Revista UM.774 - 28 recortes urbanos

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um.774 campinas em lugares et pessoas

28 RECORTES URBANOS


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o início, a revista. A UMponto774 nasce para morrer. Não é para ter mais de uma edição. Como toda revista deveria ser. Existir por um número como se fosse para sempre. E se houvesse o segundo, o terceiro... que cada um fosse para sempre. Não há outra razão de ser para uma revista. Ela também carrega uma pretensão: ser experimental. Como deveria ser tudo o que sai do mundo acadêmico. Especialmente num momento em que ideias consolidadas sobre o futuro jornalístico desabam. Aqui se ergue (ou deveria se erguer) o espaço para que o mundo acadêmico assuma a ousadia, a experimentação, o teste. Ser – e promover – em sua essência o ambiente de erros-acertos, e não arrogar o papel de oráculo. Pode-se dizer, no entanto, que com mais pretensão que suor a UMponto774 fica na vontade, longe de concretizar o que se propôs. Ainda assim espera inspirar a cidade a se olhar de forma mais plural, de uma maneira mais rica e holística, em que pessoas et lugares sirvam para provocar e confrontar ideias – somente ideias. Por isso a busca por histórias de pessoas et lugares esquecidos, ignorados, em alguns casos marginalizados. Uma espécie de Campinas lado B. No meio, o fazer. O projeto pertence à turma 0103-noturno de 2015 da disciplina Edição e Produção Editorial, da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas. Nas duas primeiras semanas de aula foram decididos o tema (Campinas) e o recorte (suas histórias ignoradas, esquecidas, abandonadas). Com isso definido, cada aluno escolheu a própria pauta. Houve a determinação acadêmica de não derrubar nenhuma. Maneira de mostrar que toda pauta pode (o que não significa conseguir) permanecer viva, ser realizada. Desde que haja apuração consistente a respeito. Paralelamente, as aulas foram dedicadas a expor técnicas e exemplos do fazer-revista. 2

Evidentemente, revista não se trata só de uma plataforma (papel). Trata-se de um jeito (há revistas eletrônicas, em jornais, na web). O fazer-revista é uma maneira de apresentar as histórias sem que elas passem pela estrutura clássica do hard news, da pirâmide invertida. As etapas finais foram o retorno de texto e comentários para ajustes. Cada aluno também foi responsável por desenhar a própria matéria. O resultado final estará nestas páginas. Nem todas as reportagens, de cada aluno da turma, tiveram a mesma consis tência. Em alguns casos é evidente seu oposto: a inconsistência. A intenção de não filtrar pela qualidade e publicar todo material produzido faz parte de processos que se propõem à crítica e ao aprendizado. É este o nosso caso. Por fim, por que revista. Manter uma disciplina dedicada ao fazer-revista pode sugerir um anacronismo irrecuperável na universidade. O mercado brasileiro parece numa descida rumo ao abismo. A maior editora do país anuncia, na mesma semana em que esta edição começa a ser finalizada, a venda de sete títulos e o fechamento de outras três marcas. Do ponto de vista macro, a situação se mostra ainda mais grave: há uma década, em 2005, 8,80% das verbas publicitárias no Brasil iam para revistas. Em 2014, este volume virou 4,41% – a metade. A questão não está aqui, apesar de a importância desses dados ser evidente. A questão está em propor a estudantes de jornalismo o contato com um fazer mais consistente. Pretensiosamente atemporal. O fazer-revista pressupõe, como em nenhuma outra plataforma jornalística, o domínio (ou o uso intenso) da tríade técnica-ética-estética. Reiterando que o fazer-revista se pode dar em rádio, tv, jornal, web... e revistas. A UMponto774 nasce e morre. Para a reflexão sobre o jornalismo. De forma plural. Edson Rossi 3


sum ário letras apagadas 06 o estádio que a cidade engoliu 08 perdida no tempo e na maquiagem 14 patrimônio histórico faz 25 anos 18 os sabores de dois séculos de tradição 22 rota das especiarias 28 é vegado 32 mapa da arte 38 jequitibás. centenário repaginado 46 o velho bosque dos guarantãs 52 havia um verde no meio do caminho 56 igualdade nas diferenças 62 do colorido ao preto e branco 70 cinco décadas no fio da navalha 76

COORDENAÇÃO EDITORIAL E EDIÇÃO GRÁFICA: Giselle Reis REPÓRTERES: Bárbara Demarchi, Bruna Mascarenhas, Bruno Alves, Camila Araújo, Ciro Oliveira, Daniela Castro, Danilo Leone, Fernanda Lagoeiro, Gabriela Troian, Giselle Reis, Guilherme Luz, Isabela Lino, Isadora Cipola, Jéssica Nespoli, Joycy Cintra, Jonathan Fuzari, Keyla Cavalcante, Lucas Badan, Maria Eduarda Moreira, Marília Alberti, Marina Lopes, Martha Rodrigues, Priscilla Geremias, Rayssa Iglesias, Renata Rosica, Thalita Souza, Tiago Soares e Ubiratan Maia Jr. CAPA: Giselle Reis FOTO DE CAPA: Danilo Leone PROJETO GRÁFICO BASE: Luciano Araújo PROFESSOR: Edson Rossi

82 campinas. capital do golfe 86 catracas caladas no mogiana 90 o novo antigo esporte no brasil 92 a fantástica fábrica de espadachins 96 menino, sim. exumador também 100 não tenho planos. jesus está voltando 102 campinas em números invisíveis 108 medo 114 iac 120 os bairros com as piores calçadas 122 esqueceram de mim 128 família a curto prazo 132 8 dicas para comprar em sebos 136 tempero árabe

UMponto774 é uma publicação experimental da TURMA 0103-NOTURNO 2015 da disciplina Edição e Produção Editorial do curso de Jornalismo da PUC-Campinas. As reportagens não representam a opinião da universidade. CAMPINAS, JUNHO2015. UMponto774 é referência ao ano de fundação da cidade.

Tiragem: alguns.


Letras apagadas O presidente da Academia Campineira de Letras e Artes tenta reescrever a história da instituição esquecida TEXTO E FOTOGRAFIA POR BÁRBARA DEMARCHI

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os 64 anos, o engenheiro civil formado pela UNICAMP, Sérgio Galvão Caponi, se dedica à presidência da Academia Campineira de Letras e Artes (ACLA). A instituição, que segundo ele pode ser pouco lembrada, mas não é esquecida, completa, em 2015, 45 anos de existência. Nesse tempo, grandes gênios de Campinas ocuparam as 40 cadeiras disponíveis. Houve uma época em que os acentos eram disputados. Hoje, nem todos os membros ocupam seus devidos lugares e no futuro, o presidente tem poucas expectativas de conseguir preencher as lacunas. Pouco se fale da existência de uma Academia de Letras e Artes em Campinas. Qual a função da ACLA? A ideia de Academia nasceu na Grécia, com Aristóteles. Na época, os intelectuais, em sua maioria filósofos, se reuniam no Jardim de Academos e conversavam enquanto apreciavam a beleza do lugar. A ideia vem daí: nos reunimos para conversar e admirar a beleza do conhecimento. A Academia Campineira de Letras e Artes serve, portanto, para congraçar em um ambientes os intelectuais da cidade. A Academia deveria possuir alguma função para a sociedade? Sabe, o processo é natural. Se você tem 40 gênios em uma cidade uma hora eles vão se encontrar. Nossa reunião tem uma função para a sociedade. As portas da ACLA estão abertas, mas não podemos negar que o local é elitizado. Dificilmente uma pessoa 6 06

do “pancadão” vai entrar aqui para ouvir um recital de piano ou mesmo participar dos encontros ordinários mensais. Contribuímos através da nossa obra. Aqui os intelectuais se enriquecem e se inspiram para produzir mais. Somos mais importantes do que as Universidades, aqui não criamos a massa, criamos cultura de elite. Não podemos, infelizmente, suprir a falta de cultura proveniente do governo ruim desse país. Mas a massa não pode guardar grandes gênios? Pode! Claro que pode! Existem muitos intelectuais por aí, mas acredite: a crise que o Brasil vive não é econômica e nem política, é cultura. Atualmente, existe uma preocupação muito grande do governo em criar idiotas e por isso estamos carentes de jovens por aqui. O acadêmico mais novo desse lugar tem 60 anos enquanto o mais velho já passou dos 90. Daqui 30 anos, todos vão virar minhoca e nem sei quem vai tocar esse lugar. Chegue para um jovem e pergunte o que ele quer ter quando ficar mais velho. Você vai ouvir que ele quer casas, carros e joias. É preciso encontrar pessoas interessas e com valores para criar e acumular o conhecimento. Infelizmente, é mais fácil encontrar os idiotas. Com essa carência de interessados, como a ACLA se mantêm? Vocês recebem alguma verba pública? Primeiro que Academia não é padaria, por isso, só temos recurso para nos manter e as vezes falta. Agora, se dependêssemos de verba do Estado não existiríamos. Tudo aqui vem do bolso dos acadêmicos. Eles pagam uma anuidade de mais ou menos quatrocentos reais. Com esse dinheiro

pagamos água, força e conseguimos manter a conta bancária positiva. O prédio que estamos hoje foi doado pela prefeitura e eu tive que tombar para não correr o risco de perdê-lo. Antes aqui era uma pensãozinha. Eu trabalho desde 95 para reformar esse lugar. Fiquei contente quando reformei o banheiro. Gastei vinte mil. Dez deles do meu bolso. Faço com muito prazer. Mas meu maior orgulho é o piano que compramos em 2003, um Boston que vale 140 mil. Com todas as preocupações sobre a Academia, ainda sobra tempo de ser engenheiro? A ACLA é parte muito importante da minha vida. Não troco esse lugar por nada que se assemelha. Clubes? Não! Cinema? Não! Shopping? Muito menos. Meu círculo social é aqui. Eu continuo com meus projetos de engenharia para sustentar minha família. O resto do tempo fico nesse lugar: penduro os quadros, arrumo o piano, dou um jeito no arcondicionado... Quando eu morrer não sei o que vai ser disso tudo. Me descobri acadêmico na ACLA. Sou membro desde noventa e um e presidente desde 2005. Vivo pelo conhecimento e pelo prazer em compartilhá-lo com pessoas que também o possuem.

“EXISTE UMA PREOCUPAÇÃO MUITO GRANDE DO GOVERNO EM CRIAR IDIOTAS”

Sérgio Galvão Caponi

PORTAS ABERTAS O presidente da Academia Campineira de Letras em Artes em frente a instituição, localizada à rua Marechal Deodoro, 525, Centro.

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O estรกdio que a cidade

engoliu O campo de futebol mais antigo de Campinas estรก esquecido a mais de 40 anos Por Lucas Badan

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- O primeiro jogo realizado no Estadio Em 21 de abril de 1939, foi disputada a primeira partida de futebol no ainda em construção Estádio Dr. Horácio Antônio da Costa. Em campo se enfrentaram Mogiana e EC Valinhense, com público de 2.000 pessoas e o time campineiro ganhou por 3 a 0.

©ACERVO MIS

- O primeiro gol marcado no estádio foi do atacante Nehim.

Junto ao campo há um pista de atletismo que não é usada a muitos anos.

O Estádio do Mogiana fica no bairro do Guanabara, bem proxímo ao Centro de Campinas

Desfilaram pelo gramado do estádio, grandes times na época, como: São Paulo FC, Santos FC, Palmeiras (antigo Palestra Itália), SC. Corinthians, Jabaquara AC, Nacional AC, A. Portuguesa de Desportos CR Flamengo, Fluminense FC, Botafogo FR, Madureira FC, Clube Atlético Mineiro, e com os também os campineiros AA Ponte Preta e Guarani FC. Dois times do Paraguai também passaram por lá, são eles: Libertad e Sol de América. - Os times Guarani e Ponte Preta também chegaram a mandar algumas partidas no estádio na década de 40.

©LUCAS BADAN

ntre o estádio totalmente lotado já em 1936, quando foi inaugurado com sofisticados melhoramentos do nível superior aos demais campos de futebol existente no interior do Brasil, e praticamente os destroços e total abandono de hoje, a diferença segundo os saudosistas torcedores “devese exclusivamente à ascensão da Ponte Preta e Guarani”. Essas linhas foram escritas no “Jornal Diário do Povo” em 13 de julho de 1975 podiam ser escritas nos dias de hoje. Depois de 40 anos, o estádio continua abandonado. Na época em que foi inaugurado era o terceiro maior estádio do país, atrás apenas do recém-inaugurado Pacaembu e para o S’ao Januário, no Rio de Janeiro. Era palco do Esporte Clube Mogiana, e por isso ficou conhecido como Estádio do Mogiana onde lá disputou diversos clássicos com grandes times do Brasil. Hoje em dia ele é conhecido como Centro Recreativo e Esportivo de Campinas Doutor Horácio Antônio da Costa, o CERECAMP . E continua esquecido como a 40 anos atrás. Não é mais ultilizado por nenhum time da região de Campinas . É apenas usado pela população para prática de esportes e alguns amistos.

©LUCAS BADAN

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CURIOSIDADES SOBRE O ESTÁDIO

O estádio que foi inaugurado em 1939, foi palco de diversos clássicos de futebol

- O estádio sediou grandes glorias e derrotas do Mogiana FC, a maior goleada conquistada foi por 9 a 1 no EC Corinthians em 1945. A maior goleada sofrida foi por 9 a 2 contra a Portuguesa de Desportos. 11


© LUCAS BADAN

Mesmo com o gramado em bom estado, não é usado em partidas oficiais ©ACERVO MIS

DICA DE LEITURA

“Fora dos Trilhos: A história do EC Mogiana”

Antigamente existia uma quadra poliesportiva bem atrás do gol do fundo © LUCAS BADAN

Hoje em dia ele é chamado de CERECAMP pela população campineira

O livro escrito por Celso Franco de Oliveira Filho conta a história do EC Mogiana, fundado em 1933 a partir de uma equipe montada no setor de contadoria da extinta Companhia de Estradas de Ferro. O Tricolor da Estrada dividiu por várias temporadas as atenções na cidade de Campinas com Guarani e Ponte Preta. O autor conta o desempenho do Mogiana, que disputou a segunda divisão de profissionais entre os anos 48 e 50, retornando depois em 58 e 59. Conta também com fichas técnicas, a construção do estádio Dr. Horácio Antônio da Costa e o fim da Companhia Mogiana. Traz fotos antigas dos tempos de glória do time. © LUCAS BADAN

© ACERVO MIS

A direita da imagem, está o estádio com a linha ferrea que existia ao lado

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Após muitos anos de abandono, a arquibancada está assim

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Edição de imagem feita por Ubiratan Maia Jr. a partir da foto antiga de Campos Sales e foto atual de Ubiratan Maia Jr.

Perdida no tempo, e na maquiagem... POR UBIRATAN MAIA JR.

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ma das maiores preocupações das mulheres é com o cabelo. A mulher brasileira é extremamente vaidosa e está sempre antenada com as novas tendências da moda, fazendo com que o Brasil seja o 3º maior mercado de cosméticos gerais e o segundo maior no ramo de produtos para cabelo, perdendo apenas para o país do Tio Sam. É um ramo tão promissor que em plena crise econômica que estamos não houve desaquecimento. Ana Carla Spunchiado, auxiliar administrativa, entra na loja de cosméticos na parte de cima da praça Guilherme de Campos para comprar um xampu. Aproveita para comprar condicionador e o esmalte que está bombando pois são os mesmo que a mocinha da novela das oito está usando. Testa, mas não leva o creme hidratante que a promotora de vendas oferece, olha para o relógio e vê que se não correr irá perder o ônibus. Deixa rapidamente 70 reais no caixa, sai apressada pelo canto da entrada da porta, pisando sem prestar atenção grande placa no chão que diz ,

“NESTE LOCAL, EM CASARÃO TÉRREO COM GENEROSOS BEIRAIS EM 13 DE FEVEREIRO DE 1841, NASCEU MANOEL FERRAZ DE CAMPOS SALES ” em direção ao ponto logo ao lado, na rua que também leva este nome. A casa onde nasceu sobreviveu à ampliação da rua Campos Salles no plano diretor de Prestes Maia na década de 1950, que demoliu a igreja do Rosário e parte do palacete da Mogiana, mas a especulação comercial naquela época e a boa localização, fez com que os donos dividissem o imóvel em duas partes o passassem para a categoria comercial. Em 1964 foi totalmente demolida e construído um hotel no lugar. Com a falência do hotel a parte térrea da esquina foi arrendada para uma loja de cosméticos em 2004 em atividade até hoje, onde a Ana Carla compra seus xampus. 16

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Patrimônio histórico completa 25 anos

O local é o único patrimônio particular tombado da cidade TEXTO E FOTOGRAFIA POR JONATHAN FUZARI

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Em 1978 Antônio da Costa Santos se tornou dono da sede e a usava como fonte de pesquisa para estudar a evolução urbana de Campinas. A “Casa grande e Tulha” foi construída no auge do momento açucareiro em Campinas entre 1790 e 1795, O local foi destinado ao que era considerada a mais antiga fazenda cafeeira da cidade. Após passar por vários donos, a fazenda está sob a direção de Roseana Morais Garcia desde a morte do seu marido em 2001. Roseana é psicóloga e atualmente mora em São Paulo, visita Campinas apenas quando atende seus pacientes dentro da fazenda ou promove grupos de estudos para análise de uma obra psicanalítica. Em 2011, a casa foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) junto com o Palácio dos Azulejos. São os dois únicos imóveis tombados nos níveis municipal, estadual e federal da cidade. A seguir alguns trechos da entrevista concebida pela viúva de Toninho.

Antiga sala de jantar da casa. Atualmente local que Roseana atende os pacientes.

“Não recebo nenhuma ajuda, pelo contrário, tinha isenção de IPTU, mas desde 2005 o Hélio, prefeito cassado, promulgou uma lei tirando esse direito. No futuro pretendo dar um destino mais público a casa, mas no momento não.”

“Não da para escolher um lugar cada cômodo tem sua beleza, gostamos da casa por inteiro.”

“Nós já morávamos lá quando fazíamos as reuniões e as festas. Mudamos para lá em 1984 logo após o nosso casamento. Escolhemos o lugar, primeiro porque é maravilhoso e segundo porque era a nossa casa.”

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V8/ Coleção V8/ Centro de Memória-Unicamp

Os sabores de dois séculos de tradição Acompanhando o crescimento da cidade, o Éden Bar e Restaurante está em funcionamento desde 1889 no centro de Campinas POR CAMILA ARAÚJO

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ão tem uma data definida, apenas o ano de 1889 nos

registros, que tornam o Éden Bar e Restaurante um dos mais antigos de Campinas. Quem passa todo dia pelo Largo do Rosário mal sabe todas as histórias que cercam o local. Já quem opta pelas especialidades Filé à Parmegiana ou File à Vilalva (filé à milanesa ao molho de Catupiry, aspargos, arroz à grega e batata palha), ou pelo self-service na hora do almoço também não imaginam quantas pessoas famosas passaram por ali e que o espaço era no seu início um bar, com petiscos e bebidas, há 50 anos. E em meio a tanFachada da década de 40: mesmo com o passar do tempo, permanecem o cardápio e o clima familiar característicos

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tos anos e mudanças necessárias no espaço, o local acompanhou o crescimento do centro de Campinas e as novidades de cada época. 23


que exerce hoje, gerente da noite, e relembra da época com certa saudade. “O centro da cidade era muito movimentado, porque só existia um shopping, e os cinemas eram todos no centro”, conta Negrão. Durante a década de 90, a globalização entrou de forma estrondosa no território brasileiro, e isso mudou a rotina também do setor alimentício. A chegada da febre dos self-services começou a deixar os restaurantes à la carte vazios, pois era uma opção mais econômica e variada de refeição. O Éder Bar também teve que se adequar, mas ainda com um pouco de receio, segundo seu Oliveira. “Falaram para mim que estava tudo

Acima, o Éden Bar quando era dividido em dois ambientes. À direita: no canto esquerdo da foto da década de 40, é possível ver o local. Abaixo: atualmente, depois de tantos anos, é possível notar a grande mudança em sua preservação Camila Araújo

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mudando, que nesses restaurantes era um formigueiro de gente e estava dando muito dinheiro. Começou a abrir uma porção de restaurantes”. Para comprovar a eficiência da nova forma de vender refeições, seu Oliveira chegou a ir no restaurante onde hoje é proprietário e se espantou com a fila que se formava. “Ficava mais barato, tem outra personalidade. Compramos carrinhos e começamos a servir então self-service no bar, sem misturar com o salão à la carte. Podia ser coisa do momento e não dar certo”. Mas a popularidade do serviço foi tanta que acabou indo para o salão

Muitas histórias se passaram no Éden Bar. O gerente Vitor Negrão, por exemplo, lembra de forma bem humorada de algumas situações, inclusive mulher que pegou o marido com a amante, “mas não pode ficar falando, cada um tem sua vida, não pode se intrometer”. Entre clientes ilustres, ele se orgulha ao dizer que já serviu até cafezinho para o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Já seu Oliveira lembra que o lançamento da candidatura do prefeito Toninho foi feito no Éden Bar, em um jantar de pizza. “Ele tinha uma paixão pelo centro da cidade”, recorda. Outro que fez política no ambiente do bar foi o ex-prefeito de Campinas José Roberto Magalhães Teixeira, freguês que em sua primeira candidatura, na década de 80, colocava, sorrateiramente, um santinho no banheiro do bar.

