu-lhe um barco esquisito. Foi-se aproximando e, quanto mais perto, mais esquisito lhe parecia o barco, até que se lhe dissiparam todas as dúvidas: era mesmo uma caravela daquelas dos antigos descobridores portugueses de quinhentos. Ficou de boca aberta, bebeu água, foi a primeira vez que parou de nadar, ia jurar que era mesmo Vasco da Gama aquele ia ao leme, acenou, acenou, não o viram, a caravela seguiu e ele ficou naquele espanto, até que se lembrou de uma frase do Treinador, uma frase a que ele nunca ligara nenhuma, mas que se revestia agora de trágica importância. Dizia-lhe o Treinador , com frequência: «Não nades de costas, homem! Nadar de costas é ver a vida a andar para trás.» E era, pelos vistos... Aquela caravela não deixava dúvidas e ele via agora quão longe o levara a sua desobediência... Por outro lado, também o seduzia aquela incrível aventura em que se via e, para levar o mistério até às últimas consequências, continuou a nadar de costas, ignorando por completo as instruções do Treinador. Entretanto, também o Treinador tomara as suas medidas e, como, desta feita, o Melhor Nadador do Mundo tardava mais do que o costume a regressar do treino, alugou um helicóptero, foi em sua busca e, quando o encontrou, estava ele a ser pescado por um elefante para a Arca de Noé.

INDIVIDUALISMO

Há a formiga que desalinha.

Eu explico: há o carreirinho de formigas umas para aqui outras para acolá cumprimentam-se logo seguem é assim, é a regra, é a norma mas há também a que desalinha sai da forma desirmana sozinha fora da corrida fora da corrente anda, para, ciranda mas sempre só. Porquê? A fazer o quê? A filosofar? A magicar o quê?

Muito eu gostava de lhe perguntar!

(In Bichos de Abril, 1977: Lisboa: Caminho)

JAULA CROCODILO DE TRAZER POR CASA

Aquilo do crocodilo era uma mania que Madame vestia.

Tinha crocodilo para todo o serviço

– sapato de crocodilo – mala de crocodilo – aplicações de crocodilo

no casaco e no chapéu. O crocodilo era todo seu. Ao quilo. E não se ficou por aqui digo eu que vi Madame Reaça cheia de graça tirar um frasco da mala e pôr pinguinhos nos olhos enquanto explicava aos circunstantes reverentes que não usava óculos (isso era dantes) usava lentes. Só que, no Verão não via bem secava-se-lhe a vista e, de aí, o expediente do frasco lacrimal.

Conclusão a tirar: eram de crocodilo as lágrimas também.

Um dia, haverá um Jardim Antropológico. Ao portão uma velha macaca dirá aos macaquinhos: - Quem quer comprar amendoim para dar aos homenzinhos?

3(In Bichos de Abril, 1977: Lisboa: Caminho)

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