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os primeiros meses de 2003, o Brasil atravessava época de discussões acaloradas e desinformação para todo lado. A pauta do momento era a regulamentação do uso de sementes geneticamente modificadas na produção, os transgênicos. A posição do setor era firme e reverberava com declarações do presidente da Farsul, Carlos Sperotto: era preciso plantar com as novas tecnologias para elevar a produtividade das lavouras, ganhando competitividade no mercado interno e externo. De quebra, a medida traria outros benefícios importantíssimos, como a sustentabilidade na expansão dos investimentos para atender a demanda alimentar. A alta no volume sairia pelo incremento dos rendimentos, muito mais do que pela abertura de novas áreas. Só que, na contramão da ciência, parte da sociedade criava ranço pela tecnologia, ouvindo as mais absurdas barbaridades lançadas por porta-vozes de um ativismo irracional e pouco afeito a dados reais e ao debate técnico. Aquele cenário motivou a Farsul e a Casa Rural — Centro do Agronegócio a chamarem uma série de gabaritados especialistas na área de agricultura e biotecnologia de diversos países para o Seminário Internacio4
nal sobre Organismos Geneticamente Modificados. Assim aconteceu a primeira etapa do Fórum Permanente do Agronegócio, no Teatro do Sesi, em Porto Alegre. O evento reuniu centenas de produtores rurais e pesquisadores renomados como o canadense Patrick Moore, o argentino Moisés Burachik e o brasileiro Ernesto Paterniani. Desde então, foram inúmeros encontros, dias de campo, palestras, apresentação de resultados, discussões pertinentes, mobilizações necessárias. A história do Fórum Permanente do Agronegócio envolve produtos inovadores e experiências únicas no meio rural gaúcho, sempre com o viés da transmissão de conhecimento e do estímulo à profissionalização. Em 2009, quatro etapas do Fórum resultaram em uma carta dos produtores gaúchos pela aprovação de um Código Florestal mais justo e equilibrado. A tecnologia de produção de soja foi discutida tanto na velha quanto na nova fronteira. Produtoras e jovens do meio rural encontraram espaço para impulsionar a representatividade no setor e suscitar debates atuais e relevantes. E o Sistema Farsul ainda lançou, dentro do Fórum, duas perguntas que viraram febre no Gedeão Silveira Pereira Presidente do Sistema Farsul
Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
interior do Estado: De onde virão os terneiros? Para onde irão os novilhos? Todas essas ações culminaram na 100ª edição do Fórum Permanente do Agronegócio, em julho de 2019, o seminário “Jovens em Campo”, que transmite mensagem relevante para a sociedade: o agronegócio é formado de gente séria, trabalhadora, empreendedora e por uma juventude ambiciosa, enérgica e absolutamente capaz de elevar a atividade em níveis sequer imagináveis hoje. Foram 16 anos de impacto na agropecuária gaúcha, que envolveram o trabalho de centenas de entusiastas do agronegócio. Gente que tem plena confiança de que a melhor maneira de desenvolver a atividade e manter as novas gerações na terra é pela ciência e pela tecnologia. Boa leitura!
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Agronegócio
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pauta da transgenia chegou para a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul como, muito provavelmente, a principal inovação tecnológica do final do século 20. Esta é a melhor parte: o pior é que tivemos de brigar muito por ela. Diante da desinformação e do temor real de que países concorrentes como a Argentina rapidamente deixariam os brasileiros para trás, o Sistema Farsul não ficou de braços cruzados: instaurou uma marca no campo em 2003, com o objetivo de superar princípios ideológicos e políticos e conquistar ambiente fértil para o salto gigantesco da produtividade da soja que todos conhecemos hoje. Essa é a precisa origem do Fórum Permanente do Agronegócio, cuja história detalhamos nesta publicação para conhecimento de toda a sociedade gaúcha, recém completadas 100 etapas pelo interior gaúcho. Foram 16 anos de grandes debates sensibilizando os produtores a partir de conteúdos técnicos e iluminando temas pouco claros, muitas vezes de difícil compreensão. O conceito é simples: se as coisas mudam tão rapidamente, é preciso espaço permanente para debatê-las e
alcançarmos juntos as melhores soluções. Fundamentalmente, a importância de a nossa entidade se engajar nesse processo é garantir que os conteúdos sejam assimilados da melhor maneira possível. Pois a mesma tecnologia que reduz distâncias e evolui nossos negócios também contribui para que um enorme volume de informações, nem sempre confiáveis, adentre as propriedades rurais todos os dias. O Fórum Permanente preenche essa lacuna, convidando centenas de pessoas para ouvir palestras de especialistas renomados, produtores de excelência e lideranças do agronegócio. Ao lado do produtor, alertamos para a necessidade de adaptações na produção de grãos e da utilização de novas tecnologias no campo, debatemos os destinos da pecuária de corte e medidas para elevar a produtividade, consolidamos posições quanto a legislações ambientais defasadas e altamente punitivas. E também incentivamos a organização de grupos de mulheres e jovens do agronegócio, dando voz para as pessoas, sem nunca
descuidar da abordagem técnica e efetivamente transformadora. Realizamos, em média, uma etapa a cada dois meses! Chegamos então à centésima etição em 2019, bastante simbólica por ser dedicada aos jovens, aqueles que comandarão as nossas propriedades no futuro, sob a responsabilidade de alimentar o mundo. Ainda que consagrado, o Fórum Permanente do Agronegócio contará, naturalmente, com aperfeiçoamentos para os próximos anos. Faremos adaptações com base no roteiro de interiorização do Sistema Farsul e nas sugestões encaminhadas pela juventude em Gramado. Queremos, cada vez mais, antecipar os problemas e as demandas por informação técnica. Estaremos juntos nessa caminhada.
José Alcindo de Souza Ávila Superintendente da Casa Rural Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Índice
Abertura ....................................................................................................................................... p.4 Grãos e tecnologia ........................................................................................................................p.8 Transgênicos: o início ...........................................................................................................................................p.10 A transformação da soja .....................................................................................................................................p.16 Trigo: sim ou não? .................................................................................................................................................p.22 O poder da água ....................................................................................................................................................p.28 A agenda do agronegócio .................................................................................................................................p.34 Questões da pecuária ................................................................................................................ p.38 De onde virão os terneiros? ...............................................................................................................................p.40 Foco na terminação ..............................................................................................................................................p.46 Olhares a campo ....................................................................................................................................................p.50 Palavras do Professor Lobato .......................................................................................................................... p.54 Juntos contra o carrapato ..................................................................................................................................p.58 Soluções para o leite ............................................................................................................................................p.62 Produção sustentável................................................................................................................. p.66 Cartas e códigos......................................................................................................................................................p.68 Baixo carbono, alto nível......................................................................................................................................p.72 Produtoras em ação................................................................................................................... p.76 Histórias que inspiram..........................................................................................................................................p.78 Por dentro do assunto..........................................................................................................................................p.84 Destaques femininos............................................................................................................................................p.88 O futuro é agora.......................................................................................................................... p.92 Jovens em campo...................................................................................................................................................p.94 A centésima..............................................................................................................................................................p.98 Relação de termos e siglas....................................................................................................... p.106
Expediente Esta é uma publicação comemorativa às 100 primeiras edições do Fórum Permanente do Agronegócio, realizadas pelo Sistema Farsul entre 2003 e 2019. Projeto e execução: Sul Rural Editora Ltda. Coordenação: Décio Rosa Marimon Reportagem e texto: Samuel Klauss Lima (MTB 19.526/RS) Projeto gráfico e diagramação: GR Edições Fotos e capa: Banco de imagens do Sistema Farsul Arquivos pessoais / Pixabay
SISTEMA FARSUL Farsul Presidente: Gedeão Silveira Pereira 1º Diretor Administrativo: Francisco Lineu Schardong 2º Diretor Administrativo: Paulo Ricardo de Souza Dias 1º Diretor Financeiro: José Alcindo de Souza Ávila 2º Diretor Financeiro: Domingos Antônio Velho Lopes Senar - RS Presidente: Gedeão Silveira Pereira Superintendente: Eduardo de Mércio Condorelli Divisão Técnica: Cláudio Steinstrasser Rocha Divisão de Estudos Avançados e Inovação: Antônio da Luz Divisão de Administração e Finanças: Fabiana Flores Casa Rural - Centro do Agronegócio Presidente: Gedeão Silveira Pereira Superintendente: José Alcindo de Souza Ávila Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Grãos e tecnologia Da acalorada discussão sobre transgênicos ao recente direcionamento de esforços pela conquista de mercados asiáticos, o Fórum Permanente do Agronegócio constituiu espaço relevante de discussão da produção agrícola gaúcha nos últimos anos. Renomados pesquisadores, professores universitários, técnicos, autoridades públicas, lideranças do setor e produtores rurais participaram de uma série de etapas pelo Estado. O objetivo: contribuir para o avanço da atividade e a introdução de novas tecnologias no campo.
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Transgênicos: o início Fórum Permanente do Agronegócio estreou com seminário internacional sobre biotecnologia
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s vésperas de mais uma safra de verão no Rio Grande do Sul, na virada do milênio, um caminhão estacionado em um posto de beira de estrada de Passo Fundo atraía movimento incomum de produtores da região. A carga era de sementes “maradona”: variedade de soja transgênica contrabandeada da Argenti-
na, onde a comercialização era autorizada. Saía por 10 dólares o quilo — e atraiu também a atenção da Polícia Federal. Não demorou muito para que pesquisadores da Embrapa fossem convocados para aplicar testes aleatórios no campo com glifosato. Houve resposta até em assentamentos. Mais ou menos pela mes-
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ma época, colégios da rede pública de Porto Alegre foram tomados pela panfletagem. Mas nada de “santinhos” de eleição: o assunto eram os supostos crimes das empresas fabricantes de organismos geneticamente modificados para a agricultura. Os transgênicos, denunciavam aqueles materiais pouco confiáveis, deformavam pessoas, infectavam o meio
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Sistema Farsul reuniu centenas de pessoas no Teatro do Sesi, em junho de 2003
ambiente, causavam alergia, câncer, AIDS e outros absurdos do gênero. Das mãos dos filhos, foram parar nas dos pais. E assim a desinformação crescia desenfreadamente em meio à sociedade, as fake news da época. Da Praça Saint Pastous, em Porto Alegre, e também do interior, as lideranças da Federação da Agricultu-
ra do Rio Grande do Sul (Farsul) planejaram grandes mobilizações em defesa dos transgênicos. Foi quando o presidente da Farsul, Carlos Sperotto, lançou a ideia de realizar um seminário internacional sobre organismos geneticamente modificados para alavancar o nível técnico da discussão e colocar a ciência no centro dos holofotes.
Cerca de 1,5 mil agricultores, técnicos, pesquisadores e estudantes participaram daquela que seria a 1ª etapa do Fórum Permanente do Agronegócio, em 17 e 18 de junho de 2003. “Aquele evento tinha por objetivo um esclarecimento público: desmistificar a ideia de que o transgênico era um pequeno monstro”, conta o pesquisador Benami Bacaltchuk, então presidente da Embrapa Trigo. Por consequência, também reforçou o posicionamento daquele grupo de indivíduos que pensavam na ciência como uma ferramenta para garantir renda, menos esforço e a manutenção das famílias no campo. O seminário não foi o único evento do gênero a ocorrer no estado gaúcho, nem o maior. Poucos dias antes, o Fórum Nacional da Soja reuniu nada menos que 15 mil pessoas no município de Ibirubá, o que motivou organizadores a pensarem nele como “prelúdio” do que viria. Mas certamente não foram muitos os encontros que receberam palestrantes tão relevantes e diversos em origem. “Era um pessoal de primeira linha da ciência brasileira e estrangeira”, conta o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luiz Carlos Federizzi, citando nomes como Ernesto Paterniani, um dos pesquisadores brasileiros mais conhecidos no exterior pelos seus trabalhos em genética com o milho. Federizzi diz que o clima era “terrível”, pois a desinformação predominava en-
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quanto a soja transgênica se alastrava nas lavouras gaúchas de forma ilegal. Foram anos participando de debates na televisão, em escolas, junto a parlamentares e no meio acadêmico. Maria Helena Zanettini, também professora da UFRGS, conta que a maior dificuldade sempre esteve em transmitir à sociedade o que é exatamente um transgênico e que benefícios a pesquisa pode gerar a partir do método: “Não é fácil mostrar para pessoas sem qualquer embasamento em biologia molecular esse avanço, que é muito rápido. O potencial é imenso.” A parceria com o Sistema Farsul havia iniciado em 1999, quando a entidade decidiu apoiar a distribuição de uma cartilha sobre plantas transgênicas, elaborada por Zanettini e pelo colega Giancarlo Pasquali. Algumas centenas de exemplares também circularam nas escolas gaúchas: ciência para combater a panfletagem de boatos.
Tempos conturbados, no campo e na cidade
O plantio dos transgênicos teve início de maneira ilegal no Brasil, em movimento capitaneado pelos produtores gaúchos. Pela diferença de rentabilidade entre a variedade de soja geneticamente modificada e a convencional, o contrabando da Argentina ganhou força até alcançar 70% das áreas de lavoura no estado em 2003/2004, conforme estimativa do Ministério da Agricultura naquele ano. O vice-presidente da Farsul, Elmar Konrad, conta que
o principal ganho da lavoura estava na facilidade de combate a ervas daninhas. Antes da semente Roundup Ready, — a soja RR, tolerante ao Roundup, herbicida à base de glifosato — a lavoura exigia alta repetição de aplicações de produtos. O glifosato, por outro lado, matava com facilidade qualquer planta que concorria com a soja por nutrientes e água no solo. “Ela começou a se destacar (em produtividade) e reduzir o custo de forma significativa. Obviamente, isso criou uma posição irreversível de plantio de soja RR. Não tinha mais como segurar”, lembra Konrad. Diante da difusão da tecnologia, grupos ambientalistas contrários apelaram para a desinformação generalizada. Assim surgiram boatos como o uso do vírus HIV no processo e o desenvolvimento de alergias e câncer, entre outras doenças. O fato, porém, é que os produtos transgênicos faziam parte da humanidade desde a década de 1970, quando cientistas desenvolveram a técnica do “DNA recombinante” e geraram uma insulina humana a partir de bactérias modificadas, com menor taxa de rejeição entre diabéticos. A discórdia aumentou quando o uso alcançou a agricultura.
Debate contou com referências do setor
O público lotou o Teatro do Sesi para receber pesquisadores e autoridades de seis países no Seminário Internacional sobre Organismos Geneticamente Modificados
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(OGM), em junho de 2003. Estreia de peso para o Fórum Permanente do Agronegócio, composta por quatro painéis: biotecnologia, segurança alimentar dos transgênicos, comercialização de produtos agrícolas e aspectos políticos e jurídicos. O destaque das primeiras palestras ficou por conta do ecologista canadense Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace e diretor da organização não-governamental por sete anos. Ele criticou o posicionamento da ONG que encabeçou ações contrárias ao uso dos transgênicos por todo o mundo, incluindo o Brasil. Polêmico, o ambientalista recomendou aos produtores que resistissem à proibição do uso de biotecnologia na lavoura: “Vocês têm direito à desobediência civil se têm uma causa justa e certa”. Já o pesquisador argentino Moisés Burachik projetou o avanço da agricultura brasileira: “O dia que o Brasil tomar uma posição de defesa dos transgênicos, vai ser uma verdadeira potência.” O segundo debate do evento reuniu o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ernesto Paterniani, o diretor do Instituto Panamericano de Proteção de Alimentos e Zoonoses (Inppaz), Cláudio Roberto de Almeida, e a presidente da Associação Nacional de Biossegurança, Leila Oda. Paterniani argumentou que, se os transgênicos representam risco para a saúde humana, eles são iguais ou menores que os
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inerentes a qualquer alimento convencional, pois os testes de segurança alimentar para OGM são mais rigorosos. Os testes foram apresentados por Almeida, e Oda destacou que não havia argumento científico para condenar o uso. A comercialização da soja transgênica entrou em pauta no dia seguinte. A chefe do escritório de biotecnologia do Ministério do Meio Ambiente da França, Florence Castel, criticou a passionalização que envolve o tema e disse que o mercado para o produto estava em alta. O presidente da Câmara Brasil-China, Charles Tang, demonstrou cautela na compra de soja transgênica e disse que a tendência era de remunerar pior este produto. Ao final do evento, políticos e juristas apresentaram o panorama da época em termos de regulamentação do plantio e comercialização dos produtos. O Brasil só aprovaria a Lei de Biossegurança em 2005. Fizeram parte da discussão nomes como Confúcio Moura, Ricardo Alfonsin, José Silvino da Silva Filho e Lasier Martins. O encerramento foi realizado por Carlos Sperotto, presidente da Farsul. “A biotecnologia é uma ferramenta importante para o produtor e não há a intenção de abandoná-la.”
estrutura do ácido desoxirribonucléico (DNA). Houve leitura dramatizada e coletiva de imprensa com atores da peça, que insere a biotecnologia no cotidiano de uma família e mostra como a oposição a inovações científicas é constante ao longo da história da humanidade. Filha de um viticultor da Serra Gaúcha que cruzava variedades de uvas europeias com outras comuns no Rio Grande do Sul, a produtora e protagonista da peça, Ítala Nandi, disse que o tema da biotecnologia a encantou de imediato. “Sem dúvida há muito a se aprender sobre os transgênicos. Como artista, eu posso contribuir para aumentar a discussão sobre esse tema”, disse. O ator Werner Schünemann criticou o passionalismo que envolve o debate sobre transgênicos. “Acho que este assunto é tratado de forma religiosa, e isso não contribui para a ciência. A peça traz informações corretas, que não estão mistificando ou simplificando a
questão”, afirmou ele.
Aplausos e críticas
Relembrando a etapa do Fórum Permanente, nenhum dos pesquisadores demonstra arrependimento pela defesa dos transgênicos. “Talvez o mais importante avanço da manipulação genética tenha sido o ganho de tempo para desenvolver outras atividades, para produzir mais com menos mão de obra, para baixar os preços dos alimentos em todo o mundo”, analisa Benami Bacaltchuk. O resultado prático estaria na posição brasileira entre os maiores exportadores de soja, milho, carnes e café, por exemplo. “Estamos à frente graças a essa tecnologia.” O professor Luiz Carlos Federizzi acredita que o debate dos transgênicos ajudou a criar uma cultura de inovação no campo. “Os agricultores começaram a acreditar mais na tecnologia. Antes, ela levava cerca de 15 anos para se estabelecer (nas lavouras), e agora leva dois”,
O drama foi parar no palco
O 1º Fórum Permanente do Agronegócio contou com a pré-estreia em Porto Alegre da peça de teatro “DNA: Nossa comédia”, que fazia parte das comemorações dos 50 anos da elucidação da Schünemann, Sperotto e Nandi em coletiva de imprensa Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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avalia. Maria Helena Zanettini compara o momento aos primeiros anos da Revolução Verde, na década de 1950. “Não podíamos continuar com as ferramentas do passado para progredir e obter alimentos à população que está crescendo”. Segundo ela, existem 517 produtos transgênicos aprovados no mundo voltados para a agricultura, 104 no Brasil. Ela destaca que todos são regulados e testados por uma Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), ao contrário de outros obtidos por irradiação e mutagênese química, por exemplo.
A questão não impede, porém, que eles analisem o desenvolvimento dos produtos de forma crítica. A mais contundente diz respeito à concentração de mercado das empresas de biotecnologia, gerando baixa concorrência, e a falta de investimento em culturas menores (minor crops). “O transgênico basicamente ficou em quatro culturas (soja, milho, algodão e canola) e duas características fundamentais, resistência a herbicida e resistência a insetos”, relata Federizzi. “Eu gostaria de ver transgênicos para outros fatores biológicos”, afirma Bacaltchuk.
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“Talvez fosse muito mais impactante para a sociedade desenvolver um transgênico resistente a estresses abióticos (ou seja, seca, excesso de água, variabilidade climática, geada, problema de alumínio no solo que impede o desenvolvimento radicular). Mas as empresas investem naquilo que as faz vender mais produtos. Essa é minha crítica ao modelo, ao mesmo tempo que aplaudo a tecnologia.” O próprio produtor de soja já estaria sentindo no bolso o peso da concentração da tecnologia em determinadas empresas de engenharia genética. Elmar Konrad, vice-
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-presidente da Farsul, conta que o benefício em termos de custo praticamente não existe mais para a RR, à medida que a resistência ao herbicida aumentou e mais tratamentos são necessários, mas o produtor segue pagando royalties pela tecnologia. Para a variedade Intacta, o custo é ainda mais alto. “Estamos pagando de 7 a 8 sacos por hectare só na condição de sentar e fazer a programação de plantio de soja.” Diante dessa realidade, ganha força a defesa por investimentos públicos em pesquisa, capazes de gerar produtos mais abrangentes e
Pesquisadores de seis países esclareceram fundamentos e usos da biotecnologia
que custem menos. É possível, inclusive, aproveitar uma nova técnica de engenharia genética: a edição de genoma. Por se tratar de manipulação genética em organismos da mesma espécie, o financiamento de estudos é consideravelmente mais baixo.
