k6
k 10
caderno C
Editores: Marcelo Pereira marcelop@jc.com.br Adriana Victor avictor@jc.com.br Fale conosco: (81) 3413.6180 Twitter: @cadernoc www.jconline.com.br/cultura
Adriana Guarda adrianaguarda@jc.com.br
S
Hilda Hilst escancarada Fotos: Heudes Regis/JC Imagem
REFLETORES Reedição e novas edições da obra, divulgação nas redes sociais e mostra em SP lançam luz sobre criação da escritora
UNIVERSO Exposição em São Paulo reproduz parte do cotidiano de Hilda Hilst: as fotos foram trazidas da casa da escritora; a máquina de escrever foi usada por ela para a sua criação. O professor Alcir Pécora (abaixo) é especialista na obra de HH
Antonio Scarpinetti/Divulgação Unicamp
ÃO PAULO – Pelos olhos de um público imberbe, a escritora Hilda Hilst sai da sombra e ganha holofotes sobre sua obra. O que diria HH se assistisse hoje à euforia de jovens tentando decifrá-la? Teria que abandonar a reclamação de uma trajetória literária inteira, de que não foi lida. Onze anos após sua morte, a obra de Hilda vive uma espécie de reavivamento. A fama de impenetrável vai se esvaindo com sua penetração cada vez mais crescente no mercado editorial e na academia. Na prateleira, novas edições de livros, títulos inéditos, filmes e peças de teatro tentam espantar o medo de Hilda Hilst. “Até a Globo Livros decidir editar a obra completa, os livros de HH tinham pouca circulação. Era uma obra quase marginal, editada artesanalmente por amigos e pequenas editoras”, observa Alcir Pécora, professor de Literatura da Universidade Estadual de Campinas e editor da obra de HH pela Globo Livros, entre 2001 e 2008. “Também faltava um vocabulário crítico competente, que ajudasse a introduzir o leitor no universo da autora. A edição de 20 volumes com sua produção completa (40 títulos) contribuiu para aumentar sua penetração na universidade, mudando o discurso dentro da literatura brasileira. Até então, a academia estava centrada no modernismo paulista. E a obra de Hilda não cabia nessa perspectiva porque ela é radical, anárquica e libertária.” A sedução do leitor jovem também é explicada pelos temas obscenos, que estão presentes não só na trilogia pornográfica (O caderno rosa de Lori Lamby, Contos d’escárnio: textos grotescos e Cartas de um sedutor), mas também no núcleo da obra. “A página do Instituto Hilda Hilst (IHH) tem mais de 40 mil seguidores no Facebook. Entre eles, 70% são pessoas com menos de 30 anos e 65% são mulheres”, diz o presidente do IHH e herdeiro dos direitos autorais da escritora, Daniel Fuentes. No intervalo de um ano (de abril de 2013 a abril de 2014), a participação de HH no mercado editorial dobrou e as vendas saíram de um patamar de R$ 30 mil para R$ 100 mil por trimestre. Nos anos 1990, Hilda anunciou que abandonaria a “literatura séria” e começaria a escrever pornografia para tentar se aproximar do público. Numa conversa provocativa com o professor Jorge Coli, ela brincou: “já que não consigo vender meus livros, quero escrever história de sacanagem para caminhoneiros baterem punheta”, disse, às gargalhadas. “Apesar desse discurso, a literatura dita pornográfica de Hilda também está repleta de erudição”, avalia Pécora. Os livros trazem intertextualidade com escritores como Georges Bataille e D.H. Lawrence, referências nas discussões sobre erotismo. Polêmica quando foi lançada, a Trilogia obscena foi reeditada este ano no livro Pornô Chic, com selo da Biblioteca Azul. Também pelo mesmo selo saiu o livro de entrevistas Fico besta quando me entendem. Esses dois títulos fazem parte de um novo movimento de edição da obra de Hilda. O primeiro, com Alcir Pécora, serviu para tornar a obra disponível aos leitores. “Quando sentimos que a missão estava cumprida, começamos a pensar em obras que chamassem mais público, que atraíssem leitores com ainda algum medo, mas também com curiosidade por Hilda. Assim, concebemos livros mais atraentes, ilustrados, divertidos”, destaca a editora responsável pelos livros de HH, Ana Lima Cecílio. E não vai parar por aí. Está no prelo o livro Cartas aos Pósteros, com previsão de lançamento para o segundo semestre. O título traz parte da correspondência trocada entre Hilda e o amigo e escritor espanhol, Jose Luis Mora Fuentes. “Ainda estamos elaborando o livro, estudando as cartas. O processo é bastante delicado, desde a decifração das caligrafias até a escolha do que é interessante para o leitor. São cartas entre amigos muito próximos, que falam de banalidades, de sonhos, de criação literária”, adianta Ana. A previsão é que também seja lançada a primeira biografia da escritora, mas a editora mantém segredo.