Em três momentos Coleção Fotografias Avulsas/ Centro de Memória-Unicamp

“O ÉDEN BAR É ALGO QUE ESTÁ ACIMA DE NÓS, ELE PERTENCE A CAMPINAS” Fernando Takshi Sakai, atual dono

Éden Bar e Restaurante. Como no nome, os ambientes eram fisicamente separados por uma parede. O cliente podia escolher entre ir ao bar ou o serviço à la carte do restaurante. Já os carros-chefes eram os que são até hoje (Vilalva e Parmegiana). Também eram servidos os chamados pratos da semana: na segunda-feira, virado à paulista; terça, dobradinha; quarta, feijoada; quinta, rabada; sexta, bacalhoada; sábado novamente feijoada; e no domingo massas. E por vinte anos essa foi a rotina do local. Vitor Leão Alves Negrão, que está há 35 anos no Éden Bar, foi de balconista até a função

Acervo pessoal: Antônio Augusto de Oliveira

Quem lembra dessa história muito bem é um dos antigos donos, Antônio Augusto de Oliveira, de 79 anos, um português com sotaque carregado. Há 45 anos, quando comandava o local, o centro lotava durante as noites e os trabalhadores paravam no Éden Bar para tomar uma gelada, comer petiscos e até mesmo levar algo para jantar em casa. “Na época do bar servia miolo à doré, ovo cozido já descascado e também linguicinha”, lembra seu Oliveira. Depois de menos de um ano como dono, seu Oliveira viu a chace de o local crescer: adquiriu o ponto comercial do salão ao lado e expandiu os negócios: passou a se chamar

Políticos, casos e jantares

Descoberta A descoberta do ano da fundação do Éden Bar se deu através do filho de seu Oliveira, Antônio Augusto Mendes de Oliveira. Foi por acaso. “Achávamos que o bar existia desde 1920, mas um amigo que gostava de colecionar itens de esporte tinha um livreto especial do Guarani, da década de 20, onde tinha uma propaganda do Éden Bar e lá estava escrito: desde 1889, foi quando nós descobrimos”. Não se sabe ao certo se é o restaurante mais antigo de Campinas em funcionamento (há quem diga que esse mérito é do Restaurante Rosário), mas as circunstâncias só mostram isso. “No Bosque dos Jequitibás de Campinas tem um banco com propaganda do Éden Bar, quando os números de telefone ainda tinham somente quatro dígitos!”, conta seu Oliveira. 25


“Vim atrás do progresso” Nascido em uma ditadura de direita, Antônio Augusto de Oliveira chegou de Portugal ao Brasil no dia 14 de abril de 1959. “No meu país não havia desenvolvimento agrícola, nem industrial”. Mais velho de nove irmãos, seu Antônio foi incentivado desde sempre pelo pai, que já havia vindo ao Brasil, mas não ficou pois não sabia ler. “Ele sempre contava sobre o Brasil. Gostava muito daqui. Nós tínhamos uma vida agrícola, mas com muita dificuldade”. Por conta do Salazar e do Estado Novo, os pais eram obrigados a mandar seus filhos para a escola, senão eram multados. “Mas só a educação não governa, tem que ter progresso e eu vim atrás do progresso”, relembra com firmeza no olhar. Então, seguiu o sonho do pai e veio atrás de um emprego. “O Brasil dava a oportunidade para quem queria trabalhar e ser honesto”. E foi assim que Oliveira chegou na capital paulista e foi trabalhar em um frigorífico. Ainda na experiência, houve corte de funcionários na empresa e foi dispensado. “Foi a minha sorte”. Um tio que morava em São Paulo, sabendo da situação disse que, se ele fosse trabalhar no comércio, em pouco tempo se tornaria um bom comerciante. “E assim parti para o comércio”. Começou como empregado, depois adquiriu seu ponto e passou por três lugares em São Paulo, casou nesse meio tempo… até que um corretor o convenceu a ver um negócio que estava para vender em Campinas, o Éden Bar, de onde se tornou sócio no dia 14 de fevereiro de 1968, e se orgulha pelos 42 anos passados por lá. Mesmo depois da venda do local, não saiu do ramo, tem três pontos que levam seu sobrenome. Seu Oliveira não consegue parar. “Na verdade, consigo sim, São Pedro vai me fazer parar, só ele é capaz”, brinca. E deixa um conselho que carregou durante toda sua trajetória: “faça o que entender, mas o que fizer, faça bem feito”. Acervo pessoal: Antônio Augusto de Oliveira

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A vinda para o Brasil faz seu Oliveira entrar nos negócios e não parar mais

à la carte, tomando primeiro um terço do espaço e depois totalmente. Na chegada dos anos 2000 seu Oliveira diz que resolveu tirar a parede do bar e juntar os ambientes, como é hoje. “Quem foi num dia e voltou no outro encontrou um lugar totalmente diferente”, brinca. O hoje Atualmente, o Éden Bar e Restaurante preserva e mantém toda a história em sua culinária, ainda contando no cardápio os pratos que ajudaram a construir sua fama entre os campineiros. O clima aconchegante também perdura, mesmo com o passar de tantos anos. Algumas famílias não abrem mão de frequentar o local, como destacou Negrão. “Os clientes antigos ainda vêm. Às vezes deixam os filhos no shopping e vêm jantar aqui”, comenta o gerente. Fernando Takshi Sakai que cuida do local atualmente, comenta que, como a casa sempre teve tradição portuguesa, sempre tem bacalhau no buffet e caldeirada às sextas-feiras. Hoje, o local conta com 47 funcionários, entre garçons, cozinheiros, balconista, copeiro, caixa, gerente, administrativo… Em média são servidas 400 refeições por dia, e no final de semana, esse número sobe para 600. Sobreoespaço, Sakai contaque não tem muito como mexer, mas existe manutenção constante. “A estrutura a gente manteve, mas como abrimos todos os dias, é muito complicado fechar a casa para mexer”, explica. Ainda com a modernização mesclada com a tradição, Sakai conta que leva algo consigo que aprendeu com o seu Oliveira. “O Éden Bar é algo que está acima de nós, se um dia eu sair daqui, ele fica. É algo que pertence a Campinas, estou administrando agora, posso sair, como o seu Oliveira saiu, mas ele vai continuar”.


Rota das especiarias

A cultura de boteco é um traço cada vez mais forte em Campinas, seja nos bares mais famosos ou nos becos da cidade

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TEXTO E FOTOGRAFIA POR BRUNA MASCARENHAS

om todo o clima de boêmia que um bom centro de cidade oferece, a reportagem foi em busca dos petiscos desconhecidos e até injustiçados de seis bares do centro de Campinas. No melhor estilo underground, os bares foram escolhidos com o objetivo de montar um roteiro gastronômico que possa ser feito a pé, em um dia. É quase impossível deixar de correr o risco de pegar um garçom rabugento ou passar algumas horas em pé, mas a principal dica é aproveitar o melhor que cada local tem para oferecer, embalando cervejas geladas ou chopes cremosos em conversas animadas e porções generosas. Outra boa experiência de seguir esse roteiro é conhecer melhor o centrão, de arquitetura antiga, prédios altos, praças famosas, rua de paralelepípedo e gente de todo o tipo para todo o lado.

ESCONDIDINHO O famoso Nosso Bar é difícil de se achar. Na Rua Barão de Jaguara não há o que indique sua existência entre os altos prédios do centro. Mas é dentro de um pequeno mercadão (n 988), especificamente no box 2, que uma grande placa da Jagermeister anuncia sua localização. Não há espaço para luxo nem frescura. Dividindo espaço com açougues, peixarias e pastelarias, por exemplo, e se resumindo à um balcão em L com algumas banquetas altas, o bar tem mais de cinco geladeiras, abarrotadas de cervejas. O público é tão diversificado quanto a oferta de bebidas. São mais de 200 rótulos, divididos em ordem alfabética e por país de origem, que fazem o gosto de casais, grupos de amigos, famílias, jovens e idosos empoleirados no tal do balcão. Comandado pelo chefe Maurício Assis, formado em gastronomia em Barcelona, o boteco traz porções, pastéis e lanches reconhecidos até por quem não é frequentador. Mas, infelizmente, os famosos lanche de alichela com pastrame (ganhador do Comida Di Buteco 2014) e pastel de bacalhau não estavam disponíveis. A saída foi o sanduíche de alichela com salame e mussarela acompanhado por um chope Guinness, famosa cerveja irlandesa e tradicional no Nosso Bar que, inclusive, foi pioneiro ao sediar na cidade a festa do Saint Patrick’s Day, um dos padroeiros da Irlanda. 28

EXÓTICO A aura dos anos 60 preenche o charmoso boteco localizado na Conceição, 157. São quadros, recortes de jornais, fotografias, caricaturas e objetos antigos que decoram as paredes de azulejo preto e branco. Entre os quadros, um, em particular, dita o clima do local: uma fotografia da equipe de garçons. Eles também estão na capa do cardápio, cada qual com seu nome indicado. Pudim é quem me atende, conversa, explica. “O molho de pimenta na mesa foi inspirado no Giovannetti, mas o nosso a é diferente”. Pimenta dedo-de-moça, sem semente, mergulhada no azeite. Segundo ele, o lanche de pernil com aliche e queijo prato, no estilo boquinha de anjo, é o mais popular da casa. Há também um espaço no cardápio para comidas mais exóticas: coelho fritinho acebolado, jacaré ao alho e óleo acebolado, costelas de javali assadas, rã ao alho e óleo acebolada. Mas, quando questionado sobre uma porção injustiçada, daquelas boas, mas que não saem tanto, Pudim é categórico. “A alheira. Nem 100 por mês”, diz. De influência portuguesa, a alheira do Facca é embutida pela Dona Alzira do Jabaquara, em São Paulo. Uma mistura de massa de pão amanhecido, panceta, carne de avestruz e carne bovina. É servida frita e cortada, acompanhada de um pão francês fatiado. Combina especialmente com o tal do molho de pimenta e um chopp Brahma escuro. Esses pequenos detalhes fazem do Facca um bom boteco, ao melhor estilo boêmio de centro de cidade. 29


RETRÔ Bem em frente ao Largo do Rosário, o clássico Giovannetti divide a sua história com a cidade. Inaugurado em 1937, o casarão de três andares mantém até os dias de hoje o clima do centro antigo, principalmente com as tradicionais mesas na calçada. Dentro, o balcão de madeira abriga inúmeras peças de frios e garrafas de cachaças em meio a uma decoração sóbria de lustres e quadros na parede de tijolinhos. A capa do cardápio anuncia alguns petiscos que são destaque da casa, como o Bigode (camarão empanado com requeijão cremoso) e a Rolha (porção de croquete de carne), além dos famosos sanduíches, em especial o mais pedido: Psicodélico, criado por Moleza, um dos funcionário do bar. O lanche em formato de boquinha de anjo é basicamente uma mistura de mussarela, salsichão com picles, lombo cozido, salsichão lionês, mortadela, rosbife caseiro, presunto, tomate e azeitonas pretas. Mas o cardápio é diversificado e traz inúmeras outras opções de porções frias e quentes. A escolhida foi a coxinha crocante, empanada com molho de pimenta diretamente na massa e acompanhada de um cremoso molho de gorgonzola. Vai bem com o chope Brahma claro, tão tradicional quanto o bar referência de Campinas.

UNDERGROUND À noite, a alternativa é subir um pouco o centro, até o Cambuí. A boêmia está apinhada nas calçadas dos bares da Avenida Júlio de Mesquita. Um deles, é o Spaguetti Bar, antigo Scooby, famosos por ser o ponto de encontro dos são paulinos às quartas e domingos. No melhor estilo underground, o boteco de esquina tem mesas de madeira na calçada, mas, mesmo quem fica dentro, entre as paredes de azulejo branco e vermelho, tem vista privilegiada da rua pelas grandes janelas de vidro. O público, formado basicamente por jovens, lota o boteco, bebe em pé, fala alto e divide espaço com garçons simpáticos que andam para lá e para cá a noite inteira, sem parar. Um deles afirma que a porção mais pedida é a de contrafilé na chapa com fritas, que, de fato, está em várias mesas, ao lado dos baldes de cerveja Original. Tem também a famosa torta de frango, que compete diretamente com a do City Bar, logo ao lado. Mas a porção de iscas de frango chama a atenção pelo irresistível acompanhamento de catupiry. Talvez entre as outras opções, não tenha tanto charme e seja um pouco injustiçada, mas, no ponto, vai muito bem com a cerveja trincando no copo americano.

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TRADICIONAL Localizado no melhor ponto da cidade, em frente à praça do Centro de Convivência, as mesas vermelhas de plástico ocupam o largo e lotado calçadão do City Bar. De dia, guarda-sóis abertos colorem o espaço. À noite, pessoas em pé por toda a esquina dão o tom do lugar, que vive apinhado de gente de todo o tipo. O carro-chefe é o bolinho de bacalhau, que protagoniza em todos os cantos do boteco acompanhado da frase “o melhor bolinho de bacalhau do mundo”. Caracterizando as raízes portuguesas do dono, a porção é tão requisitada que, por mês, são consumidos mais de 1.500 quilos de bacalhau. Mas as famosas tortas, de frango e de palmito, também tem espaço garantido nas mesas. O que deixa a desejar é o atendimento. E isso é tão famoso quanto o bolinho de bacalhau. Em certo horário da noite, garçons começam a retirar pratos e guardar cadeiras de forma grosseira. O que faz o pessoal correr para o Spaguetti, logo ao lado e com um serviço bem mais convidativo. A saída, para não se decepcionar, é pegar o boteco durante o dia. De preferência, ensolarado com o todo o clima de confraternização que o Centro de Convivência oferece.

SURPRESA Em uma das avenidas mais movimentadas da cidade, na esquina da Doutor Moraes Sales, com a Irmã Serafina, está o Estação Pedro II que é, por unanimidade, um boteco aconchegante. De donos piauienses, o bar abriga mesinhas na calçada como um bom boteco. Quem fica dentro, entre as paredes de pé-direito alto e as luzes fracas, tem o mesmo clima convidativo e boêmio de quem está fora. As garçonetes são simpáticas e solícitas, mas, especialmente a que me atende, Jaque, adora papear. A cada rodada de cerveja, eram longos minutos de conversa. Ela logo conta que a porção injustiçada do cardápio é a de mini hambúrgueres com queijo cheddar que, entre uma reposição de cerveja e outra, preenche a mesa e faz bem como acompanhamento. Outras opções, entre as mais pedidas, está a porção de pastel, a de torresmo e a de frango à passarinho, além dos lanches boquinha de anjo com batata frita. Um ponto positivo e de destaque é que todo o ambiente é surpreendentemente limpo para um boteco. O público é variado e nenhum copinho americano fica vazio graças à rápida reposição de cerveja. Jaque vinha com uma “saideira” toda hora, prolongando a noite e finalizando o roteiro da melhor forma possível: com uma gelada na mesa.

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Gastronomia

É! TEXTO E FOTOGRAFIA POR MARINA LOPES

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VEGANO!!!

Confira abaixo a entrevista com os proprietários da Ala Verde

Primeira lanchonete artesanal 100% vegana em Campinas

C

om um pouco mais de três meses de inauguração, a Ala Verde já faz sucesso em Campinas. A única lanchonete artesanal 100% vegana da RMC (Região Metropolitana de Campinas), já conquista um grande público de clientes, com um atendimento de 40 a 50 pessoas por final de semana somente no período da noite e, de terça a sexta 25 a 30 pessoas. A inspiração de Rubens Neto, 27 anos e Carina Quito, 34, (naturais de campi-

nas, sócios da Ala Verde e melhores amigos), se deu em pleno carnaval de 2013. A dupla desfilava na ‘Ala das Baianas’, no carnaval de Barão Geraldo, o nome Ala Verde, teve como inspiração o bloco em que desfilaram no dia. Rubens conta, durante uma entrevista como foi o processo em que se tornou vegano. “Devido a uma cirurgia que eu fiz de vesícula fiquei restrito a alguns alimentos, como a carne. Comia e passava mal, foi a partir daí que exclui qualquer alimento que viesse do animal”. Devido à exclusividade dos alimentos da Ala Verde e da atenção que os proprietários dispõem aos seus clientes. Os sócios acreditam que o sucesso da lan-

chonete se dá por estes motivos. O Pão e hambúrguer artesanal são elaborados exclusivamente pelos proprietários, e outros alimentos como o queijo vegetal são importados de países como Canadá e Grécia. As saladas são colhidas diariamente na horta. Já o queijo Cheddar vegetal natural dos Estados Unidos é importado de lá, o bacon que Rubens e Carina utilizam, na verdade é proteína de soja defumada e produzida por uma chefe de cozinha exclusiva da ALA VERDE. Criada para ser uma lanchonete de amigos, os proprietários não esperavam e muito menos previam o sucesso que a ALA VERDE faria em tão pouco tempo.

1- Gostaria de saber qual foi a inspiração de vocês para abrir o restaurante, por que aqui no interior não tem nenhum restaurante 100% vegano. R: A nossa inspiração surgiu devido a uma cirurgia que eu fiz de vesícula, e após esse acontecimento eu não tinha opções para comer sanduíche. Comia carne e passava mal. E a Carina, como é minha amiga, tínhamos um plano de investir no ramo alimentício e depois da minha cirurgia nós tivemos a idéia de fazer um projeto vegano. 2- Vocês realizaram uma pesquisa para saber por que Barão Geraldo era o melhor bairro/lugar para abrir a lanchonete? R: Abrimos primeiro no Castelo, num lugar provisório para sentirmos nosso público, mas la nunca ficaria com cara de lanchonete, até o dia que viemos parar aqui. A pesquisa foi: motoboy vinha muito para cá. Então percebemos que aqui tem

muitos vegetarianos e veganos. 3- Como vocês avaliam o público de vocês? R: Tem muitos curiosos. A maioria não é vegano e sim curiosos, que vem aqui para conhecer, gostam, e voltam outras vezes. 4- Vocês já conseguem identificar clientes fieis? R: Sim, com certeza. Nossos clientes são bem fieis, desde quando tínhamos o estabelecimento no Castelo. E eles nos acompanharam desde o começo, então, conseqüentemente já viraram nossos amigos. Eles vêm aqui de duas a três vezes por semana. 5 – Qual é o sonho de vocês? R: Nós temos planejamento de virar franquia, começo do ano que vem nasce mais uma filial. E depois de três lojas próprias, queremos abrir uma franquia (já temos interessados). Mas antes queremos desenvolver todas as nossas receitas, para que o

fraqueado faça do mesmo jeito que nós, para que fique igual, com o mesmo sabor, carinho e cuidado. 6-Vocês almejam abrir a ALA VERDE em outra cidade? Por não ter nenhuma ainda na região. R: Sim, estamos estudando a possibilidade de abrir em outra cidade aqui do interior, ainda não podemos divulgar, mas é uma cidade que consome menos carne, estamos estudando. A nossa proposta de loja, é ser uma loja pequena, para agradar nosso cliente, para cuidar do nosso cliente, para ser uma loja de amigos, para que ele se sinta a vontade, ala verde foi criada para receber amigos e não imaginávamos que íamos fazer tanto sucesso. 7- Para finalizar: qual perspectiva para futura? R: Ser reconhecido como melhor lanchonete artesanal vegana do Brasil.

Mas o que é comida vegana? O veganismo é uma dieta em que a pessoa exclui qualquer produto, desde roupas a xampu, sabonetes e alimentos que contenha algum tipo de resíduo animal – carne ou gordura animal. Esta dieta cresce consideravelmente a cada ano, por diversos motivos e causas. Dentro os mais comuns são: pela causa animal (pessoas que são adeptas a dietas livres de sofrimento animal, por saúde ou intolerância a alimentos como leite e queijo (pessoas que não podem comer carne, pela gordura ou pelos ingredientes que nelas existem. Pessoas também que tem intolerância a leite e a queijo acabam se adaptando a vida vegana).

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Interior da Ala Verde

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! !