A marca permanente
Desde a primeira etapa, o Fórum Permanente do Agronegócio traz à tona debates atuais e relevantes para os produtores gaúchos. A ideia partiu do ex-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto — um entusiasta das novas tecnologias, lembra o atual mandatário da entidade, Gedeão Pereira. “O Fórum Permanente é um programa de grande êxito justamente porque pega as novidades dos mais diversos segmentos e leva para o produtor rural”, afirma. De acordo com o superintendente da Casa Rural e diretor financeiro da Farsul, José Alcindo Ávila, havia a consciência entre as lideranças do sistema sindical de que, com o avanço da biotecnologia, a transformação das propriedades rurais seria cada vez mais rápida. “Não podíamos deixar a informação chegar de qualquer jeito no produtor, nem deixar que ele fosse pego desprevenido. A ideia era essa: informar de maneira consciente e técnica, criando uma marca de confiança no interior do Estado”, destaca o dirigente. A Casa Rural tomou a frente do processo desde o início, aliando a organização
dos eventos com trabalho de busca de melhores condições de comercialização de produtos para os associados. “Sempre me chamou muito a atenção, quando passava pelos sindicatos, a sede de conhecimento do produtor. Foi uma maneira que o sistema encontrou para levar informação e mostrar essa nova era”, afirma Eduardo Luzardo da Silva, consultor responsável pela implantação da Casa Rural e gestor até o final de 2006. Lourival Martins da Silva, gestor entre 2008 e 2012, diz que as duas frentes de trabalho tem o mesmo objetivo: melhorar a realidade financeira do agricultor gaúcho. “Discutimos temas pertinentes e novidades que pudessem agregar renda, dentro da necessidade do produtor naquele momento.” Seja qual for o tema, a parceria do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), é constante nas 100 edições do Fórum Permanente do Agronegócio. O superintendente da administração regional, Eduardo Condorelli, afirma que o investimento é essencial para sensibilizar produtores e trabalhadores rurais sobre temas importantes. É preciso muito menos esforço para qualificar um profissional quando ele sabe o impacto daquela competência no dia a dia, argumenta o dirigente. “Aí que entram as ações de curta duração. Elas não trazem uma formação completa, mas estimulam as pessoas buscarem o aprendizado, porque elas enxergam a necessidade.”q
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A transformação da soja Eventos nas Metades Norte e Sul do Estado alertaram para mudanças importantes no cultivo do grão
O
s benefícios da utilização em larga escala de variedades transgênicas na produção de soja do Rio Grande do Sul vieram acompanhados de uma série de desafios aos produtores. A cada ano, mais e mais sementes geneticamente modificadas entraram no mer-
cado, superando os máximos potenciais de rendimento anteriores e acentuando as transformações de características como ciclo, estatura de plantas e resposta à adubação. E as pragas, assim como as lavouras do grão, também evoluíram e cobraram soluções de controle.
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O Fórum Permanente do Agronegócio teve contribuição relevante nesse cenário, abastecendo o campo de informações para esclarecer sobre as mudanças irreversíveis no cultivo da soja. Ao menos sete edições do ciclo de debates realizado pelo Sistema Farsul abordaram di-
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Cultivo comercial do grão teve início em 1914 e forte expansão na década de 1960
retamente a cultura, tanto na tradicional região produtora (a Metade Norte, com registros de investimento desde 1914 e principal responsável pelo boom da soja entre as décadas de 1960 e 1970) quanto na nova frente agrícola do Estado: a Metade Sul, com notável expansão
da oleaginosa sobre áreas de arroz e pastagens nos anos 2000 em diante. As discussões tiveram início em 10 de dezembro de 2013, com a etapa “Estratégia de combate à lagarta Helicoverpa”, no Parque da Expodireto, em Não-Me-Toque. Praga que causou pre-
juízos bilionários Brasil afora e obrigou estados a decretarem emergência sanitária, a lagarta teve os primeiros casos confirmados no território gaúcho na safra 2012/2013 por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), da Universidade de Passo Fundo (UPF) e
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da Embrapa Trigo, a partir de amostras em campos de Espumoso, Passo Fundo e Carazinho. Em julho de 2014, o Fórum Permanente do Agronegócio lançou outros dois eventos distintos: o seminário “Tecnologias avançadas para produção de soja”, em Ibirubá, e o simpósio “Produção de soja na Região da Campanha”, em Bagé. Tamanho o sucesso, as ações seriam repetidas em 2015 (ambas) e 2016 (Campanha), dentro do Fórum. Bagé, na realidade, realiza o simpósio até hoje, mas de forma independente. Fechando a lista, Não-Me-Toque sediaria mais um debate em dezembro de 2014, com o nome “Altas tecnologias e controle de pragas.”
para a produção de soja, em 2014 e 2015, o município já figurava entre os líderes em produtividade média do Estado, lembra o vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Elmar Konrad. Números diretamente relacionados aos avanços da biotecnologia, mas que podiam ser ainda mais positivos caso os produtores locais dominassem por completo as melhores técnicas de manejo do grão. Eram essas as tais tecnologias avançadas para produção de soja: agricultura de precisão, controle eficaz de doenças e nutrição adequada de plantas. Palestrante nas duas ocasiões, o diretor do Instituto de Ciências Agronômicas (Incia), Elmar Luiz Floss, conta que um erro comum no início dos Semente não é tudo anos 2000 era pensar nos Quando o Fórum Perma- transgênicos, sozinhos, como nente do Agronegócio mo- solução para todos os problebilizou Ibirubá para seminá- mas da lavoura. “Não existe rios voltados exclusivamente um bom cultivar sem nutri-
ção”, defende o pesquisador. E nem todos os agricultores se deram conta rapidamente das exigências que essas variedades, com suas diferentes características produtivas, trouxeram para o campo. “O ciclo médio da soja, 30 anos atrás, era em torno de 150 dias, algumas chegando a 180. Atualmente, a média de ciclo está entre 120 e 130 dias. Ou seja, o rendimento da cultura dobrou, enquanto o ciclo está praticamente um mês mais curto”, observa Floss. Dessa forma, é preciso oferecer condições para que a planta mostre eficiência a campo, produzindo mais em menos tempo: “Quando chegamos a 3,5 ou 4 toneladas de soja por hectare de média no Estado, é lógico que a extração (de nutrientes) é maior. A adubação racional é feita em função da produtividade obtida”. Apenas um dos insights transmitidos a
Fórum Permanente realizou etapas de soja em Ibirubá (foto), Não-Me-Toque e Bagé 18 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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centenas de produtores da região nas duas etapas do Fórum Permanente. Outra característica das novas cultivares, a menor estatura das plantas, sugere ainda cuidados redobrados com o sistema radicular. Quando ele é superficial, transforma-se em um enorme problema nos chamados “veranicos” gaúchos, curtos períodos de seca, de até 12 dias. “As estatísticas mostram que, quando temos perdas na colheita de soja, em 56% dos casos é por falta de chuva”, alerta Floss. A recomendação é aprofundar o sistema a partir do uso de sementes de alto vigor, tratadas com agroquímicos, bioativadores e inoculantes, e introduzi-las no plantio a não mais do que 5 centímetros. Antes, também é preciso descompactar o solo, neutralizar o alumínio e rotacionar culturas de cobertura. O uso de ferramentas de agricultura de precisão é mais um dos esforços necessários para otimizar a aplicação de produtos e garantir melhores resultados. “Temos que abandonar a ideia de aplicar calcário e fertilizante sem monitoramento. A aplicação uniforme é, em muitos casos, um desperdício de recursos”, avisa o pesquisador. No caso do calcário, pode até prejudicar a lavoura, considerando que o excesso também gera desequilíbrio nos micronutrientes — justamente os principais limitadores de produtividade hoje, de acordo com Floss. São elementos utilizados pelas plantas em pequenas quantidades, mas
Elmar Konrad, vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado
armigera causava calafrios no Estado em 2013, diante do prejuízo que ela vinha distribuindo em outras partes do País. Motivo mais do que suficiente para lotar o auditório do parque da Expodireto, em Não-Me-Toque, com o seminário “Estratégias de combate à lagarta Helicoverpa”. Afinal, desde vários anos antes, os produtores conhecem bem o quanto o controle de pragas pode fazer diferença no bolso. A facilidade no combate de ervas daninhas, num momento em que a questão fugia de controle, foi um dos principais benefícios que as variedades transgênicas trouxeram no início do século 21. Só que, diante da utilização em larga escala, nem sempre 100% correta (leia-se refúgio e vazio sanitário da soja), o proEnfrentando a resistência blema da resistência de praA presença recém compro- gas naturalmente ganhou corpo vada da lagarta Helicoverpa no território gaúcho. Diferentes
que geram grandes perdas de rendimento quando não estão suficientemente presentes. O seminário “Tecnologias avançadas para produção de soja” ainda recebeu palestrantes como Dirceu Gassen (pesquisador), Paulo Roberto Pereira (Embrapa Trigo), Carlos Alberto Forcelini (UPF), João Augusto Telles (Senar), José Hennigen e Victor Sommer (Fundação Pró-Sementes), Fábio Pastana (Monsanto), Jorge Rodrigues (Farsul), Claud Ivan Goellner (UPF) e Antônio da Luz (Sistema Farsul) nas duas edições. Manejo e controle de pragas, seguro agrícola, análise de mercado da soja e desempenho das diferentes variedades de sementes na região foram os demais assuntos abordados.
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combinações de produtos foram sendo usadas para regredir infestações de buva, lagarta e ferrugem asiática, por exemplo, em doses cada vez maiores, até chegar ao ponto de químico algum dar conta em situações mais críticas. O pesquisador Carlos Alberto Forcelini, ex-professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), exemplifica o cenário a partir do problema da ferrugem asiática, doença da soja causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi. Segundo ele, o controle máximo oferecido pelos produtos comerciais, na média brasileira, está na faixa de 70%. “Temos um quadro bem grave de resistência a fungicidas, nenhum produto entrega controle satisfatório para ser usado sozinho. É preciso trabalhar sempre em parceria com outros e reforço na aplicação”, analisa. E o impacto de falhar no controle é grande: experimentos realizados na safra 2018/2019 indicam redução de até 40 sacos por hectare em determinadas variedades, no caso extremo de tratamento zero — mais ou menos 50% do potencial produtivo. É por conta disso que o chamado manejo integrado de pragas virou palavra de ordem entre os pesquisadores e lição fundamental para os produtores gaúchos nos últimos anos. Esteve em foco nos debates tanto na etapa da Helicoverpa armigera, em 2014, quanto na subsequente “Altas tecnologias e controle de pragas”, de 2015, dentro do Fórum Permanente do Agronegócio. “Manejo integrado é tentar
associar todas as estratégias possíveis para controlar melhor as doenças”, assinala Forcelini. Começa desde o planejamento de safra, no momento de escolher a semente, levando em conta a suscetibilidade e o ciclo dos materiais, e não apenas o rendimento em quilos por hectare. A época de semeadura também faz diferença: plantando mais cedo, o produtor tende a fugir dos períodos em que a doença está mais presente no campo, que é a reta final de cada região. Outras ações que influenciam o resultado são a eliminação de plantas guaxas de soja na propriedade (vazio sanitário) e a rotação de culturas. Forcelini cita ainda a importância de planejar o controle químico, sobretudo a combinação de produtos, o momento de iniciar e o número de aplicações. “O principal equívoco está em não realizar os tratamentos na fase inicial da cultura, por achar que os problemas irão aparecer só mais tarde. De fato, os sintomas são percebidos no campo mais à frente, na fase reprodutiva da soja, mas o começo das infecções acontece na fase vegetativa. Aí costuma ser um pouco tarde para obter resultado satisfatório em termos de controle”, destaca o especialista. Estudos indicam que aplicar fungicidas antes do fechamento completo das entrelinhas de cultivo evita perdas de 6 sacos por hectare, em média. Além disso, ainda segundo Forcelini, considerando a média de quase quatro aplicações de fungicidas por safra
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nos últimos 12 anos, cada real que o produtor investe em controle tende a economizar de 4 a 5 reais em perdas por doença. Palestraram nos eventos de Não-Me-Toque pesquisadores e especialistas do setor como Adeney de Freitas Bueno e Osmar Conte (Embrapa Soja), Dirceu Gassen (pesquisador), Mario Antonio Bianchi (CCGL Tec), José Roberto Salvadori (UPF) e Renato Carvalho (Monsanto), além de representantes de entidades nas respectivas aberturas.
A vez da Campanha Diante do boom da soja
no Estado entre as décadas de 1960 e 1970, a Região da Campanha tentou investimentos. Mas a realidade diferenciada de solo, clima e altitude não trouxe os melhores resultados produtivos. “A Metade Sul ficou à espera de avanço de tecnologia, porque é uma região de risco maior”, conta o presidente da Farsul, Gedeão Pereira, produtor de Bagé. “No momento em que apareceu a soja transgênica, aliada às tecnologias de plantio direto, eis que surgiu uma nova frente agrícola no Brasil.” O detalhe está na mudança de tipo de crescimento das variedades modernas de soja, que passou de determinado para indeterminado. Anteriormente, era característica da planta apresentar fases reprodutivas bem definidas (floração, formação das vagens e enchimento de grãos), o que prejudicava a semeadura fora da melhor época, pois nesses
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casos, a floração precoce resulta em pequeno porte e baixa produtividade. Já a soja de comportamento indeterminado apresenta crescimento escalonado mesmo após o início da etapa de floração, além de maior resistência ao acamamento, flexibilidade quanto à época de semeadura e superação de estresse hídrico. Dali em diante, a soja não retrocedeu. Entrando nas propriedades como maneira de reduzir custos na formação de pastagens, hoje está plenamente desenvolvida (cerca de 1,3 milhão de hectares) em complemento à pecuária e áreas de arroz, por conta do retorno financeiro. “O simpósio surgiu em função do crescimento dessa cultura em toda a região e da necessidade de troca de informações para avançar no manejo da cultura”, afirma
o presidente da Associação e Sindicato Rural de Bagé, Rodrigo Moglia, um dos organizadores do “Simpósio Produção de Soja na Região da Campanha.” Realizado anualmente desde 2014, o evento integrou o Fórum Permanente do Agronegócio nas três primeiras edições. E a diversidade de assuntos dá conta dos inúmeros desafios enfrentados pelos produtores na implantação da soja na Metade Sul. Temas como manejo de solo, investimento em irrigação, controle de pragas, mercado de grãos e, principalmente, integração entre lavoura e pecuária, marcaram a programação técnica. Pelo lado da representação política, também houve evolução, conta Moglia: “Sempre aproveitamos esse momento de união para demonstrar a importância econômica da atividade e levar
Pesquisa financiada pelo Sistema Farsul auxiliou na evolução da cultura na Região da Campanha
demandas do meio rural, como segurança e melhores condições nas estradas.” E se a biotecnologia é tão importante no histórico de desenvolvimento da soja na Campanha, nada mais esperado do que colocar um estudo de variedades como participação marcante. Trata-se do Ensaio de Cultivares em Rede (ECR), realizado pela Fundação Pró-Sementes desde a safra 2008/2009 com apoio do Sistema Farsul. Dom Pedrito e São Gabriel receberam testes, apresentados para centenas de produtores nos simpósios. “A gente notou que, a partir disso, muitos começaram a observar os resultados para decidir em qual semente investir”, garante Moglia. Por conta dessa ação, passaram pelo Fórum Permanente do Agronegócio personalidades como Roberto Rodrigues (ex-ministro da Agricultura), Gedeão Pereira e Elmar Konrad (Farsul), Dirceu Gassen (pesquisador), Narciso Barison Neto (ex-Abrasem), Naylor Bastiani Perez e Aníbal de Moraes (Embrapa Pecuária Sul), Rodrigo Schoenfeld (Irga), Paulo César Carvalho (UFRGS), Paulo Siqueira (Urcamp), Antônio da Luz (Sistema Farsul), Cláudio Brisolara (Faesp), João Augusto Telles (Senar), José Hennigen (Fundação Pró-Sementes), Luiz Gustavo Floss (Casa Rural), Ernani Polo, Gilson Trennepohl, Gustavo Dantas, João Paulo Dantas, Liones Severo, Vlamir Brandalizze, Edio Sandler, Ivonei Librelotto, Lucas Navarini e Mauro Braga.q
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Trigo: sim ou não? Declínio alarmante da cultura e problemas de manejo estimularam ações do setor
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Área de trigo no Rio Grande do Sul, que já foi quase 2 milhões de hectares em 1976, encolheu para 380 mil hectares em 1998, ano do primeiro “trigo não”
A
cultura do trigo é, muito provavelmente, a mais instável economicamente no Rio Grande do Sul. As frequentes frustrações de safra e, principalmente, os problemas na comercialização do cereal (que tantas vezes ocasionaram prejuízos ao final da safra) resultaram em declínio alarmante na área de plantio nas últimas décadas. E o mais impressionante é que o Brasil está longe de ser autossuficiente na produção: apenas em 2018, o País gastou 1,5 bilhão de dólares para internalizar 6,8 milhões de toneladas, principalmente de vizinhos como a Argentina. O dado reforça o argumento de que o Tratado de Assunção, de 1991, que estabeleceu o Mercado Comum do Sul (Mercosul), não foi benéfico para os agricultores. O interesse no trigo é antigo: data de 1737 a chegada das primeiras sementes no Rio Grande do Sul. O cultivo se desenvolveu pelos imigrantes europeus na região, que apresentava boas condições de clima, mas a forte expansão comercial só viria a ocorrer, de fato, a partir da década de 1950, com a incorporação de máquinas e equipamentos modernos na agricultura e incentivos governamentais. Estes minguaram nos anos seguintes e praticamente não existiam quando surgiu o Mercosul e com ele a concorrência externa, elevando a oferta aos moinhos e pressionando as cotações. O desestímulo é traduzido pela área de plantio. De quase 2 milhões de hectares co-
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lhidos em 1976, o espaço da cultura reduziu para 380 mil hectares em 1998, conforme série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Naquele ano, os triticultores gaúchos, sob liderança da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), decidiram encaminhar mensagem relevante para as autoridades. Realizaram, em março de 1998, o seminário “Trigo: sim ou não?”, marco na história recente da entidade, para pleitear revisão de preço mínimo, redução dos juros para financiamento, alívio na carga tributária, prazo de pagamento diferenciado, ampliação de mercados externos e apoio à comercialização. Pela Farsul, Carlos Sperotto e Armando Roos debateram as medidas
com Francisco Turra, então presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e ministro da Agricultura meses depois. Eis a conclusão do documento: “Os produtores devem plantar trigo na safra apenas se tiverem certeza do lucro com a cultura. Caso contrário, devem ocupar a terra com algum tipo de grão de inverno, forrageira ou preparar a engorda de animais”. Ela não difere muito da obtida quase sete anos depois, em 16 de dezembro de 2004, na reedição do seminário “Trigo: sim ou não”, dentro do Fórum Permanente do Agronegócio. “Falta de medidas pode resultar em trigo não” foi a manchete do Sul Rural, jornal da federação, na época.
Problemas recorrentes Os produtores de trigo colheram basicamente prejuízos na safra de 2004, porque o cenário era bastante adverso: tabela de preço mínimo defasada, disparada no custo de produção, endividamento crescente e trigo estrangeiro dominando nas indústrias. “Houve a necessidade de reavaliar o quadro”, lembra o diretor da Farsul Hamilton Jardim, que logo acrescenta: “Se é que tinha reavaliação…” Para Jardim, o “trigo não” é uma soma de problemas antigos e que ainda afligem o setor nos dias atuais, como altos custos de produção em relação aos países vizinhos, logística precária que mina a competitividade da cultura (o Rio Grande do Sul está mais longe dos grandes centros de
Produtores buscaram respostas em 1998; Fórum Permanente resgataria debate seis anos depois 24 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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consumo do que os principais concorrentes) e janela curta de exportação, por exemplo. “São as mesmas justificativas de hoje, não mudou absolutamente nada”, avalia o dirigente. Desde 2013, os gaúchos não tiram renda do trigo, ora por problemas climáticos, ora pela retração de mercado, para fins de comparação. Quem respondeu aos triticultores na segunda edição do seminário foi o secretário de política agrícola do Ministério da Agricultura, Ivan Wedekin. Carlos Sperotto, Elmar Konrad e Jorge Rodrigues (Farsul), Caio Rocha (Emater), Andreas Elter (Sinditrigo) e Eliana Maria Guarienti (Embrapa Trigo), entre outros, debateram as questões.
