Porto Alegre, 03 de outubro de 2011
BIENAL
DO
MERCOSUL
SuperCuia, de Saint Clair Cemin, já está incorporada no cenário da capital
O público mais perto da arte A cada edição, Bienal do Mercosul busca se aproximar mais da população
O
Gerson Raugust
s 490 km de distância entre Santana de Livramento e Porto Alegre, também separavam Karine Adiere das artes plásticas. Apesar do seu interesse, despertado pelo desejo de estudar comunicação, sua experiência se limitava a publicações e livros. Enquanto cursava Relações Públicas em Santa Catarina, visitou alguns museus e exposições. Mas foi em Porto Alegre, durante a 6ª Bienal do Mercosul, que teve o seu contato mais forte. A experiência foi tão marcante, que já na edição seguinte ela era mediadora, atividade que repete neste ano.Seu objetivo é o mesmo que move toda a mostra, aproximar o grande público da arte contemporânea. Dentro dessa proposta, a mediação é fundamental. Diferente das peças clássicas, os trabalhos necessitam ser interpretados. É necessário compreender a proposta do autor. “A arte clássica é feita para se contemplar, a contemporânea é para pensar, provocar. Existe aqui uma obra que é uma
batalha, você não vai dizer que lindo! para a guerra”, diz Karine. Para a mediadora, o mais complicado é convencer o público de que não existe uma explicação única para as obra. A compreensão será influenciada por diversos fatores como idade, padrão de vida, formação e principalmente a história de cada um. Mesmo pessoas que convivam juntas acabam por ter ideias diferentes dos trabalhos. É o que constata a professora Milena Teixeira, que leciona na Escola Municipal Heitor Villa Lobos, na Vila Mapa, zona leste da capital. O colégio possui, há vinte anos, uma orquestra formada pelos alunos. Ela diz que a relação dos participantes do projeto é diferente dos que não estão nesse grupo. Ela acredita que isso se justifique basicamente por dois pontos. A proximidade com a arte pelos envolvidos em oficinas musicais e também pelo fato de já estarem mais habituados a frequentar locais ocupados pela elite, em decorrência das suas apresentações. Acompanhar crianças está entre as tarefas preferidas de Kari-
ne, principalmente as das séries iniciais. Através desse contato, ela destaca uma diferença entre escolas públicas e particulares. Para ela, apesar de maior erudição dos alunos das instituições pagas, os alunos da rede pública demonstram mais interesse nas visitações. A participação e questionamentos são maiores e as reações mais espontâneas. Ela exemplifica com uma situação ocorrida durante a 7 ª Bienal. Uma das obras trazia a ampliação de um quadro que a artista havia perdido quando pequena. Antes da explicação, a mediadora questionava os estudantes sobre o que eles haviam perdido e que gostavam muito. Enquanto os alunos particulares relatavam brinquedos e outros bens materiais, os de colégios municipais ou estaduais citavam parentes, amigos ou animais de estimação. Isso era determinante interpretação do trabalho. Milena explica que a diferença de envolvimento entre as idades pelo fato de que os mais jovens são regidos pela emoção e com o passar do tempo a avaliação é baseada em um conceito estético clássico, movi-
do pela razão. Isso explica a reação dos alunos dos primeiros anos escolares. “Para os pequenos a arte contemporânea é mais aceita, para os maiores é melhor compreendida”, completa. A professora também já mediou o evento. Logo após concluir o curso de Artes da UFRGS aconteceu a primeira edição da mostra, onde ela executou a função. Na época ainda não lecionava. A partir da 4º Bienal já fazia parte do corpo docente do Villa Lobos. Desde então, acompanha os alunos nas visitas. Porém, a escola não tem condições de levar todos à exposição. Mesmo que a organização do evento fornece transporte gratuito, o grande número de alunos é um limitador. Assim, os que estão mais próximos de concluir o Ensino Fundamental tem preferência. Ele explica que a decisão leva em conta o fato de que, dificilmente esses jovens fariam a visita sem a escola. O grande objetivo é criar o hábito de frequentar esse tipo de ambiente, por isso as ações não se limitam a Bienal. Com frequência a escola realiza visitas a outras exposições e museus.