CURIOSIDADES

* O departamento de comida e agricultura da ONU, realizou uma pesquisa em 2007 e detectou que o país que menos consomem carne no mundo é a índia. (3,2kg por pessoa/ano, cerca de 120kg menos que os EUA). Motivo: A razão é diferente dos motivos comuns (causa animal). O vegetarianismo está enraizado na cultura do país indiano. Os Hindus e Jainistas, que compõe 80% da população não comem ovos e derivados de leite, por este motivo os veganos e vegetarianos encontrarão ótimas opções sem

carne e derivados no cardápio. * Tipos de vegetarianismo e/ou veganismo: Lactovegetarianismo: dieta composta por alimentos de origem vegetal, leite e seus derivados. Ovovegetarianismo: dieta composta apenas por alimentos de origem vegetal e ovos, excluindo produtos lácteos. Vegetarianismo semiestrito: dieta que exclui quase todos os alimentos de origem animal, abrangendo somente o mel Vegetarianismo estrito ou

Veganismo: exclui todo e qualquer alimento de origem animal. * Alemanha é o primeiro país da Europa a ter um supermercado vegano, nomeado como “veganz”. O supermercado conta com mais de 6mil produtos veganos e com uma variedade de 77 tipos de queijos vegetais. * No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pelo IBOPE em 2013, o Brasil tem 8% da população brasileira declarada vegetariana. Só na cidade de São Paulo, há mais de 60 restaurantes vegetarianos e veganos.

Cardápio escrito a mão no interior da lanchonete

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DA ARTE TEXTO E FOTOGRAFIA POR GISELLE REIS

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V

CENTRO

ocê sabia sabiaque que estiveram em em apenas 7,5% 7,5%dos dosbrasileiros brasileiros estiveram uma exposição de Arte em 2014? Estes são sãodados os dados apontados pela pesquisa os apontados pela pesquisa O hábito O hábito lazer cultural do brasileiro, de lazer de cultural do brasileiro, feita pela feita pela Federação do Comércio do Rio Federação do Comércio do Rio de Janeiro de Janeiro (Fecomércio-RJ). (Fecomércio-RJ). Realizada emRealizada 70 cidades do em de 70 9cidades do país de 9 regiões país regiões metropolitanas, no começo metropolitanas, no começo desteapontadas ano, deste ano, as principais razões as principais razõespara apontadas peloscerta pelos entrevistados não praticar entrevistados paraé a não atividade cultural falta praticar de hábitocerta ou gosto atividade a falta deque, hábito por outro cultural tipo de éprograma, juntos, ou gosto por outro tipo programa, correspondem por 76% dasdejustificativas. que,Em juntos, correspondem por 76% das comparação, no ano de 2011, a Espanha justificativas. registrou que 13,6% de sua população esteve comparação, ano de em Em galerias, enquantono25,7% em 2011, alguma aexposição. Espanha Mas registrou que 13,6% não é só isso que de temsua pouco população espaço na esteve vida em dos galerias, cidadãosenquanto brasileiros. 25,7% exposição. não esconde. Por isso, nas páginas seguintes, Ainda em em alguma comparativo com Mas a pesquisa érealizada só isso que tem pouco espaço na vida pelo Ministério da Cultura davocê verá mapas que apontam alguns dos cidadãos Ainda em em2014,destes locais que podem estar aí, ao lado Espanha em 2011brasileiros. e pela Fecomércio comparativo com a pesquisa realizada 49,1% dos espanhóis costumam ir ao cinema,de sua casa ou serviço. pelo Ministério da Cultura enquanto apenas 26,3% da dosEspanha brasileiros em 2011 e pela Fecomércio em praticam a mesma atividade. 2014, 49,1% dosEsta espanhóis costumam irum aotanto cinema, é uma porcentagem quanto enquanto apenas 26,3% dos brasileiros alarmante, que faz a gente se perguntar: por praticam a mesmainveste atividade. que o brasileiro tão pouco em seu Esta é uma porcentagem um tanto lazer? Apesar de não sabermos de fato a quanto alarmante, que faz a gente se resposta para esta pergunta, existem diversas perguntar: por que o brasileiro investe maneiras se tornar uma pessoa tão pouco para em seu lazer? Apesar de nãomais atenta ao mundo da arte e das galerias, sabermos de fato a resposta para esta e o melhor, semexistem gastar nada. Pegando com base A SENAC CAMPINAS pergunta, diversas maneiras opara fator ‘falta de hábito’ , separamos para você se tornar uma pessoa mais atenta algumas dicas como tornar a visitae àouma ao mundo da de arte e das galerias, Endereço: Rua Sacramento, 490 exposição algo além do hábito. Um costume melhor, sem gastar nada. Pegando com Funciona de segunda à sexta-feira das 8h às 21h e aos diário. base o fator ‘falta de hábito’, separamos sábados de 8h às 15h galerias, paraNavocêcidade algumasdedicasCampinas, de como tornar Telefone: (19) 2117-0600 bibliotecas, bares, cafés algo e ateliês, a visita à uma exposição além doestão diariamente abertos,diário. expondo a arte de hábito. Um costume alguém ou de um grupo. Infelizmente, Na cidade de Campinas, galerias,estes locais são quase que imperceptíveis aos olhos bibliotecas, bares, cafés e ateliês, estão B LIVRARIA PONTES de uma pessoa apressada. Enxergar diariamente abertos, expondo a arte deestes locais em um canto ou outro, assim, meio alguém ou de um grupo. Infelizmente, escondidos camuflados, até mesmo estes locais esão quase que parece imperceptível Endereço: Rua Dr. Quirino, 1223 um jogo de esconde-esconde. aos olhos de uma pessoa apressada. Funciona de segunda à sexta-feira das 9h às 18h e aos isso, nas páginas seguintes, você verá VerPor estes locais em um canto ou outro, sábados das 9h às 13h mapas que apontam alguns destes locais assim, meio escondidos e camuflados, Telefone: (19) 3236-0943 que podem estar aí,umaojogo ladodedeescondesua casa ou parece até mesmo serviço. 40

CAMBUÍ

C ATELIER VIVAZ

F GALERIA SEDE

Endereço: Rua Dr. Sampaio Ferraz, 541 Telefone: (19) 3254-4529

Endereço: Rua Dr. Sampaio Peixoto, 368 Funciona de segunda à sexta-feira das 13h às 19h Telefone: (19) 3291-4426

D GUIMARÃES GALERIA DE

ARTE

Endereço: Rua Coronel Quirino, 1454

E ATELIÊ ABERTO Endereço: Rua Major Solon, 911 Funciona de segunda à sexta-feira das 14h às 19h Telefone: (19) 3251-7937

GALERIA QUADRANTE MUDA TODO SEU INTERIOR PARA RECEBER EXPOSIÇÕES

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GUANABARA

G BIBLIOTECA MUNICIPAL

AS OBRAS DA BIBLIOTECA PÚBLICA OCUPAM TODAS AS PAREDES INTERIORES

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I

QUADRANTE GALERIA

Endereço: Rua Américo Brasiliense, 163 Funciona de segunda à sexta-feira das 9h às 18h e aos sábados das 9h às 13h Telefone: (19) 3251-2288

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K URBAN ARTS Endereço: Rua Dr. Emílio Ribas, 608 Funciona de segunda à sexta-feira das 10:30 às 19h e aos sábados das 10:30 às 18h Telefone: (19) 3294-1922 ALTO CAMBUÍ

L INSTITUTO THOMAZ PERINA

FUNCIONANDO DESDE 1974, LIVRARIA PONTES RECEBE UMA NOVA EXPOSIÇÃO A CADA MÊS

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M ESTAÇÃO GUANABARA

RESTAURANTE

Endereço: Rua Frei Manoel da Ressurreição, 813 Funciona todos os dias das 11h às 15h e das 17h às 01h Telefone: (19) 3231-2072

N CASA DELL’ARTE Endereço: Rua Frei Antônio de Pádua, 1051 Telefone: (19) 3367-6608 42

LOJA CARIBO POSSUI ACERVO PERMANENTE DE ARTISTAS CAMPINEIROS

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UNICAMP

O SESC CAMPINAS

P ESTAÇÃO CULTURA

Endereço: Rua Dom José I, 270 Funciona de segunda à sexta-feira das 07h às 22h e aos sábados das 09:30 às 18h Telefone: (19) 3737-1500

Endereço: Rua Francisco Teodoro, 1050 Funciona de segunda à sexta das 6h às 18h Telefone: (19) 3705-8015

R SESI CAMPINAS Endereço: Av. das Amoreira, 450 Telefone: (19) 3272-5685

Q ATELIÊ ORÁCULO Endereço: Rua Sete de Setembro, 850 Funciona de segunda à sexta das 10h às 17h Telefone: (19) 2121-3327 V. INDUSTRIAL

T CASA DO LAGO

S GALERIA DE ARTES UNICAMP

Endereço: Rua Érico Veríssimo, 1011 Funciona todos os dias das 8:30h às 22h Telefone: (19) 3521-7701

Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda s/n Funciona de segunda à sexta das 9h às 17h Telefone: (19) 3521-7453

O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO MERCADO DE ARTE Apesar de poucas pessoas frequentarem as galerias de arte no Brasil, a Pesquisa Latitude 2014 constatou que em 2013 cerca de 90% dos locais que expõem e comercializam arte, tiveram aumento em suas vendas. A média anual de crescimento das galerias é de 27,5%; já os objetos mais adquiridos foram as pinturas, fotografias e as esculturas. Mas não é apenas os brasileiros que adquirem a arte do país. Foi apontado que 15% das vendas dos espaços é destinada ao público internacional. Países como Estados Unidos, Reino Unido, França e Suíça são os principais destinos. Além disso, a pesquisa caracterizou o mercado de arte brasileira como jovem, dinâmico e que ainda está em processo de expansão e internacionalização.

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Jequitibรกs

centenรกrio repaginado

TEXTO E FOTOGRAFIA POR KEYLA CAVALCANTE

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S

egundo a Secretaria de Serviços Públicos de Campinas, o Bosque dos Jequitibás passaria por um processo de revitalização que deveria ter começado em outubro, mas foi adiada para janeiro desse ano, em que a área verde completa 100 anos sob administração da Prefeitura. A Secretaria afirma que o projeto de revitalização tem como principal objetivo melhorar estrutura para o público. A estimativa é com as melhorias o Bosque atrai mais visitantes. A revitalização deve custar R$ 1,9 milhão aos cofres públicos e prevê a construção de uma praça de alimentação, a substituição de todo o alambrado e das calçadas internas e externas, construção de um banheiro próximo ao Teatro Infantil Carlito Maia e novas placas informativas. O presidente da Associação Amigos do Bosque de Jequitibás (AABJ), Alonso Lino de Farias, disse que cobra desde outubro o início da revitalização do parque, mas a Secretaria de Serviços Públicos alegou que o atraso na reconstrução da Caravela Anunciação (réplica da Caravela Anunciação na Lagoa do Taquaral) teria atrasado os planos para o Bosque. O Bosque também deve ganhar um Centro de Educação Ambiental. O prédio será construído em uma clareira, próximo ao recinto dos tucanos. A casa deve ter conceito ecológico, com mais madeira reaproveitada e pouco material de concreto. “A ideia é que os grupos escolares que recebemos tenham uma pequena palestra sobre o Bosque e conservação. Quando chove, as crianças também não têm local para se abrigar”, disse Farias. Dentro do programa estão previstos também a reativação do trenzinho turístico, reforma do setor veterinário, obras estruturais de autossuficiência hídrica, instalação de wi-fi, bebedouros novos, academia para a terceira idade, placas de sinalização e orientação para usuários. A professora Regina Oliveira, faz caminhada pelo Bosque durante os fins de semana, e conta que desde que se mudou para Campinas, há 4 anos, ouve falar da reforma do Bosque, mas que nada acontece, “É um lugar lindo aqui, ainda vem muita gente, famílias, crianças, mas tá muito 48

abandonado pela prefeitura, é uma pena”. O andamento das obras está na sua 16º semana de trabalho, e até agora só iniciou-se a construção do local para estudos ambientais e os banheiros. Outra reclamação muito frequente da Associação e dos visitantes é em relação a quantidade de animais. O cabelereiro Samuel Pereira, 29 anos, frequenta o bosque desde seus 11 anos, e conta que sente falta de mais diversidades de espécies. A revitalização inclui ainda o manejo florestal da vegetação. Serão feitos aceiros, retirada de árvores mortas que oferecem risco, plantio de espécies nativas, retiradas de espécies ornamentais invasoras plantadas, e exóticas. As obras serão executadas durante todo o ano de 2015, com previsão de término até o final do ano.

BOSQUE DOS JEQUITIBÁS

AQUÁRIO MUNICIPAL Fundado em 1992, pelo biólogo Flávio Jorge Abrão, no Aquário Municipal os visitantes encontram aproximadamente 200 espécies de animais vivos, dentre elas anêmonas, cipréia, caranguejo aranha, camarão palhaço, escorpião, aranha caranguejeira, estrela do mar, cavalo marinho, tubarão lixa, moreia, peixe leão, baiacu, oscar, neon, axolotle,

tartaruga de ouvido vermelho, coral, jibóia e cascavel. Segundo a Secretaria de Esporte e Lazer, o Aquário Municipal é um espaço de lazer, mas também didático, tornou-se uma escola que atende aproximadamente 8 mil alunos, professores e educadores por ano. A Secretaria estima que o Aquário recebe anualmente 100 mil visitantes.

TEATRO INFANTIL ‘CARLOS MAIA’ (‘CARLITO MAIA’) Projetado para atender a demanda do público infantil, o Teatro Infantil “Carlos Maia” (“Carlito Maia”) tem capacidade para 160 pessoas. O palco em estilo italiano permite que a plateia tenha uma visão completa do espetáculo.

Com 100 anos sob administração da Prefeitura Municipal de Campinas, o Bosque dos Jequitibás receber aproximadamente 1 milhão de pessoas por ano, é o que estima o Departamento de Parques e Jardins (DPJ), que administra os bosques em Campinas. Considerando que Campinas possui uma população estimada em 1.154.617 pessoas, segundo dados do IBGE 2014, isso equivale a menos de duas pessoas por dia. Segundo a Secretaria de Esporte e Lazer de Campinas que administra também as Atrações Naturais, o Bosque recebe em média 15 mil estudantes de excursões por mês. Atualmente o Bosque possui 10 hectares de reserva florestal nativa, com 400 espécies de plantas cadastradas e um zoológico com 302 espécies de aves, répteis e mamíferos (como leões, tigres, lobo-guará, cachorro-vinagre, arara-azul, suricatas, hipopótamo, pantera, onça pintada, entre outros), uma pista de corrida, trenzinho, quiosques e lanchonetes. Dentro do Bosque dos Jequitibás também funciona o Museu de História Natural, o Aquário Municipal e o Teatro Carlos Maia (especializado em teatro infantil). 49


Placa informando a revitalização

MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL Inaugurado em 20 de maio de 1939, o Museu tem como finalidade difundir conhecimentos sobre a fauna e flora, promovendo sua conservação e desenvolvendo programas de Educação Ambiental e Biologia para crianças, professores e público em geral. Segundo a Secretaria de Cultura de Campinas, o Museu de História Natural recebe anualmente cerca de 100 mil visitantes. O Museu possui

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cerca de 2 mil peças representantes dos ecossistemas brasileiros da Mata Atlântica, da floresta Amazônica, do Cerrado, do Pantanal Matogrossense e litoral paulista, incluindo mamíferos, aves, répteis, peixes, insetos e outros invertebrados e, oferecendo, em exposição aberta ao público, mais do que 300 destas espécies. O museu também inclui em exposição uma diversidade de animais, botânica, Teratogênese, Taxidermia, fósseis e minerais.

Animais

do museu

SERVIÇO: De terça-feira a domingo e feriados: Das 9h00 às 12h00 e das 13h00 às 17h30.R$2,00 (dá direito a visitar o Museu, o Aquário). Gratuidade de ingresso para pessoas a partir de 60 anos e crianças até 6 anos. Grupos de escolas públicas podem solicitar gratuidade mediante apresentação, na bilheteria, no dia da visita, de ofício em papel timbrado da escola.

entro do d o i r á u aq tibás Peixes do osque dos Jequi B

Zoológico do Bosque!

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O velho Bosque dos Guarantãs Com 59 anos de existência o Bosque ainda passa por melhorias. Um espaço de lazer em Campinas que mesmo com seus problemas de estrutura, tem grande importância para quem mora próximo do espaço. TEXTO E FOTOGRAFIA POR JÉSSICA NESPOLI

Uma das árvores Guarantã espalhada pelo bosque. Seu tamanho médio é de 15m. Essa árvore fica localizada em uma das 2 entradas do bosque.

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G

uarantã é o nome de uma planta brasileira nativa na Mata Atlântica. Quando jovem, para a sua sobrevivência, ela fica escondida no meio de outras plantas porque se ficar exposta ao sol pode morrer. Quando cresce, sua madeira serve para a construção de postes, vigas de pontes, construção naval, tábuas e tacos. O Bosque dos Guarantãs é semelhante a essa planta, não só por causa do nome, mas por estar escondido entre os outros pontos turísticos da cidade de Campinas e possuir uma área de 87.000m2 ainda pouco explorada e conhecida. “O parque possui um lago, com queda d’água, quadras poliesportivas, campo de futebol e pista de cooper. Também tem uma área destinada a piquenique, com

churrasqueiras, e playground, além de toda a infraestrutura necessária, como sanitários e segurança”, essa é a definição da prefeitura para um antigo conhecido dos moradores do bairro Jardim Nova Europa, o Bosque dos Guarantãs, que existe desde a fundação do bairro, em 1956. Um velho conhecido que já teve muitas histórias para serem contadas pelos seus frequentadores, mas hoje é um simples local procurado por quem gosta de bater uma bolinha no final de semana, ou para uma caminhada. O Guarantãs ainda não é destaque entre os outros 19 pasques que existem na cidade de Campinas. Um dos parques mais conhecidos na cidade é a Lagoa do Taquaral, com 165.830 m2 , segundo a Prefeitura de Campinas tem capacidade para receber 2.000 pessoas por dia , e possui uma grande procura para a realização de eventos no parque como shows, festas beneficentes. O outro

bosque mais conhecido é o Bosque dos Jequitibás, localizado próximo do centro, tem uma área total de 1 milhão de m2 e segundo a prefeitura por ano recebe cerca de 1 milhão de visitantes. O Guarantãs pode não ter uma área tão atrativa como a Lagoa do Taquaral e nem os animais silvestres como no Bosque dos Jequitibás, mas garante o lazer principalmente para quem esta próxima da região. Perminio Monteiro é o presidente da Associação do Bairro (SAB) e luta pela melhoria da sua comunidade desde novembro de 1999. Sua última conquista para o Bosque dos Guarantãs foi em abril deste ano com a instalação da academia para a maioridade da Prefeitura, que virou a nova grande atração do bairro. João Lázaro Cabral há mais de 50 anos mora no bairro e se orgulha em dizer que usufrui do bosque até hoje, “gosto de fazer caminhadas, mesmo depois de

tantos anos continuo indo ao bosque todos os dias.” Cabral gostou da iniciativa da Associação de colocar a academia no bosque. “Agora além de caminhar pela manhã, também posso fazer uma musculação”, afirma sorridente.

MUDANÇAS Mas nem todos pensam como esse senhor. Em maio de 2012 um grande problema do bosque veio à tona, quando uma mulher de 49 anos foi estuprada enquanto fazia caminhada no local. O fato assustou os moradores na época, e começou a cobrança de melhorias no Guarantãs, que já não estava em boas condições. “Mesmo sempre freqüentando o bosque, ele ficou um período bem descuidado, e muitos usuários de drogas frequentavam o local a noite”, conta João Cabral. Vera Martins é moradora e tem uma loja de roupas no Bairro Jardim

Nova América, e conta que frequentou por muitos anos o bosque. “Eu ia quando era limpo e iluminado hoje não vou mais porque é muito escuro, sujo e está sem cuidados.” Algumas cobranças na Prefeitura começaram a dar resultado. Houve reformas no bosque, melhorias no lago, limpeza, instalação de iluminação, segurança da Prefeitura para abrir e fechar o bosque, colocação de alguns animais no lago. Sobre a realização de eventos, ampliação nas reformas e outras melhorias, o departamento de Parques e Jardins, bem como o de Cultura e de Esporte da Prefeitura, informaram que o fluxo de pessoas no bosque não é tão grande por estar afastado do centro. E como não existe procura para a realização de eventos, o Guarantãs ainda não é prioridade no orçamento do município. Segundo a Associação do Bairro (SAB), os pedidos dos moradores são

DEPOIMENTOS

O FUTURO DO BOSQUE Como presidente da Associação, Perminio esta na luta para deixar o bosque em boas condições. “Estamos contruindo mais 2 quadras de vôlei de areia. O bosque tem muitos lugares para lazer”, garante o presidente que também tem como plano para o futuro a construção de uma concha acústica no bosque. Outro plano para o próximo ano é incluir o bosque no passeio turístico do hotel Royal Palm Plaza, que fica localizado próximo ao local. O passeio inclui um historiador para contar a história do bosque para os turistas. “O Guarantãs estava abandonada, não tinha quadra, as ruas ao redor do bosque estavam esburacadas. Conseguimos fazer um abaixo assinado para melhoria do bosque há 2 anos. Conseguimos melhorar as ruas, a prefeitura também limpou as pichações e os usuários de drogas não freqüentam mais o lugar”, tudo isso fruto do trabalho em conjunto com a Associação do Bairro (SAB). 54

constantes como, falta de instalação de quadras de areia que estão em construção há 1 ano mas não foram terminadas, melhorias na iluminação pois a instalada pela Prefeitura não são suficientes para iluminar toda a área do bosque. Outra cobrança dos moradorews é a colocação de mais segurança no Bosque, pois o único período em que o guarda fica na região é somente no período em que o lugar permanece fechado (das 20h as 6h do dia seguinte). Além da colocação de mais animais como aves, porém eles exigem também o tratamento de todos os animais, visto que eles não tem tratamento com medicação, alimentação frequente, vacinas, tratamento contra carrapatos. A SAB faz a cobrança da Prefeitura há 3 anos sobre essas reclamações, mas não existe prazo para atender a todos os pedidos destes moradores.