Intervenção estratégica
A cultura do trigo voltou ao centro dos debates no Fórum Permanente do Agronegócio no final de 2016, em caráter de emergência. Algumas safras antes, pesquisadores identificaram a popularização de uma prática de manejo temerária entre os produtores gaúchos: a dessecação pré-colheita das lavouras de inverno com produtos não autorizados, como glifosato e paraquat. Além de ilegal e sem amparo técnico, a ação costuma deixar contaminantes no grão e até em produtos derivados, destinados à alimentação humana. As justificativas eram diversas. Alguns produtores, preocupados com a primavera chuvosa e a possibilidade de redução de qualidade e perdas de rendimento, aplicavam os dessecantes para matar os
Hamilton Jardim, diretor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul
chamados afilhos (partes da planta com atraso no desenvolvimento), secar os grãos e colher mais rápido. Outros queriam evitar qualquer atraso no plantio da soja no cedo, de modo a diminuir a exposição à ferrugem asiática no final do ciclo da oleaginosa, e a técnica escolhida foi dessecar o trigo antes da colheita para retirá-lo mais rapidamente do campo. Existiam ainda agricultores acreditando que a prática era benéfica no controle de plantas daninhas, já preparando terreno para a soja. A pesquisa agrícola, no entanto, apresenta uma percepção diferente: a prática traz mais riscos do que benefícios ao sistema de produção do
trigo. “É possível antecipar, com segurança, sem arriscar deixar resíduos no grão, de quatro a seis dias (a colheita), o que não faz muita diferença para a cultura da soja na sequência. Os estudos também não comprovam efeito benéfico no controle de plantas daninhas. A única situação em que pode ser realmente interessante é na uniformização da lavoura, mas depende muito da identificação correta do estágio fisiológico da planta e do momento da aplicação”, destaca o pesquisador da Embrapa Trigo João Leonardo Pires. Em contrapartida, é difícil avaliar com precisão até que ponto a aplicação é segura
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para quem não é especialista na área. “O produtor vê o herbicida dessecando a planta, uniformizando a lavoura, mas qual a quantidade que restou no grão? É um momento muito próximo da colheita, então pode facilmente exceder a quantidade tolerada”, pondera o pesquisador da Embrapa. Outro ponto a se considerar é que a dessecação naquele momento compromete o potencial germinativo das sementes, caso haja intenção de utilizá-las no próximo ciclo. A situação era mais grave ainda até 2015, quando o Ministério da Agricultura autorizou a dessecação pré-colheita, pela primeira vez, ao registrar o princípio ativo glufosinato de amônio na modalidade. Ou seja, desde a época dos pri-
meiros relatos, em 2011, até aquele ano, a prática foi realizada de maneira irregular. “O que se usava eram glifosato, paraquat e outros produtos baratos, que já estavam no dia a dia”, lembra Pires. “Nesses casos, era ainda pior. Além do risco envolvido, os produtores cometiam uma ilegalidade”. Não tardou para o cenário chamar a atenção dos órgãos de fiscalização e do Ministério Público. “Recebemos denúncia de várias fontes sobre o emprego do glifosato para secar o trigo e facilitar a colheita”, lembra o auditor fiscal agropecuário e ex-chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Sipov) no Estado, José Fernando Werlang. O assunto foi encaminhado
José Alcindo Ávila, superintendente da Casa Rural, em evento de boas práticas 26 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
para o Comitê de Alimentos do Fórum Estadual de Defesa do Consumidor, em Porto Alegre, onde se reuniram órgãos públicos, instituições de pesquisa e entidades privadas, entre elas a Farsul. A confirmação do problema veio com a análise de diversas amostras do grão e, posteriormente, de farinha que testaram positivo para resíduos de agroquímicos não permitidos. Na safra 2016, a advertência era explícita: persistindo os problemas, fazendas, cooperativas e indústrias seriam penalizados com multas e interdições. “Os produtores estavam na iminência de colher e não ter onde entregar”, conta o diretor da Farsul Hamilton Jardim. Até quem não realizava a prática poderia ser, indiretamente, prejudicado dessa forma, pela interrupção das vendas e baixa procura. Ao tomar conhecimento do impasse, o presidente da Farsul, Carlos Sperotto, convocou o grupo para conversar. “Ele ouviu todas as ponderações e disse: pode jogar essa conta para o Fórum Permanente do Agronegócio.” O Sistema Farsul realizou quatro seminários sobre o tema, entre setembro e outubro de 2016, nos municípios de Ijuí, Santa Rosa, Passo Fundo e Cruz Alta. O nome era “Boas práticas na produção de trigo: oportunidades e desafios para a cadeia tritícola”. Hamilton Jardim destaca o grande público, a visibilidade e os resultados daqueles eventos: “A Farsul fez sua parte, indicando a necessi-
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Casos de aplicação irregular de químicos antes da colheita foram reduzidos a praticamente zero
dade de corrigir o problema. O produtor se deu conta de que estava trabalhando contra si próprio”, afirma. Fora a redução drástica dos casos e a garantia de comercialização, outro efeito positivo foi o barateamento do produto recomendado, o glufosinato de amônio, lembra o dirigente. Nos eventos, auditores fiscais do Ministério da Agricultura e da Secretaria Estadual da Agricultura abordaram o controle de contaminantes, as normas em vigor e as implicações para a cadeia produtiva no caso de identificação de irregularidades. Pesquisadores da Embrapa Trigo e técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) trataram da tecnologia de
produção e manejo. Por fim, representantes da Farsul, da Associação das Empresas Cerealistas (Acergs), da Federação das Cooperativas Agropecuárias (Fecoagro) e do Sindicato da Indústria de Trigo do Rio Grande do Sul (Sinditrigo) prestaram orientações. Para João Leonardo Pires, as etapas do Fórum Permanente do Agronegócio tiveram grande importância no sentido de preservar a cultura do trigo entre os gaúchos. “Sabemos do potencial negativo (de penalizações), ainda mais em uma cultura problemática com a do trigo. Mas era preciso fazer o enfrentamento, ir até as regiões, chamar a assistência técnica e os produtores para a discussão e colo-
car a realidade. Acredito que o processo foi muito positivo porque tratou o problema de forma educativa e mostrou os diversos programas de monitoramento que estavam sendo colocados em prática.” José Fernando Werlang aponta que o número de amostras contaminadas diminuiu quase a zero após 2016. “O cenário é completamente diferente hoje em relação a esse problema”, conta o auditor, que acredita existir relação direta com aquele público interessado e o efeito multiplicador dos seminários. “Essa história mostra como é importante a integração entre os órgãos públicos, a fiscalização, a pesquisa e o setor privado.”q
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Área irrigada de milho e soja cresceu 41,2% em 11 anos no Rio Grande do Sul
O poder da água Em alta nos últimos 20 anos, irrigação entrou na pauta do Fórum Permanente do Agronegócio
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Fazenda Tapera, de Santo Augusto, decidiu investir em pivôs para irrigação de lavouras de soja e milho em 2002. A ideia era minimizar o risco de seca e elevar os índices produtivos, além de entrar com duas culturas de verão na mesma área (safra e safrinha). Apenas dois anos depois, na safra 2004/2005, a tecnologia se mostrou vital: o Rio Grande do Sul enfrentou uma das maiores secas da história, com 80% das cidades em situação de emergência. Algumas áreas da propriedade saíram ilesas, conta o produtor Carlos Eduardo Sperotto. A estiagem (que voltaria a acometer as lavouras gaúchas no ano seguinte e outra vez, gravemente, em 2011/2012) é um dos fatores que motivaram a alta nos investi-
mentos da tecnologia nas duas décadas recentes entre os gaúchos. Desde 2006, as áreas irrigadas aumentaram 41,2%, chegando a 1,4 milhão de hectares e 26,4 mil propriedades, conforme o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “As perdas de produtividade nesses eventos foram enormes. Desde então, os produtores fizeram investimentos em praticamente todas as regiões de produção”, conta o ex-professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Reimar Carlesso. Os benefícios do uso da irrigação são enormes em regiões em que há distribuição irregular de chuvas, como é o caso de diversos locais no Estado. De acordo com Carlesso, as cultu-
ras de soja e milho tendem a dobrar de rendimento com base no pacote tecnológico, este que apenas começa com a água, destaca o professor. A grande vantagem da irrigação estaria no fato de que o produtor se sente mais seguro para gastar com ferramentas que elevam os níveis de produtividade, sem medo de perder tudo na frustração de safra. “O produtor então deve alterar a população de plantas, usar sementes de alto potencial produtivo, aumentar a quantidade de fertilização e correção de solo, melhorar o manejo de solo e da cultura. Em outras palavras, ajustar o pacote agronômico para altas produtividades.” Dessa forma, os agricultores do Rio Grande do Sul sentiram a necessidade de trocar
Farsul adotou a introdução de tecnologia como bandeira; primeiro seminário de irrigação aconteceu em 2011 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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informações técnicas. Assim surgiu a Comissão de Irrigantes da Federação da Agricultura do Estado (Farsul) e, posteriormente, o Clube da Irrigação. A Fazenda Tapera foi uma das propriedades que passou a receber experimentos técnicos em área de pivô. Grupo técnico coordenado pelo também professor da UFSM Telmo Amado realizava as sugestões de
manejo, coletava informações e amostras e, ao final da safra, comparava os resultados daquela área com outras na fazenda. Por lá, chegou-se a colher 250 sacas de milho e 95 sacas de soja por hectare. Parte das discussões alcançou, naturalmente, o Fórum Permanente do Agronegócio: quatro eventos do grupo integraram ciclo de
Fazenda Tapera, de Santo Augusto, adquiriu os primeiros pivôs em 2002, para minimizar riscos e ampliar produtividade em milho e soja
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debates do Sistema Farsul. A estreia aconteceu com o seminário “Irrigação, agricultura de precisão e biotecnologia”, em 2011, no auditório da Farsul, em Porto Alegre. Dois anos depois, a entidade realizou o “1º Encontro de Irrigantes por Aspersão do Rio Grande do Sul”, que seria repetido em 2014. Fechando a lista, está a única
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etapa, entre as 100 edições do Fórum Permanente, a acontecer na Expointer, também naquele ano. Uma das principais contribuições das etapas do Fórum está no debate da viabilidade econômica dos projetos. Por demanda da Comissão de Irrigantes, foram incluídos quatro painéis de custos de produção
(soja e milho, em Cruz Alta e Bagé) no Projeto Campo Futuro, realizado todos os anos pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e as federações estaduais, com apoio da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). “Passamos a perceber que a irrigação
é excelente na maioria dos casos, mas nem sempre”, conta o economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz. Isso porque as áreas irrigadas aumentam consideravelmente os gastos com fertilizantes, agroquímicos, sementes e energia elétrica, por exemplo. É preciso que a rentabilidade da produção garanta o retorno do projeto
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Encontro de Irrigantes por Aspersão discutiu técnicas de manejo e resultados obtidos a partir da tecnologia
em até 10 anos.
Primeiros resultados
O primeiro evento de irrigação no Fórum Permanente do Agronegócio aconteceu em 30 e 31 de maio de 2011, reunindo cerca de 180 produtores no auditório da Farsul, em Porto Alegre. Nele, o então chefe da Divisão Técnica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), João Augusto Telles, apresentou os resultados dos primeiros experimentos do milho no Clube de Irrigação, em projeto piloto em diversas propriedades gaúchas. A produtividade média ficou em 260 sacos por hectare nas áreas monitoradas em 2011/2012, com pico de rendimento de 321 sacos em talhão de 17 hectares no município de Seberi. A ação também ficou mar-
cada pela cobrança do setor quanto à burocracia na obtenção de licenciamentos ambientais para armazenamento da água. O presidente da Farsul, Carlos Sperotto, deu o recado a dois nomes-chave na época: o secretário de Irrigação do Ministério da Integração Nacional, Ramon Rodrigues, e o secretário estadual de Obras Públicas, Irrigação e Desenvolvimento Urbano, Luiz Carlos Busato. Pouco tempo depois, o governo do Estado lançaria o programa Mais Água, Mais Renda, tendo como uma das metas a agilização do processo de licenciamento. O governo federal também passaria, no Plano Safra seguinte, a incluir linhas de financiamento específicas para a agricultura irrigada. Também palestra-
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ram no Fórum o professor da UFSM Telmo Amado, o diretor da Monsanto Rodrigo Almeida e o superintendente da Casa Rural, José Alcindo Ávila.
Encontros de irrigantes
O grande momento da irrigação no Fórum Permanente aconteceria em 2013 e 2014, com o lançamento dos “Encontros de Irrigantes por Aspersão no Rio Grande do Sul”. O primeiro aconteceu em 27 de junho de 2013, novamente no auditório da Farsul, em Porto Alegre; o segundo, em 2 de outubro de 2014, no Parque de Exposições do Sindicato Rural de Cruz Alta. Centenas de pessoas participaram dos eventos. Além das apresentações de resultados dos experimentos
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técnicos a campo, as etapas ficariam marcadas pela riqueza e variedade de discussões. A Farsul apresentou, nas duas ocasiões, estudos de impacto econômico do investimento em culturas irrigadas. Por um lado, mostrou ao público a alta na movimentação financeira e os efeitos indiretos da expansão das áreas irrigadas de milho para 1 milhão de hectares. Por outro, utilizou os primeiros levantamentos de custo do Campo Futuro para alertar para a necessidade de se trabalhar com a gestão na ponta do lápis. Alertas não faltaram para a questão do manejo das áreas irrigadas: o principal deles, o fato de que não basta irrigar para aumentar a produtividade. Destaque para a participação do pesquisador da Esalq/ USP, Durval Dourado Neto,
atualmente diretor da instituição, que tratou da eficiência no uso do sistema. Outros pesquisadores convidados foram Reimar Carlesso e Telmo Amado (UFSM), Carlos Alberto Forcelini (UPF), Elmar Luiz Floss (Incia), Carlos Henrique Dalmazzo (Monsanto) e Edson Tanaka (Fatec). O primeiro encontro de irrigantes ainda traria a questão ambiental para a mesa, sobretudo à luz do Novo Código Florestal, aprovado em 2012. O assessor técnico Eduardo Condorelli, atual superintendente gaúcho do Senar, apresentou as implicações da legislação nos biomas Mata Atlântica e Pampa. Participaram do painel o promotor de justiça do Ministério Público Estadual, Alexandre Saltz, e o então diretor do Departamento de Recursos Hídricos do Es-
tado, Marco Mendonça.
Faltava a Expointer
A primeira e única vez que o Fórum Permanente do Agronegócio realizou etapa na maior feira agropecuária gaúcha, a Expointer, aconteceu em 1º de setembro de 2014. E ela trouxe números expressivos para chamar a atenção de qualquer visitante do campo: naquela safra 2013/2014, a irrigação havia gerado alta de 355% e 368% na lucratividade do milho e da soja, respectivamente. Em relação à produtividade, o impacto ficara em 66% para o milho e 50% para a soja. Quanto aos custos, alta expressiva de cerca de 32%, alertando para o planejamento financeiro. O painel teve participação de Antônio da Luz, João Augusto Telles e do atual presidente da Farsul, Gedeão Pereira, então vice-presidente da entidade.q
Irrigação foi tema da primeira e única etapa do Fórum Permanente do Agronegócio na Expointer, em 2014 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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A agenda do agronegócio
“De onde virão os alimentos?” antecipou alta no consumo da Ásia e levantou debate sobre ampliação de mercados
Demanda mundial por produtos agropecuários tende a absorver alta na produção brasileira até 2026
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m 10 anos, o Brasil deve produzir 267,3 milhões de toneladas de grãos por ano (arroz, milho, soja e trigo) o que representa alta de 34%. É improvável, porém, que o excedente gere superoferta no mercado interno. Isso porque o consumo mundial de alimentos cresce em ritmo acelerado e absorve grande parte do volume. No mesmo período, a demanda deve crescer 401 milhões de toneladas, sobretudo pelo crescimento populacional na Ásia, responsável por 256 milhões de toneladas (64%). “São os asiáticos que vão comprar o nosso excedente. Eles que irão pagar, e caro, pela nossa produção”, analisa o
economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz. A previsão poderia ter sido feita hoje, quando o governo brasileiro negocia fortemente acordos bilaterais com China, Japão, Coreia do Sul, Indonésia, Malásia, Singapura, Vietnã e outros países da região, para benefício do agronegócio. Mas a realidade era bem diferente quando de fato essa mensagem circulou pelo País, há quatro anos. Centenas de pessoas a ouviram, em primeira mão, no seminário “De onde virão os alimentos: o desafio do futuro”: a 66ª etapa do Fórum Permanente do Agronegócio, que ocorreu em 17 e 18 de junho de 2015, na cidade de Gramado. “Algumas descobertas que
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fizemos naquele estudo causaram enorme repercussão, porque pareciam estranhas, até mesmo uma afronta. Mostramos que, para a pecuária de corte, por exemplo, o Brasil perdia tempo com a Europa e deveria olhar para a Ásia, onde as taxas de crescimento no consumo em 10 anos eram muito maiores”, lembra o economista. “Hoje, isso nem se discute: é uma unanimidade no setor. Muita gente mudou de opinião e refez as suas estratégias de negócio com base no que projetamos.” Atualizados, os números mudaram pouco. A projeção para a safra brasileira de grãos para 2026 é agora de 258,4 milhões de tonela-
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das. E essa produção continua bastante dependente das relações comerciais com os asiáticos: o continente deve fechar o ciclo de 10 anos demandando 293,45 milhões de toneladas a mais de arroz, soja, milho e trigo. A participação segue a mesma (incríveis 64%) porque a projeção de incremento no consumo mundial também mudou para 457 milhões de toneladas no período. A origem estava na percepção da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) de que era preciso trabalhar menos como “bombeiro”, resolvendo emergências, e estabelecer uma agenda de longo prazo para o agronegócio brasileiro, com base em projeções realistas e dados técnicos. A entidade vinha de intenso período de renegociação de dívidas a produtores de arroz e soja, por conta de frustrações de safra e problemas de mercado. “A Farsul está preocupada com os destinos do agronegócio gaúcho e as transformações que ocorrem em nossos campos”, disse o então vice-presidente e atual presidente da federação, Gedeão Pereira, ao discursar na abertura do evento. O trabalho, dessa forma, tinha duplo propósito, conta Antônio da Luz. Em primeiro lugar, tentou-se mostrar para aquele público de produtores rurais se valia ou não a pena continuar produzindo. O outro enfoque era discutir prioridades na ampliação de mercados e condições de acesso. “Produzir
68,5 milhões de toneladas a mais em 10 anos desperta outro debate: como vamos escoar? O estudo permitiu chegar para o governo e cobrar investimentos em rodovias, ferrovias, hidrovias e portos com mais autoridade”, afirma. Um efeito indireto foi o reposicionamento de adidos agrícolas, incluindo a troca Europa-Ásia. A repercussão também foi grande na mídia, ganhando espaço nos meios urbanos. Lizemara Prates, jornalista da Rede Bandeirantes e mediadora do painel, acredita que os números apresentados trouxeram impacto relevante na área. “Penso que foi uma maneira mais concreta de enxergar exatamente o tamanho do desafio (dos produtores)”, relata. Para ela, esse tipo de informação também é fundamental para melhorar a imagem do setor perante à sociedade. “A cidade precisa entender melhor a importância do produtor rural para garantir a alimentação de quem vive no planeta, e o produtor também precisa enxergar essa necessidade de comunicar melhor com o consumidor.”
representantes de empresas de tecnologia agrícola e lideranças do agronegócio. A mediação era responsabilidade de jornalistas especializados em agronegócio. O ex-professor da Universidade de Passo Fundo (UPF) Claud Ivan Goellner conta que o objetivo do primeiro debate era combater um mito comum até entre os produtores, de que os alimentos orgânicos são mais seguros e nutritivos. “Existe uma proposição ideológica, digo assim porque não há base científica, que visa desmoralizar o agro convencional. A ciência tem mostrado, ao longo do tempo, que os orgânicos não são mais seguros ou nutritivos. Também não são produzidos em larga escala, o que encarece o produto final”, aponta o pesquisador. De acordo com ele, o
Alimentos seguros e biotecnologia
O seminário “De onde virão os alimentos” contou com outros três painéis, abordando a segurança dos alimentos orgânicos, as novas tecnologias na agricultura e o panorama da produção transgênica. Palestraram no evento pesquisadores de universidades e da Embrapa, Carlos Sperotto, ex-líder da Farsul Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Grãos e Tecnologia
Brasil consome cerca de 400 milhões de toneladas por ano de agroquímicos, mas isso é porque apresenta mais de 100 milhões de hectares cultivados, diferentes culturas, agricultura o ano inteiro e condições de temperatura, clima e umidade que favorecem a entrada de doenças e exigem intervenções mais frequentes e intensas para controlá-las. Mesmo assim, o consumo médio estaria entre 3,5 e 4 quilos de ingrediente ativo por hectare, abaixo dos níveis de diversos países como Japão, Holanda, Suíça, Itália, Alemanha e França, entre outros. “Se compararmos consumo por quantidade produzida, estamos em 58º lugar. Somos muito eficientes”, analisa. Já em relação aos orgânicos, os mais renomados artigos científicos do mundo e relatórios de instituições
Antônio da Luz, economista da Farsul
Claud Ivan Goellner, ex-professor da Universidade de Passo Fundo
como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) apontam que os orgânicos não superam os alimentos convencionais em termos nutritivos e propriedades organolépticas, por exemplo. Além disso, trazem alertas quanto aos chamados “produtos naturais” utilizados no sistema de produção e às toxinas naturais que as plantas produzem para resistir a doenças. “Não é porque um produto é natural que ele é seguro”, destaca o pesquisador Claud Ivan Goellner. O painel teve participação do advogado e consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Reginaldo Minaré; do pesquisador da Embrapa na área de entomologia Marcos Botton; e do mestre em fitotecnia Dirceu Gassen. Gisele Loeblein, colunista de agronegócio do jornal Zero Hora, mediou as discussões sobre o tema.