k Death metal do Obituary, no Recife
Pio Figueiroa/Divulgação Unicamp
k
Divulgação
Ricardo B. Labastier/JC Imagem
k Obras de arte públicas do Recife ganham livro e site
Mostra leva leitor até HH A sensação é de que a própria Hilda Hilst (1930-2004) vem nos receber à porta. A velha Olivetti Lettera na entrada, a voz da escritora num vídeo e rastros do seu processo criativo (manuscritos, desenhos e diários) são fragmentos de uma exposição em primeira pessoa. Em cartaz até 21 de abril (data em que ela completaria 85 anos) no Itaú Cultural, em São Paulo, a Ocupação Hilda Hilst traz o espectador para dentro do universo hilstiano. “Nossa intenção foi que a própria Hilda apresentasse suas loucuras e pensamentos, sem necessidade de intermediários. Para que ninguém precisasse falar por ela, reunimos na exposição mais de 210 textos originais (alguns inéditos), além de fotos, áudios e vídeos”, explica o gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural, Claudiney Ferreira. A exposição também tentou fugir do modismo da interatividade que “aperta botão”. A interação com o espectador acontece por meio da leitura. Os 40 títulos escritos por Hilda estão disponíveis para ler e rabiscar (como ela costumava fazer). Ao fundo da Ocupação, um painel de madeira permite que o espectador manipule 20 frases retiradas de 11 livros da autora. Os trechos extraídos trazem temas obsessivos na obra de HH: Deus, morte, loucura e existencialismo. “Como é essa coisa de a gente se pensar?”, “E por que será que todas as coisas ligadas à santidade são necessariamente ligadas ao sofrimento?”, “Como é possível ir até o fim da própria vida sem perguntar ao menos: por que é que estou vivo?” são algumas das questões. Para montar a exposição, o Itaú Cultural recorreu ao acervo do Centro de Documentação Alexandre Eulálio, da Universidade Estadual de Campinas, e ao Instituto Hilda Hilst (IHH), que também participou da curadoria. “O espaço tenta reproduzir a Casa do Sol (residência de HH em Campinas), com suas paredes cor de rosa e iluminação intimista. As fotos foram trazidas da residência. São amigos, intelectuais e escritores admirados por Hilda. Itens pouco conhecidos da produção de HH também estão presentes, como as aquarelas. Uma peça curiosa é um mapa do humor, com seus altos e baixos ao longo de anos”, diz o presidente do IHH, Daniel Fuentes. Nos manuscritos estão minúcias do processo criativo hilstiano nos livros O caderno rosa de Lori Lamby, A obscena senhora D., Com meus olhos de cão, Kadosh e Júbilo, memória, noviciado da paixão. As folhas amareladas trazem cartas a editores, rabiscos dos títulos dos livros, pesquisa de temas, preparação para entrevistas e outra obsessão de HH: listas (de nomes dos cachorros, amigos, dívidas, livros, escritores e sonhos). k continua na página 3
“
Os jovens olham para a obra de Hilda com outra perspectiva. Se interessam pelo caráter radical, anárquico e libertário do texto e se entregam a uma admiração imediata, mesmo que os livros tragam referências eruditas.” Alcir Pécora