Gelcira Pereira, 45 anos, dona de casa. “Era um lugar muito limpo. Muitas pessoas faziam piquenique, caminhada, era um lugar muito limpo. Tinha patos, gansos e capivaras. Está muito diferente, eu sinto falta do bosque como era antes.”

Lagoa do bosque em 2015 depois de limpezas feitas no local. Abaixo foto de 1995 da mesma área

As pichações são constantes no local, mesmo com limpeza

Os brinquedos novos fazem parte das melhorias exigidas que ocorreram a partir de 2012

Ana Carolina Turcatti, 30 anos, empresária. “Frequentei muito esse bosque, mas por abandono do local, eu e minha família paramos de o frequentar. Hoje, apesar de melhor, ainda está longe do suficiente para uma boa área de lazer pública.” 55


Tinha um verde no meio do caminho A MATA DE SANTA GENEBRA É A SEGUNDA MAIOR FLORESTA URBANA DO BRASIL, E APESAR DE GRANDIOSIDADE, PASSA DESPERCEBIDA AOS OLHOS DA VIZINHA, RODOVIA DOM PEDRO

TEXTO E FOTOGRAFIA POR GABRIELA TROIAN

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BIODIVERSIDADE A Mata de Santa Genebra possui características de dois biomas brasileiros, Cerrado e Mata Atlântica.

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uem dirige pela rodovia Dom Pedro, uma das principais estradas que cortam a cidade de Campinas (SP), nem imagina que do outro lado da pista, literalmente, existe uma mata. Apesar de um certo desconhecimento por parte do município, a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Mata de Santa Genebra é a segunda maior floresta urbana do Brasil, atrás apenas da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, reconhecida como a maior do mundo. Com cerca de duzentos e cinquenta hectares, aproximadamente três mil e setecentos a menos que a Tijuca, a Mata de Santa Genebra fica localizada no Distrito de Barão Geraldo, e é caraterizada não apenas pela preservação, mas por ser uma área de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado. De acordo com um levantamento feito pelo Instituto de Ciências Biológicas da Unicamp com auxílio da Embrapa, dos 98 remanescentes florestais de Campinas, ou seja, áreas de preservação da cidade, a MSG é a maior deles. Por ser uma “mistura” de dois biomas, a floresta possui algumas características bem demarcadas. As árvores altas e semi-dessíduas, que durante a seca perdem as folhas, representam a Mata Atlântica. Já o Cerrado é caracterizado pela falta de água e pelos solos mais ácidos, como explica o biólogo Lucas Coutinho Magnin. “O amendoim-bravo e o ipê-felpudo são 58

espécies com características de Cerrado e possuem a casca grossa, bem tortuosas e tem mais resistência ao fogo. Estes exemplos de plantas mostram a diversidade que a mata apresenta”, afirma. Apesar das interferências urbanas, a mata também apresenta diversidade animal. Segundo o biólogo, espécies como a onça-parda, lontra, macaco-prego e cachorro-do-mato, mesmo que não sejam vistas com certa frequência, são moradores da mata.O espaço também é dividido com mais outras 357 espécies de aves e de 700 de borboletas catalogadas, além de outras espécies de répteis e mamíferos.

“O CERRADO É CARACTERIZADO PELA FALTA DE ÁGUA E SOLOS MAIS ÁCIDOS” Lucas Magnin A floresta possui três trilhas – a Central, Barone I e Barone II – sendo que as duas últimas são destinadas apenas a pesquisas científicas e não são abertas ao público como forma de conservação do local. A trilha Central possui cinco quilômetros de extensão demarcadas por um denso clima de mata fechada. Pelo percurso, trepadeiras e cipós tomam conta das árvores, que dá a impressão de que a floresta é um imenso túnel. Apesar do calor, típico de uma

DETALHES - De acordo com o biólogo Lucas Magnin, cascas tortuosas são resistentes a falta de água e ao fogo, Árvores com estas características representam o cerrado.

mata, o trajeto pode ser realizado sem grandes esforços. Segundo a diretora Departamento Técnico Científico da Mata de Santa Genebra, Cynira Any Gabriel, qualquer pessoa, sem restrições de idade pode visitar a trilha. “A única coisa que orientamos é de que todos os participantes estejam de calças compridas e sapato fechado. Para maior segurança, oferecemos perneiras (proteção de couro que cobre do peito do pé até o joelho) aos visitantes para evitar acidentes com serpentes”. A visitação Central pode ser feita sempre no último domingo de cada mês, a partir das nove horas da manhã e a entrada é franca.

RODOVIA DOM PEDRO I ou SP-065 liga

passar por nenhum município da Região Metropolitana de São Paulo. o Vale do Paraíba a Região A inauguração oficial foi em Metropolitana de Campinas 1972, e como neste ano o País A Rodovia Dom Pedro I (SP-065) comemorava o Sesquicentenário começou a ser planejada desde da Independência, a rodovia foi 1960, mas as obras apenas batizada como Dom Pedro I. se iniciaram no ano de 1968 e Com 145,5 km de extensão, a concluída quatro anos mais tarde. rodovia garante a ligação entre O trajeto foi estudado para fazer o Vale do Paraíba e a Região a ligação mais curta entre as Metropolitana de Campinas. rodovias Anhanguera e Dutra sem O traçado tem início em Jacareí,

na interseção com a rodovia Carvalho Pinto (SP-070); e segue até Campinas, no entroncamento com a Anhanguera. Junto a Via Anhanguera e o sistema Dutra-Carvalho Pinto, faz a ligação de todo o fluxo de veículos entre o interior paulista e o litoral norte do estado e Rio de Janeiro. Cruza também com a rodovia Fernão Dias, fazendo o fluxo do interior do país com Belo Horizonte. 59


Cynira Gabriel conta que a história da mata começou em 1981, quando a falecida proprietária da Fazenda de Santa Genebra doou a “sombra da mata” para a Prefeitura de Campinas. “Apesar da doação a família impôs uma condição: a floresta pertence a prefeitura apenas enquanto ela estiver preservada. Caso o local seja devastada por qualquer motivo as terras voltarão a pertencer a família de Jandira Pamplona de Oliveira”. Esta condicional, motivou a Prefeitura a criar o órgão Fundação José Pedro de Oliveira, nome do falecido esposo de Jandira, que administra a mata desde que ela foi doada há quase trinta e cinco anos. Em 2010, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) desenvolveu um plano de manejo com o intuito de estabelecer metas de preservação. Mesmo com os esforços em preservá-la, alguns fatores ameaçam a existência da Mata de Santa Genebra. Embora esteja inserida em um contexto urbano, os principais vizinhos são as plantações de monocultura, como a cana-de-açúcar. “Com a queima da cana, o risco de a mata ser tomada pelo fogo ainda é grande. Ao lado da área é possível ver aceiros, ou seja, faixas de terra sem nenhuma plantação, mas a largura mínima de trinta metros não é respeitada”, alerta Lucas Magnin. Para conter esta ameaça, a diretora da Mata de Santa Genebra conta que a própria mata possui uma Brigada de Incêndio, e o apoio do Corpo de Bombeiros e da Usina Iracema. Outro problema que afeta a biodiversidade do local, muito mais do que as plantações próximas à área, é a entrada de animais domésticos, como cachorros, gatos e coelhos. Estes competem com os nativos e podem provocar a extinção das espécies silvestres. Lucas Magnin cita o veado e a paca, que já foram extintos em função da presença dos 60

PROXIMIDADE - Rodovia Dom Pedro encontra-se no limite permitido. A unidade de conservação está ao lado do trecho de Campinas. (Foto: Reprodução / Google Maps)

ÁRVORES ALTAS E SEMIDESSÍDUAS SÃO CARACTERÍSTICAS DO BIOMA MATA ATLÂNTICA DISTÂNCIA MÍNIMA PARA CONSTRUÇÕES AO LADO DA MATA É DE 300 METROS TRILHA CENTRAL, ÚNICA DISPONÍVEL PARA VISITAS, POSSUI 5 KM DE EXTENSÃO

MAIS DE 700 BORBOLETAS FORAM CATALOGADAS NA MATA DE SANTA GENEBRA

animais domésticos. Contudo, a engenheira ambiental Sarah Speers ressalta que o maior problema da Mata de Santa Genebra é o fato de ela estar inserida dentro de uma metrópole. “O crescimento urbano é a principal ameaça a mata. É óbvio que não é mais possível controlar o fluxo de carros que circulam na Rodovia Dom Pedro, mas próximo a mata existem muitas construções que prejudicam a biodiversidade e crescimento. O ideal é que houvesse um controle maior sobre as construções”, alerta a engenheira ambiental. Com base na análise “Estudo químico e físico do solo da Mata de Santa Genebra” a engenheira conclui que Campinas ainda não dá a devida importância ao local. “Mesmo sendo a segunda maior floresta urbana do País, o município não valoriza a mata devido a sua importância ambiental. Alguns projetos acadêmicos são desenvolvidos no local, mas ainda falta um programa de inventivo a preservação. Se o valor dela fosse reconhecido realmente, provavelmente a Rodovia Dom Pedro não seria sua vizinha”, completa. Como resposta, a Prefeitura de Campinas afirma que apesar da proximidade com a rodovia, há uma Zona de Amortecimento, uma área de contenção de possíveis danos externos a área de conservação. No caso da Mata de Santa Genebra, a distância mínima é de trezentos metros. Ainda de acordo com a Prefeitura, desde a criação da Fundação José Pedro de Oliveira nenhuma notificação de descumprimento foi recebida. Apesar da falta de notificações, a Prefeitura responsabiliza o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) pela fiscalização de possíveis áreas de risco a Mata de Santa Genebra. 61


Igualdade nas diferenças

O CENTRO DE REFERÊNCIA LGBT DE CAMPINAS FOI O PRIMEIRO A SER FUNDADO NO PAÍS E HOJE É UM SERVIÇO PÚBLICO DE EXTREMA IMPORTÂNCIA E ASSISTÊNCIA PARA A POPULAÇÃO

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FOTO: GETTY IMAGES A placa exige direitos para comunidade de transexuais (“Direitos trans agora”)

POR CIRO OLIVEIRA / FOTOGRAFIA GETTY IMAGES

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arbara pegou um celular com uma capinha e me perguntou o que se enxergava. LogO a resposta foi a parte de trás do aparelho junto da logomarca do celular, que era o que estava aparecendo para mim. Em seguida rebateu, dizendo que eu estava errado, pois ela estava enxergando uma tela preta, condizendo com o lado do celular que estava vendo. Logo se cria uma discussão sobre quem está certo e, consequentemente, quem está errado. Para ela, o problema só pode ser resolvido quando tentamos exercitar o ponto de vista do outro, pelo ângulo dele e não pelo nosso (conceito de empatia tirado do psicodrama, linha que Barbara segue), fugindo do egocentrismo. Ela defende que no momento em que procuramos entender a realidade do outro pelas determinações e circunstâncias do outro é que é possível se libertar de alguns preconceitos. A pequena aula da psicóloga Barbara Dalcanale Meneses, 39 anos, reflete a missão do Centro de Referência para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros de Campinas (CR LGBT), no qual trabalha desde sua fundação em 2003. O local tem como linha condutora atender às demandas dessa população, os casos de descriminação e preconceito e trabalhar com a inclusão delas na rede para que haja respeito à diversidade sexual. E completa, no dia 31 de julho, 12 anos de assistência a essa população. O CR de Campinas foi o primeiro 64

a ser fundado no Brasil e é um serviço. Surgiu como demanda social dentro de um programa de governo, o orçamento participativo, em que a população vai para dentro do âmbito administrativo para discutir suas prioridades. Mas também possui os problemas de um órgão público como o número deficiente de funcionários, hoje são apenas duas técnicas para atender às necessidades da população LGBT: Valdirene Santos, 45 anos, com a coordenadoria e assistência social e Barbara Meneses, com o apoio psicológico. Sua fachada permanece sem sinalização para evitar pichações e depredações do patrimônio e para garantir o sigilo de informações e de identidade, tanto das famílias como das pessoas queprocuram o CR.

O ATENDIMENTO

resistência muito grande em dar conta dessa demanda da diversidade sexual e de gênero. “Tenho ido muito a escolas infantis para desconstruir conceitos préestabelecidos de rosa e azul, regras fixas sobre o que é ser homem e o que é ser mulher”, conta Barbara sobre quando é indagada por que meninos querem brincar de boneca, meninas jogarem futebol e usarem banheiros diferentes. O CR também trabalha com a capacitação desses funcionários. Quando recebem uma denúncia pela primeira vez vão ao local para tentar estabelecer um diálogo e uma possível sensibilização. “As escolas municipais vão ter que respeitar a identidade de gênero e o nome social de seus alunos. A escola é um dos espaços mais importantes de socialização”, diz Valdirene sobre o decreto que garante a travestis e transexuais o direito de usar o seu nome social, o nome que escolheram que condiz com a sua identidade de gênero, diferente do de registro. Porém, não é qualquer problema que pode ser resolvido por meio do Centro de Referência LGBT, o que vem sendo uma questão recorrente. O CR atende as demandas relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero e não qualquer problema que essa população tenha como o recâmbio (quando quer voltar ao seu município) e renda mínima, que devem ser resolvidos em outros órgãos da esfera pública que atendem a toda população, inclusive a LGBT.

O atendimento se da de forma pontual, isto é, a pessoa que procura ajuda do Centro define com quem deseja conversar, se com a assistente social ou com a psicóloga. O apoio psicológico possui duas frentes: uma é o atendimento à população LGBT e seus familiares, “pois não é nenhum processo fácil para a pessoa se perceber LGBT e para as famílias também, pois há expectativas para seus filhos e quando isso não sai como esperado criase uma angústia, um sofrimento”; e a outra vertente é a realização de palestras (“Entendendo a diversidade sexual”), oficinas e bate papo em qualquer tipo DENÚNCIAS de lugar ou com público para discutir a questão da diversidade sexual. Valdirene diz que “diante de um Barbara diz que o ambiente mais cenário assumidamente homofóbico, difícil para uma discussão é na escola, a procura aumentou bastante, pois as com os professores, por existir uma pessoas estão mais cientes de seus

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direitos e do desrespeito aos seus direitos e procuram cada vez mais esses serviços”, explicando as 244 denúncias feitas no ano de 2014 (até o último levantamento, no mês de outubro), número superior a todos os anos desde sua fundação. Segundo o 2º Relatório de Violência Homofóbica no Brasil, em 2012 foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. A maioria dos casos acontece em ambiente familiar ou na rua. O Estado de São Paulo ficou com 409 denuncias referentes a 817 violações relacionadas à população LGBT, um aumento significativo de mais de 100% em relação ao ano anterior. Com casos de expulsão de casa, pais e mães que não consideram mais os filhos por sua orientação sexual ou identidade

aponta durante a entrevista os principais avanços, retrocessos e estagnações do âmbito jurídico no país. “Aos olhos da constituição, nós ainda somos invisíveis” diz o advogado Tacilio, 29 anos, sobre a legislação no Brasil para a população LGBT. A comissão foi criada em 2012 e hoje possui um grupo de sete pessoas, sendo um psicólogo e o restante, advogados. A comissão possui discussões internas e, por estarem perto de demandas sociais, se aproximam de outros órgãos para captar demandas. Recentemente, o CR perdeu sua assessoria jurídica e hoje já não atua mais na área. Por isso quando alguém chega procurando a área jurídica para entrar com um processo, a assistente social ouve, analisa o caso e encaminha para outras instancias que possam ajudar, como a Comissão de Tacilio.

jurisdição nacional, do contrário não há como estender as ações”. Uma única saída para quem sofre ou sofreu de homofobia no Estado de São Paulo é a lei estadual 10948, de 2001, que atua somente sob âmbito estadual e pune atos de homofobia no ambiente administrativo, como consta no Artigo nº1 da lei: Será punida, nos termos desta lei, toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero.

SOCIEDADE OPRESSORA “Eu chamo a família tradicional de Doriana, aquela coisa linda de papai e mamãe que sentam para tomar café da manhã juntos, todos sorrindo e felizes” me conta Barbara Meneses, mostrando que o conceito de família hoje é muito mais amplo do que esse. Há famílias

“As escolas municipais vão ter que respeitar a identidade de gênero e o nome social de seus alunos” Valdirene Santos de gênero, estupro, assassinatos, agressões físicas e verbais, a assistente social diz que “quando a gente imagina que nada mais nos surpreende, acontece uma ou outra coisa”. Sobre as possíveis patologias que podem ser desenvolvidas como consequência do preconceito e discriminação, a psicóloga enumerou algumas: depressão, síndrome do pânico, suicídio e tentativas de suicídio, transtornos alimentares, dificuldade de socialização, autoestima deteriorada e evasão escolar.

AOS OLHOS DA CONSTITUIÇÃO

FOTO: GETTY IMAGES A luta pelo respeito e igualdade ainda permeia a vida da população 66 LGFBT

Dividindo seu tempo entre professor de Direito Constitucional na Universidade Santa Lúcia em Mogi Mirim e coordenador da Comissão de Diversidade Sexual e Combate à Homofobia de Campinas, Tacilio Silva

Sem nenhuma lei de alcance federal que ampare os direitos dessa população, o coordenador acredita em uma “omissão legislativa” e um “congresso reacionário”, que antes não legislava sobre o assunto por desconhecimento e hoje reage em movimento contrário à causa. Acabam tendo de agir com base em leis que não nasceram para a temática, mas que se adaptam aos casos. Por isso, essa população procura pelo âmbito judicial para usufruir seus direitos, como converter as uniões homoafetivas já existentes em casamento com registro civil e o uso do nome social. Para o advogado responsável pela comissão há um problema nessas ações: “O problema é que esses direitos não são assegurados pela Constituição e isso faz com que se uma ação judicial é dada como ganha, tal vale somente para as partes envolvidas e não de maneira geral, exceto quando parte do Supremo ou de um tribunal com

monoparentais (mãe ou pai que criam seus filhos sozinhos), avôs e avós que criam netos como filhos, duas mães ou dois pais, crianças que estão em abrigos e, no caso das travestis, ela conta que é comum elas adotarem a casa em que estão com as outras travestis e com as donas da pensão como família, pois perderam o vínculo familiar primário há muitos anos e desconhecem o paradeiro de parentes. Para Valdirene, “o Estatuto da Família é um dos grandes absurdos e desserviços da humanidade e para a humanidade”. Barbara conta, com precisão em datas (8 de março, dia da mulher) e memória marcada, de uma situação que passou com uma das transexuais que a acompanha em palestras. Quando perguntada sobre o que Deus pensava dela, a transexual respondeu: “Olha, eu acho que deus me colocou no mundo para ensinar os verdadeiros cristãos a se 67


TERMOS QUE CAUSAM CONFUSÃO Homossexualidade e homossexualismo: o termo adequado é o com o sufixo “dade”, pois o “ismo” remete a doença Opção e orientação sexual: a maneira correta de se referir a sexualidade de alguém com o termo orientação sexual, pois não há opção quando falamos de desejo sexual. Homotransfobia: homofobia não contempla transexuais e travestis, somente a discriminação de gays e lésbicas. Uso de artigos com transexuais e travestis: a travesti (nasceu no sexo biológico masculino, mas possui uma identidade feminina predominante); a mulher transexual (nasceu como homem, mas possui uma cabeça feminina); o homem transexual (nasceu como mulher, mas possui a cabeça masculina).