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Transgênicos voltam à cena Fechando a programação, foram apresentados os avanços na área de biotecnologia e o panorama do uso nas lavouras. Destaque para as previsões do pesquisador da Embrapa Ricardo Inamasu em relação à utilização de tecnologias de automação, agricultura de precisão e big data no terceiro painel. “Hoje, usamos relógios que são computadores. E se a gente vestisse um animal com um equipamento que permitisse saber antes se está prenhe ou com algum problema?”, provocou Inamasu. Geraldo Berger (Monsanto) e Mauro Alberton (Bayer) falaram no evento, com mediação do comentarista do Canal Rural João Batista Olivi. Quanto aos transgênicos, o presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), José Américo Rodrigues, mostrou que a tecnologia já alcançava 93% das áreas de soja e 82% das áreas de milho, totalizando
Grãos e Tecnologia
42,2 milhões de hectares. No entanto, 11 anos após a liberação do uso de variedades geneticamente modificadas, o País ainda enfrentava entraves no mercado internacional e desinformação. A mediação ficou por conta de Felipe Vieira, jornalista da Rádio Guaíba naquela época. O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) e ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, fez ainda um resgate histórico da agricultura brasileira. Segundo ele, a soja que se plantava na década de 1970
era aquela própria de clima temperado, e foi a tecnologia que permitiu desenvolvimento de uma agricultura e de produtos voltados para o clima tropical, resultando na expansão da produção. “O brasileiro transformou a mais degradada área que se conhecia, o Cerrado, em competitiva e produtiva”, ressaltou. O presidente da Farsul, Carlos Sperotto, finalizou: “Se o produtor que colhia 17 sacas de soja por hectare hoje colhe 70, é porque ele agregou muito valor ao grão, por meio de tecnologia e manejo.”q Ricardo Inamasu, da Embrapa
Gedeão Pereira, atual presidente da Farsul, falou da preocupação sobre os destinos da produção agropecuária Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Questões da pecuária A transformação recente na produção de soja, que possibilitou o ingresso do grão sobre áreas de pastagem na Metade Sul do Estado, trouxe muitas perguntas para a pecuária de corte. Duas delas, em especial, se tornaram febre entre os produtores: “De onde virão os terneiros?” e “Para onde irão os novilhos?”. Assim foram chamadas etapas de alto gabarito do Fórum Permanente do Agronegócio, que ainda debateu controle do carrapato e pecuária leiteira em outras ocasiões.
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Questões da Pecuária
De onde virão os terneiros? Dúvida criada a partir da incorporação da soja em áreas de pastagem no Estado virou sinônimo de informação 40 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
Questões da Pecuária
Fórum Permanente do Agronegócio trabalhou pela melhoria de índices produtivos na pecuária de corte
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ntre os anos de 2009 e 2010, técnicos do Juntos para Competir começaram a circular pelos campos da Fazenda Santo Antônio, de Lavras do Sul. Os índices produtivos não eram ruins, conta o proprietário, Eloi de Tarso Teixeira
Costa, mas ele enfrentava dificuldade em evitar o emagrecimento do gado no inverno e a perda de vacas prenhas sob determinadas condições. Aquelas consultorias marcam o início de uma transformação profunda na propriedade. E que, inclusive, virou exemplo
para outros produtores da região alguns anos depois. “Eu usava o gado muito apertado. Achava que, quanto mais animal no campo, melhor”, lembra o pecuarista. Por conta disso, estranhou uma das primeiras sugestões dos técnicos: reduzir em 20% o número de vacas para aumentar a produção de terneiros. Descobriu então, pelos resultados, que eles estavam certos: alta no índice de prenhez e redução da idade de primeiro entoure nas fêmeas de três para dois anos, tornando a atividade mais rentável e produtiva. “O ajuste de lotação deu a diferença. Se não tiver ‘boia’ (alimento), não tem produção”, ensina o produtor. A história da Fazenda Santo Antônio ficou mais conhecida em 9 de abril de 2015, quando dezenas de pecuaristas visitaram a localidade em dia de campo do ciclo “De onde virão os terneiros?”. Naquela altura, a ação já estava no quarto ano e oitava edição, tendo passado antes por Santa Maria (duas vezes), Esteio, Lagoa Vermelha, Alegrete, São Luiz Gonzaga e Pelotas. O evento ainda alcançaria, até 2019, os municípios de Mostardas, Santo Antônio da Patrulha, Bagé, Jaguari, Santana do Livramento, São Gabriel, Santiago, Quaraí e São Francisco de Paula, além de novamente Santa Maria e Alegrete, reunindo ao todo 6.378 pecuaristas gaúchos. O “De onde virão os terneiros?” surgiu em 2012, como uma forma de mostrar aos produtores a importância
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Questões da Pecuária
da pecuária de corte e a necessidade de melhorar os índices produtivos em um cenário de avanço da soja e outras culturas agrícolas sobre áreas de pastagem. Das conversas entre o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, e o professor do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), José Fernando Piva Lobato, apareceu a ideia de lançar um novo produto para o Fórum Permanente do Agronegócio, realizado pela Casa Rural — Centro do Agronegócio. O dado mais alarmante era a relação entre o número de terneiros e a quantidade de vacas: 56% naquela época, conforme as declarações
dos produtores nas inspetorias veterinárias da Secretaria Estadual da Agricultura. Em outras palavras, significa dizer que, a cada 100 vacas, nascem em média apenas 56 terneiros no Rio Grande do Sul. “A grande meta era aumentar as taxas de prenhez e de desmame, além de reduzir a idade de primeiro serviço das novilhas”, afirma Lobato. Faltava definir o formato, marca registrada do ciclo de debates. Desde a primeira etapa, os eventos contam com dia de campo em geralmente três propriedades da região, de modo a discutir na prática maneiras de aumentar a produtividade. Em um segundo dia, especialistas de áreas como planejamento forrageiro, integração entre lavoura e pecuária, sanidade animal
e melhoramento genético ministram palestras em seminário, geralmente no parque de exposições ou na sede do sindicato rural do município. “O diferencial do evento são os dias de campo, ambiente informal que cria discussões e onde todos têm voz para falar das dificuldades”, afirma o técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) Pedro Faraco. “Não existem muitos eventos assim, que atraiam tanto interesse.” Segundo Lobato, a definição das propriedades modelo é feita a partir dos indicadores buscados no projeto: primeiro acasalamento de novilhas aos dois anos de idade, taxa de desmame de 80% e foco na bovinocultura de corte, integradas ou não com lavoura. O maior benefício estaria na
“De onde virão os terneiros?” conta com visitas a propriedades da região para transmitir conteúdos na prática 42 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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melhor visualização e fixação das informações repassadas: “Gosto do dia de campo porque ele permite mostrar, aqui e agora, aquela condição de trabalho. Existe interação com o ambiente, ao contrário do datashow.” O Rancho Santa Zelina, de Júlio de Castilhos, foi uma das três propriedades convidadas para sediar dia de campo na primeira edição do “De onde virão os terneiros?”, em 30 de outubro de 2012. Há 25 anos, o proprietário Jorge Alberto Abreu de Oliveira investe na soja, mas o foco permanece nos bovinos de corte. “O perfil nosso é a pecuária”, conta Oliveira. “A gente planta, aduba, aplica calcário na pastagem, faz análise de solo como se fosse a lavoura. A soja entra como renda extra para patrimônio, mas o que sustenta a fazenda é a pecuária.” A propriedade aposta na integração entre as duas culturas para maximizar os ganhos. De acordo com ele, a pecuária adiciona de 4 a 5 sacos por hectare de soja no verão. O motivo é, principalmente, a produção de matéria orgânica sobre as áreas no inverno, que resulta no aumento da fertilidade do solo. No dia de campo, uma das abordagens foi justamente o medo do pisoteio, lembra Oliveira: “Depende da massa, de como usa, o que deixa de resíduo na lavoura de azevém”, ele mesmo responde. A Santa Zelina ainda receberia outro dia de campo do evento, em 2013, quando
o seminário retornou à Santa Maria. E novidades não faltaram para mostrar aos novos visitantes. Naquele meio tempo, a filha Carolina concluiu doutorado na UFRGS utilizando a fazenda como “campo experimental”. O objetivo: reduzir a idade do primeiro acasalamento das novilhas a 14 meses. “É bom porque encurta o ciclo e o tempo para ter o primeiro produto. Mas tem que ter cuidado em manejo, comida, suplemento, Pesquisador norte-americano Min Du sanidade. Se não, dá cria no primeiro parto e não repete lamento das fêmeas aumenta a rentabilidade em 2,5 vezes. no segundo”, aponta. “Sistemas mais intensivos, em Dicas para a eficiência que as fêmeas são acasalaUma das principais men- das mais cedo (14 ou 24 sagens transmitidas pelo “De meses) e a taxa de natalionde virão os terneiros?” dade é maior (em torno de é que a base do aumen- 80%), são sempre aqueles to da eficiência na pecuária que oferecem melhor rentabide corte está na alimenta- lidade ao produtor”, destaca ção. “O nosso problema é a professora da Universidafome. Enquanto não nutrirmos de Federal de Santa Maria os rebanhos adequadamente, (UFSM) Luciana Pötter. continuaremos tendo probleOutro enfoque do “De onde mas de ordem reprodutiva, virão os terneiros?” diz resafetando renda e prejudicando peito aos resultados da intea qualidade da carne gaú- gração entre lavoura e pecha”, afirma o professor da cuária. Danilo Sant’Anna, UFRGS, José Fernando Piva pesquisador da Embrapa PeLobato. Nessa área, os prin- cuária Sul, afirma que a pecipais problemas consistem no cuária é interessante do ponto excesso de lotação de pas- de vista financeiro desde que tagens, que reduz a ofer- receba investimentos, conta de alimento, e na falta trole e dedicação compatíde adequação de calendário, veis com a lavoura. “Quanou seja, fazer com que os do as pastagens são vistas períodos de maior demanda nessa perspectiva, a pecuáde nutrientes pelo rebanho ria é competitiva e, inclusive, (gestação e lactação) coin- se torna um dos vetores da cidam com a melhor condição sustentabilidade das próprias de pasto. lavouras”. Há influência, por Além disso, estudos mos- exemplo, na redução de gastram que, em média, reduzir tos para garantir a fertilidade a idade do primeiro acasa- de solo na safra, e a inteFórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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gração com a pecuária também reduz a incidência de plantas invasoras, pragas e doenças, para ficar em apenas dois exemplos. O melhoramento genético é outro aspecto a levar em conta na evolução dos índices produtivos. Vanerlei Roso, da consultoria Gensys, afirma que a incorporação de genes traz ganhos imediatos pequenos (aumento de 1% ao ano no ganho de peso é considerado ótimo índice, por exemplo), mas estes são cumulativos, permanecem. O primeiro passo é definir as características a se melhorar com a genética: fertilidade, precocidade de parto, ganho de peso, deposição de gordura, resistência ao carrapato, entre outros. A partir disso, a recomendação é observar as chamadas Diferenças Esperadas de Progênie (DEPs) dos animais, informação que consta em sumários de touros e determinados leilões com avaliação genética. “É preciso entender os números ou procurar ajuda antes de comprar animais para o rebanho, nunca comprar no escuro. Quando adquire com base na característica genética, a probabilidade de dar certo é muito maior”, ressalta Roso.
Ponte aérea
O “De onde virão os terneiros?” teve 22 edições desde 2012, com visitação a 51 propriedades rurais e 43 palestrantes convidados — incluindo 11 estrangeiros. Os principais parceiros internacionais nesses eventos são os uruguaios, com cinco repre-
Produtores, técnicos, professores e lideranças participaram dos eventos
sentantes. Três pesquisadores dos Estados Unidos e outros três da Argentina completam a lista. Fabio Montossi, diretor do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária (Inia), do Uruguai, debateu com produtores gaúchos no Fórum Permanente do Agronegócio em duas ocasiões. A contribuição, no entanto, é mais significativa: os resultados de experiências do Inia o levaram a sugerir a abordagem de dias de campo ao professor José Fernando Piva Lobato e, consequentemente, ao Sistema Farsul. “A transmissão de conhecimentos não deve acontecer apenas de técnico para produtor, mas também entre produtores”, entende Montossi. “Creio que a atividade vá nesse sentido: compartilhar a incorporação da tecnologia em sistemas reais de produção, contada fundamentalmente por aquele que a aplicou, na linguagem da área.” Para o diretor do Inia, pecuaristas do Uruguai e do
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Rio Grande do Sul compartilham diversos desafios em comum: apresentam destinos de exportação similares, muitas das grandes indústrias de carne brasileiras também estão por lá e ambos produzem no Bioma Pampa. “O Uruguai não é todo igual, mas me animo a dizer que os locais onde 90% da pecuária é realizada têm muito a ver com o Rio Grande do Sul”. Além disso, os dois lados da fronteira estão tendo que lidar com mudanças profundas no setor, como novas exigências e protocolos que acompanham tendências mundiais de consumo em termos de qualidade e sustentabilidade. Por outro lado, são as diferenças que garantem muitas das dúvidas e questionamentos nas palestras, conta Montossi, principalmente quando aborda o tema de forrageiras. O Inia desenvolve inúmeras linhas de pesquisa nesse sentido, inclusive transformando espécies de campo nativo em variedades melhoradas, e responde por 70% deste produto no
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país vizinho. “Noto que há opções no Brasil, mas não existem muitas parcerias público-privadas.” Outro momento marcante ocorreu na vinda do pesquisador Min Du, da Washington State University, dos Estados Unidos, para a terceira edição do “De onde virão os terneiros?” em Santa Maria, em dezembro de 2015. Na época, os trabalhos de Min Du sobre programação fetal na pecuária de corte corriam o mundo, e o evento teve grande destaque na imprensa gaúcha. “Um terço da vida de um novilho é passado dentro do útero, quando abatido com um ano e meio de idade. Muitos dos problemas na qualidade da carne ocorrem na gestação. O efeito da má nutrição da vaca é de longo prazo”, disse o
palestrante. A informação seria retomada com frequência no segundo grande ciclo de debates da pecuária de corte do Fórum Permanente do Agronegócio: o “Para onde irão os novilhos?.” Os demais palestrantes internacionais foram Álvaro Simeone (Udelar), David Lalman (Oklahoma State), David Riley (Universidade do Texas), Graciela Quintans e Juan Manuel Soares de Lima (Inia), Horacio Raul Guitou e Martin Correa Luna (Inta), Guillermo de Nava (pesquisador uruguaio) e Marcos Blua (produtor rural argentino). Além dos citados na reportagem, palestraram nos eventos Naylor Bastiani Perez e Fernando Cardoso (Embrapa Pecuária Sul), Jamir Luís Silva Da Silva (Embrapa Clima Temperado), Ezequiel
Rodrigues do Valle (Embrapa Gado de Corte), João Ricardo Martins e José Reck Júnior (IPVDF), Alexandre Motta de Souza, Leonir Pascoal e Ricardo Dalmolin (os três da UFSM), Ricardo Zambarda Vaz (UFPel), Antônio da Luz, Danielle Guimarães e Rafael Alberton (os três do Sistema Farsul), Silvio Menegassi (Senar), Roberto Grecellé (Sebrae), Cláudio Ribeiro (Emater), Diego Brasil (Marfrig), Jorge Luiz Paiva Severo (Gensys), Alcides Pilau (Laçador), Diego Silveira Lima e Douglas Lopes Thomas (Zoetis), Fabrício Dias Torres (Axys), Mauro Pilz (Estancia del Sur), Rafael Silva (Virbac), Edvarson Vargas (médico-veterinário), Normélio Alves (médico-veterinário) e Sérgio Faulstich (consultor rural). q
De acordo com pesquisas, sistemas mais intensivos resultam em maior rentabilidade aos pecuaristas Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Foco na terminação
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epois de quatro anos, o sucesso do ciclo de debates “De onde virão os terneiros?” no interior do Rio Grande do Sul autorizou o lançamento de um novo produto para o Fórum Permanente do Agronegócio: o “Para onde irão os novilhos?”. Da cria e do manejo reprodutivo, o foco passou a
ser a terminação dos animais, a redução da idade de abate e o aumento da taxa de desfrute, além da aproximação dos pecuaristas com os reais interesses da indústria compradora. Foram realizadas, desde 2016, sete etapas do evento, reunindo 2.273 pessoas nos municípios de Bagé, Uruguaiana, Alegrete, Pelotas,
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Cruz Alta, Santiago e São Lourenço do Sul. “A pergunta tem duplo propósito”, afirma o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira. Por um lado, questiona-se o espaço físico ocupado pelos novilhos. De outro, a discussão está centrada no aspecto comer-
Questões da Pecuária
Sistema Farsul promove “Para onde irão os novilhos?” para incentivar redução de idade de abate e alta qualidade de carne
Manejo é essencial para ofertar animais jovens, com alto peso e padronizados aos frigoríficos
cial da atividade: que tipo de carne a indústria quer e quais mercados o setor deseja atingir. Algo que dialoga com a perspectiva de demanda na Ásia, principalmente na China, para os próximos anos. “Eles vem incluindo uma Argentina a cada ano na população: mais ou menos 40 milhões de pessoas. Em até 15 anos,
serão acrescidas 400 milhões de pessoas na classe média. E o território chinês não tem a mínima condição de produzir a quantidade de alimentos necessária. A China olha muito para o Brasil.” Vários temas e a própria dinâmica do “De onde virão os terneiros?” permaneceram no “Para onde irão os novi-
lhos?”. Como, por exemplo, os dias de campo prévios ao seminário e as informações sobre pastagens, ainda que voltadas mais para a questão da qualidade do produto final, não tanto a melhoria dos índices reprodutivos. “Sempre levamos o enfoque da nutrição, decisões de manejo, oferta de forrageiras, genética e suple-
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Eventos reuniram 2 .273 pessoas entre dias de campo (foto) e seminário
mentação. A qualidade do novilho não aparece quando se vende com 500 quilos, ela começa no ventre materno”, afirma o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) José Fernando Piva Lobato. Em 2012, o índice que motivou o lançamento do primeiro ciclo havia sido a baixa relação entre terneiros e vacas no Estado, de 56%. Já as etapas dos novilhos, segundo o técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) Pedro Faraco, partiram de dificuldades gerais na produção de animais precoces e padronizados para mercados exigentes. “A pesquisa deixa claro que o cuidado dentro da porteira resulta na qualidade final do produto”, destaca Faraco. De acordo com o pesquisador da Embrapa Pecuária Sul Danilo Sant’Anna, o incremento das áreas de pastagens de inverno trouxe redução significativa da idade média de abate nos últimos anos: de 4,5 anos para algo entre 3
e 3,5 (o número é impreciso por conta da falta de levantamentos oficiais). Porém, atualmente, ainda existem cerca de 900 mil bovinos com mais de três anos nas propriedades gaúchas, conforme dados das inspetorias veterinárias. A realidade está longe da ideal: “Depois que o animal bota os quatro dentes, ele perde a qualidade, fica mais fibroso, com a carne mais seca”, lembra Lobato. O abate tardio está diretamente relacionado a
taxas mais baixas de ganho de peso, o que indica equívocos no manejo de pastagens e na seleção genética, entre outros pontos. Além do enfoque técnico, foram convidados representantes de indústrias para falar sobre que tipo de produto valorizam e os programas de bonificação existentes. Um caso emblemático é o de Luiz Roberto Saalfeld. Sócio do Frigorífico Coqueiro desde 1989, tornou-se pecuarista sete anos depois, com a Fazenda Pérola Negra, de São Lourenço do Sul. “O que me motivou a investir na pecuária foi justamente a busca por um produto diferenciado. Defendo o seguinte: temos que trabalhar para produzir algo que seja comprado, e não vendido. O nosso patrão é a dona de casa”, conta ele, que recebeu dia de campo na fazenda em 2018. Atualmente, trabalha com cerca de 4 mil animais por ano, com uso de suplementação. Outro empenho está em apresentar nichos e oportunida-
Etapas dos novilhos aconteceram em Pelotas e outros seis locais do Estado
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des de mercado aos produtores, valorizando os diferenciais de qualidade da pecuária gaúcha. É o caso da criação de raças britânicas, reconhecidas pela precocidade, qualidade de acabamento e marmoreio. “O Brasil Central tem feito muitos cruzamentos industriais com angus e hereford para reduzir a idade do primeiro acasalamento e de abate. Há uma onda brasileira para se produzir com mais qualidade, porque os mercados assim exigem”, afirma Gedeão Pereira, da Farsul. Elen Nalério, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul, pensa que há espaço para trabalhar o conceito produtivo local junto aos consumidores. “Os animais, em geral, são criados livres no campo, e isso culmina em características diferenciadas da nossa carne, tanto pelo conceito de bem-estar animal quanto pelos benefícios reconhecidos internacionalmente para a saúde do consumidor”, afirma ela. “O que o animal come determina qual o sabor daquela carne. Acredito que essa seja uma nova fronteira de avaliação do mercado”, comple-
ta. Um exemplo de iniciativa nesse sentido é a Alianza del Pastizal, que cadastra propriedades com 50% de campo nativo no sistema produtivo. A mudança do enfoque para a terminação na pecuária de corte permitiu que os eventos trouxessem novos exemplos de propriedades tecnológicas. Entre elas, a Fazenda Paraíso, de Aceguá, no primeiro dia de campo do “Para onde irão os novilhos?”, em Bagé. Depois de morar na Nova Zelândia, em 2006, o produtor Ricardo Zuliani adaptou um sistema de pastejo rotativo intensivo em faixas, chamado technograzing, e obteve resultados expressivos. “Termino quase cinco cabeças por hectare/ ano, com produção na faixa de 600 quilos por hectare”, conta o pecuarista. O segredo está no manejo das pastagens, com trocas a cada dois dias por meio de cercas móveis, prática que mantém os animais ganhando peso e oferece descanso e recuperação aos campos. Outro exemplo é a Agropecuária Águas Claras, de Tupanciretã, a única do município
Qualidade da pecuária de corte gaúcha é reconhecida em todo o Brasil
que vende gado rastreado para a indústria, segundo o administrador da fazenda, Fernando Almeida. Por lá, os novilhos são abatidos com 550 quilos aos 18 meses (e as terneiras são inseminadas aos 14 meses), com integração lavoura-pecuária e sistema de confinamento. “Hoje, não se tem mais espaço para uma pecuária que deixa boi de três anos na propriedade. O custo desse animal é caríssimo. Então, fomos para esse lado de produzir mais com qualidade”, diz Almeida, que nunca tinha participado dos eventos do Fórum. Tempos depois, fez questão de estar em eventos de Santana do Livramento e Santiago. E garante que aprendeu com as visitas. Além dos citados na reportagem, palestraram nas etapas do “Para onde irão os novilhos” Álvaro Simeone (Udelar), Fabio Montossi e Juan Manuel Soares de Lima (Inia), Jamir Luís da Silva (Embrapa Clima Temperado), João Ricardo Martins (IPVDF), Paulo César Carvalho (UFRGS), Leonir Pascoal e Luciana Pötter (UFSM), Ricardo Zambarda Vaz (UFPel), Rodolpho Luiz Botelho (Faep), Antônio da Luz (Sistema Farsul), Roberto Grecellé (Sebrae), Antônio Jorge Camardelli (Abiec), Armando Salis (Frigorífico Campeiro e Sabor da Campanha), Cléber Lunardi (Cotripal), Fábio Medeiros (Angus), José Pedro Azeredo Crespo e Luis Roberto Firmino da Silva (Marfrig), Marcelo Shimbo (Prime Carter) e Mauro Pilz (Estancia del Sur). q
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Olhares a campo Debaixo de sol e chuva, milhares de pecuaristas gaúchos foram a campo para trocar ideias e experiências, contar histórias e buscar informações técnicas sobre a atividade no Fórum Permanente do Agronegócio. Desde 2012, o Sistema Farsul promoveu 29 etapas dos ciclos “De onde virão os terneiros?” e “Para onde irão os novilhos?”. Somados, os eventos engajaram 8.651 pessoas, entre seminários e dias de campo, média de 298 pessoas por evento. Além de apoiar a busca por altos índices produtivos e a qualificação do segmento, as edições também renderam belas imagens. A seguir, apresentamos alguns registros fotográficos das andanças pelo interior do Rio Grande do Sul.
