INFERNO
INFERNO Florianópolis, 20 de junho de 2013
Edição 1 Ano 1
Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, editoração: Guilherme Longo Serviços Editoriais: Anistia Internacional, Repórteres sem Fronteiras Impressão: Post Mix Junho de 2013
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Crônicas de uma população em conflito
Dias de inferno na Síria conta sobre a prisão de Klester Cavalcanti e as histórias que conheceu na prisão tos de terror que passou nas delegacias de Homs, ou quando achava que seria assassinado pelo governo da Síria. O livro é uma crônica de um país em estado de guerra, da dificuldade e dos maus tratos que jornalistas sofrem em áreas de conflito. Um bom exemplo é a passagem na qual o repórter é obrigado a assinar um papel escrito em árabe, sem saber seu conteúdo, sob ameaças de morte, ou mesmo o fato dele ter sido preso sem saber o motivo do encarceramento. Mas principalmente, do sofrimento de uma população que muitas vezes sucumbe à situação por falta de opção. Com uma escrita bem fluida, a experiência de leitura é bastante positiva. A leitura prende o leitor, que fica querendo saber mais sobre o que irá acontecer com Klester dentro da prisão ou ler mais uma história sobre seus companheiros de cela. Os relatos de pessoas como Ammar Ali, que escrevia no bloco de anotações do jornalista poemas para sua esposa ou Jawad Merah, que foi convocado à luta pelo exército sírio após ver seu pai sendo as-
sassinado em seu local de trabalho, fizeram toda a diferença na história, trazendo um lado mais humano à guerra da Síria. Na prisão, a figura do sahafi brazili (jornalista brasileiro em árabe), foi fundamental para que seus companheiros compartilhassem suas histórias, que para mim, foi o ponto alto do livro. Um dos fatores mais importantes do livro é que através do relato de como sofreu em sua ida à Síria,
As revoltas populares contra o governo de Bashar al-Assad começaram em 26 de janeiro de 2011, como parte do movimento conhecido como Primavera Árabe. Mas a Guerra Civil começou a tomar forma somente em 15 de março, com o primeiro conflito armado na capital Damasco. Desde então, foram 2 anos de violentos conflitos que segundo relatório da ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos já mataram quase 95 mil pessoas. Lakhdar Brahimi, enviado especial da ONU ao país, afirma que a guerra chegou a um nível de horror sem precedentes e até o momento não houve nenhuma evolução concreta para que se obtenha paz no país. Além dos mortos, a guerra já contabiliza um total de mais de 130.000 prisões e 1 milhão de sírios refugiados no exterior, principalmente na Turquia e no Líbano, países que fazem fronteira com a Síria. O levante é liderado pelo Exército Livre Sírio, que exige a renúncia imediata de
Amel Pain / Epa
Dois anos, milhões de pessoas afetadas e uma guerra longe do fim
Em protesto, manifestantes pedem renúncia de al-Assad, após 13 anos Assad e a realização de eleições democráticas no país. Até o momento o presidente se mantem no poder, mas é acusado pela ONU de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Há registros de massacres com centenas de mortos em cidades como Homs, a mais afetada pela guerra, e Alepo. Moradores afirmam que o exército não poupa nem crianças A população síria exige liberdade de imprensa, direitos humanos e uma nova legislação, pois o país se encontra em Estado de
Emergência, onde direitos constitucionais ficam suspensos, desde 1962. O presidente, que está no poder desde 2000, iniciou seu mandato prometendo mudanças políticas e a introdução da democracia na Síria, o que não foi cumprido. Atualmente, o governo avança contra os rebeldes após a conquista da cidade de Al-Quasayr, em 05 de junho. Essa vitória tem sido considerada a mais importante das forças de Assad, que agora tem total controle da fronteira sírio-libanesa.