CARTAS NA MESA Quando perguntados quem gostaria de começar com o depoimento, Morgana Pereira logo dispara “Lady’s first”, e começa a me contar de sua vida. Aos 51 anos é artesã e taróloga, quase uma figura mística. Antes do começo da entrevista havia um grupo, que se reúne toda sexta-feira, discutindo assuntos como religião e estado patriarcal. Moragana logo desvia de paradigmas e dispara: sou adepta da bruxaria. Já é reconhecida como a tagarela do grupo e logo no início um rapaz me pergunta “tem bastante memória no seu celular?” preocupado que o espaço não seja suficiente para as palavras da taróloga. Filha de suas circunstâncias, Morgana teve de viver por meios alternativos desde seu recomeço. Já sem uma exatidão, seu último emprego, em uma lavanderia foi em 2012, acredita ela, depois de quase 4 anos de procura. No fim ela saiu por volta do mês de fevereiro e a empresa faliu em abril, “quase uma premonição” me conta Morgana. Hoje vive como artesã e taróloga, pois se percebeu com tais habilidades e foram os meio que acabaram chegando até ela. “Foi uma escolha no sentido que eu não tinha para onde ir” sobre sua atual condição. A 68

taróloga é espelho de uma realidade brutal para transexuais e travestis, que ao vencer a luta interna sobre a identidade de gênero e ainda com feridas expostas precisam enfrentar a luta externa. No CR há um caso de transexual que trabalhou durante 11 anos em uma empresa e ao explicar sobre sua transexualidade foi mandada embora, pois a empresa se preocupava com a utilização do banheiro, uma vez que “não sabiam se ela se prostituía”. Veio para CR há 11 anos, logo após o início do trabalho. É mais usuária da assistência psicológica, por mais que outras vezes tenha precisado da assistência social. No “recomeço”, como gosta de chamar sua empreitada, se apresentou com muitas dúvidas sobre ser uma travesti ou uma transexual até desenterrar sua real identidade de gênero. Por via do CR, começou a militância na comunidade LGBT, particularmente no grupo “Identidade” de Campinas. O que a maioria dos jovens tem de vida, Morgana tem de luta pela causa, são quase 27 anos. Sobre a relação com a “Ba”, Morgana me explica que ao longo dos anos a relação paciente e psicóloga tornou-se mais afetuosa, indo além do âmbito profissional, o que justifica o apelido carinhoso. “Tal afeto ajudou na reconstrução do ser, minha enquanto pessoa, descobrir os passos

necessários para fazer essa reconstrução”, e de lá pra cá vem sendo uma caminhada que não sabe quando irá acabar se irá acabar.

A GENTE VAI LEVANDO Atrasado para sua consulta às 16:30, Thiago chegou para o atendimento com Barbara em cima da hora. Após uns 30 minutos de consulta, ele se junta a nós na sala para a conversa que tive com a psicóloga, Morgana e alguns estagiários de psicologia que estavam lá. No crachá da empresa na qual trabalha ainda permanece “Jéssica”, nome de registro que utilizava quando começou a trabalhar como cobrador de ônibus, por questões burocráticas que ainda precisam ser enfrentadas (há transexuais que ao optarem por usar o nome social, enfrentam problemas legislativos, como a acusação de falsidade ideológica), mas nos corredores todos o chamam de Thiago, usa uniforme e banheiro masculino. Mas o assunto não o estressa e deixa o crachá na bolsa, quase como uma metáfora ao seu recomeço. Não há problema algum ao falar sobre sua transição, mas é como se a Jéssica ficasse guardada na sua Bolsa e Thiago pudesse existir independentemente da vontade alheia. O contato com o CR foi um pouco diferente do de Morgana, e mais recente também. Possuía um convênio com a empresa que trabalhava e havia procurado uma psicóloga para esclarecer suas dúvidas. Já dispara que “a psicóloga não sabia nada de nada” em relação à identidade de gênero. Foi ao Centro de Referência para levar um amigo dele e foi aí que conheceu a “Ba” (logo todos estaremos a chamando assim) e me garante não viver mais sem ela, indo contra tudo o que pensava sobre terapia. Na cabeça dele a sessão era uma coisa maçante e uma incessante indagação sobre o que o paciente pensava sobre tudo aquilo que falava. Thiago também já desmitifica quem pense que sua vida gira somente em torno da sua transexualidade, me contanto que vai para a terapia para conversar sobre diversos assuntos do seu cotidiano e do de qualquer um, como trabalho, relacionamentos, angústias, anseios, de certa forma, o que tira o sono de todos nós e mesmo assim a gente vai levando. 69


Das plumas e paetês, sobraram apenas cinzas: Campinas não tem mais a única escola gay da América Latina. Saiba como e porquê isso aconteceu.

Do colorido ao PRETO E BRANCO 70

POR FERNANDA LAGOEIRO / FOTOGRAFIA DECO RIBEIRO

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U

m projeto educacional único e inclusivo, pioneiro na América Latina, teve de trocar Campinas por São Paulo. Depois de três anos na cidade, a Escola Jovem LGBT vai reabrir na capital com projeto reformulado ainda neste ano, de acordo com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Você provavelmente deve se perguntar: “Tinha uma escola gay em Campinas?” Sim. O projeto aconteceu de 2010 a 2013, como parte do Programa Pontos de Cultura do Governo Federal em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo – não tinha auxílio direto da Prefeitura de Campinas, mas a mesma colaborava cedendo espaços públicos e equipamentos para o grupo, para realização de apresentações e atividades. A escola era destinada a jovens homossexuais (apesar de aberta para heterossexuais também), e tinha quatro módulos de cursos profissionalizantes: Expressão Gráfica (com ênfase em Revistas), Expressão Cênica (Webvídeos, Teatro e Cinema), Expressão Artística (Dança e Música) e Performance Drag Queen. Deco Ribeiro, de 34 anos, ex-diretor geral e professor de Cinema da escola LGBT, conta que a ideia do projeto era antiga, e, após ser formulada com uma amiga (ambos são de Campinas), os dois resolveram aceitar o desafio e tentar colocar em prática. “Um projeto de uma escola gay com aula de Performance Drag Queen? Jurava que nunca iam aprovar! Mas acabou que a resposta foi positiva”, diz. Quando foi aberta a escola, em março de 2010, as opiniões a respeito foram diversas: havia quem gostasse da ideia, e havia também quem achasse que atitudes como essa ampliam ainda mais o preconceito. Mas, além de oferecer formação profissional, o intuito era que o projeto funcionasse mais de maneira social, e promovesse a integração entre os alunos, oferecendo a chance de conhecerem pessoas com as quais pudessem se identificar. “A gente buscava mais uma inserção social dos participantes, uma maior aceitação da própria sexualidade, e defesa contra a homofobia. Nesse sentido, foi um sucesso!”, conta Deco. Um exemplo disso é Vandinei da Silva, de 29 anos. “Cheguei sem nada. Sem lenço e sem documento mesmo!”, relembra. O vendedor ambulante de café da manhã veio de Cuiabá (MT) para Campinas apenas para estudar na Escola Jovem. Depois de passar por muitos problemas pessoais na cidade natal, viu na internet sobre a abertura da escola gay e logo começou a “se planejar” para vir. “Por que não Campinas? É uma 72

“FOI SÓ COM A ESCOLA QUE FIZ AMIZADES E ME ACEITEI REALMENTE COMO HOMOSSEXUAL. ”VANDINEI DA SILVA

cidade grande, deve ter mais oportunidades pro meu futuro”, conta. Mas as coisas nem sempre são fáceis, e Vandinei acabou pagando um preço pela decisão: ficou quase um ano sem ter onde morar, dependendo de um abrigo no centro da cidade. Mas diz não se arrepender nem um pouco: “Foi só com a escola que fiz amizades e me aceitei realmente como homossexual. E hoje em dia eu digo com segurança: Sou um LGBT”. Após isso, passou a acreditar mais em si mesmo e não sofreu mais agressões físicas e verbais. A vida também se ajeitou: permaneceu em Campinas, arrumou emprego, alugou apartamento e “encontrou Jesus” como gosta de dizer, numa igreja gay da cidade. Além do curso profissional de Expressão Gráfica, que fez na escola, se formou comissário de bordo, e pretende investir na carreira. Assim como Vandinei, Juliana Caballero também sofria preconceito e sentia dificuldades. Foi na Escola LGBT que também se aceitou homossexual, melhorou

a relação com a família e que, segundo ela, descobriu o que era ser livre. “No dia a dia, eu tinha que fingir ser alguém que eu não era, mas quando chegava na escola, não precisava de nada disso. Lá, a única máscara que eu usava era a de teatro”, conta. Entretanto, mesmo com tudo dando certo, a homofobia deixava suas marcas, fosse por um olhar receoso, um comentário maldoso, ou um ato de vandalismo – sendo que este último afetou a escola por três vezes. Na primeira vez, o muro foi pichado com inúmeros xingamentos, e nas duas outras, a escola foi apedrejada. A polícia não foi acionada e nenhum procedimento foi tomado a respeito, tanto para não incentivar a violência quanto para não comprometer os possíveis culpados – a diretoria da escola acredita que foram alunos do período noturno de uma escola pública localizada nas proximidades e, portanto, menores de idade. Nos três anos em que existiu, a

# CAMPINAS 109º em

habitantes gays

com mais registros de união homossexual

86

casamentos gays em 2013

100 pessoas foram na parada gay da mil cidade em 2011

A FAMA DE “CIDADE GAY” A lenda surgiu no início do século 20, com o enriquecimento da cidade pelas plantações de café no interior paulista; assim, os fazendeiros puderam enviar seus filhos para estudar na Europa, e, quando estes voltavam, apresentavam novos hábitos que os classificava como “efeminados” para a conservadora sociedade da época.

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CDs, vídeos e revistas produzidos pelos alunos foram comercia-lizados

30 ““MINHA MAIOR FELICIDADE É RECEBER APOIO E NÃO TER QUE DEIXAR O PROJETO MORRER DE VEZ”.

3

apresentações artísticas foram realizadas atos de vandalismo contra a escola ocorreram

DECO RIBEIRO

2010 A ESCOLA é inaugurada oferecendo 4 cursos profissionalizantes:

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Expressão Gráfica Expressão Cênica Expressão Artística Performance Drag Queen

A ESCOLA FECHA Designed by Lagoeiro e Freepik.

100

alunos foram atendidos

2013

Fontes: IBGE e Folha de S. Paulo.

escola atendeu cerca de 100 alunos, com faixa etária entre 14 e 24 anos. Além disso, foram realizadas mais de 30 apresentações artísticas, e os materiais resultantes das aulas (CDs, vídeos, revistas feitos pelos alunos) foram comercializados. Mesmo com as boas estatísticas e os inúmeros benefícios proporcionados, o projeto da Escola Jovem LGBT chegou ao fim em dezembro de 2013. A proposta do projeto tinha a possibilidade de ser estendida, mas não houve incentivo financeiro para tal – e o regulamento também mudou, não mais havendo renovação automática. Quanto a isso, a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo afirma: “O novo regulamento dizia que cada projeto pode durar apenas um ano, e, se quiser ser renovado, deve ser reformulado e inscrito novamente. Após isso, estará sujeito à aprovação ou não, como numa prova de vestibular”, explica Renata Beltrão, coordenadora de imprensa da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Campinas perdeu, mas o projeto agora terá a chance de mudar a vida de outras centenas de jovens em São Paulo. A escola vai ter novas vertentes, e a expectativa é atender ainda mais alunos. Deco Ribeiro comemora, animado: “Minha maior felicidade é receber apoio e não ter que deixar o projeto morrer de vez”. 75


Cinco décadas no fio da navalha Como trabalha e pensa o barbeiro mais tradicional da cidade. Ele está no mesmo local há mais de 50 anos TEXTO E FOTOGRAFIA POR DANILO LEONE

- Sr. Luiz, o senhor corta o meu cabelo? - Como você gosta de cortar? - Só diminuir aqui do lado, e deixar um pouco menos em cima. - Você não acha que seu cabelo ta com o topete muito grande em cima? - Pois é. Eu não gosto muito! - Tem que ficar por igual. Por que você já tem o rosto comprido, igual cara de cavalo. Então tem que tirar esse topete. E aqui vamos fazer na tesoura e pente. 76

As mãos do Sr. Luiz evidenciam as marcas do tempo

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No balcão de trabalho do Sr. Luiz não se encontra nenhum equipamento tecnológico

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u não ficaria a vontade de ter meu rosto comparado a um de cavalo, ainda mais, logo na primeira vez que vou cortar o cabelo com a pessoa. Isso não me incomodou vindo do senhor de setenta e cinco anos, voz forte em tom alto, aperto de mão firme e rugas ao redor dos olhos verdes. Sento-me em uma cadeira confortável, azul, com detalhes em metal, próxima a porta. Confio o corte a Sr. Luiz, que coloca os óculos, com as mãos tremulas, troca a lamina da navalha. Ele virou meu acento para o outro lado do salão, eu não fiquei de frente para o espelho. O que me fez sentir mais alto o barulho da tesoura próxima a minha orelha. Pergunto-lhe por que não tem mais cabeleireiros trabalhando com ele, “Tinha uma época que eu tinha uns caras bons que trabalhavam comigo, mas os dois já morreram. Hoje em dia eles não sabem trabalhar com navalha. Profissional que sabe trabalhar com navalha não tem mais, pessoal da minha época, quem não morreu, já não corta mais. Eu to aqui ainda, por que eu ainda estou bem”. Hoje com a estação ferroviária de Campinas desativada, o público de Luiz da Conceição mudou. Na maioria das vezes, são os amigos que o procuram para cortar o cabelo. Os clientes não chegam mais de trem. “Campinas era uma beleza, sempre gente chegando de fora para procurar emprego. Todo mundo arrumava! O comercio 78

era aqui no centro, não tinha esse negócio de shopping. Agora tudo mudou o povo hoje, eles usam o cabelo a olho, não tem mais aquele capricho. Os clientes mesmo, “ah já casei mesmo”, usa o cabelo raspado, outros barbado”. A espontaneidade dos idosos é uma coisa que me encanta. Eu acredito que toda pessoa com mais de setenta, têm a liberdade de falar o que pensa. Isso deveria funcionar como licença poética, sem tentar ser politicamente correto. Aliás, ele nem deve ter entrado nessa onda. O jeito enérgico foi herdado da mãe, descendente de alemão, e do pai, que ainda jovem, desembarcou em Campinas, chegando de Portugal, há cem anos, na plataforma de trem da mesma estação que há 53 anos é a localidade do salão. O ponto só foi concedido por meio de uma disputa entre dez cabeleireiros. O pleito aconteceu depois que Luiz serviu o exército. Aos dezenove anos, o cabo Conceição, era um dos cabeleireiros do batalhão, mas só cortava o cabelo dos comandantes. O convívio com militares o deixou perfeccionista. Principalmente com a estética. “Antigamente um cara não entrava em um fórum, uma delegacia ele tinha que estar bem vestido, calça comprida. Em um casamento, tinha que ir de terno e gravata. Hoje eles vão de bermuda num casamento. Mudou tudo! O nível é outro. Você não via mulher de calça comprida”. No mesmo segundo ele vira para a rua, aponta um jovem de pele morena, tênis, bermuda, blusa de moletom laranja e azul e um boné verde fluorescente virado para trás e esbraveja, “olha isso ai, põe esses bonezinhos. Eu não saio assim, eu tenho vergonha”.

“TINHA UNS CARAS BONS QUE TRABALHAVAM COMIGO, MAS OS DOIS JÁ MORRERAM” Sr. Luiz

Nesse momento, o corte que durou vinte minutos, já tinha acabado. Sr. Luiz se orgulha do resultado: “não falei que ia ficar bom? Você tem que deixar o cabelo preencher mais dos lados” Pai de um homem (44) e uma mulher (43), avô de quatro meninas, duas de cada filho. Sr. Luiz completa cinquenta anos de casado, com a Dona Edite da conceição, no dia 29/05/2015. Entrou na escola de cabeleireiro do Senac, em 1956, com quinze anos de idade. Portador do diploma n° 303, foi o septingentésimo quinquagésimo primeiro (751) aluno do curso. Aos vinte anos já dava aula de corte de cabelo e barba. “Eu comecei a trabalhar nisso fui, fui e acabei me envolvendo, até hoje é a única coisa que eu fiz foi isso, aprendi cortar cabelo e estou to até hoje”. Enquanto ele me explicava que para fazer uma barba perfeita tem que ensaboar o rosto todo, deixar o molde e só depois tirar a barba, a segurança do prédio da estação cultura aparece de uniforme preto, boné da mesma cor, loira, aparentemente sem maquiagem, para em frente à porta, segura o passo para não entrar quando percebe que o barbeiro tem cliente. Luizão, com um largosorriso, em tomde brincadeira, logo a recebe, “Vem aqui meu amor. Vem tomar um cafezinho. Eu fui chamar você pra vir almoçar comigo, me falaram que ele veio ai, o perigoso. E comprou uma marmitex para você”. - Mas já falaram? - Aqui dentro, meu bem. Você fique esperta, que eu sei o que se passa lá na plataforma!

O salão se mantém como na década de sessenta, os movéis ainda são os mesmos

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“EU NÃO QUERIA SER EMPREGADO” Como escolheu, com 15 anos, ser cabeleireiro? Eu não queria ser empregado de ninguém. Então com isso, você tinha liberdade. Se você trabalhava, você ganhava. Se não trabalhava, não ganhava. Você entrava a hora que você queria, fechava. Então devido à liberdade. E sempre dinheiro no bolso. O senhor se arrepende de não ter seguido a carreira militar? Não. Tem um amigo que serviu comigo, ele continuou. Nós dois fomos pra cabo juntos. Ele seguiu hoje é Capitão reformado. É meu cliente até hoje. Ele entrou em 57 e eu em 58. Mas eu não me arrependo, não! Pensa em se aposentar? Ah não sei! Eu gosto do que eu faço, preciso trabalhar. Ganhei dinheiro, construi minha casa própria, meu carro, formei meus dois filhos, dei casa para os dois. Isso aqui é uma coisa que você distrai, conversa com um monte de pessoas todos os dias. Eu na minha profissão, eu sou um cara realizado. Tenho uma casa boa, formei meus filhos, tudo na tesoura.

A moça de pele branca, ainda com sorriso no rosto, olha para baixo. A aba do boné tapa a face já rubra, ajusta a plaquetinha com o nome Fernanda, na altura do peito. “Depois eu volto pra gente conversar, Luizão.” O barbeiro se despede e logo retoma um tom mais serio e diz, “Brinco com essa moça que veio ai. Ela veio ai hoje, disse que não trouxe almoço e não tinha dinheiro. Eu falei, pode vir ai que você almoça comigo. Ai quando eu fui lá chamar ela, disseram que tinham comprado almoço pra ela. Ela conheceu um cara e eu falei, “cuida do cara, vai que da certo”. Mulher separada é uma merda, todo mundo quer comer”. O cabeleireiro gosta de dar conselhos. “você tem que se dedicar. O que não pode é quando têm dois, três (clientes) você correr, pra chacoalhar pra mandar embora. Você tem que trabalhar direitinho sempre”. Pudera, Pela cadeira azul, já surrada, passaram milhares de histórias. “Um vem aqui, saiu de casa, outros brigam com pai e com a mãe, outros brigam com a mulher, outros pegam a mulher com outro”. Luiz da conceição enxerga o mundo como quem ainda vivesse em seus tempos de glória, quando todo homem tinha um ritual para cortar o cabelo e fazer a barba. Fala do passado com a nostalgia imperando no olhar. Como o relógio antigo da torre da estação, o barbeiro se mantém a postos para o trabalho, mesmo com poucos olhares em sua direção. Sr. Luiz senta na mesma cadeira em que cortou meu cabelo, olha pela porta, observando o movimento da rua, com a mão no queixo. O velho olhar cansado carrega o peso de quem testemunhou a mudança da sociedade, mas se mantém no mesmo lugar.