A entidade agradece o apoio e o interesse demonstrado por todos os produtores ao longo desses anos, em especial aos gentis homens e mulheres que acolheram os encontros em suas propriedades. Foram 74 estâncias, em 29 municípios. O roteiro passou por Aceguá, Alegrete, Arroio Grande, Bagé, Barra do Quaraí, Bossoroca, Capão do Leão, Cruz Alta, Esmeralda, Jaguari, Júlio de Castilhos, Lagoa Vermelha, Lavras do Sul, Mostardas, Pedro Osório, Quaraí, Santa Maria, Santana do Livramento, Santiago, Santo Antônio da Patrulha, Santo Antônio das Missões, São Francisco de Paula, São Gabriel, São Lourenço do Sul, São Sepé, São Vicente do Sul, Tupanciretã, Uruguaiana e Vacaria.
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Palavras do Professor Lobato José Fernando Piva Lobato, Ph.D. Professor Titular, Faculdade de Agronomia, UFRGS Quarta-feira, 18 de junho de 2012, início da noite, conversando com o Presidente Sperotto, na sala da Presidência da Farsul, digo a ele que a pecuária perdia mais intensamente parte de seus campos, os cultiváveis, para o cultivo da soja. Disse-lhe que a pecuária com os seus indicadores, e de grande amplitude entre seus extremos, permanecia com baixos índices de produtividade. Entre eles, uma baixa relação do número terneiros por 100 vacas, inferior a 60%, e o número superior a 1.300.000 de novilhas de 25 a 36 meses. Estas, mais as terneiras até 12 meses, e as novilhas de 13 a 24 meses, ambas também acima de 1.300.000, representavam 30% do rebanho gaúcho, sem entrar em reprodução. Com 38% de fêmeas acima de 36 meses, totalizavam 68% do rebanho gaúcho. Assim estavam, ou ainda estão em números muito próximos, declaradas pelos produtores em suas inspetorias veterinárias, e após, constituintes oficialmente das populações de bovinos do RS e do Brasil. Pecuária assim, com estes baixos indicadores e suas nuances, só podia e pode perder espaços. Algo mais precisava e precisa ser feito. Por exemplo, levar
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aos produtores mais conhecimentos existentes e, dentre eles, identificar e disseminar seus feitos em exemplos reais de sistemas implantados e bem sucedidos, de maior produtividade e qualidade de produto. Produtores falando para produtores, com recursos gerados no próprio negócio. Mostrar que suas “façanhas servem de modelo a toda terra....” Dois dias após, 20 de julho de 2012, recebo ligação de Antônio Aguinaga para comparecer ao SENAR. E a partir deste dia passamos a organizar e a conduzir, em conjunto com o corpo técnico do SENAR, estes Fóruns para aumentarmos a produtividade de nossa pecuária. Dias após, em uma tarde, conversávamos sobre que título dar aos eventos pretendidos. Presidente Sperotto levanta-se da mesa grande da sala da Presidência, deixando-nos para trás, à mesa, e dirigindo-se à sua escrivaninha, dispara uma sentença: “De onde virão os terneiros?” Assim, sucintamente, com este título, passamos a ir aos Sindicatos Rurais, os quais passaram a solicitar estes Fóruns. O primeiro, propus que fosse em Santa Maria, por estar no centro do estado gaúcho, onde um
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maior número de produtores e de jovens, que farão o agronegócio brasileiros dos próximos anos, poderiam ter maior facilidade de acesso, maior participação. Com possível redução de custos. Grata satisfação! Em 30 de outubro de 2012, no auditório do Hotel Morotin, tivemos 737 participantes, na jornada de campo (29/10), 213 participantes. Memorável. Grata a satisfação que o Presidente Sperotto expressava, ao constatar avôs e netos, a nova geração, participantes. Posteriormente, o então Vice-Presidente Gedeão Silveira Pereira, conhecedor do setor, competente moderador dos eventos até então realizados, propôs realizarmos Fóruns com o tema “Para onde irão os novilhos?”. Assim andamos por este Rio Grande, a convite, tendo até o momento 4.547 participantes nos Fóruns dos terneiros, mais 1.831 nas jornadas de campo, totalizando 6.378 participantes. Mais sete Fóruns sobre os novilhos, com o total de 2.273 participantes. Os dois, se somados, com o total de 8.651 participantes. Assim, o Sistema Farsul/ Senar-RS/Casa Rural passou a atender as solicitações de inúmeros Sindicatos Rurais e deu atenção aos seus pedidos com foco nos problemas por eles identificados, levando soluções, o diálogo, o conhecimento gerado por pesquisas nacionais e internacionais. O corpo técnico que atendeu aos inúmeros Fóruns tem sido constituído por cole-
gas, professores e pesquisadores, conhecedores de nosso meio ambiente, estando entre os melhores do Brasil, e renomados técnicos internacionais, alguns por mais de uma vez, como Álvaro Simeone, Fabio Montossi e Juan Manuel Soares de Lima , os três do Uruguai. Professor David Riley da Texas A. & M, University. Por último, o Dr. Min Du, da Washington State University, renomado pelos estudos de programação fetal e qualidade da carne a ser produzida, com base na nutrição da vaca enquanto gestante e nos primeiros meses de lactação. Todos trouxeram conhecimentos com base em ciência por eles gerada. A todos os colegas, lembrados em outros artigos nesta publicação, meu particular obrigado, por juntos, incessantemente, levarmos conhecimentos técnicos aos produtores para o aumento da produção, da produtividade e qualidade dos produtos de nossa pecuária de corte. Uma menção muito especial, de imenso agradecimento, faço aos produtores que nos acolheram e serviram, com seus sistemas de produção, em diferentes estágios, por serem “modelo a toda terra”. Considero os exemplos deles, expostos nos dias de campo, importantíssimos para disseminar o uso dos conhecimentos existentes associados à maneira peculiar de cada um, administrativa, econômica, ambiental, de implantar e conduzir sistemas pecuários mais produtivos, com produtos de melhor qualidade, para uma maior aceitação pelos consumidores, seja ele o indivíduo, seja a Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Questões da Pecuária
indústria, dependentes da imensa gama de produtos oriundos da pecuária de corte. Seus exemplos, suas atitudes e propósitos, em seus sistemas com base em seus ambientes (solo, clima, animais), são e serão estímulos a outros produtores para também estes terem aumentos de produção, produtividade e renda em seus sistemas pecuários. Anfitriões dos dias de campo, exemplares produtores, meus inúmeros novos amigos, muito obrigado! Dados existentes na Secretaria da Agricultura de 15 de junho deste ano, declarados pelos pecuaristas, mostram continuarmos no rebanho gaúcho com 29,9% fêmeas até 36 meses de idade. De 25 a 36 meses são 1.129.183 novilhas, 9,5% do rebanho! A imensa maioria de corte. Se parirem seu primeiro terneiro aos quatro anos, segundo o Prof. Baldi, UNESP/Jaboticabal, “só pagam o seu custo ao desmamar o seu terceiro terneiro”. Tomo a liberdade de acrescentar a esta conclusão, se não falharem quando primíparas, especialmente, e se produzirem bons terneiros... Passados sete anos do primeiro “De onde virão os terneiros?”, os índices reprodutivos permanecem instigantes. Mesmo tendo demanda por novilhos de qualidade, e de novilhas a serem boas vacas, para poderem contribuir com 50% dos novilhos de qualidade. Estes, no topo de bonificações existentes, se rastreados, com mais de 240 kg de carcaça, até quatro dentes, com mínimo de 3-4 mm de gordura subcutânea, são bonificados em 10% do preço. 56 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
Para reflexão, coloco esta tabela1 do Prof. Richard Wilhan, Iowa State University, na qual ele mostra ser a reprodução o fator de maior resposta econômica, valor 10, enquanto o produto tem valor relativo 1. O novilho acima referido, que tem no máximo mais 10% do preço do novilho. Enquanto batalhamos corretamente por maior valor agregado em novilhos de qualidade, a necessária maior remuneração para enfrentar os custos de produzi-los, maiores e melhores respostas em sistemas de ciclo completo advém da maior eficiência reprodutiva, composta pelas características expressas acima. Ou seja, enquanto corretamente queremos maior retorno em novilhos de excelência, há milhões de fêmeas em condições de subnutrição e, por conseguinte, continuamos com baixo desempenho e produtividade, prejudicando o sistema em seu todo. Prejudicando e muito a produção e a constituição da carne dos almejados e necessários novilhos, e de novilhas de descarte a ser destinadas ao abate. Como se fossemos uma só fazenda, precisamos urgentemente nutrir nossos rebanhos de cria com maior oferta e digestibilidade forrageira. Até para, de fato, ter uma melhor qualidade de carne. Uma tarefa árdua para quem fará a pecuária nos próximos 50 anos. A pergunta “De onde virão os terneiros?”, permanece. O Rio Grande somos nós, façamos, por enquanto, a nossa parte.
Questões da Pecuária
Tabela 1 Valores na produção de gado de corte Características Valor Variação Incremento Diferenças Econômico seleção(%) heterose raciais (%) (%) Reprodução 10 10 10 10 Produção 2 40 5 50 Maternal * – (30) (7) (40) Mercado ** – (50) (3) (60) Produto 1 50 0 5 Reprodução – precocidade sexual, fertilidade, facilidade de parto, sobrevivência,terneiro desmamado por vaca exposta a reprodução; Produção – * Maternal: produção leite e tamanho adulto; – **Mercado: taxa crescimento e eficiência alimentar; Produto – quantidade e qualidade.
José Fernando Piva Lobato, professor da UFRGS Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Questões da Pecuária
Juntos contra o
Parasita estressa os bovinos e transmite doenças que podem levar à morte
carrapato Produtores buscaram alternativas de controle diante de prejuízos milionários e fenômeno da multirresistência
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A
o final de uma das etapas do seminário sobre o carrapato, em 2013, um pecuarista já de bastante idade levanta e pede a palavra. Após uma série de relatos de pessoas na iminência do abandono da atividade e de palestras técnicas com os maiores especialistas no problema do Rio Grande do Sul, fez questão de prestar depoimento. “Percebi que faço errado, há 60 anos, o controle parasitário na minha propriedade”, disse. “Mas quero deixar claro que não faço errado porque quero ou porque gosto, muito pelo contrário. Faço errado porque nunca alguém me disse como era o jeito certo de se fazer.” Quem conta a história é o
pesquisador José Reck Júnior, responsável pelo laboratório de parasitologia do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), um dos palestrantes naquele evento. O tal seminário, na realidade, se chamava “A resistência do carrapato aos carrapaticidas e suas consequências à pecuária do Rio Grande do Sul”, realizado em quatro etapas do Fórum Permanente do Agronegócio: Butiá, São Francisco de Assis, São Gabriel e Herval, entre 2012 e 2013. O evento reuniu centenas de produtores das mais diversas localidades — além daquele pecuarista, cujo nome se perdeu no tempo, mas não o seu depoimento marcante. De acordo com o diretor da
Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) Francisco Schardong, a demanda pelos eventos surgiu pelos próprios sindicatos, por conta do grande número de associados que enfrentavam problemas de multirresistência do carrapato e prejuízos no ganho de peso e mortalidade de bovinos. “Foi formado um roteiro no Rio Grande para disseminar as alternativas de controle, as soluções e trazer mais conhecimento aos produtores rurais. Não adianta só aplicar o defensivo de qualquer jeito: o produtor tem de conhecer a melhor época para o tratamento, dominar a técnica e seguir os protocolos veterinários”, lembra Schardong. Para o superintendente da
Lideranças abordaram prejuízo causado pelo carrapato no Estado, estimado em 300 milhões de reais por ano Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Questões da Pecuária
Casa Rural e diretor da Farsul, José Alcindo Ávila, o grande número de participantes nas etapas confirmou a gravidade do problema no campo e certamente auxiliou os pecuaristas em momento crítico. “Ouvimos produtores dizendo que estavam saindo do evento cientes de que teriam de mudar o jeito de trabalhar e transformar o próprio negócio. O Fórum trouxe resultados, não tenho dúvida disso”, afirma o dirigente. Uma das principais manifestações era no sentido da busca de orientação técnica, desconfiando de apelos comerciais. O carrapato é um problema antigo no Estado, introduzido com os primeiros bovinos trazidos para a América pelos colonizadores. Segundo Reck Júnior, a preocupação aumentou a partir da década de 1950, quando houve intensificação da produção. “Quando a produção passou a ter um nível de tecnificação que exige pecuária de maior qualidade,
os produtores passaram a utilizar recursos como o controle químico do carrapato”, relata o pesquisador do IPVDF. A utilização em larga escala de formulações eficientes e práticas ofereceram bons resultados, mas também favoreceram o surgimento do fenômeno da resistência, principalmente nos anos 2000. “Chegamos ao ponto de termos propriedades rurais resistentes a todos os tipos de produtos. Obviamente, isso gera uma situação de pânico, que também contribui para que o problema fique ainda maior: quando o produtor se assusta, procura mais medidas de tratamento, e quanto mais aplicações, mais resistência”, avalia. Até o início da década de 1990, as fazendas gaúchas apresentavam média de 6 tratamentos com carrapaticida ao ano. Na década seguinte, o índice passou para 10 a 12 aplicações, e atualmente existem grupos com até 20 tra-
tamentos a cada ano, aponta o especialista. “A principal prática atrelada à resistência é a frequência de tratamento, além da aplicação equivocada, sem indicação técnica, fora do período correto”, afirma ele. Pesquisador aposentado do IPVDF, João Ricardo Martins detalha algumas das práticas equivocadas no campo: dose, diluição e volume mínimo fora do recomendado, no caso dos produtos por aspersão; erro no peso estimado, no caso de injetáveis; incidência de chuvas logo após o uso de formulações pour-on. Além disso, nem sempre a população-alvo é sensível ao produto, o que poderia ser minimizado ao encaminhar amostras para diagnóstico em laboratório (teste de biocarrapaticidograma). A estratégia ideal para uso dos produtos consiste em alternar ingredientes ativos (e não nomes comerciais) e executar o denominado tratamento geracional, que busca evitar que a geração seguinte de carrapatos receba o mesmo princípio ativo da anterior. É consenso entre os técnicos, porém, que a escolha do produto químico é apenas uma das estratégias necessárias para o controle do carrapato. “O produtor precisa conhecer sobre a vida do carrapato e sua relação com o meio ambiente, precisa conhecer mais sobre os principais instrumentos de controle e as estratégias de uso, pensar em descanso de áreas, rotação com agricultura, bovinos com resistência natural ao carrapato. Enfim, precisa ampliar o Produtividade da pecuária de corte depende do controle parasitário eficiente leque de opções de controle, 60 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
Questões da Pecuária
Sistema Farsul promoveu eventos em Butiá e outros três municípios gaúchos
diminuindo a dependência aos químicos de alguma forma”, avalia Martins. “O controle exige intervenção em todo o sistema de manejo, incluindo redefinição de objetivos, controle de pastagens, taxas de lotação, seleção de animais menos suscetíveis, entre outras questões”, recomenda Reck Júnior. Nesse sentido, o maior impacto dos eventos talvez tenha sido enfatizar aos produtores o fato de que não conseguiriam resolver a situação com uma solução pronta no balcão da agropecuária. “Mostramos que cada um teria de montar o seu próprio plano sanitário, com supervisão de um técnico, e que este não depende exclusivamente da escolha do carrapaticida.” A estimativa é de que o carrapato bovino no Brasil gere prejuízos na ordem de 12 bilhões de reais ao ano. Apenas no Rio Grande do Sul, o impacto seria de 300 milhões de reais. O médico-veterinário e assessor técnico da Farsul Luiz Alberto Pitta Pinheiro explica que o Estado
apresenta condições climáticas favoráveis à incidência do parasita durante boa parte do ano, quando as temperaturas estão elevadas. Dessa forma, está presente em praticamente todas as regiões. O prejuízo ocorre pelo estresse dos animais com as infestações (que resultam em interrupção da alimentação, perda de peso e redução de fertilidade), pela morte de bovinos por agentes infecciosos transmitidos pelo parasita e pela desvalorização do couro. Para Francisco de Paula Jardim Alves Branco, as eta-
pas do Fórum Permanente do Agronegócio deixaram evidente a dificuldade dos produtores em manter as populações de carrapatos em níveis compatíveis com os distintos sistemas de produção. Ele cita como conquista a criação de grupo técnico especializado no combate ao carrapato e à tristeza parasitária bovina na Secretaria Estadual da Agricultura. “Cabe ressaltar a necessidade de implantar uma campanha estadual de controle, já que as alternativas práticas e fáceis estão expirando”, completa. José Reck Júnior aponta ainda a criação dos “Sete passos para o controle do carrapato” pelo IPVDF a partir das discussões com os produtores. A Casa Rural também reuniu artigos técnicos e outros materiais das quatro etapas do Fórum Permanente em publicação lançada na Expointer, pouco tempo depois. O controle do carrapato continuou sendo abordado, nos anos seguintes, por meio das etapas do “De onde virão os terneiros?” e “Para onde irão os novilhos?”.q
Interesse do público foi marcante nas quatro etapas do Fórum Permanente Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Questões da Pecuária
Soluções para o leite
N
ão é de hoje que a disparidade entre os custos de produção do Brasil com o de outros países do Mercosul causa apreensão no campo. Para a pecuária leiteira, uma das crises mais marcantes aconteceu no primeiro semestre de 2009, quando a indústria chegou a importar 10 mil toneladas de leite em pó no espaço de 30 dias. Para se ter ideia, nos cinco anos anteriores (2004-2008), as compras ficaram na média de 1,8 mil toneladas ao mês. A derrubada das cotações internas aos produtores de leite, assim como os problemas de estiagem no campo, tiveram reflexos na Expoleite Fenasul daquele ano. A feira registrou tímida movimentação financeira no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. A exposição também sediou, em 29 de maio de 2009, a primeira etapa do Fórum Permanente do Agronegócio dedicada à pecuária leiteira. Palestrantes de Brasil, Argentina e Uruguai discutiram a comercialização entre os países do bloco econômico no chamado “Congresso Internacional da Pecuária Leiteira do Mercosul”. Ainda que a proposta incluísse debates de natureza técnica, como manejo reprodutivo e novas tecnologias — a cargo do pesquisador uruguaio Daniel Cavestany, do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária (Inia) —, o que marcou mesmo na ocasião foram os
contornos políticos. Houve grande mobilização de produtores, promovida pela Federação da Agricultura do Estado (Farsul), com auxílio da Empresa de Assistência Técni-
62 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
ca e Extensão Rural (Emater) e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag). “A verdade é que estava entrando leite em volume bastante importante da Argentina,
Questões da Pecuária
Surtos de importação, normativas e projetos de assistência técnica acionaram o ciclo de debates
Pecuária leiteira sofre com oscilações de mercado e altos custos de produção
da Nova Zelândia e da União Europeia. Isso acabava condenando o produtor, que lidava com preços muito baixos”, conta o ex-diretor da Farsul Jorge Rodrigues, que liderou a
organização do evento. Dessa forma, uma das manifestações mais aguardadas era a do então secretário da Sociedade Rural Argentina (SRA), Daniel Pelegrina, atu-
al presidente da entidade. Em painel que debateu o cenário do mercado do leite no Mercosul, disse que a integração era essencial, pois a região teria potencial agroclimático
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Questões da Pecuária
para a atividade e capacidade de absorver a produção leiteira do bloco. Rodrigues lembrou das cotações internacionais deprimidas, dando especial atenção para a situação difícil em que se encontravam os produtores gaúchos. A fala foi registrada pelo presidente da Comissão Nacional da Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Alvim. Atenta à questão, a CNA solicitou ao governo uma política de licenças não automáticas para a importação de lácteos — que resultou no primeiro acordo com a Argentina ainda em 2009, em 3
mil toneladas ao mês de leite em pó. “Penso que aquele momento foi muito importante para a definição do acordo entre Brasil e Argentina para limitação das importações”, afirma Rodrigues. Os termos foram renovados periodicamente até 2018, com acréscimo de volume até 4,5 mil toneladas, e há entendimento no setor de que ajudou a proteger os pecuaristas brasileiros com menor imprevisibilidade de mercado. Para Rodrigues, o evento também foi importante para aproximar entidades e impulsionar pelo menos outras duas iniciativas: os chamados
Conselhos Estaduais do Leite (Conseleite) nos três estados sulistas e a criação da Aliança Láctea Sul Brasileira, reunindo Secretarias Estaduais da Agricultura e entidades para debater parâmetros de qualidade, alternativas de mercado, sanidade animal e outras agendas. “Estamos hoje com um nivelamento importante. Claro que tudo foi um processo, não se restringe apenas ao evento, mas ali firmamos a proposição”, lembra o ex-diretor da Farsul. Os demais palestrantes na etapa do Fórum Permanente foram Marcelo Pereira Carvalho (Milkpoint), Mário
Produção gaúcha deve ser impulsionada por meio de projetos de assistência técnica do Senar nos próximos anos 64 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
Questões da Pecuária
Nascimento (Emater) e Car- ra. As regras foram atualizalos Feijó (Sindilat). das recentemente. A maior preocupação era Da porteira para dentro a perspectiva de exclusão de A segunda vez que a pe- produtores da atividade, conta cuária de leite foi tema do o supervisor do Serviço NaFórum Permanente do Agro- cional de Aprendizagem Rural negócio aconteceu em 19 de (Senar) na Região das Missetembro de 2013, com o se- sões, Herton Lima. “Essa traminário “Desafios para a pro- jetória acabou se confirmandução do leite no Rio Grande do nos últimos cinco anos. O do Sul”, em Santo Augusto. número de produtores reduziu Mais uma vez, o evento foi de 30% a 40%, no mínimo”, motivado por uma preocupa- relata o técnico. Diversas sição externa dos produtores: tuações contribuíram para o a alteração de padrões míni- problema, como a dificuldade mos de produção, identidade de sucessão nas propriedades e qualidade do leite por meio e as oscilações de mercado. da Instrução Normativa (IN) Entretanto, para Lima, é a 62 do Ministério da Agricultu- gestão do negócio que repre-
senta o maior desafio, impactando diretamente na manutenção da atividade. Diante daqueles 120 produtores, o Senar adiantou algumas das iniciativas que empregaria nos anos seguintes. Naquele mesmo ano, a entidade lançou o programa Leitec — Tecnologia para Produção de Leite, composto por 11 módulos de capacitação com direito a consultorias individuais nas propriedades. Em 2018, o Senar deu início ao programa Mapa Leite, de assistência técnica para 1.140 propriedades ao longo de um ano. Agora, em 2020, prepara grandes investimentos em Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), acompanhando tendência nacional. “Se tem uma atividade que precisa de consultoria e acompanhamento é o leite”, afirma o técnico. “É preciso fazer as pessoas abraçarem a ideia, criando relações de confiança e comprometimento. Só se consegue isso com continuidade de trabalho”. De acordo com Lima, as estatísticas do setor leiteiro também indicam que é possível obter remuneração adequada com a atividade. “Há 15 anos, tínhamos mais de 100 mil produtores gaúchos, e hoje temos menos de 60 mil, mas a produção aumenta todos os anos. Existe uma transferência dessa produção: quem permanece se profissionaliza e aumenta a escala”, avalia. Jorge Rodrigues (Farsul), João Augusto Telles (Senar) e Darlan Palharini (Sindilat) foram os demais palestrantes no evento. q
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66 Fรณrum Permanente do Agronegรณcio - 100 Etapas
Produção sustentável A aprovação do Novo Código Florestal Brasileiro, em 2012, também conta com a marca do Fórum Permanente do Agronegócio. Foi durante quatro eventos do Sistema Farsul, ainda em 2009, que os produtores gaúchos consolidaram a posição de que alterações eram necessárias, adequando a legislação à realidade do campo. O Fórum ainda debateria a Agricultura de Baixo Carbono (ABC) anos depois, com a presença do então ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho, de modo a estimular a introdução de tecnologias sustentáveis na produção.