Klester vai pouco a pouco ensinando, explicando ao leitor sobre a guerra que ele pretendia cobrir. Conta sobre o governo de Bashar al-Assad, o Movimento de libertação da Síria e a realidade das prisões no país. Esse último chega até a causar estranhamento. Como os gastos do governo com o conflito são altos, os presos são obrigados a bancar sua própria alimentação, uma realidade totalmente diferente da brasileira. Mas há também aproximações com o país, como o fato do jornalista ter divido a cela com mais de 20 pessoas, algo muito comum nas penitenciárias do Brasil. Assim como os livros reportagens, o jornalista é bem sucedido na intenção de trazer a realidade em seu texto, mas ao misturar seus pensamentos e emoções, o resultado acaba sendo bem mais proveitoso. O anexo de fotos tiradas por Klester ajudam o leitor a visualizar melhor os locais por onde o repórter passou, as recordações que trouxe da viagem, como as masbahas (terços islâmicos), o anel de ônix que ganhou de seu compa-
nheiro de cela Adnan e as cartas de baralho feitas a partir das caixas de cigarro e chá usadas pelos presos. No meio das fotografias também se encontram reproduções dos poemas feitos por Ammar à Fatin, sua esposa, algo que o repórter destaca no livro, por representar a saudade que o sírio sentida de sua amada. Após a sua libertação, um dia depois de seu visto expirar, Klester não havia conseguido produzir a matéria que havia inicialmente planejado. Mas a experiência que teve, os contatos que fez e as histórias que foram compartilhadas nos seis dias de prisão, que resultaram nesse ótimo relato, compensou. Conseguiu mostrar além do que tinha intenção e trouxe ao leitor o que poucos conheciam da guerra da Síria. Depois de uma extensa carreira denunciando violações aos Direitos Humanos no país, dessa vez Klester é bem sucedido em não apenas denunciar violações na Síria, como também mostrar o cotidiano de um país severamente afetado por uma guerra. Não acho que deve ser considerado uma frustração.
França confirma uso de sarin por forças de Assad No dia 27 de maio, um artigo publicado no Le Monde pelo repórter Jean-Phillippe Rémy, acusou o governo de Bashar al-Assad de utilizar o gás sarin em investidas contra os rebeldes em cidades próximas a Damasco. Rémy passou dois meses ao lado dos insurgentes e começou a suspeitar do uso da arma química devido aos sintomas das pessoas: dor de cabeça, tosse, convulsões, sufocamento e em alguns casos, morte por asfixia Essa era a afirmação mais concreta de que o governo sírio estaria usando gases tóxicos, desde um relatório divulgado pela ONU no final de 2012, onde os representantes levantavam a possibilidade de utilização de bombas contendo pequenas quantidades de substâncias tóxicas. De acordo com relatos do jornalista francês, desde março mais de 100 pacientes foram internados com suspeita de intoxicação pelo sarin A confirmação veio no último dia 04, em coletiva cedida pelo chanceler francês Laurent
Laurent Van der Stockt / Le Monde
“Uma grande frustração jornalística”. É com essa expressão que Caco Barcellos define a experiência de Klester Cavalcanti na Síria, em maio de 2012, no prefácio de Dias de inferno na Síria (Benvirá, 2012). O jornalista, que saiu do país para produzir uma matéria sobre os rebeldes, que exigem a renúncia de Bashar al-Assad, acabou sendo preso e torturado por oficiais do exército pró-governo. Durante seis dias, Klester conviveu com cerca de 20 prisioneiros em uma mesma cela, conheceu suas histórias, fez amizades e teve acesso a uma realidade totalmente diferente da guerra que vinha sendo apresentada para o mundo. Mas será que é possível definir o que é retratado no livro como “frustração”? Diferentemente de seus livros anteriores, como Viúvas da terra (Planeta, 2004) e O nome da morte (Planeta, 2006), Dias de inferno na Síria não é uma reportagem em seu modo clássico. Klester decide relatar passo a passo sua experiência, desde as dificuldades que teve em obter um visto sírio até os momen-
Rebeldes usam máscaras de gás Fabius. Segundo Fabius, foram realizados testes de sangue e urina nos repórteres do Le Monde e em amostras trazidas clandestinamente da Síria. O chanceler pediu ao governo sírio para que parasse com a utilização do sarin, pedindo punição aos responsáveis, mas também não descartou uma intervenção armada caso a situação não fosse resolvida. Para o governo americano, são necessárias mais provas antes de proceder com a intervenção. Representantes de Assad repudiaram o relatório francês, afirmando que nunca utilizaram armas químicas contra os rebeldes.
“Tive certeza de que seria assassinado ali. Fechei os olhos, entreguei a alma a Deus e continuei descendo com a cabeça baixa”