“O QUE NÃO PODE É QUANDO TEM DOIS, TRÊS (CLIENTES) VOCÊ CORRER, PRA CHACOALHAR E MANDAR EMBORA” Sr. Luiz

Quem corta o cabelo do senhor? Diploma de Cabeleireiro por formação do Senac O Reinaldo, um aluno meu. Hoje ele trabalha no Dom Pedro. Ele vem aqui cortar meu cabelo, quando eu quero, eu telefone e ele vem. Se fosse indicar cinco lugares pra cortar o cabelo aqui em Campinas, quais seriam? Vou falar a verdade para você, cortar o cabelo, eu não indico nenhum! Cortar o cabelo certinho no pente e tesoura, nem ele, que trabalhou comigo, que eu ensinei, sabe cortar. Prédio da antiga estação ferroviária de Campinas, hoje funciona como ponto cultural do município. No canto inferior esquerdo a porta do salão do Sr. Luiz

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Campinas. Capital do golfe

POR TIAGO SOARES / FOTOGRAFIA ARQUIVO PESSOAL

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ma pesquisa do Ministério do Esporte apontou que o golfe e o rúgbi são os esportes que mais crescem no Brasil. Com 25 mil praticantes no país, o golfe cresce aproximadamente 11% e segundo a Confederação Brasileira de Golfe (CGB), o esporte movimenta cerca de R$500 milhões ao ano. Entretanto em Campinas essa não parece ser a realidade, o município possui apenas um campo de golfe, a Guariroba Golf Club, do vice-presidente do conselho administrativo da Camargo Correia, o empresário Carlos Pires. O esporte que era visto como elitizado, vem agradando diversas classes sociais e deixou de ser exclusividade da classe A brasileira. O Clube de Golfe de Campinas possui mensalidades que variam de R$150 até R$250, valor que equivale à mensalidades de muitas academias na cidade, os com ajuda financeira e educacional para seguirem carreira. O empresário de 39 anos, Guilherme Fernandes, joga desde a infância e afirma “que o ambiente do golfe da um ar de liberdade”. Entretanto o estudante João Pedro Martins de 19 anos, pondera que “jogar golfe é carro só consigo porque meus pais me ajudam a pegar a aula de R$80”. Com isso o golfe deve se consolidar inda mais no país até 2016. 82

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Custos ENTENDA O GOLFE

Conjunto de tacos completo: Irons, driver, madeira e putter Preço:R$ 4 mil

Carrinho de golfe com capacidade para 2 pessoas Preço: de R$25 mil a R$30 mil

Bola de golfe profissional para jogo Preço:R$ 25 cada

As principais lendas do golfe

Ben Hogan

Tiger Woods

Considerado um dos maiores jogadores de todos os tempos, venceu o Aberto dos Estados Unidos. Venceu seus principiais campeonates pós 2ª GM.

É considerado um dos melhores golfistas de todos os tempos Em 2005, alcançou a marca de dez grandes conquistas do golfe profissional.

Vista para o buraco quatro da Guariroba Golf Club, localizado em Sousas

Rory McIlroy É considerado o melhor golfista do mundo, atualmente. com apenas 18 anos tornando-se assim o jogador mais jovem no top-50 do ranking mundial.

O objetivo do jogo é de avançar a bola através do campo de jogo, dividido em 18 seções chamadas buracos, utilizando o menor número de tacadas possível. Cada buraco é constituído por uma área de saída chamada TEE e por uma área de chegada chamada GREEN, onde fica o buraco em que o jogador emboca sua bola concluindo o jogo no buraco que está jogando. E assim sucessivamente, até embocar sua bola no buraco 18, quando termina o jogo. Normalmente no tee (local de sáida), há um mapa para que o jogador prepare a melhor estratégia para chegar ao buraco em um menor número de tacadas. Desde o local de saída (tee) até o buraco, o número médio de tacadas necessárias para embocar a bola é um índice, chamado par do buraco, que ajuda a medir o desempenho do jogador. Conforme a distância, há buracos de par de três (até 228 m), par de quatro (até 430 m) ou par cinco (mais de 430 m). Para as mulheres, as distâncias são um pouco menores, e nos buracos de par de três que o golfista tenta a famosa jogada hole-in-one, que consiste em embocar a bola em apenas uma jogada.

Vista para o buraco um do Campo de Golfe de Campinas, em Sumaré

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Catracas caladas no Mogiana Em 12 anos de história, o Campinas Futebol Clube revelou jogadores, atraiu público, mas por falta de apoio deixou de existir em solo campineiro POR MARÍLIA ALBERTI

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uem conta a história é um dos fundadores. Edmar Bernardes dos Santos, ex-atacante com passagens por grandes clubes brasileiros, artilheiro do Campeonato Paulista de 1987 pelo Corinthians, encerrara a carreira com uma bola na trave. Com Careca, companheiro dentro e fora das quatro linhas, os ex-jogadores deixaram para trás um sonho, realizado em 1998, que mais tarde se tornou pesadelo. Aos domingos de manhã, com R$ 5,00 no bolso, era possível ver de perto as cores do time campineiro, inspirado pelo uniforme do Parma Football Club. O Estádio da Mogiana, no bairro Guanabara, região central de Campinas, aguardava pela lotação dos quatro mil lugares capacitados a receberem apaixonados, amantes e olheiros do futebol do interior. A distribuição de ingressos também era válida para ter a casa cheia. Caro, cansativo e exigente, manter um clube é mais que uma demonstração de amor. Sem retorno e sem apoio se torna um casamento falido. E a separação de bens... bem, que bens? O divórcio foi o fim de um “feliz para sempre” idealizado por Edmar e Careca. “Era um gasto de quase R$ 100 mil todo mês”, afirma o ex-jogador. A trajetória fugaz do Campinas Futebol Clube é sinônimo das crises no quadro atual, vivenciadas até mesmo por grandes clubes brasileiros. E a pergunta que fica: Campinas

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Elaine Fátima Cruz/SAN CRUZ COMUNICAÇÃO

comporta mais de dois clubes? Segundo a prova viva, não. “Você já pensou num terceiro? Isso porque nós estamos falando de duas agremiações centenárias, que estão no cenário nacional há muito tempo, e tem dificuldade como o próprio Guarani. Fazer futebol não é fácil”, diz Edmar. E a rivalidade entre a macaca e o bugre nunca deixará de existir. O limite na conta bancária refletiu também no término da paciência. Esgotado, Edmar comandou o clube, sozinho, nos últimos cinco anos. O companheiro Careca deu sequência na Careca Sport Center, inaugurada antes do CFC, na qual Edmar divide o barco com o amigo até hoje. “Quando nós fundamos a academia já tínhamos a ideia de termos também um clube. Até hoje eu recebo vários e-mails de pessoas que ainda acham que o Campinas existe, confundem com o centro esportivo”, conta Edmar. É bem verdade que o Campinas não deixou de existir. Porém foi esquecido pelo clube que o comprou. Com o objetivo de ter um acesso rápido à série A1 do Paulista, o Barueri Sport Club encontrou um caminho mais fácil. A negociação veio em boa hora para ambas as partes. No entanto, a nova equipe sob nova direção derrapou, e caiu para a quarta divisão. Em seguida, os empresários compraram o Grêmio Barueri, clube responsável por disputar os principais campeonatos em Presidente Prudente. “Eles possuem dois times que poderiam estar utilizando, mas o antigo Campinas está parado”, relata. Para Edmar, o êxito podia ter sido maior,

em um curto período, se o investimento feito em Campinas fosse em outra cidade que ainda não sabe o que é vestir a camisa e torcer para um clube da cidade natal. “Paulínia e Jaguariúna, por exemplo, são cidades que não têm um time, e onde com certeza teríamos o apoio da prefeitura. Pelo conhecimento que eu tenho e pelo trabalho que nós tínhamos proposto para ser feito. E fizemos aqui no Campinas, mas com muito mais dificuldade”, afirma. Quando o assunto vem à tona, os olhos de Edmar não escondem a saudade do antigo clube. A dificuldade em superar a realidade do fim, equiparada as fases difíceis que o clube passou, foi inevitável nos primeiros meses. “Foi bem difícil, mas depois me acostumei porque realmente não tinha como continuar. Mas toda vez que eu chegava aqui na academia e olhava ali para baixo nos campos onde era nosso CT, a tristeza era muito grande porque era como um filho e que deixou de existir”, relata. “Várias vezes tentamos reverter a situação, buscando sempre apoio no marketing, mas nessas divisões é muito difícil você achar patrocínio”, completa. O retorno, considerado impossível, reflete no valor alto cobrado para fundar um novo clube. A filiação, avaliada em R$ 1 milhão, tira todas as chances de uma nova equipe ressurgir. Triste para quem vive e respira futebol, sofrido para quem está do lado de fora, nas arquibancadas. Mas a certeza que fica é que enquanto existiu, fez bonito com o pouco que tinha. E se faz falta, é porque valeu a pena.

“SE NÓS TIVÉSSEMOS FUNDADO O CLUBE EM OUTRA CIDADE TERÍAMOS MUITO MAIS ÊXITO”

O ADEUS

Equipe conquistou o campeonato paulista em 2003, pela série B da categoria Sub-20, mesmo ano em que o Estádio Cerecamp (Mogiana) voltou a sediar os jogos do Campinas, após reforma.

19 jogos disputados, 26 pontos conquistados. Com 45,61% de aproveitamento e o 12º lugar na tabela, o Campinas se despedia do futebol brasileiro no Campeonato Paulista de 2009 pela Série A3. Naquele ano, sete vitórias consagravam a pequena e marcante história da Águia, cinco empates oscilavam entre o sim e o não, e sete derrotas esperavam pela maior de todas no ano seguinte. Os jogadores em campo perderam a cabeça em quatro momentos que resultaram expulsões. Outros 52, ficaram apenas com o cartão amarelo, de um total de 324 faltas. A rede balançou 31 vezes a favor e 28 contra, com um saldo positivo de três gols. O revés em janeiro de 2010 não apagaria, no entanto, a trajetória e o passado de um clube promissor. 87


FOTO Site noar.ru

PROMESSA QUE VIROU REALIDADE

ESTATÍSTICAS DO JOGADOR JOGOS PELA PONTE PRETA: 156 GOLS: 81 JOGOS PELO JEJU UNITED: 29 GOLS: 6

O atacante Danilo Montecino Neco, 29 anos, atualmente jogador do Football Club Aktobe, do Cazaquistão, foi o principal destaque do time campineiro. Nascido no dia 27 de janeiro de 1986 em Mirandópolis, e revelado pelo Campinas Futebol Clube, Danilo foi vendido para a Ponte Preta em 2004, onde ficou por sete anos. Em 2010 passou a atuar pelo Jeju United FC, time coreano da primeira divisão da K-League, do futebol SulCoreano. Porém, em 2011, retornou ao Moisés Lucarelli para vestir novamente a camisa da macaca. Transferido para a Rússia, ao FC Alania Vladikavkaz, em 2012, Danilo fez rápida passagem e foi para o Aktobe em 2014, onde permanece até hoje.

JOGOS PELO ALANIA VLADIKAVKAZ: 57 GOLS: 15 JOGOS PELO AKTOBE: 34 GOLS: 6

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“ESTÁ NA MEMÓRIA. QUEM VIVE NO MEIO DO FUTEBOL NÃO ESQUECE, ESTARÃO SEMPRE LEMBRANDO DO CLUBE” 89


O “novo antigo” esporte no Brasil Equipe de rugby busca reconhecimento reginal para crescer dentro do esporte regional e nacional TEXTO E FOTOGRAFIA POR GUILHERME LUZ

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o Brasil o Rúgbi é um esporte pouco conhecido e divulgado, e encontra muitas barreiras para crescer, como a falta de profissionalização e a falta de verba para as equipes. Depois de 92 anos fora das olimpíadas em 2016 no Brasil ele esta de volta, e o crescimento do esporte é eminente para o país. No estado de São Paulo existem 31 equipes divididas em três competições a nível estadual A, B, C. e no interior na cidade de Campinas reside Jequitibá Rugby Club desde 2001, hoje eles praticam e divulga esta modalidade esportiva em Campinas e toda a Região. A equipe principal participa com destaque de campeonatos regionais como o campeonato paulista do interior e estadual em que participa da terceira divisão, além de partidas amistosas, nas modalidades de rugby XV, seven-a-side. A equipe campineira foi fundada por praticantes da UNICAMP, ex-garotos do CRAC e jogadores do Campinas Rugby. O surgimento da equipe vem para representar campinas, e o nome escolhido é em homenagem a arvore símbolo da cidade o jequitibá, alem de ter a missão de promover o desenvolvimento e o bem estar dos jogadores, da sociedade local, por meio de difusão da pratica do rúgbi na região metropolitana de Campinas. O Clube treina todas as terça e quinta dás 20:00 às 22:00, em um campo de areia localizado na praça de esportes do Jd. Franboyant, com o técnico Carlos Javier Pazos declara que a equipe vem em crescimento durante os últimos anos, para que se torne uma referencia estadual. Esse crescimento deve-se também ao trabalho de divulgação feito pelo jequitibá nas escolas que tem como objetivo difundir a pratica desta modalidade esportiva entre os jovens. O Jequitibá possui diversos profissionais entre seus atletas como metalúrgicos, engenheiros, estudantes, analista ambiental que é o

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caso de Gustavo Bergamasco, que pratica rúgbi desde 2013 e fala que a maior dificuldade do esporte é que ele não é profissional, sendo que eles não recebem salários para a pratica. Isso acontece com todas as equipes existentes no país.

Equipe do Jequitiba em ação no Campeonato Paulista

Modalidades do rúgbi Existem duas formas de rugby: o Rugby Union e o Rugby League, com regras diferentes. A forma do Rugby Union é a mais difundida ao redor do mundo, e é praticada no Brasil. Existem duas modalidades principais do Rugby Union: a tradicional com 15 jogadores de cada lado (XV ou 15-a-side) e a modalidade reduzida do Seven–a-Side (Seven , Sevens ou 7s), disputada com as mesmas regras, com apenas pequenas variações. 91


AFANTÁS TICAFÁ BRICADE ESPADA CHINS Campinas treina atleta para conseguir vaga em jogos paralímpicos do RIO 2016 TEXTO E FOTOGRAFIA POR JOYCY CINTRA

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©1 CRÉDITO FOTO

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Lenilson ouve com atenção as instruções do técnico, de olho em vaga na seleção 94

que levou no primeiro campeonato: uma derrota por 15 pontos a 1. “Foi o incentivo para meus treinos serem intensificados. E os resultados logo apareceram”, diz, animado. Em 2013, com os títulos de vice-campeão na num ambiente primeira Copa do Brasil, campeão na segundescontraído que homens e mulheres com da Copa e no Campeonato Brasileiro, na moalgum tipo de deficiência física conhecem e dalidade esgrima em cadeira de rodas, veio a aprendem a praticar vários esportes. Rúgbi, convocação para a seleção no ano passado. handebol e até esgrima – o objetivo é tocar o Os resultados já o levaram a campeonatos oponente com a ponta da arma em qualquer no Canadá, na Hungria e na China. Aposentaparte acima do quadril e assim somar pondo por invalidez, Lenilson optou por não ser tos para vencer a partida. No caso da esgrima inválido e voltou a trabalhar. Hoje ele concilia em cadeira de rodas as regras são as mesmas, as funções de auxiliar administrativo com os porém os atletas competem sentados, com a treinos na esgrima. O atleta conta com entucadeira presa ao chão. siasmo sua conquista: “Realizei uma parte do Em Campinas há atletas treinando para meu sonho participando da seleção brasileira estar nos Jogos Paralímpicos do Rio em 2016. e saindo pelo mundo representando o meu É na Faculdade de Educação Física (FEF) da país. Isso pra mim já foi ótimo.” Participar Unicamp que eles se reúnem para os treinos. dos Jogos Paralímpicos ainda não é uma cerO projeto que traz o deficiente físico à prática teza e Lenilson treina duro para isso. Há um da esgrima começou em 2011 com cinco atleranking nacional. Os atletas competem em tas. No esporte vários camadaptado, a inpeonatos e o “A MODALIDADE TEM 3 tenção é que a melhor colopessoa lesiona- CATEGORIAS: A, SÃO PESSOAS cado segue da veja um novo a seleção COM AMPUTAÇÃO DA PERNA. para sentido à vida. brasileira. O professor e B, OS PARAPLÉGICOS E C, OS No segundo coordenador do semestre, TETRAPLÉGICOS” projeto na unia principal versidade, Ediprova do caCristiano Zago lendário nason Duarte, diz que “o esporte cional será o dá a essa pessoa Campeonato uma dimensão de cidadania.” Cristiano Zago, Brasileiro, de 5 a 8 de novembro, em Porto o treinador dessa modalidade, confirma o Alegre (RS). benefício da esgrima para a vida de todos os A FEF busca novos atletas para se junatletas que treinam na FEF. Um deles é Leniltar à equipe, mas também busca patrocínio. son Oliveira. O treinador, Zago, conta que os custos com Na esgrima ele encontrou novo incentivo as competições têm sido arcados pelos atleapós o acidente que o fez perder parte da pertas, e a maioria não trabalha. “Precisamos de na esquerda. O então policial militar viu sua patrocínio, pois os campeonatos são sempre vida do avesso com a nova situação. O hoje longe e está ficando pesado”, diz. O único atleta descobriu a esgrima por acaso. E nuncritério para poder participar é que seja defica mais deixou o esporte. Dos 60 atletas da ciente físico. A maioria dos interessados não modalidade no Brasil hoje nenhum era esgrivem encaminhado pelo Hospital das Clinimista. Todos chegaram na esgrima depois do cas. São pessoas que escutam sobre a prática trauma sofrido que causou a deficiência. “A dos esportes adaptados e decidem conhecer. esgrima fez muito bem a ele”, diz Zago. A maioria mantêm os treinos. Quem se inte Desde o início dos treinamentos a evoressar em procurar ou indicar alguém deve ir lução do atleta foi “meteórica”, segundo o até a FEF da Unicamp (avenida Érico Verísstreinador. Ele começou a praticar sem saber imo, 701, Cidade Universitária Zeferino Vaz, nada do esporte. Lenilson conta da “surra” Barão Geraldo, em Campinas). 95


Menino, sim

exumador também Maycon Schmitt é o mais jovem da cidade na profissão. Casado e natural do Rio Grande do Sul, ele tem muito orgulho do que faz TEXTO E FOTOGRAFIA POR ISADORA CIPOLA

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m cenário de lágrimas. De tristeza. Onde falta o chão e sobra desconforto. Um lugar que, para Maycon, é rotina. É sustento. Esperei por ele na recepção do Cemitério Parque das Aleias, em Campinas, e, quando chegou, o que se via nada tinha de desconforto: nem pela entrevista, nem pelo ambiente. Maycon era todo sorriso no rosto e um jeito descontraído. De menino. Menino, sim. Maycon Schmitt – esse que, entre os cinco que tem, é o sobrenome de que mais gosta, de origem alemã – tem 20 anos. Menino, mas também adulto. Maycon é casado há um ano e trabalha há dois. Quando perguntei se ele sabia o motivo da entrevista, a resposta foi um tanto quanto efusiva: “está todo mundo comentando, meus colegas todos dizendo. Estou famoso!”. E o sorriso no rosto não se escondia. Estava sempre ali. Naquela semana, Maycon tinha descoberto que é o sepultador mais jovem da cidade. Motivo de orgulho. Mas ainda mais orgulho por não ser mais sepultador: “sou exumador há um ano”. A profissão não foi bem uma escolha de vida. Foi uma oportunidade. “Eu vim de Sapucaia do Sul, perto de Porto Alegre. Nosso encarregado disse que tinha uma vaga no cemitério. Achei meio esquisito no começo, mas eu precisava de emprego, a vaga surgiu, eu topei”. Maycon só veio para Campinas por conta da vaga de emprego. Maycon deixou sua cidade natal para trabalhar como sepultador. Maycon não trocaria sua experiência de trabalho por nada. Maycon tem muito orgulho do que faz. Depois de três meses trabalhando como sepultador – e “cuidando de placa, recolhendo vasinho, essas coisas eu não gosto” -, ele teve a chance de ser exumador. Aceitou sem pensar duas vezes. Trabalha todos os dias montando gavetas, retirando os ossos das sepulturas e reacomodando-os em urnas menores ou cremando-os, para que os jazigos possam ser reutilizados pelas famílias. Ele acorda às sete horas da manhã e vai a pé para o trabalho. Se mora perto? “Sim, 96

Maycon Schmitt, o sepultador mais jovem da cidade de Campinas, no lugar em que mais gosta 97 de ficar quando trabalha: em meio aos jazigos

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dá uns 25 minutos a pé”. À minha cara de assustada, ele responde “ah, é bom caminhar” e sorri. Maycon não reclama. Nem do trabalho, nem da rotina. Maycon não reclama de nada. O que pode parecer desconforto, ele chama de oportunidade. Afirma preferir a exumação, porque o sepultamento “tem aquela coisa de entrar na sala com a família, tirar a urna”. A verdade é que o sepultamento envolve emoção total. É sentimento à flor da pele. “Cada sepultamento é diferente. Já fiz muito sepultamento de criança, recém-nascido, jovem” e, sem vacilar, continua “é trágico, né, você vê a família, uma mãe perdendo um filho”. As respostas vêm em palavras firmes, num tom de voz que não cede à emoção, apesar de reconhecê-la. Pergunto se ele já chorou em algum desses momentos e Maycon, seguro, garante que não, mas que “muitas vezes, o rapaz que faz sepultamento acaba chorando também, se emociona junto com a família”. E segue firme. Segue firme mesmo quando falo sobre o “convite” para ser exumador. Comento que, pelo que sei, não é uma profissão presente no “top 10” das mais desejadas. Ele ri e completa: “É, as pessoas pensam ‘quero ser bombeiro’, ‘quero ser policial’. ‘Quero ser exumador’? Não”. E dessa vez gargalha. A vida é leve para Maycon. Em alguns momentos, imagino até que ele deve estar se questionando sobre o porquê de eu querer entrevistá-lo. Como se não houvesse nada de mais em ser exumador. Como se fosse comum “mexer em gente morta”. Mas, afinal, médicos mexem em gente viva, não? E, no fim, percebo que Maycon sabe da estranheza que sua profissão gera. Mas sabe também da dignidade que é ter seu próprio dinheiro e poder cuidar da própria vida, num lugar tão longe de casa, mas ao mesmo tempo tão perto do que ele mesmo escolheu ser: apenas Maycon Schmitt. Maycon não sabe por quanto tempo ainda fica em Campinas. O ex-sepultador-agora-exumador mais jovem da ci98

dade diz que só não voltou pro sul ainda por causa da esposa. “No inverno, lá é muito frio, então eu acho que é mais fácil eu me adaptar aqui do que ela lá”. Ele não deixa de se preocupar com os outros. Nem com os que estão vivos, nem com os que estão mortos. Nem na rotina de trabalho, nem nos pequenos detalhes do dia-a-dia. Isso está incrustado em Maycon. Ele é assim. E o que aprendeu com a profissão? “Ninguém é melhor do que ninguém.