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Produção Sustentável
Cartas e códigos Roteiro da Farsul pelo interior gaúcho mobilizou produtores para a aprovação do Código Florestal
Com objetivo de discutir a legislação ambiental com produtores rurais, poder público e entidades representativas do Estado do Rio Grande do Sul, realizou-se, no dia 6 de fevereiro de 2009, na cidade de Tupanciretã, a 18ª etapa do Fórum Permanente do Agronegócio. Após apresentação dos temas Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal, Decretos 6.514/08 e 6.686/08, impactos da adoção da reserva legal na economia do RS e debatidos os conflitos e dificuldades de aplicabilidade da Lei, as entidades aprovaram em plenário as seguintes propostas: 1) Revogação do Decreto Federal nº 6.514 de 22 de julho de 2008 e do Decreto Federal nº 6.686 de 10 de dezembro de 2008; 2) Novo Código Florestal Federal em substituição ao Código Florestal, Lei Federal nº 4771 de 15 de setembro de 1965, adequando à realidade do setor produtivo nacional; 3) Regramento pelo Órgão Ambiental competente para o uso sustentável da Reserva Legal.
A
cima está uma das quatro cartas sobre o Código Florestal elaboradas pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) junto aos produtores rurais em quatro etapas do Fórum Permanente do Agronegócio. Era primeiro semestre de 2009, pouco tempo depois da edição de dois decretos polêmicos pelo ministro do
Meio Ambiente, Carlos Minc. A maior preocupação estava nas multas pesadas então colocadas, na ordem de 500 reais por hectare/dia para os produtores que não tivessem 20% da área demarcada como Reserva Legal, no caso do Rio Grande do Sul. Em Tupanciretã, nascia uma grande mobilização nacional, nas palavras do
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presidente da Farsul, Carlos Sperotto. Itaqui, Pantano Grande e São Gabriel seriam os próximos destinos do Fórum Permanente do Agronegócio, cada um dos municípios com a sua própria carta, basicamente referendando os três objetivos ao reunir centenas de produtores e políticos alinhados. Mas a verdade é que os seminá-
Produção Sustentável
Lideranças do Sistema Farsul anunciaram em coletiva de imprensa as posições do setor quanto ao Código Florestal
rios foram apenas uma parte daquela mobilização: um trio de assessores do Sistema Farsul realizou nada menos que 109 reuniões no interior, mostrando o real impacto da legislação na atividade. “Foram dois anos e meio saindo na terça-feira (para o interior) e voltando no domingo”, conta o assessor técnico Derly Girardi, o responsável por apresentar a interpretação dos artigos e a posição da entidade. “Foi uma mobilização muito grande e muito forte. Chegamos a ter 500 a 1.000 pessoas em alguns eventos. Era uma coisa absurda”, lembra o presidente da Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul (Sargs) e consultor do Sistema Farsul, Ivo Lessa, a quem competia abordar as
consequências agronômicas. “O fato que mais me marcou foi uma reunião em Passo do Sobrado, que teve participação de 850 pessoas, em um município com 3.500 habitantes. Ou seja, um a cada quatro habitantes estava na palestra. Havia uma preocupação imensa das pessoas”, relata o economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz, que apresentava os impactos econômicos da Reserva Legal no Estado. A expectativa era de redução de 7,6% no Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho, rombo superior aos 4,8% da seca de 2005, reconhecida como uma das piores da história. Segundo Lessa, a situação era insustentável pela ausência de transição prevista e
a impossibilidade de sobrepor Reserva Legal com Áreas de Preservação Permanente (APP), além da falta de regramento para uso sustentável dos locais. “Em uma propriedade na região do Planalto, estávamos falando de 20% de Reserva Legal, mais 15% de APP, mananciais hídricos… Era uma restrição bastante significativa, que obviamente teria impacto relevante na economia.” O superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) no Rio Grande do Sul, Eduardo Condorelli, vai além: pelo conteúdo do Código Florestal de 1965 mais os “remendos” desde 1983, 95% das propriedades estavam na ilegalidade, pelo simples fato de que as medidas eram infac-
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Produção Sustentável
tíveis. O período mais crítico aconteceu a partir de 1995, por meio de medidas provisórias do governo Fernando Henrique Cardoso, de acordo com o dirigente. “Para se ter uma ideia, até 2001, as medidas provisórias tinham validade de 30 dias para serem aprovadas pelo Congresso Nacional ou reeditadas. A primeira delas, de 1995, foi reeditada 67 vezes”, afirma Condorelli. O número só não foi maior porque, naquele ano, os parlamentares aprovaram emenda constitucional estabelecendo força de lei para todas as medidas provisórias em vigor até que eles pudessem avaliá-las. “Sabe quando o Congresso olhou aquela medida provisória de novo? Nunca mais.”
Girardi acredita que os eventos no interior — incluindo as quatro etapas do Fórum Permanente do Agronegócio, tiveram como grande mérito a conscientização para o problema em diferentes setores da sociedade, sob o comando de Sperotto. Antônio da Luz acrescenta que o estudo tinha justamente o propósito de mostrar que aquela não seria uma conta apenas do produtor, mas repartida por várias áreas da economia que dependem financeiramente dele. O assunto foi incansavelmente abordado com autoridades estaduais e federais, parlamentares e representantes de outras federações do empresariado gaúcho. Exemplo nesse sentido foi a entrega da carta de Tupanciretã por Sperotto ao
então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, na Expodireto Cotrijal de 2009. Sobre uma maquete que mostrava o significado de termos como Área de Preservação Permanente e Reserva Legal ao público da feira de Não-Me-Toque, o presidente arrematou: “A mudança no Código Florestal não é um remendo ou arranjo. Precisamos de um Código novo, levando em conta os reflexos econômicos no setor agropecuário.” A mando da diretoria, Eduardo Condorelli se tornou um dos profissionais mais atuantes na construção do Código Florestal, sob a relatoria do deputado Aldo Rebelo. “Farsul e CNA fizeram um grande trabalho de convencimento, junto aos
Ivo Lessa, consultor do Sistema Farsul, apresentou os impactos agronômicos das leis e decretos em evento de Itaqui 70 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
Produção Sustentável
Assessor técnico Derly Girardi palestrou para grande número de agricultores no município de Pantano Grande
deputados federais, sobre as coisas que eram importantes para o produtor. Ele não é um Código ideal, mas é factível e leva muito mais em conta a vida como ela é”, avalia Condorelli. Daqueles três objetivos elencados nas cartas, dois realmente aconteceram: o novo Código Florestal foi
aprovado em 2012, e hoje o Rio Grande do Sul conta com regramento específico para uso sustentável da Reserva Legal no Bioma Pampa, por meio de decreto estadual de 2017. Por outro lado, aqueles decretos permanecem vigentes, mas com alterações substanciais e resolução prática. A par-
Sperotto comandou os trabalhos que resultaram em Carta de Tupanciretã
tir da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR), os produtores poderão ajustar a propriedade por meio de Programas de Regularização Ambiental (PRA), para só então ocorrer a aplicação de multas, em caso de descumprimento da legislação. Para o diretor da Farsul Domingos Velho Lopes, a federação teve papel fundamental na conceituação do Código Florestal. “Levamos a nossa bagagem técnica de dentro da propriedade para aqueles deputados que estavam trabalhando no projeto de lei”, destaca o dirigente. “O Código Florestal de 2012 tem sido o suporte, o marco legal para o desenvolvimento das nossas atividades e para o tratamento da área ambiental em termos de preservação e sustentabilidade.”q
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Produção Sustentável
Baixo carbono, alto nível
Lavouras sequestram carbono da atmosfera e auxiliam na redução de gases poluentes
Fórum Permanente do Agronegócio apoiou divulgação do Plano ABC 72 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
Produção Sustentável
Em 2010, quando era comandado por Mendes Ribeiro Filho, o Ministério da Agricultura estabeleceu plano de ação para adoção de tecnologias de produção sustentáveis e estimular a chamada Agricultura de Baixo Carbono (ABC). A política foi adotada a partir dos compromissos voluntários firmados pelo Brasil junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima, durante a Conferência das Partes (COP) de Copenhague, na Dinamarca. A meta era reduzir a emissão de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% até 2020. Recentemente, na Polônia, o governo brasileiro anunciou o cumprimento das metas com dois anos de antecedência.
Próximo ao setor e de perfil conciliador, Ribeiro Filho ganhou apoio imediato da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) no projeto, assim como da entidade representativa nacional, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A ideia principal consistia em incentivar a introdução de tecnologias sob melhores condições de crédito no Plano Agrícola e Pecuário (Plano Safra), de acordo com projetos prioritários como recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária, sistema plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, plantio de florestas e tratamento de dejetos animais. Na primeira safra em ope-
ração, em 2011/2012, os resultados não foram os esperados: financiamento de R$ 840 milhões, contra R$ 3,15 bilhões de anúncio — sendo R$ 97,8 milhões no Rio Grande do Sul, apenas o quinto em volume contratado. Integrado na realidade, a Farsul chamou o ministro para participar de um seminário dentro do Fórum Permanente do Agronegócio, a fim de esclarecer os benefícios do investimento nas linhas disponíveis e alavancar os números. “A Federação atendeu de imediato o chamamento para aderir ao Plano ABC”, disse à época o presidente da Farsul, Carlos Sperotto. Domingos Velho Lopes, diretor da Farsul, lembra que o ministro Mendes Ribeiro Fi-
Carlos Sperotto, então presidente da Farsul, ao lado do ministro Mendes Ribeiro Filho em etapa do Fórum Permanente Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Produção Sustentável
lho sempre teve uma “relação estreita” com a entidade, porque entendia a importância da atividade agropecuária. “O plano de agricultura de baixo carbono é um estímulo necessário a medidas con-
servacionistas de utilização de solo, com incremento de produtividade. Essa política de linhas de crédito, que beneficia tanto em taxas de juros quanto em prazo, é uma iniciativa fantástica”, avalia.
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Por conta disso, a 37ª etapa do Fórum Permanente do Agronegócio se tornou a primeira a contar com um ministro da Agricultura em exercício, em 28 de maio de 2012. Mendes Ribeiro
Produção Sustentável
Filho abriu o encontro ao lado de Sperotto, anunciando incremento nos recursos para agricultura de baixo carbono no Plano Safra. “Vamos continuar trabalhando para que possamos, cada vez
mais, dizer que estamos fazendo a nossa parte. Continuaremos agindo e fazendo o possível para estar ao lado daquele que produz”, destacou o político. Houve empenho em apre-
Produtores debateram incentivos a tecnologias sustentáveis de produção
sentar, de maneira técnica, as novas tecnologias de baixa emissão de poluentes. As palestras ficaram a cargo de Paulo Carvalho, da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e dos especialistas do Serviço de Inteligência em Agronegócios (SIA) Davi Teixeira e Igor Carassai, além do então assessor técnico do Sistema Farsul e atual superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) no Rio Grande do Sul, Eduardo Condorelli. “O Brasil é um país que, apesar de todas as críticas que recebe na questão ambiental, tem muito a ensinar ao resto do mundo”, defende Condorelli, citando números atuais como o percentual de preservação do território em 66%. Para ele, o Plano ABC demonstra que não só os brasileiros já fazem muito, mas também têm condições de assumir metas internacionais de redução de emissão de carbono. Há consciência, por exemplo, de que algumas áreas e culturas podem produzir mais e de maneira mais sustentável ambiental e economicamente. “Hoje, há um pacote tecnológico importante para se atingir maiores níveis de produtividade. Tanto por meio de ferramentas digitais quanto agropecuárias: adubação, manejo de lavoura, manejo da pecuária, genética animal, planejamento forrageiro, entre outras”. O Plano ABC teve outras abordagens pelo Sistema Farsul no interior do Estado.q
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76 Fรณrum Permanente do Agronegรณcio - 100 Etapas
Produtoras em ação A participação feminina nos debates do setor e a ampliação da representatividade estão bem expressas nas etapas do Fórum Permanente do Agronegócio: 24 edições foram organizadas pela Comissão das Produtoras da Farsul desde 2004, quando passaram a integrar a ação. Além de apresentar exemplos de sucesso para incentivar o empreendedorismo, o grupo firmou posição sobre assuntos do momento, disseminou informações técnicas, mobilizou a classe produtiva e premiou destaques do campo.
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Produtoras em Ação
Histórias que inspiram
Produtoras gaúchas falaram sobre suas trajetórias em eventos do Fórum Permanente do Agronegócio
B
eatriz Brochado cresceu em Santa Vitória do Palmar, na Fazenda Botafogo, onde na infância criou paixão pelas coisas do campo: a lida com as vacas, o trato com os cavalos, a
esquila das ovelhas. Portanto, não foi exatamente uma surpresa quando ela decidiu transformar a Fazenda São Miguel do Sarandi, da família do marido, em Santana do Livramento, a partir
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dos conhecimentos adquiridos nas faculdades de Ciências Contábeis da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS de Uruguaiana) e Administração, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Produtoras em Ação
Ainda na década de 1990, combinando esforços, o casal realizou em torno de 25 cursos de capacitação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) na fazenda, incluindo todos os estágios do
ciclo da bovinocultura de corte, melhoramento de campo nativo, melhoramento genético, sanidade animal e outros. A intenção era aperfeiçoar a produção de red angus e motivar os colaboradores,
mostrando o valor daquele trabalho no dia a dia e a quantidade de conhecimento técnico empregado em tarefas aparentemente rotineiras. Para ela, no entanto, a principal mudança aconteceu
Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Produtoras em Ação
Beatriz Brochado (centro da foto) empregou técnicas de gestão para transformar negócio em Santana do Livramento
na parte gerencial do negócio. “Eu sentia a necessidade de ver valores, fluxos e índices, fazer balanço patrimonial, interpretar números. Então, começamos a fazer planilhas e orçamentos, planejar mês a mês o que seria feito, ao mesmo tempo que a fazenda buscava mais conhecimento e tecnologia por meio dos cursos”, conta Brochado. Mais tarde, ela se voltaria para a área de recursos humanos, investindo em pós-graduação na Universidade da Região da Campanha (Urcamp) e especialização em gestão de grupos pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos (SBDG), e se tornaria coach em ges-
tão de pessoas. Em 2007, a aplicação de todas essas informações na propriedade virou livro, com o título “Crescer no campo” — além de exemplo para dezenas de mulheres do agronegócio em evento da Comissão das Produtoras da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), dentro do Fórum Permanente do Agronegócio. Criada informalmente no final da década de 1990, com o caráter de mobilização de pessoas no auge das invasões do Movimento Sem Terra (MST) no interior gaúcho, a Comissão das Produtoras da Farsul passou a ter como foco a capacitação de mulheres e a apresentação de exemplos de
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sucesso quando oficialmente fundada, em março de 2000. A certa altura, chegaram a promover quatro eventos por ano, incluindo encontros regulares na Expointer. “A ideia era mostrar que cuidar do campo era simples, desde que elas estivessem bem informadas. Sempre tinha a voz de uma produtora rural nos eventos, para estimular e demonstrar que não era tão difícil”, afirma a coordenadora do grupo, Zênia Aranha da Silveira, por anos presidente da Associação dos Produtores de Quarto de Milha. Com o início do Fórum Permanente do Agronegócio, as reuniões de mulheres passaram a integrar o projeto.