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Jornalismo Especializado
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abertura da Bienal, eles acompanharam a montagem das obras e participaram de conversas com os artistas. Isso não significa que mesmo com a visitação orientada o público acabe por gostar do que vê. Os mediadores acabam por anotar o que ouvem e transferem para um grande caderno. Lá é possível encontrar comentários como “essa arte é legal, mas podia vir mais mastigadinho”, “eu odiei”, “tudo isso aqui é tão idiota” ou até mesmo “isso aqui é francês”. Ela acredita que grande parte desses comentários seja resultado de pessoas que fizeram a visita sem acompanhamento. Milena explica que o objetivo ao levar seus alunos à Bienal não é fazê-los gostar e sim aprender a ler a obra. Ela vê esse contato como uma forma de combate ao preconceito. Para a professora, a maior parte do público não gosta do que vê, mas não comenta por-
R E PO R TAG E M
Karine define a função do mediador como um fio condutor entre a obra e o público. O trabalho não consiste em um diálogo, mas sim na compreensão baseada em um diálogo. E esse passa a ser o grande desafio. As pessoas procuram respostas certas, uma definição hermética que não existe na arte contemporânea. Essa relação pode funcionar ou não, tudo depende da obra e do espectador. Ela comenta que após cada apresentação, a frase mais comum é “ah, agora faz sentido”, o que define como o grande objetivo da função. Conforme a mediadora a ideia da Bienal é levar o espectador a pensar, a chegar a uma conclusão do que é a obra. E sua atividade é fundamental para isso. Tanto, que a preparação dos envolvidos iniciou em maio. Foram duas aulas semanais até a inaguração, além de diversas visitas a museus e exposições. Quatro dias antes da
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Arte contemporânea é para ser compreendida
Karine Adiere auxilia público na interpretação das obras durante a Bienal que os cultos dizem que é bom. “É difícil gostar do que não nos pertence”, afirma. Porém, ela acredita que é no contraponto que se constrói. Com os estudantes a intenção não é de um retorno imediato.
“O resultado só pode ser medido adiante. Quanto maior o repertório cultural, quanto mais se tem contato com todos os mundos, isso mexe por dentro e ajuda a derrubar os preconceitos.”, conclui.
População desconhece obras em espaço público Trabalhos doados em edições anteriores não são reconhecidas pelo público A afirmação da mediadora pode ser comprovada em edições anteriores. Algumas obras foram doadas à cidade e ficaram expostas ao longo da orla do Guaíba e no parque Marinha do Brasil. Uma delas fica ao lado do quiosque de Romário Pereira da Silva. Apesar dele chamá-la de gangorra, trata-se da escultura “Olhos Atentos”, de José Resende. Construída em 2005, para a 5 ª Bienal e atualmente está interditada. Ele recorda da inauguração “Foi para a Bienal, tinha um monte de gente bacana aí, mas não tinha político. Foi bem bonito, sobrou até uns salgadinhos e espumante pra mim”, comenta rindo.
Silva diz que o trabalho era uma grande atração por cerca de dois anos, o que refletia no seu negócio. Após um pequeno acidente, causado pelo maus uso, o acesso foi impedido e isso afetou as vendas do ambulante. Ela comenta que diversas autoridades já estiveram no local, mas nada foi resolvido. Ela acredita que a questão não é de segurança e sim outro. “Não foi político que fez isso e estava dando certo. Isso incomodou e eles fecharam, coisa boa que não dá voto eles não querem”, diz. Marcos Rodrigues dos Santos costuma frequentar a região acompanhado de seus amigos.
Utilizam o espaço para realizar manobras com seus skate. Um dos lugares escolhidos é o Espelho Rápido, criação de Waltércio Caldas. Ele diz não saber que se trata de uma obra da Bienal. Diz ter conhecimento de que existem alguns trabalhos pela região, mas não sabe quais são. “Não existe nenhuma sinalização indicando, só conheço a estátua das tetas”, afirma. O estudante se refere a SuperCuia, de Saint Clair Cemin, doada a cidade durante a 4 ª Bienal. Ela é a mais conhecida na cidade, principalmente pelas suas formas, comparadas ao seio feminino Gerson Raugust
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Santos e amigos usufluem de trabalhos sem saber da relação com a Bienal
Para Silva, interdição de obra que afetou seus negócios teve motivação política
ESPECIAL
De segunda a sexta-feira o atendimento é em sua maioria a grupos agendados. O maior movimento de visitação acontece nos finais de semana. E há uma grande diferença entre esses públicos. Karine fica no armazém sete do cais do porto. Ela constata que o perfil dos visitantes é muito semelhante ao dos frequentadores da área da Usina do Gasômetro. “Acho que as pessoas não vêm até a Bienal e sim a Bienal que vai até elas, é como se a exposição invadisse um espaço que é delas e por isso elas passam por aqui para ver o que é que está acontecendo”, afirma.