O PIOR CHEIRO

“O pior é o cheiro. Eu acho que não existe cheiro pior do que o ser humano mal decomposto. Não existe. Olha, depois que eu vim trabalhar aqui, eu não descobri um cheiro pior. Porque, você pode ver, urubu come a carne de qualquer bicho podre, mas a do ser humano não. Urubu não come a carniça do ser humano. É pior que qualquer outro animal”.

SEM CAIXÃO

“Neste cemitério, tem, em média, 35 mil jazigos montados, umas 200 mil pessoas sepultadas. Tem uma pessoa sepultada sem caixão, que a família enrolou apenas num véu. E tem uma pessoa sepultada direto na terra, sem caixão nem nada”.

DIETA DIFERENTE

“Tem muita gente que faz exumação e acaba que não almoça, ou não janta. Nosso encarregado não come carne de porco, costela de porco, ele fala que não consegue nem ver, porque ele já viu uma série de coisas, ele trabalha há vários anos”.

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“Não tenho planos.

JESUS está voltando”

TEXTO E FOTOGRAFIA POR DANIELA CASTRO

> Qual sua ideia de felicidade? EA: Minha família, minhas duas filhas. > Uma pessoa chata e outra genial? EA: Admiro muito minha mãe, ela é meu tudo, me espelho nela. Chata? Não tenho ninguém que acho assim. > Qual é o seu maior medo? EA: Meu maior medo é morrer e deixar minhas filhas desamparadas, sozinhas no mundo. > Qual a coisa mais estranha que você já viu aqui na Rodoviária?* EA: Já tantas coisas. Mas a última foi um homem que invadiu de madrugada o Terminal pelado, sem nada (risos). Os seguranças saíram correndo atrás dele. > Qual a qualidade você mais gosta em um homem? EA: Ser sincero, honesto e que saiba respeitar, pois é o mais falta hoje em dia. > Qual a qualidade você mais gosta em uma mulher? EA: Ser trabalhadora, ter caráter e saber ser amiga. Hoje não estamos sendo valorizadas, só vejo as mulheres atacando umas às outras, nós devíamos nos ajudar. > Que palavras ou frases você mais usa? EA: Amor e Deus. > O que ou quem é o maior amor da sua vida? EA: Minhas filhas. Uma tem 21 anos, e casou tem 8 meses só. E a outra tem 17 anos e ainda mora comigo. > Qual sua ocupação favorita? EA: Sou evangélica, e no meu tempo livre eu vou pra Igreja, louvar o nome do Senhor, agradecer a Ele por tudo na minha vida. > Quais seus planos pro futuro? EA: Não tenho, a volta de Cristo está ai. Agora vai vir muitas perturbações, e não faço planos, pois sei que está próxima. 100

O que é o Questionário Proust? Na Inglaterra vitoriana o escritor francês Marcel Proust respondeu uma brincadeira de salão chamada “Confissões”, na qual os participantes respondiam perguntas pessoais uns aos outros. Embora não tenha sido o autor, Proust foi o responsável pela popularização do questionário. O escritor acreditava que, ao respondê-lo, um indivíduo revelaria sua verdadeira natureza.

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Campinas em nú meros invisíveis O número de moradores de rua diminui de 2014 para 2015. Mesmo assim, Campinas abriga muitas pessoas sem-teto. Vê-las dormindo pelas ruas é tão corriqueiro que se transformaram em pessoas invisíveis Por Rayssa Iglésias

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Humanizando a estatística

Números invisíveis O número de moradores em situação de rua da cidade de Campinas diminui, a Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social (SMCAIS) informou que em 2014, 642 histórias moravam nas ruas de Campinas, já em 2015 houve uma queda de 12,3 vidas, com isso as marquises da cidade contam com 563 tipos de pulsações. De acordo com a secretária Jane Valente, a queda dos moradores em situação de rua aconteceu por programas de recuperação. A maior parte das pessoas em situação de rua, são homens, jovens e viciados em drogas, esse perfil representa 85% dos 563, os outros 15% restante são de mulheres e os motivos que os levam até ali são sempre os mesmos: dessa estatística 72,4 vidas utilizam a droga mais comum e por muitas considerada inofensiva, o álcool, 21,7 histórias são viciadas apenas em álcool; 41,9 desilusões estão nas ruas por conta daquela droga que já foi cool, o tabaco; e 33,9 desalentos atiram pedras no próprio caminho, sendo viciados em crack. Das 563 vidas, 334 pessoas não são nativas da cidade de Campinas, são sonhos frustrados que vieram em busca de algo melhor, de um futuro e se perderam em meio a um caminho de forme, esquecimento, invisibilidade, dor, frio e na maioria das vezes, sem volta.

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Resgate de vidas, histórias e famílias, são as estatísticas do dia a dia sendo olhadas de perto, com a visão humana do Seara Urbana, a ONG faz uma recuperação integral de moradores em situação de rua. O Seara se aproxima, confia, conquista, alimenta de pão e carinho, oferece apoio, acompanha, mostra um mundo de opções e o mais difícil, ajuda a recuperar a esperança que normalmente morre jovem perfurada por pedras e se torna pó. Há nove anos a ONG não vê estatísticas, vê pessoas, dessa forma bem simples mesmo, apenas pessoas. Talvez aquelas mesmas que foram ignoradas por nós, ou aquelas que nos causam medo por não sabermos ou somos condicionados a não enxergar além.

Todo ano o Seara Urbana recupera trinta histórias de rua, e enfrenta o desafio de conseguir emprego para 30 algarismos, que às vezes são recusados por empregadores que tem medo, preocupação ou simplesmente não querem ajudar o resultado. O Seara Urbana, representado por Mateus Feliciano, 32 anos, ajuda na reabilitação, no processo de trazer de volta a vida social “Nós enviamos para casas de recuperação, de volta para a família ou arrumamos emprego”, mas muitos decidem voltar a fazer parte do cálculo. Não é o caso do Renato de Assis, 33 anos, ainda jovem foi para as ruas após perder a mãe, se viciou em cocaína e abriu caminho para outras drogas “tudo piorou quando fui para São Paulo e conheci a crackolândia, fiquei cinco anos usando crack”. Contudo em 2008,

“Oh moça, me arruma uma bolsa”

DÍGITO 030 Parecia que ele não tinha nada, mas tinha nome Célio, sobrenome Mendes e um sorriso sempre no rosto. Foi morar nas ruas quando tinha dezoito anos e hoje, trinta anos depois não perdeu o humor. Mas não é só isso que leva consigo, carrega uma recente trombose na perna direita, e um intestino exteriorizado há sete anos. Vive andando de hospital em hospital, cruzando a cidade para trocar suas bolsas de colostomia. “Ô moça, me arruma bolsa” foi dessa forma que o Célio chegou, seu corpo em um desequilibrado vai e vem e suas palavras parecem tropeçar umas nas outras, com uma garrafa pet com álcool nas mãos e um saco com latas em outra, ele por ter colostomia não poderia fazer esforço físico, mas abaixa e levanta várias vezes por dia catando latinhas, e depois anda até achar um hospital que o atenda para trocar a bolsa. Parecia não ter nada, mas tinha família, o paulinense mora nas ruas de Campinas, mas deixou em sua cidade natal não só seus documentos, mas também sua casa e seus familiares Ainda jovem deixou o seu lar por ser viciado em drogas, “uso tudo químico, até petróleo”, brincou Célio, nunca perdendo o bom humor, começou viciado em cheirar cola , era conhecido nas ruas como colinha e depois passou por todos os tipos de drogas, hoje o seu vício é o álcool. Parecia não ter nada, mas tem coração, Célio não aceita a dificuldade de conseguir bolsas por não ter documentos, e se indigna com a indiferença das pessoas . Na porta da Catedral se sente humilhado, saindo as pessoas olham com nojo para aquele que na bíblia diz ser seu irmão.

Renato conheceu o Seara, tentou várias vezes largar vício, teve muitas recaídas, mas não desistiu de si mesmo. A necessidade de renascer surgiu quando viu a filha Maria Vitória, adolescente se perder no mundo das drogas, então em 2013 com ajuda da ONG largou o crack e outros vícios, Renato que já morou em casas abandonas com a esposa, hoje aguarda a casa próprio que conseguiu através de um benefício do governo, enquanto isso moram em abrigos separados. Ele escolheu deixar de fazer parte da estatística, hoje trabalha em uma rede de fast-food. Lutou, venceu, mas não significa que a luta acabou, ainda permanece “o vício ele é todo dia, a luta é todo dia, a vontade vem toda hora”. Renato encontra nos filhos e na fé a força necessária para negar, agora não é mais um dígito.

Célio Mendes, 48 anos, morador de rua há 30 anos

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DÍGITO 010 Em uma tarde de domingo ensolarada, em frente ao monumento em homenagem a João Nery, no centro de Campinas, na tão conhecida 13 de Maio havia um encontro de moradores de rua, cheguei um pouco sorrateira e pedi autorização para tirar fotos. Foi uma surpresa pois ouvi um quase coletivo “Não! ”, alguns saoutros se esconderam atrás do monumento e então esperei. Com uma câmera 60x zoom e com a boa iluminação do dia, não seria nada complicado tirar fotos sem que eles permitissem, tirar de longe, poderia nem mesmo ter perguntado, mas ao mesmo tempo seria tão injusto roubar o pouco que eles têm, e por isso continuei esperando. “Eu tiro, pode vir”, parecia um jovem desinibido, com ares de falante, “me chamo Juliano, mais conhecido como Katléia com Recheio de Bombom Plim Plim”. Juliano, 31 anos, criou esse personagem como um escape, como quem quer disfarçar suas dores e temores, como quem não quer ver a realidade em que se perdeu. Katléia é falante, desinibida, destemida, Juliano não. Ele não queria conversar, sentei ao seu lado perguntei e mais uma vez esperei, ficamos mudos por um tempo, achei que ele não fosse responder, mas mesmo assim esperei “Eu vou e volto, vou e volto, parece um bumerangue” Juliano interrompe o a pático silêncio, apenas ouço, ele está nas ruas há 10 anos nesse vai e vem, chega a voltar para casa, mas quando volta a mãe tenta prendê-lo com medo de que ele retorne, na tentativa de protege-lo o prende tanto que escapa por entre os dedos. “Pinga, pedra e outras drogas” são esses os temores da mãe de Juliano e os dele também, com uma voz embargada, olhos fixos em um ponto distante e apertando as mãos como quem busca segurança, ele foge do meu olhar e das perguntas e traz de volta o personagem “por isso não me provoque, é cor de rosa choque”, Klatéia cantou para que todos pudessem ouvir, saiu dançando e fazendo graça e gentilmente se esquivou de mim, das perguntas e das lembranças que era provocado a reviver. 106

DÍGITO 003

“Eu vou e volto, vou e volto, parece um bumerangue”

Juliano Klatéia, 31 anos, morador de rua há 10 anos

“Moço, dá licença, você é morador de rua, catador de latinha ou está apenas deitado aí?” Perguntei a Marcos Fontanini, 35 anos, com roupas apresentáveis, traços bonitos, relógio de pulso e chinelo de couro, “sou morador de rua e também catador de latinhas”, Marcos estava fora de qualquer estereótipo criado por mim e pela sociedade. Viciado em álcool e tabaco há 25 anos, se tornou um dígito há três meses quando começou a ter problemas com sua família, ficou agressivo com a mãe e então “resolvi me retirar da minha residência”, como não encontrou nenhum trabalho e também nenhum lugar para morar decidiu ir para as ruas. Moço de um português tão sonoro que canta, lê o jornal de notícia popular todos os dias e diz pegar livros emprestados com o conselho tutelar, é dessa forma que ele passa o tempo quando não está catando latinhas e tenta se distrair para não se render ao vício. Ele que começou a beber aos 10 anos de idade, tinha a felicidade estampada no rosto, pois há uma semana não bebia nada alcoólico. Na luta diária Fontanini vencia o álcool, mas o tabaco nem tanto, enquanto conversávamos ele retirou do bolso um isqueiro e um maço de eight por várias vezes, era um movimento natural entre uma conversa e outra. Marcos tenta se diferenciar ao máximo dos moradores de rua, não quer essa vida para ele, repete por várias vezes que é temporário, que não é o lugar em que deveria estar, que tem estudos, não é um ignorante, que trabalhou em construção civil, que está limpo de outras drogas, que respeita as pessoas que passam por lá, que não se envolve com os demais moradores de rua, ele abriu a carteira para me mostrar que tinha 20 reais, dinheiro que conseguiu por vender latinhas e usa para comer bem todos os dias. Às vezes ele se reafirma tanto que parece estar querendo provar para si mesmo o que ele diz. Na tentativa de não fazer mais parte dos números, ele passou por alguns programas sociais de reabilitação de igrejas, mas não se firmou em nenhum, diz que todos exigem uma mudança muito brusca, que o viciado não consegue ter. Na opinião dele a Prefeitura de Campinas, não ajuda a melhorar,

“assistente social e café sem pó não vai mudar nada, a prefeitura deveria dar uma ocupação, um trabalho voluntário, como eles fazem com os presidiários, ficar atoa faz a gente querer usar a droga”. Marcos dorme todas as noites na porta da caixa econômica no Largo do Rosário, tem um acompanhamento médico para tratar uma DST, a sífilis, e cata latinha para se sustentar no dia a dia, pois não pode voltar a trabalhar em construção civil, machucou a mão direita e tem movimentos limitados em quatro dedos. Está longe da bebida há uma semana, mas teme toda sexta-feira à noite. Naquele domingo esperava pela ONG do Seara Urbana para conversar um pouco com eles, tudo que ele mais deseja é deixar de fazer parte do cálculo.

“... ficar atoa faz a gente querer usar droga”

Marcos Fontanini, 35 anos, morador de rua há 3 meses

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ME DO. Eu não poderia começar com outra palavra. Lá estava eu, às 18h07, desci do carro em frente ao Largo do Rosário. Minha única certeza naquele momento era que valeria a pena passar 24h na rua para entender como se sentiam as pessoas que precisavam se sujeitar a isso todos os dias. Na minha cabeça nunca fez sentido escrever sobre algo do qual eu não tivesse propriedade, mas passar a noite na rua talvez fosse amedrontador demais. Estava tudo combinado. Um grupo de amigos me deixou no centro e retornaria somente no domingo à noite para me resgatar. POR MARTHA RODRIGUES

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18h08 - O medo tomou conta de mim logo no primeiro minuto. Medo, essa palavra não sai da minha cabeça nem por um minuto, acho que eu poderia construir um parágrafo inteiro somente com essa palavra. Sem celular, sem dinheiro, e com roupas que observei ser típica dentre moradores de rua. Calça de moletom, chinelos e uma camiseta que parecia ter sido herdada de um irmão mais velho. Por quase uma hora andei pelas ruas procurando lugares em que eu sentisse o mínimo de segurança. 19h - Descobri que havia um relógio no letreiro de uma padaria da Praça José Bonifácio, conhecida popularmente como Largo da Catedral e o sentimento de não estar tão perdida foi algo que eu não sei explicar. Retornei para o Largo do Rosário e observei uma fila se formar. Sentei próxima à fila e contei 78 pessoas, mas não tinha muita certeza do que se tratava. Depois de uns 15 minutos um carro encostou e começou a distribuir algumas marmitas. Aquilo me intrigou. As pessoas da fila não eram moradores de rua. Havia dois homens engravatados, mulheres com bolsas aparentemente caras e até pessoas com várias sacolas de mercado. Após pegar as marmitas muitas pessoas seguiram seus caminhos, outros sentaram por ali mesmo e se alimentaram. Um rapaz veio na minha direção, ele estava um pouco tímido e me perguntou se eu não queria comer. Fiz que não com a cabeça e ele sentou ao meu lado. Começamos a conversar e ele me perguntou por que eu estava naquela situação. Fiz mil rodeios para não responder, mas acabei contando sobre a reportagem, ele foi muito simpático e me passou uma segurança muito grande. 20h - Eu ainda estava sentada com aquele estranho que agora me contava a história de sua vida. Ele está na rua há um mês, tem 48 anos, e se chama Dinomar César de Souza. MEU DEUS, minha mãe se chama Dinomar também! Tem dois filhos, e uma neta. Sua primeira esposa o abandonou por causa do vício. Ele conta fumar crack há 36 anos, mas o site do Senado mostra que o primeiro relato da droga no Brasil aconteceu no ano de 1989, e a primeira apreensão apenas dois anos mais tarde. Ele diz que essa também foi a razão de sua última namorada ter o deixado há pouco mais de um mês. Nesse momento eu e ele, os dois sentados no meio da praça, atraímos olhares curiosos. Ele me contou que morava em Monte Mor e que não existia nada no mundo que ele amasse mais do que sua ex-namorada - neste momento não conseguimos segurar o choro. Ana é o nome dela. Ele começou a frequentar o CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), local que oferece apoio e atividades para pessoas viciadas em drogas, e não tinha dinheiro pra ir e vir todos os dias para Campinas de ônibus. Sem os filhos, que não aguentavam mais o vício do pai, e agora sem sua Ana, ele preferiu morar nas ruas. “Quando você está na rua você tem comida, você tem o pessoal da igreja que conversa com você, eu não me sinto sozinho como eu me sentia quando ficava em casa sozinho”. 21h - O papo fluía tanto que as horas passavam e eu mal percebia. Decidimos andar pelo centro. Ele disse que me mostraria cada lugar e cada “esquema” para

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se proteger. Depois de umas quadras ele me disse que precisava até onde ele dormia para guardar algumas coisas. Ele tirou dos bolsou um pedaço de papel, pediu uma caneta emprestada a uma senhora que passava na rua, anotou o número de celular e me disse que eu poderia ligar caso precisasse de ajuda. Estranhei o fato de ele ter um celular, mas logo ele me explicou que havia ganhado - o touch nem funcionava, ele conseguia apenas receber ligações com aquele celular. Fiquei olhando ele descer em direção à Prefeitura. Nesse momento todo aquele medo voltou. Eu olhava para os lados e não via mais ninguém. Parecia que o mundo era tão grande e eu me sentia menor que uma formiga. Fiquei parada no mesmo lugar por alguns minutos, eu não sabia o que fazer! Decidi procurar outra praça afinal praças são iluminadas e aquela escuridão me amedrontava.

pegar comida umas horas atrás, corri ainda mais rápido e sentei ao lado dele. Os dois passaram por nós como se nada tivesse acontecido.