Produtoras em Ação
Além da pauta da representatividade feminina no setor, os eventos se caracterizavam por temas amplos, complexos e pontuais — justamente as características que melhor definiam o projeto do Sistema Farsul. Desde 2004, foram 24 eventos, sempre na capital Porto Alegre. E pelo menos 19 mulheres contaram as suas trajetórias de vida no palco, incentivando o aparecimento de novas empresárias no campo. Histórias como a de Gabriela Pötter, de Dom Pe-
drito, que pouco depois de formada em Agronomia, em 2003, recebeu do pai meio hectare de terra para desenvolver projeto de viticultura. Ainda que a região tivesse alguns investimentos desde a década de 1970, não deixava de ser uma ideia inovadora, pelo domínio das áreas de arroz, soja e pecuária de corte. “Eu imaginava ter mais um produto na propriedade, mais uma opção de renda, e vender as uvas para as vinícolas. Não tinha a ambição de produzir vinhos, só que a
Gabriela Pötter idealizou vinícola na Estância Guatambu, de Dom Pedrito
qualidade das uvas era tão boa que foi uma consequência natural”, lembra. Em 2009, a Estância Guatambu lançou o seu primeiro vinho, Rastros do Pampa Cabernet Sauvignon, e desde então não parou mais de crescer. No ano seguinte, foram iniciadas as obras da vinícola, altamente reconhecida pela sustentabilidade. Existe uma estação de tratamento para reaproveitar a água da chuva captada nos telhados, o jardim é formado exclusivamente por plantas nativas do Bioma Pampa, os resíduos sólidos da produção são 100% reutilizados na alimentação animal e adubagem e, desde 2016, o local conta com parque solar de 600 células fotovoltaicas que atende toda a demanda de energia da vinícola. O complexo foi inaugurado em 2013. Atualmente, aquela pequena área se transformou em 21 hectares, que fornecem matéria-prima de qualidade para 22 rótulos de vinhos finos de todos os tipos: brancos, tintos, rosé, espumantes e licorosos. Por ano, são produzidas 120 mil garrafas, e as vendas aumentam na ordem de 15% — consequência de diversos prêmios obtidos nos últimos anos, como o melhor vinho tinto do Brasil de 2018, da visibilidade em veículos de mídia e dos projetos de visitação na propriedade. A palestra no Fórum Permanente do Agronegócio aconteceu em 2009, quando a Guatambu havia produzido o primeiro vinho comercial. “Eu me senti muito honrada
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Produtoras em Ação
em participar de um evento da Farsul, uma instituição tão forte, e servir de incentivo para outras produtoras rurais colocarem suas ideias em funcionamento”, afirma Pötter, responsável técnica pela vinícola. “Com estudo científico e bastante coragem, conseguiremos realmente ter um agronegócio cada vez mais pulsante no Rio Grande do Sul.” Márcia Linhares faz parte da terceira geração da família no agronegócio, que começou com a fundação da Cabanha Azul pelo bisavô, com escritórios em Alegrete e Uruguaiana. Terminado o colégio em Porto Alegre, retornou para o interior para cursar Zootecnia na PUCRS de Uruguaiana, e depois Administração pela FGV. O pai lhe ofereceu então a adminis-
tração de uma das propriedades do negócio, que hoje atende pelo nome de GAP Genética. “Era onde tinha invernada. Ali foi uma super escola, porque eu aprendi na prática a tratar com pessoas e administrar uma fazenda, prestar contas, dar resultados e cumprir metas”, afirma. Mas a grande paixão de Linhares no agronegócio é o tema da palestra que fez no evento das Produtoras da Farsul, em 2011: a criação de cavalo crioulo, que pode conciliar com as funções administrativas que empenhava na empresa. “A criação de cavalo crioulo, na verdade, iniciou como ferramenta de trabalho. Depois que começamos a selecionar geneticamente, participar de exposições. Com muita paixão, acabou virando
um negócio”, destaca a atual diretora-administrativa e presidente do conselho de acionistas da GAP. “Como eu sempre acompanhei muito, sempre adorei a criação, o meu pai acreditou. De certa forma, eu o ajudei a investir, porque ele sabia que teria alguém dando seguimento para que aquele negócio fosse à frente”, acrescenta. A maior conquista aconteceu em 2012, quando a empresa venceu o Freio de Ouro na Exposição da Federação Internacional de Criadores de Cavalos Crioulos (FICCC), em Montevidéu, no Uruguai, com o cavalo Pampa de São Pedro, e melhor exemplar da raça. “Foram dois dos maiores prêmios da raça em uma feira internacional, no mesmo ano”, ressalta. A GAP investe
Guatambu produz 120 mil garrafas de vinhos finos por ano; cultivo das uvas ocorre em área de 21 hectares 82 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
Produtoras em Ação
Fernanda Falcão é a gerente técnica da Sementes Falcão; empresa possui unidade produtiva no município de Sarandi
ainda na produção de arroz, genética das raças angus, brangus, hereford e braford e terminação de gado de corte. Para Linhares, as mulheres estão conquistando cada vez mais espaço nos cargos de liderança nas empresas agropecuárias por meio do profissionalismo. Mostrar exemplos nesse sentido contribui para a representatividade, na sua opinião. “Sinto que a pessoa tem que fazer o que gosta, com foco e persistência. O resultado acaba sendo consequência de todo esse investimento pessoal”, aponta. Fernanda Falcão, convidada para etapa do Fórum Permanente do Agronegócio em 2014, é a gerente técnica e responsável por toda a produção agrícola da Sementes Falcão, empresa familiar fundada
pelo avô, em 1986. Formada em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo (UPF), em 2006, com mestrado em Produção de Sementes e MBA (Master Business Administration, conceito de pós-graduação) em Gestão do Agronegócio, ela ajudou a empresa a atingir a produção atual de 4 mil toneladas de sementes apenas na soja, o carro-chefe do negócio. “Sempre que participo de eventos para mulheres, busco passar que não há nada que não possamos conquistar. Costumo dizer que conhecimento não tem gênero”, afirma Falcão. Para ela, pode ser mais trabalhoso, em alguns casos, conquistar a confiança da equipe ou mesmo conciliar a família com o trabalho. “A mulher veio para
contribuir com a agricultura, que está cada vez mais dinâmica, ampla e necessitando de novas ideias, experiências e gestão em todos os sentidos. Elas têm como característica o constante aperfeiçoamento, tanto que cada vez mais temos eventos exclusivos para mulheres.” Os eventos das produtoras no Fórum Permanente do Agronegócio ainda contaram as histórias das empresárias rurais Iza Jornada, Alessandra Malinski, Ivany Serpa, Sônia Golzer, Hortência Ayub, Denise Azenha, Yara Suñé, Elizabeth Cirne Lima, Diana Werner, Lívia Pinzon de Carvalho, Ingrid Viero, Maria de Fátima Marchezan, Fernanda Costabeber, Maria Cristina Cunha, Carla Rosana de Freitas e outras.q
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Produtoras em Ação
Por dentro do assunto Encontros de mulheres abordaram tendências e desafios do segmento agropecuário no Rio Grande do Sul
Comissão das Produtoras da Farsul debateu assuntos como a necessidade de melhorar a comunicação com o público urbano
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Produtoras em Ação
Q
ue as mulheres do agronegócio gaúcho sempre foram antenadas para os principais assuntos do momento, disso ninguém pode duvidar. A certa altura, as etapas organizadas pela Comissão das Produtoras da Federação
da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) até surpreenderam palestrantes convidados pela originalidade e rapidez na assimilação de conceitos. É o caso de um evento que tinha como proposta tratar da “Comunicação: o poder de
vencer barreiras”, em julho de 2011. Abrindo a programação, o jornalista da Rede Globo Heraldo Pereira fez questão de elogiar a iniciativa do grupo de mulheres. “É a primeira vez que vejo uma discussão do setor da produção que já vem com esses ícones das redes sociais”, disse ele, em referência às marcas Facebook, Youtube e Twitter que estampavam o convite. Quatro anos antes, em junho de 2007, as produtoras realizaram encontro para abordar “Meio Ambiente”, em Porto Alegre. A discussão estava centrada em um documentário sobre aquecimento global intitulado “Uma verdade inconveniente”, que consiste em um compilado de palestras do ex-vice-presidente norte-americano Al Gore. Poucas semanas antes, havia sido premiado com o Oscar na categoria. E já naquela época algumas das informações abordadas foram quanto ao potencial de utilização de energias limpas na produção. Ao todo, desde 2004, as produtoras organizaram 24 encontros. “Normalmente, o nosso grupo decidia em conjunto o que era novidade, o que estava na onda do momento, e procurava os palestrantes”, conta a coordenadora da Comissão das Produtoras da Farsul, Zênia Aranha da Silveira. Ela traz outro exemplo antigo de ação para dar visibilidade aos problemas do setor: “Quando teve a proibição do plantio da soja transgênica, fizemos uma mobilização muito grande, e uma das ideias que surgiram era fazer uma degus-
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Produtoras em Ação
Leila Picolli da Silva, pesquisadora da UFSM e palestrante em etapas do Fórum Permanente do Agronegócio
tação de alimentos à base de farinha de soja. O nome do evento era ‘Conheça melhor o bem que produz.’” Professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Leila Picolli da Silva é testemunha do poder do grupo de mulheres em agendar assuntos no interior. Ela coordena grupo de pesquisa sobre aproveitamento de subprodutos e resíduos agroindustriais, especialmente na cadeia arrozeira. Basicamente, o objetivo é descobrir novas maneiras de utilizar esses resíduos na alimentação humana e animal, por meio de transformações diretas (farinha oriunda de grãos quebrados, por exemplo) ou síntese de substâncias (dextrina, xarope de arroz, álcool e outros). As pesquisas ficaram mais conhecidas no Instituto Rio-Grandense do Arroz (Irga), sobretudo quanto aos benefícios da farinha de arroz, e dessa forma a Comissão das
Produtoras da Farsul também soube das novidades. Não demorou para que a pesquisadora recebesse o convite para um dos eventos do ano. “A primeira vez faz 13 anos, quando estávamos iniciando os trabalhos com a farinha. Achei espetacular a receptividade”, conta ela. A partir daquela palestra, sindicatos rurais, cooperativas e outras entidades no interior passaram a chamar a especialista para conversar, na esperança de alavancar o consumo do produto e trazer mais sustentabilidade econômica e ambiental para a cultura. A discussão culminou em debate na Expointer, com presença de veículos de todo o estado gaúcho. Para a professora da UFSM, as produtoras abraçaram a ideia pela sensibilidade. “Sempre se reclamou muito do preço do grão do arroz, mas será que não temos que gerar mais renda em cima disso? As produtoras são mais
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sensíveis, elas começaram a enxergar outras possibilidades de agregação de valor ao que sobra da produção, para reduzir os custos e aumentar a lucratividade da lavoura”. Atualmente, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), assim como o Irga, conta com capacitações para produção de alimentos à base de arroz, disponíveis a qualquer produtor gaúcho e seus familiares. As etapas do Fórum Permanente do Agronegócio também inspiraram algumas das participantes a criarem ações próprias — como, por exemplo, o Projeto Respira Tupã, liderado pela produtora rural, diretora do Sindicato Rural de Tupanciretã, Jari e Quevedos e ex-instrutora do Senar na área de educação ambiental, Julieta Dal Castel Lopes. Após o debate sobre o documentário do Al Gore, em 2007, ela fundou o projeto com a meta de levar informação e conhecimento sobre questões am-
Produtoras em Ação
bientais ao campo e à cidade. Uma das ações marcantes foram as expedições nos rios da região. “Somos divisores de águas”, conta a produtora, citando a presença dos rios Jaguari, Toropi e Ibicuí nas áreas rurais e cidades. “Durante anos, coletamos amostras de trechos e documentamos tudo. Levamos essas imagens para as comunidades e escolas para mostrar que o produtor não era o culpado (pela poluição)”. Outra ação teve como objetivo incentivar as pessoas a plantarem mudas, que eram entregues em cartórios civis do município no momento do registro de nascimentos. Tempos depois, o projeto buscou algumas das crianças para tirar fotografias ao lado das árvores. Zênia Aranha da Silveira lembra ainda de dois impactos relevantes dos eventos das mulheres gaúchas. O primeiro é o programa Com Licença, Vou à Luta, lançado pelo Senar Nacional e construído com auxílio da Comissão das Produtoras da Farsul, a primeira
Zênia Aranha, coordenadora da Comissão das Produtoras Rurais da Farsul
do sistema sindical no País. O segundo é o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, já na quarta edição. “Todas as vezes que o Tejon (José Luiz Tejon, escritor e
Julieta Dal Castel Lopes (abaixo, 2ª da dir. para esq.) e produtoras de Tupanciretã
conferencista) abre o evento, ele diz que se inspirou na nossa comissão. É muito gratificante ver tantas mulheres interessadas no agro.” Ao longo das 24 edições, as produtoras debateram assuntos como Mercosul, produção sustentável, legislação ambiental, perspectivas econômicas, comunicação e marketing rural, segurança, gestão, crises setoriais, tecnologia e inovação. Algumas das palestrantes foram Susana Kakuta (Tecnosinos), Ana Amélia Lemos (ex-senadora), Lya Luft (escritora), Zélia Castilhos (Fepagro), Rosa Lia Barbieri (Embrapa Clima Temperado), Lúcia Helena Callegari (promotora de Justiça) e Patsy Cecato (atriz). q
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Produtoras em Ação
Destaques femininos
Comissão da Farsul prestou homenagem a produtoras rurais
A
lém de mostrar histórias de sucesso no meio rural, a Comissão das Produtoras da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) incentivou a representatividade no agronegócio com o Troféu Destaque Fe-
minino Rural. “Quando notamos que as mulheres queriam aprender e que o exemplo de uma produtora era muito eficaz, resolvemos instituir um prêmio para reconhecer e estimular novos destaques no campo”, conta a coordenadora do gru-
po, Zênia Aranha da Silveira. O prêmio foi entregue todos os anos, desde 2003 (com exceção de 2016), ao final das etapas do Fórum Permanente do Agronegócio. Confira a lista de vencedoras, com as respectivas categorias.
2004
2005
Troféu Destaque Feminino Rural 2003 Antônia Sampaio (Tradição), Clarice Simm (Empreendedora), Elenita Marcolla e Noely Marcolla Schiavon (Defesa da Propriedade), Luciana Pötter (Técnica), Nara Fauth Pereira (Empresária), Rosane Palmeiro (Personalidade Política) e Vânia Guerra (Líder Sindical).
Troféu Destaque Feminino Rural 2004 Adriana Verissimo (Técnica), Comissão das Produtoras de Viamão (Responsabilidade Social), Eloah de Assis Brasil (Tradição), Lisiane Villagrande (Expressão Jurídica), Maria Cecília Moglia (Empreendedora), Maria Pia Rodrigues (Empresária), Neide Mara Severo (Defesa da Propriedade) e Viviane Teixeira (Líder Sindical).
Troféu Destaque Feminino Rural 2005 Alessandra Capssa Costa (Empreendedora), Ana Amélia Lemos (Jornalismo), Ângela Linhares da Silva (Técnica), Aracy Godoy (Tradição), BPW Porto Alegre (Entidade Parceira), Comissão das Produtoras de Passo Fundo (Associativismo), Daguimar Vargas Velho (Responsabilidade Social), Hilda Maria Amaral Patella (Defesa da Propriedade), Maria Elisabete Pilotti Wolf (Empresária) e Maria Helena Ferreira (Líder Sindical).
Troféu Destaque Feminino Rural 2006 Cláudia Stefenon (Técnica), Comissão das Produtoras de São Lourenço do Sul (Especial), Elza Leite (Responsabilidade Social), Eulália Salgado Leitão (Defesa da Propriedade), Helena Rotta (Tradição), Lizemara Prates (Jornalismo), Maria Eugênia Maciel (Empresária), Maria Helena Zanettini (Pesquisa), Movimento Mulheres Pró-RS (Entidade Parceira), Sara Salles (Líder Sindical) e Zilá Breitenbach (Personalidade Política).
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Produtoras em Ação
Troféu Destaque Feminino Rural 2007 Alessandra Loureiro de Souza (Técnica), Beatriz Helena Brochado (Empreendedora), Jussara Warlet Machado (Responsabilidade Social), Leda Maciel de Echenique (Defesa da Propriedade), Marcia Dutra de Barcellos (Pesquisa), Marina da Silva Plada (Líder Sindical), Roselba Mozzaquatro (Empresária), Sindicato Rural de Tupanciretã (Associativismo), Olga Pires Teixeira (Tradição) e Yeda Crusius (Personalidade Política). Troféu Destaque Feminino Rural 2009 Comissão de Produtoras de Livramento (Associativismo), Elisabeth Paglioli Orlandi (Técnica), Iracema Dalbem (Responsabilidade Social), Julieta Dal Castel Lopes (Responsabilidade Ambiental), Maria Gezorina Batista Moraes (Empresária), Maria José Scalzilli (Tradição), Marta da Rocha Machado (Empreendedora), Martha Guazzelli Paim (Líder Sindical), Mônica Leal (Personalidade Política) e Zélia de Souza Castilhos (Pesquisa).
Troféu Destaque Feminino Rural 2008 Amélia Noemi Cáceres Gonçalves (Defesa da Propriedade), Comissão das Produtoras Rurais de Camaquã (Associativismo), Élgia Leite Palmeiro (Tradição), Elsa Souza Costa (Empresária), Lacy Cabral Oliveira (Líder Sindical), Liana Elisabete Diemer (Empreendedora), Lya Luft (Expressão Literária), Patricia Guidoux Leal Wolf (Técnica), Projeto Pescar (Responsabilidade Social) e Sandra Beatriz Silveira (Personalidade Política).
2010
2006
2007
2008
2009 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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2011
2012
2013
2014
Troféu Destaque Feminino Rural 2010 Águeda Marcéi Mezomo (Técnica), Alba Pinto Beck (Tradição), Comissão das Produtoras de Carazinho (Associativismo), Glacy Osório (Personalidade Política), Lilian Zenker (Responsabilidade Ambiental), Marília Lazzarotto Terra Lopes (Líder Sindical), Selma Carvalho (Empresária), Sônia Goelzer (Empreendedora), Tarsila Crusius (Responsabilidade Social) e Vera Mussoi Macedo (Pesquisa).
Troféu Destaque Feminino Rural 2011 Ana Carolina Ferreira Kessler (Produtora Parceira), Comissão de Produtoras de Santo Ângelo (Associativismo), Eni Webber (Personalidade Política), Hortência Brandão Ayub (Empreendedora), Leila Picolli da Silva (Pesquisa), Magali Pontes Quinteiro Uberti (Técnica), Maria Isabel Cardoso Terra (Empresária), Martha Dutra Lessa (Tradição) e Mercedes Maciel Echenique (Líder Sindical).
Troféu Destaque Feminino Rural 2012 Ana Mariano (Expressão Literária), Ana Maria Giudice Azevedo (Técnica), Celi Webber Mattei (Responsabilidade Social), Comissão de Produtoras de São Luiz Gonzaga (Associativismo), Dinah da Rosa Vieira (Empresária), Elisabeth Amaral Lemos (Liderança), Gabriela Hermann Pötter (Empreendedora), Jane Belloc Damasceno Ferreira (Tradição), Maria Cristina Meurer Brum (Produtora Parceira) e Maria Tereza Scherer Mendes (Líder Sindical).
Troféu Destaque Feminino Rural 2013 Karin Vasconcellos da Silva (Técnica), Laura Quadros (Líder Sindical), Lila Tellechea (Tradição), Maria Elena Johannpeter (Responsabilidade Social), Maria Flávia de Figueiredo Tavares (Marketing), Maria Luiza Sperotto (Produtora Parceira), Núcleo Feminino do Agronegócio de São Paulo (Entidade Parceira), Paulina Linha (Empresária), Rosa Lia Barbieri (Pesquisa) e Yara Suñé (Empreendedora).
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Produtoras em Ação
Troféu Destaque Feminino Rural 2014 Anna Luiza Di Cameli (Empresária), Denise Marchesan Cavol (Marketing), Fernanda Falcão (Técnica), Gisele Loeblein (Jornalismo), Margarete Medeiros Marques (Líder Sindical), Maria Eloá Corrêa de Barros (Tradição), Maria Helena Sartori (Personalidade Política), Maria Helena Ferreira (Produtora Parceira), Núcleo Castilhense de Gado Holandês (Empreendedora) e Rose Marie Linck (Responsabilidade Social).
Troféu Destaque Feminino Rural 2018 Beatriz Dreher Giovannini (Tradição), Carla Rosana de Freitas (Empresária), Carolina Heller Pereira (Técnica), Ceura Fernandes (Produtora Parceira), Clarissa Lopes Peixoto (Empreendedora), Edna Ivani Bertoncini (Pesquisa), Inês Schertel (Pioneirismo) e Mara Barcellos (Líder Sindical). q
Troféu Destaque Feminino Rural 2015 Carla Sandra Schneider (Pioneirismo), Cláudia Lange (Pesquisa), Diana Werner (Empreendedora), Elizabeth Cirne Lima (Liderança), Iolanda Gomes (Tradição), Kellen Severo (Jornalista), Lívia Pinzon de Carvalho (Responsabilidade Social), Shirlei de Oliveira (Produtora Parceira), Susana Macedo Salvador (Técnica) e Tatiana Giacomolli Matiotti (Empresária). Troféu Destaque Feminino Rural 2017 Andrea Verissimo (Técnica), Comissão das Produtoras de Rio Pardo (Associativismo), Fernanda Costabeber (Empreendedora), Margareth Costabeber (Líder Sindical), Maria de Fátima Marchezan (Liderança), Maria Lucia Abreu (Produtora Parceira), Márcia Linhares (Tradição), Mônika Bergamaschi (Responsabilidade Ambiental), Neusa Ferreira (Responsabilidade Social) e Tânia Vilhena (Empresária).
2015
2017
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O futuro é agora
O futuro é agora Atenta ao problema histórico da falta de sucessão no campo, a Farsul executa ações diretas de estímulo às novas gerações do agronegócio, pelo menos, há 20 anos. O empenho resultou, em 2016, em um grande e inédito evento na cidade de Porto Alegre: o seminário “Jovens em Campo”, focado em temas como gestão, inovação e liderança. Mas a ação de maior impacto é recente, de junho de 2019: os jovens foram o centro das atenções da 100ª etapa do Fórum Permanente do Agronegócio, que reuniu mais de 300 pessoas em Gramado.
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O futuro é água
Jovens em campo Etapas de jovens traduzem confiança do Sistema Farsul nas novas gerações do agro
A
o mesmo tempo em que buscava soluções para o endividamento agrícola na década de 1990, o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, demonstrava preocupação com o êxodo dos jovens do campo. Era um ambiente hostil, de crises em larga escala, que trazia reflexos em toda a dinâmica dos municípios e afugentava as novas gerações do agronegócio. Eis o motivo de o líder sindical colocar como outra de suas bandeiras o fortalecimento da representação da juventude, que teve como primeira ação mais con-
creta a oferta de um curso de marketing para cerca de 20 pessoas, no ano de 1999. Entre os alunos, estava a estudante de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Yara Suñé. Foram seis meses de aula aos sábados, conta ela, com foco na formação de novas lideranças para o agronegócio, sob o comando do escritor, conferencista e especialista em new media José Luiz Tejon. E já naquela época, um conceito chamava a atenção: antes, durante e depois da porteira. “A ideia do Sperotto era trazer o jovem para os sindicatos, fazer
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essa oxigenação de gerações e que as mulheres fossem mais presentes. Tanto que essas duas comissões foram criadas mais ou menos na mesma época”, lembra Suñé, hoje administradora da Estância Querência, de Lavras do Sul, e diretora da Farsul. Não por acaso, ela é uma das maiores entusiastas do movimento jovem dentro da federação, neste momento em que as iniciativas parecem mais fortes do que nunca, incluindo etapas específicas do Fórum Permanente do Agronegócio. “É uma bandeira que eu quero muito que dê certo. Fico muito feliz em ver
O futuro é agora
Comissão de Jovens Empresários Rurais da Farsul, iniciada no final da década de 1990, organiza grandes seminários anuais desde 2016
essa gurizada super competente querendo participar, em um momento em que o agronegócio nunca esteve tão forte no Brasil e também nunca foi tão questionado pela sociedade urbana”, avalia. O ciclo de debates serviu como ponto de partida da retomada da Comissão de Jovens Empresários Rurais da Farsul, em 2012, em um momento em que os trabalhos estavam um pouco parados, lembra Luís Fernando Pires, que assumiu a coordenação do grupo naquela época. No auditório da entidade, em Porto Alegre, aconteceu então a 38ª etapa do Fórum Per-
sociações Rurais do Mercosul (Farm), inclusive assumindo a liderança e promovendo encontros em feiras de Palermo (Argentina), Montevidéu (Uruguai) e Assunção (Paraguai), além da Expointer. O maior impulso, porém, viria no ano seguinte, com a primeira edição do programa de formação de lideranças do agronegócio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Serviço NaRitmo acelerado cional de Aprendizagem Rural Aos poucos, o ritmo de (Senar): o CNA Jovem. trabalho ficou acelerado. Em O Rio Grande do Sul teve 2013, a comissão participou sete representantes na prida reativação de grupo si- meira edição do projeto, remilar da Federação das As- alizado a partir de uma sé-
manente do Agronegócio, com o título “Líderes no campo, receita de sucesso”. O tema daquele momento, Código Florestal, não faltou. Sucessão rural e perspectivas do agronegócio foram os demais assuntos abordados. “Tivemos a participação das comissões jovens de Bagé e Santana do Livramento, as duas que existiam”, relata Pires. Atualmente, são 27 grupos.
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rie de encontros em Brasília com jovens de todo o País. De lá para cá, aconteceram mais três edições, todas elas com etapas estaduais prévias, ampliando as vagas. Uma realidade comum era esses mesmos participantes voltando para as suas regiões e fundando novas comissões jovens junto aos sindicatos, como no caso de Rio Pardo e Camaquã. Até que, em 2016, a Comissão Jovem da Farsul investiu no maior evento de toda a trajetória do grupo até então: o seminário “Jovens em Campo: semeando ideias, colhendo conquistas”, novamente dentro do Fórum Permanente do Agronegócio. A ideia partiu da hoje assessora de comunicação da CNA Camila Telles, na época uma das integrantes da segunda turma do programa de lideranças. “Montamos um projeto para mobilizar o pessoal, que não apresentasse apenas informações técnicas, mas também conteúdos de comunicação, empreendedorismo, inovação e tecnologia”, lembra. A programação foi montada em cima do conceito de antes, durante e depois da porteira: o mesmo abordado com os primeiros 20 jovens da Farsul no final da década de 1990. “A ideia era mostrar a importância da comunicação aplicada no agro como uma ferramenta estratégica para valorizar mais esse setor”, acrescenta Telles. Para abordar a etapa antes da porteira, palestrou no evento o gerente de marketing da multinacional Basf no Rio
Grande do Sul, Rafael Marcon. A história do Parque da Ovelha, de Bento Gonçalves, foi o exemplo de empreendedorismo dentro da porteira. E a agregação de valor à carne gaúcha na boutique Pulperia Porteña, no Rio de Janeiro, foi contada pelo proprietário Pablo Müller, como destaque no fora da propriedade. O local escolhido foi o auditório do Ministério Público Estadual, em Porto Alegre. A Comissão Jovem da Farsul promoveu outra edição do seminário em 2017, dessa vez na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), interiorizando a ação. O destaque da programação foram cinco depoimentos de produtores de cinco culturas diferentes: Narciso Barison Neto (soja), Paulo Pires (trigo), Fernanda
Costabeber (carne bovina), Fernando Rechsteiner (arroz) e Rafael Moreno (milho). “Pensamos neste sentido: não deixaremos de lutar por melhorias de competitividade para esses setores, como nos casos do arroz e do trigo, com dificuldades imensas, mas também gostaríamos que esses jovens se espelhassem em bons exemplos e olhassem para a gestão da propriedade”, conta Pires. “Sabemos que as margens estão menores a cada ano, exigindo maior eficiência dos produtores.” Em 2018, o Jovens em Campo apresentou informações e dados técnicos que contrapõem alguns mitos, como o de que 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros são provenientes da agricultura familiar ou
Carlos Sperotto foi homenageado em 2016 pelas ações de incentivo aos jovens
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Gedeão Pereira e Luís Fernando Pires no seminário “Jovens em Campo” de Bagé, em 2018
que o bem-estar animal fica ameaçado nas exportações de bovinos vivos. O evento aconteceu no município de Bagé. Finalmente, a quarta edição do Jovens em Campo, em 2019, representa um marco na história do Sistema Farsul, pois consiste na 100ª etapa do Fórum Permanente do Agronegócio. Para Pires, a importância da Comissão Jovem está na capacidade de detecção e formação de novos líderes do agronegócio: “O setor sempre precisará de pessoas para ocupar os espaços de liderança em sindicatos rurais, cooperativas, empresas e órgãos públicos. Quanto mais pessoas falando a nossa linguagem e levantando a bandeira do setor, mais fácil será para construirmos coisas positivas.” O produtor Narciso Barison Neto, ex-presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) e palestrante no segundo Jovens em Campo, também
é um entusiasta dos movimentos jovens no setor. “A Farsul, por meio dessa iniciativa, vem ao encontro do que mais se precisa no agronegócio atualmente, que é aliar a força da juventude do agro à experiência dos mais velhos”, afirma. “Quando trabalhamos em conjunto, incentivamos e mostramos que essa é uma atividade que requer persistência, mas que traz, por outro lado, muita satisfação.” Presente em todas as edições do Jovens em Campo, o economista Antônio da Luz entende que o tema da gestão requer especial atenção das novas gerações: “Gestão não é hereditária, é uma técnica adquirida”. Além disso, à medida que as margens da atividade apertam, tendência observada para os próximos anos, o espaço para erros também se torna cada vez menor. “Os jovens produtores precisam saber usar softwares de gestão in-
terpretar o que está acontecendo nos seus negócios.” Além dos citados, as etapas do Fórum Permanente do Agronegócio organizadas pelos jovens — sem contar a centésima — tiveram como palestrantes Carlos Sperotto (Farsul), Gedeão Pereira (Farsul), José Alcindo Ávila (Casa Rural), Eduardo Condorelli (Senar), Yara Suñé (Farsul), José Luiz Tejon (escritor), Gilmar Tietböhl (Senar), Ana Amélia Lemos (ex-senadora), Jorge Rodrigues (Farsul), Davi Teixeira (SIA), Ivo Lessa (Sargs), Ademar da Silva Jr. (Famasul), Taylor Guedes (Senar), Flávio Cazarolli (Foco Rural), Marcelo Camardelli (Senar), Carolina Heller Pereira (UniRitter), Ernani Costa Neto (ESPM), Jean Rosier (Perestroika), Nicholas Vital (jornalista), José Fernando Piva Lobato (UFRGS), Márcio Zílio Bosco (médico cardiologista) e Eduardo Alves (empresário). q
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A centésima Fórum Permanente do Agronegócio atinge marca histórica com evento de jovens em Gramado
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Jovens do agronegócio gaúcho pensaram em soluções para o setor em dinâmica de grupos
O
Fórum Permanente do Agronegócio chegou à 100ª edição, em junho de 2019, com o maior evento de jovens da história da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). Mais de 300 pessoas participaram da quarta edição do seminário “Jovens em Campo: semeando ideias, colhendo conquis-
tas”, no centro de convenções do Hotel Wish Serrano, em Gramado, entre os dias 14 e 15 daquele mês. Prestar mais atenção ao cotidiano, estabelecer conexões, encarar as mudanças e as imperfeições como oportunidades e seguir os melhores mentores disponíveis foram alguns conselhos valiosos transmitidos ao público.
“É um papel preponderante da Farsul enxergar os seus sucessores”, justifica o presidente da entidade eleito para o triênio 2019-2021, Gedeão Pereira. “Vivemos hoje em um mundo altamente tecnológico, em que as inovações aparecem da noite para o dia, são muito rápidas, e quem pode absorver melhor tudo isso nas propriedades é a juventude”. Segundo o dirigente, o evento consistiu no maior investimento da Federação da Agricultura em 2019 e foi, possivelmente, a etapa do Fórum Permanente do Agronegócio de maior sucesso. A intenção é repetir os seminários anualmente, como já vem sendo feito, e incluir diretores e presidentes dos 138 sindicatos rurais gaúchos para também detectar novos talentos para o sistema sindical. O superintendente da Casa Rural — Centro do Agronegócio, entidade responsável pela promoção das 100 etapas do Fórum Permanente, José Alcindo Ávila, entende que a marca alcançada em Gramado transmite uma mensagem importante: “Os jovens são aqueles que dirigirão as nossas propriedades no futuro. Foi um evento marcante pelo tamanho do público, pela pauta abordada e pelo interesse gerado”. Ávila acredita que o produto chegou à 100ª edição “consagrado” no Rio Grande do Sul, e muitas das pautas para as próximas edições podem surgir das dinâmicas realizadas no “Jovens em Campo”. “Sempre trabalhamos o Fórum Permanente em cima das pautas que surgiam. É bem possível que, a
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partir de agora, antecipemos essas mesmas situações.” Para quem iniciou a trajetória de defesa do setor pela Comissão de Jovens Empresários Rurais da Farsul, encarar o seminário foi emocionante. “Acho fantástica essa tentativa do Sistema Farsul de aproximar esse público e responder aos anseios através dos Fóruns”, destaca a diretora da entidade, Yara Suñé, participante da primeira turma de jovens, em 1999. “É uma sensação de gratidão, de felicidade no sentido amplo, porque as oportunidades que surgiram para mim dentro da Farsul foram graças à Comissão Jovem, e muitos dos jovens que começaram comigo são hoje referência nas áreas em que atuam”, afirma o ex-coordenador do grupo e
assessor técnico do Sistema Farsul, Luís Fernando Pires. O escritor, conferencista e especialista em new media pelas universidades de norte-americanas de Harvard, Pace e MIT, José Luiz Tejon, observou com os próprios olhos o crescimento do evento, pois palestrou tanto no primeiro seminário, em 2016, quanto no mais recente, em 2019. Segundo ele, o Rio Grande do Sul sempre foi “um mentor” para o país no setor agropecuário ao longo da história, e apoiar ações como essa significa retomar essa função. “Eles saem conscientes da sua missão e conseguem impactar o Brasil inteiro, principalmente através da utilização das novas mídias.” Estreante nos seminários, o superintendente técnico da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi, também elogiou a ação. “Um evento dessa magnitude, com jovens engajados e atentos, mexe muito com quem participa. É nossa missão sensibilizá-los sobre a responsabilidade que eles têm nas mudanças do setor, na comunicação com a sociedade e na modernização do nosso sistema sindical. Só tenho a parabenizar a Farsul pelo projeto”, disse.
Programação ampla
Diante das novas gerações do agro, o presidente do Sistema Farsul, Gedeão Pereira, abriu o seminário “Jovens em Campo” apontando o que há em comum entre a securitização de dívidas e o combate a invasões e desapropriações
Gedeão Pereira, presidente da Farsul, convocou as novas gerações para o empreendedorismo e a inovação 100 Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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de terras no Brasil na década de 1990; ou entre a autorização do uso de soja transgênica e a conquista de novos mercados internacionais para o agronegócio. “Essa é a nossa história, são episódios que mostram para que serve o nosso sistema sindical”, afirmou em palestra sobre a importância do trabalho de representação política de classe. A superintendente de Relações Internacionais da CNA, Lígia Dutra, analisou os impactos para o agronegócio a partir da abertura comercial proposta pelo governo brasileiro. A especialista destacou que o mercado internacional é baseado em trocas, sendo assim indispensável o investimento em qualidade, gestão e tecnologia nas propriedades para a competição global. Quatro gestores do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Eduardo Condorelli (Superintendência), Cláudio Rocha (Divisão Técnica), Fabiana Flores (Administração e Finanças) e Antônio da Luz (Estudos Avançados e Inovação), apresentaram as novas ideias de capacitação para o produtor rural gaúcho. “O maior desafio do Senar é se tornar referência de conhecimento para qualquer público, seja qual for o assunto”, disse Condorelli. A medida passa pela aproximação com ambientes tecnológicos e criação de cursos avançados e programas de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG). Fechando a programação do primeiro dia, o economista-chefe do Sistema Farsul,
José Luiz Tejon, escritor e palestrante do seminário “Jovens em Campo”
Antônio da Luz, mostrou em números os erros de gestão cometidos pelas propriedades típicas de soja e arroz no Rio Grande do Sul. Ele defendeu que o crescimento dos negócios deve ser realizado de forma racional e equilibrada, com base em índices financeiros. O problema é que, em média, os produtores abusam de em-
préstimos bancários (com juro real acima de 16% ao ano) e não atrelam a compra de máquinas e equipamentos ao lucro dos negócios e à taxa de retorno, errando a mão. “Crédito é muito bom e muito ruim: depende da dose”, alertou da Luz. Para o economista, antes de pensar em expandir as áreas de pro-
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Bruno Lucchi, superintendente técnico da CNA
dução, é preciso verificar se o negócio está suficientemente capitalizado. Do contrário, seria mais interessante aperfeiçoar o fluxo de caixa. Já no dia seguinte, o escritor José Luiz Tejon deu uma aula sobre as atitudes mais importantes para o crescimento. “O fundamento da sucessão é a mentoria”, afirmou o painelista. “A melhor coisa que eu posso fazer hoje é decidir com quem eu vou enfrentar as vicissitudes desse futuro incerto.” Tejon também sugeriu aos jovens uma nova visão acerca da imperfeição, que seria a única maneira de alavancar a vida, e defendeu a meta de praticamente dobrar o tamanho da agropecuária brasileira até 2024. A diretora técnica da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) e líder de Impacto Social do
Tecnopuc, Gabriela Ferreira, mostrou alguns exemplos nesse sentido, como startups que tentam mudar a realidade tecnológica das propriedades rurais e desafios e oportunidades do agro neste século. Entre eles, o elevado índice de desperdício de alimentos no Brasil, 1 bilhão de toneladas por ano, e o crescimento no consumo de produtos saudáveis, 98% entre 2009 e 2014, com projeção de mais 4% anuais até 2021. “Temos que olhar para o que a organização sabe fazer, o que o mercado valoriza e o que é viável. É isso que gera inovação e resultados”, disse. Outro palestrante no painel de inovação foi o agrônomo e jornalista Donário de Almeida, que apresentou conceitos da agricultura 4.0. Depois de enumerar tecnologias de automação, big data, internet das coisas, biotecnologia e mo-
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nitoramento inteligente para a agropecuária, argumentou que a tendência é de que os lançamentos sejam rápidos e ininterruptos nos próximos anos. A fala veio acompanhada de apresentação do vice-presidente de marketing e vendas da AGCO, Werner Santos. A seguir, o Jovens em Campo apresentou três casos de sucessão rural com um aspecto relevante em comum: filhos que saem e depois voltam para casa, para tocar o negócio da família. Para Gedeão Avancini Pereira, de Bagé, foram as experiências longe da propriedade que o fizeram valorizar mais o negócio. Fernanda Costabeber, de São Sepé, quis provar ao pai que era capaz de colocar a fazenda em outro patamar. E Fernanda Gehling, de Camaquã, lembrou da paixão da família pela terra, desde a infância, na hora de tomar a decisão. Hoje, garantem que não trocam o trabalho por nada. Os três participantes do CNA Jovem 2019 falaram sobre a experiência no programa de formação de jovens lideranças do setor. Natacha Lüttjohann, Paula Hofmeister e Edilberto Farinha foram às ruas do bairro Vila Madalena, em São Paulo, defender a importância da agropecuária brasileira no dia a dia da população. Quem introduziu o assunto foi a assessora de comunicação da CNA Camila Telles. A palestra final ficou a cargo de Bruno Lucchi, da CNA, que apresentou as agendas políticas “do passado” e “do futuro” da entidade, que par-
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ticipa de um total de 215 grupos em nível nacional com o objetivo de firmar a posição do setor tanto em discussões antigas (endividamento, assuntos fundiários, infraestrutura) quanto para trabalhar tendências (novas tecnologias, formas de comercialização, fontes de crédito, seguro). “O agro brasileiro é sustentável, gera divisas e tem problemas muito menores do que as pessoas pensam.” A atividade final do evento teve protagonismo dos jovens, a partir de uma dinâmica de grupo proposta pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), o World Café. Os participantes foram divididos em várias mesas pelo salão, cada uma contendo uma pergunta secreta diferente num envelope, e tinham 10 minutos para discutir o problema e lançar ideias, rabiscando cartazes e abusando da criatividade. Quando o cronômetro chegava no zero, eles trocavam de mesa, conforme planilha individual. Os únicos fixos em seus lugares eram os anfitriões, que terminada a dinâmica, apresentaram os insights no palco. Os temas foram liderança, sustentabilidade, gestão, sucessão, comunicação, as-
sociativismo, inovação e sindicalismo. O presidente do Sistema Farsul, Gedeão Pereira, encerrou o evento garantindo que os “quadradinhos coloridos” chegariam à mesa da diretoria da entidade, porque o trabalho da Federação é um “somatório de inteligências”. “Precisamos que vocês voltem para casa e provoquem as nossas bases, com esse manancial de informações que antes não tinham. Levem aquilo que representamos para o país, para o consumo da população, com vistas para o mundo inteiro, que nos olha como solução para os seus problemas alimentares.”
Luís Fernando Pires, Yara Suñé e o atual coordenador da Comissão Jovem da Farsul, Rafael Macedo Fórum Permanente do Agronegócio - 100 Etapas
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Aplausos encerraram a 100ª etapa do Fórum Permanente do Agronegócio
Relação de termos e siglas ABIEC — Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne ABRAMILHO — Associação Brasileira dos Produtores de Milho ABRASEM — Associação Brasileira de Sementes e Mudas ACERGS — Associação das Empresas Cerealistas do Estado do Rio Grande do Sul ANPROTEC — Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores CNA — Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil CONAB — Companhia Nacional de Abastecimento CTNBIO — Comissão Técnica Nacional de Biossegurança EMATER — Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRAPA — Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ESALQ — Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ESPM — Escola Superior de Propaganda e Marketing FAEP — Federação da Agricultura do Estado do Paraná FAESP — Federação da Agricultura do Estado de São Paulo FAMASUL — Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul FAO — Food and Agriculture Organization FARM — Federação das Associações Rurais do Mercosul FARSUL — Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul FATEC — Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo FECOAGRO — Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul FEPAGRO — Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária FETAG — Federação dos Trabalhadores na Agricultura FGV — Fundação Getúlio Vargas FICCC — Federação Internacional de Criadores de Cavalos Crioulos IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCIA — Instituto de Ciências Agronômicas INIA — Instituto Nacional de Investigación Agropecuaria, Uruguay INPPAZ — Instituto Pan-americano de Proteção de Alimentos e Zoonoses INTA — Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria, Argentina IPVDF — Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor IRGA — Instituto Rio-Grandense do Arroz JUNTOS PARA COMPETIR — Farsul, Senar e Sebrae MAPA — Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento PUCRS — Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul SARGS — Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul SBDG — Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos SEBRAE — Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAI — Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAR — Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SESI — Serviço Social da Indústria SIA — Serviço de Inteligência em Agronegócios SINDILAT — Sindicato da Indústria de Laticínios SINDITRIGO — Sindicato da Indústria do Trigo SISTEMA FARSUL — Farsul, Senar e Casa Rural SRA — Sociedad Rural Argentina TECNOPUC — Parque Científico e Tecnológico da PUCRS TECNOSINOS — Parque Tecnológico de São Leopoldo UDELAR — Universidad de la Republica, Uruguay UFPEL — Universidade Federal de Pelotas UFRGS — Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFSM — Universidade Federal de Santa Maria UNESP — Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNIRITTER — Centro Universitário Ritter dos Reis UPF — Universidade de Passo Fundo URCAMP — Universidade da Região da Campanha USP — Universidade de São Paulo
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