00h - Eu estava apavorada, contei para aquele rapaz o que havia conhecido. Ele é gay e me pediu para usar o pronome no feminino. A Ju aparentava ter pouco mais de 20 anos, mas não me contou nada sobre sua vida, apenas sentou ao meu lado e me disse que nada aconteceria comigo porque ela não deixaria. Mais um pessoal chegou para distribuir comida e eu estava sentada no meio de mais de 50 pessoas. Diferentemente das outras instituições que passaram mais cedo, esta fez uma oração e cantou alguns hinos. Todos, absolutamente todas aquelas pessoas cantavam. Um rapaz ficou me olhando e tivemos um breve diálogo: 22h - Moradora de Campinas há - Você é da igreja? um ano e meio acho que eu nunca “NADA VAI ACONTECER COM VOCÊ - Não. tinha andado pelo centro. Cheguei - Mas você também não é das ruas, na praça da Catedral em que tinha o PORQUE EU NÃO VOU DEIXAR” - Ju dá pra perceber... tal relógio na padaria. 22h10 e mais - Não. um pessoal chegou para distribuir Ele então sentou ao meu lado e comida. Dessa vez entrei na fila e observei que a maioria das começamos a conversar. Ele me contou que era enfermeiro, pessoas eram moradores de rua, mas ainda havia pessoas muito que havia se formado em direito por imposição do pai, mas que bem arrumadas. Peguei um pão com carne moída e um copo de sua grande paixão era cuidar de crianças. Tive uma verdadeira leite com chocolate, combinação um pouco estranha porém eu aula com ele, inclusive aprendi que uma pessoa é considerada não estava numa posição que me permitia reclamar de alguma criança (cuidada pela pediatria) até 17 anos, 11 meses e 29 dias coisa. Cinco minutos depois todos correram para a esquina de de idade. Não sei se é uma informação muito útil na minha vida cima, havia outro carro distribuindo comida. Dessa vez não porem achei bem interessante. entrei na fila, fiquei apenas observando. Arroz, feijão, salada Observei também um grupo de senhoras, todas muito bem e um bife. arrumadas, uma delas veio na minha direção e perguntou por que eu estava triste. Neguei e disse que era cansaço, e ela 23h - O pessoal se dispersou novamente. Eu, sozinha de novo chamou as amigas para se juntarem a nós. Elas me contaram olhava para todos os lados sem saber ao certo o que eu procurava, não precisam estar ali, elas tem casa própria, moram com suas talvez qualquer movimentação me trouxesse segurança. famílias, e são aposentadas. Todos os fins de semanas elas vão Estava andando pela Glicério e pro ser uma das avenidas para a praça da Catedral, conversam, comem e depois retornam mais movimentadas achei que seria seguro. Andei por uns 20 para seus lares. minutos, sempre indo e vindo, até que notei que dois rapazes estavam me seguindo. Medo, medo, medo e mais um pouco 01h - Logo após os louvores algumas roupas foram distribuídas. de medo. Comecei a andar mais rápido e eles acompanharam Cesar se aproximou de mim, ele já havia deixado poucas roupas o ritmo, dois minutos depois eu já estava correndo. Eu olhava e um cobertor que ganhou guardados dentro de uma mochila para os lados procurando um comércio aberto, uma igreja, um em cima de uma árvore e voltou para comer. Ele me contou buraco, ou qualquer coisa que eu pudesse sair do campo de que depois de dias andando com uma bota de bico de ferro que visão dos dois. De longe vi um rapaz que estava na fila para machucava seus dedos, agora ele tinha ganhado um tênis.

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Perguntei o que ele havia feito com a bota e ele me explicou que as pessoas que moram nas ruas ganham muitas roupas e sapatos, e como eles não têm onde lavar ou guardar, todos os dias jogam as roupas fora ao ganhar novas. Eu nunca tinha pensado nisso, fiquei um pouco perplexa, confesso, como assim jogar fora? Outra pessoa poderia precisar daquela roupa! Enfim serviram a comida: arroz, feijão, carne com batata, salada e de sobremesa melancia e arroz doce. Eu com certeza não passaria fome de maneira alguma.

lá, dura, sem reação, num tipo de transe que eu nunca havia entrado. Cesar me puxou pro canto enquanto tirava a jaqueta e via o corte. Eu ainda não conseguia dizer uma só palavra, fomos descendo a rua e chegamos a UPA. Não pude entrar, eu não era parente, eu não era nada dele, então tive que ficar do lado de fora. Eu não era nada dele e ele tinha um corte no braço por minha causa, eu não conseguia acreditar nisso. Antes de entrar ele me deixou sua jaqueta porque eu estava muito gelada. Nessa hora o frio não importava mais, eu queria saber dele, como ele estava, se ele estava com dor, queria saber o por que ele tinha 02h - Frio. Saí andando sozinha de novo, pensei em passar feito aquilo. pela catedral ou então pela prefeitura. Nunca senti tanto frio na minha vida, mas eu ainda ponderava o que era maior, ele 04h - Eu não aguentava mais esperar, eu andava de um lado pro ou o medo. Não teve um único segundo que eu não desejei ir outro, ia até a esquina, voltava, bebi água umas 30 vezes e nada embora. fazia o tempo passar. 03h - Eu estava sozinha e visivelmente apavorada quando um carro, que não me atentei a nenhum detalhe, parou ao meu lado. Evitei olhar até que uma voz me chamou. Era uma mulher servindo bebidas quentes, ela me ofereceu leite, café e chá. Peguei um pouco de leite, continuei andando e a cada esquina que eu virava eu imagina que alguém poderia me surpreender a qualquer momento. Meu coração parou por um momento e eu não conseguia respirar. Senti alguém puxando meu braço me obrigando a virar para trás - confesso que me deu outra falta de ar lembrar desse momento. Esse um segundo pareceu durar uns cinco minutos, fui capaz de imaginar tudo que a paranoia pode criar, senti o coração sai pela boca - como dia minha mãe - e quando finalmente olhei pra quem me puxava vi que se tratavam dos mesmo rapazes que haviam me seguido horas antes. Não sei exatamente quanto tempo levou pra essa constatação acontecer, ali eu não tinha condições de saber nem quem eu era, imagine pensar no que fazer. Antes que eu esboçasse qualquer reação senti uma pessoa me puxando pra trás e entrando na minha frente, era o Cesar. Eu fiquei imóvel, eu não conseguia me mexer. O outro rapaz que apenas observou enquanto o primeiro me abordava estava com uma garrafa na mão. Ao ver o Cesar, sem pensar duas vezes, ele bateu com a garrafa na parede e com a parte de cima quebrada veio em minha direção. Cesar agiu como um verdadeiro herói entrando na minha frente. Parecia cena de cinema e eu não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo comigo. A garrafa acertou o braço do Cesar e ao ver que havia sangue em sua roupa a dupla se assustou e ambos saíram correndo. Eu ainda estava

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05h - Finalmente Cesar saiu de lá de dentro e eu já comecei a despejar mil e uma perguntas. Ele me pediu para ficar calma e me mostrou o braço. Treze pontos, T R E Z E P O N T O S ele havia dado no braço por minha causa. Comecei a chorar desesperada porque ele não tinha que passar por aquilo. Não sei nem se um amigo meu faria isso por mim, e ele, alguém que havia me conhecido horas antes estava ali com as roupas cheias de sangue. Nesse momento decidi que eu não tinha mais condições de continuar na rua. Em meio a uma tremedeira incontrolável e lágrimas fui até o orelhão e liguei para uma amiga me buscar. Enquanto eu a esperava fiquei conversando com o Cesar em frente a UPA. Ele ficou em silencio por dois minutos e então me perguntou se em algum momento eu tive medo dele. Mais do que rápido respondi que não e ele ficou em silencio por mais um tempo. Quando avistamos o carro da minha amiga, fui me despedir dele e depois de um abraço ele me agradeceu. Fiz cara de confusa e logo fui surpreendida por uma fala que jamais esquecerei. Ele me agradeceu por ter confiado nele, me disse que pra mim poderia não mudar nada, mas que pra ele perceber que alguém não tinha medo dele, não o achava um monstro, dava forças e esperanças pra continuar. Tudo isso aconteceu muito rápido, e num ultimo segundo de conversa ele me pediu pra levar comigo aquele papel com o número do celular dele, e que algum dia se eu quisesse eu ligasse e conversasse com ele pra ele não se sentir tão esquecido.

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I AC Orgulho nacional em terras campineiras POR MARIA EDUARDA MOREIRA/ FOTOGRAFIA DIVULGAÇÃO

U

m em quatro produtos do agronegócio consumidos no mundo eram brasileiros. A projeção do Ministério da Agricultura é que, até 2030, um terço dos produtos em circulação sejam do Brasil, em função da crescente demanda dos países asiáticos. O Brasil é um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos agropecuários, é o maior produtor e exportador de café, açúcar, etanol e suco de laranja. A laranja é exemplo de setor altamente organizado e competitivo, a citricultura é uma das mais destacadas agroindústrias brasileira. O Estado de São Paulo tem o maior parque citrícola do planeta. Cerca de 80% 114

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CAFÉ

FEIJÃO O FEIJÃO MAIS CONSUMIDO NO BRASIL, O CARIOQUINHA, É CAMPINEIRO,

DESENVOLVIDO

PELO INSTITUTO AGRONÔMICO DE CAMPINAS (IAC), NA DÉCADA DE 1970. DESDE ENTÃO, 42 CULTIVARES DE FEIJOEIRO FORAM GERADAS

do suco de laranja vendido no mundo têm como matéria-prima as frutas brasileiras, sendo que o Estado de São Paulo é responsável por 74% desse total. E o ator principal dessa produção é o IAC, Instituto Agronômico de Campinas. Fundado em 1887, por D. Pedro II com o intuito de realizar pesquisas com o grão, o IAC é um instituto de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, com sede em Campinas. O IAC está presente em campos de médio a grande porte de produção da laranja e trabalha desenvolvendo estudos que solucionem os problemas da cultura, como pragas, doenças e outros fatores limitantes. São colhidas, anualmente no País, mais de 18 milhões de toneladas de laranja, cerca de 30% da safra mundial da fruta. Maior produtor de laranja do mundo, o Estado de São Paulo responde por mais de 28,8% do total produzido no globo, de acordo com dados de 2012 do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Localizado no centro da cidade, o IAC não passa despercebido pelos passantes pedestres ou em veículos automotivos que circulam pela Av. Barão de Itapura no Jardim Guanabara. O prédio histórico, que já passou por reformas para manter seu aspecto imperial, ocupa a quadra e chama a atenção pelo seu estilo colonial e os portões imponentes. Contudo, mesmo estando acessível e a vista de muitos, em uma região de grande circulação na cidade, muitos não sabem qual o real significado e trabalho do instituto. Antes denominado Estação Agronômica de Campinas o instituto está presente, há 128 anos, na vida dos brasileiros, exercendo influência desde os alimentos básicos do cotidiano até serviços de tecnologia genética, segurança no trabalho e 116

PELO IAC COM O USO DAS TÉCNICAS DE MELHORAMENTO

DE ONDE VEM O CAFÉ, QUE REPRESENTA 3% DO AGRONEGÓCIO PAULISTA? O CAFÉ DE TODO DIA FOI DESENVOLVIDO PELO INSTITUTO AGRONÔMICO, O ARÁBICA, AQUELE QUE GERA A BEBIDA DE GARRAFA, VEM DO IAC. 90% DAS CULTIVARES DE CAFÉ ARÁBICA PLANTADAS COMERCIALMENTE NO BRASIL FORAM DESENVOLVIDAS PELO IAC E SÃO REPRESENTADAS, PRINCIPALMENTE, PELAS CULTIVARES CATUAÍ E MUNDO NOVO EM SUAS DIVERSAS LINHAGENS COMERCIAIS. O INSTITUTO JÁ DESENVOLVEU 65 CULTIVARES DE CAFÉ ARÁBICA. AS CULTIVARES MUNDO NOVO E A CATUAÍ REPRESENTAM 90% DO PARQUE CAFEEIRO NACIONAL.

GENÉTICO DE PLANTAS, UMA DAS PRINCIPAIS FRENTES DE PESQUISA DO INSTITUTO.

FRUTAS “TROPICALIZAÇÃO”

DA

FRUTICULTURA PAULISTA É OUTRO RESULTADO DE PESQUISA DO IAC, É PROTAGONISTA NESSA ÁREA. A CIÊNCIA

AGRÍCOLA

TECNOLOGIA O

FORNECEU

ESSENCIAL

DESENVOLVIMENTO

PARA DOS

PRODUTOS EM DIVERSAS REGIÕES E DIFERENTES ÉPOCAS. HÁ MAIS DE 30 ANOS, AS FRUTAS ESTÃO NAS GÔNDOLAS O ANO TODO. O INSTITUTO VIABILIZOU O CULTIVO NO ESTADO DE SÃO PAULO DE FRUTÍFERAS ATÉ ENTÃO ADAPTADAS SOMENTE A REGIÕES DE CLIMA FRIO.

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HIDROPONIA IAC FOI PIONEIRO NA DIFUSÃO DAS CULTURAS HIDROPÔNICAS NO

BRASIL,

DÉCADA COM DE

A

DE

NA 1990,

REALIZAÇÃO

CURSOS

PARA

TRANSFERÊNCIA DE

TECNOLOGIA

AOS

PRODUTORES,

APRESENTANDO

A

FORMA CORRETA DE MANEJO DOS CULTIVOS E OS BENEFÍCIOS. AS HORTALIÇAS HIDROPÔNICAS SÃO COMERCIALIZADAS COM RAIZ E DURAM MAIS TEMPO NA GELADEIRA. APRESENTAM TAMBÉM VÁRIOS BENEFÍCIOS PARA O PRODUTOR, COMO USO MAIS EFICIENTE DA MÃO DE OBRA MENORES CUSTOS DE PRODUÇÃO E USO DE ÁGUA.

TRIGO O INSTITUTO JÁ LANÇOU OITO VARIEDADES DO GRÃO, ADOTADAS NO PARANÁ, RIO GRANDE DO SUL E EM MINAS GERAIS. AS PRINCIPAIS VARIEDADES DO INSTITUTO ESTÃO EM 20% DOS CAMPOS PAULISTAS

embalagens. Sua atuação garante a oferta de alimentos à população e matériaprima à indústria com pesquisas de sistemas de produção de mais de 100 tipos de plantas, cooperando para a segurança alimentar e para a competitividade dos produtos nos mercados interno e externo. As tecnologias desenvolvidas pelo IAC, por meio do Centro de Citricultura “Sylvio Moreira”, estão em praticamente todo o parque citrícola nacional. O Instituto tem produzido e promovido novas variedades-copa e porta-enxertos de citros mais produtivos, com maior resistência às principais pragas e doenças e com qualidade de fruta, tanto para a indústria, como para o mercado de frutas frescas.

E 5% NOS BRASILEIROS. PÃO, PIZZA, MACARRÃO TODOS ESSES PRODUTOS CULINÁRIOS TÊM UMA MATÉRIA-PRIMA EM COMUM, O TRIGO, QUE ANTES DE SER PLANTADO, PASSA PELOS CAMPOS EXPERIMENTAIS E LABORATÓRIOS DO IAC.

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NÚMEROS Mas as pesquisas não se restringem a citricultura. Seu corpo de servidores conta com 161 pesquisadores científicos e 319 funcionários de apoioe sua área física de 1.279 hectares de terras abriga a Sede, Centro Experimental Central e 11 Centros de Pesquisa distribuídos entre Campinas, Cordeirópolis, Jundiaí e Ribeirão Preto. Área ocupada com casas de vegetação, laboratórios, demais infraestrutura adequada aos seus trabalhos. Além da laranja o IAC é responsável pelo desenvolvimento de inúmeras culturas, como café, feijão, trigo, frutas e outros serviços de pesquisa e desenvolvimento relacionados ao agronegócio. 119


Os bairros com as piores calçadas

A

POR THALITA SOUZA

©1ARQUIVO PESSOAL

cidade de Campinas registrou um aumento no número de notificações por problemas em calçadas e terrenos no primeiro trimestre deste ano. Segundo a Prefeitura, a média mensal registrada

tijolos, sacos de cimento, telhas quebradas e fragmentos de concretos amontoados. Quem passa pelo local, também parece contribuir: papéis, garrafas e sacos plásticos são largados sobre a sujeira acumulada. O espaço fica tomado pela sujeira e obstruindo a passagem de pedestres. A mais ou menos 25 metros à frente, a Rua Vinte e Quatro de Fevereiro se encontra outro ponto que mais chama a atenção. Sacos de lixo juntamente com restos de eletrônicos e até filtros para

MULTA As multas aplicadas pelo Cofit variam de acordo com as irregularidades encontradas pelos fiscais, pelas notificações ou pela extensão da calçada, de acordo com a nova lei. Com a mudança na lei, novas normas técnicas também entram em vigor. A área para a passagem do pedestre, por exemplo, era de 90 centímetros. Agora precisa ter, no mínimo, 1,20 metro de largura e não pode ter nenhum obstáculo, nem mesmo lixeira. Donos de imóveis e inquilinos poderão ser multados se as calçadas estiverem fora da norma. Diante desta situação, a Prefeitura vai passar a fazer uma cobrança dupla aos proprietários que não efetuarem as manutenções dentro do prazo para adequação. Além da autuação, o responsável deverá pagar pelo reparo que será efetuado pela Prefeitura. Já para quem for flagrado realizado descarte de lixo, o autor é multado em R$ 500 e, em caso de reincidência, a multa é de R$ 5 mil.

RECLAMAÇÕES Na calçada do bairro Jardim Garcia, o acúmulo de lixo em frente á residência de moradores incomoda

em 2014 eram 212 casos mensais, contra 334 neste ano. O campeão de notificações no último mês foi o bairro Jardim Garcia, no total de 8 reclamações por lixo em calçadas. Na Rua Ulisses da Rocha Ventura, não é necessário andar muito para encontrar os primeiros problemas. São restos de construção como pedaços de madeiras, 120

água quebrados estão descartados na calçada. “Conviver com todo esse lixo virou rotina. É horrível ter que ficar desviando de entulhos enquanto se caminha pelas ruas deste bairro. Uma vergonha”, afirma a moradora Janaina Silva (37). A dona de casa ainda reclama da alta freqüência de roedores e insetos rasteiros.

A Secretaria Municipal de Serviços Públicos, por meio da Coordenadoria de Fiscalização de Terrenos - COFIT, é a responsável pela fiscalização e notificação da limpeza de terrenos abandonados e execução de calçadas. A fiscalização é realizada através de petições dos moradores, pelo telefone 156.

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Esqueceram de mim?

Em Campinas 7.500 crianças estão fora da escola por falta de vagas nas creches municipais, número que chegava a 11.000 no final de 2014.

POR RENATA ROSICA/ FOTOGRAFIA FERNANDA SUNEGA

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falta de vagas cria um problema maior para Campinas. A superlotação das salas que existem. As famílias tentam conseguir vagas na justiça. Em 2013 cerca de 1.200 famílias recorreram a Mandados de Segurança para garantir a matrícula de seus filhos. Em 2014 esse número passou de 3.300 liminares concedidas. Segundo o Conselho Tutelar, são atendidas em médias 20 famílias por dia por falta de vagas em suas quatro unidades na cidade. 80% das famílias são trabalhadores que precisam do período integral. Entra prefeito sai prefeito e ninguém consegue atender a demanda por creches em período integral em Campinas. É sabido que as creches e pré-escolas públicas municipais têm boa qualidade de acolhimento, muito superior até a muitas particulares. Existe um comprometimento muito maior do servidor, um planejamento pedagógico cuidadoso e baixíssima rotatividade de professores e monitores. 122

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Glória Lopes, jornalista, mãe de Sofia de 5 anos, esperou dois anos pela vaga em período integral, e teve que recorrer aos parentes para deixar sua filha e conseguir trabalhar. Hoje, Sofia, depois de dois anos no período integral, foi transferida de escola e para o meio período. “A falta de vagas nas creches públicas é um problema que não afeta só a criança, mas a família inteira. Eu não entrei na justiça por entender a precariedade da situação, você acaba ajudando a superlotar as salas e sobrecarregar os monitores, mas fico imaginando quem não tem a quem recorrer, só sobra a justiça mesmo.”

NÃO IMPORTA QUEM ESTÁ COM A CANETA

Em 1998, uma Ação Civil Pública (ACP) impetrada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por meio da Vara da Infância e Juventude de Campinas, exigia respostas da Prefeitura da cidade sobre a situação da falta de vagas nas creches e pré-escolas municipais e medidas para saná-las. A gestão nessa época era do prefeito Chico Amaral (PPB - 1997-2000). Segundo o Promotor Público Rodrigo Augusto de Oliveira, ao que tudo indica, a Prefeitura apresentou um plano para a expansão da rede até 2004. Os resultados não foram satisfatórios, e na gestão Izalene Tiene (PT - 2001 a 2004), foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em o poder público foi obrigado a criar 11.951 vagas entre 2005 e 2008. Já na gestão do Dr. Hélio (PDT - 2005 a 2011) a Prefeitura chegou a criar 6.870 vagas, mantendo um déficit ainda alto, de mais de 5 mil vagas. Com o não cumprimento do TAC, em 2009 teve início a fase de execução da multa. Agora, na gestão de Jonas Donizetti (PSB - 2013 a 2016), o município recebe mais uma sentença, no valor de R$ 4.185.663,00, emitida pelo desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Pinheiro Franco. A demora na execução se deve a inúmeros embargos da Prefeitura contra o valor a ser pago. Segundo o Departamento Jurídico da Prefeitura de Campinas, na primeira sentença, ainda em 2009, o valor da multa chegava R$ 100 milhões. 124

A IMPORTÂNCIA DA PRIMEIRA INFÂNCIA O que acontece na infância não fica na infância. O desenvolvimento da criança na primeira infância, que vai de 0 a 5 anos, sustentará sua personalidade para o resto da vida. A importância do núcleo familiar e do núcleo pedagógico (creches e pré-escolas) nessa fase, garantem a criança um desenvolvimento pleno de seu cérebro e de sua capacidade de se relacionar com outras crianças e com o mundo. Pesquisas indicam que nos primeiros anos de vida a criança cria entre 700 e 1000 novas ligações sinápticas por segundo, ela está aprendendo com tudo que vê e sente. Quando crescemos essas ligações são menos frequentes, pois o cérebro já consegue distinguir o que é importante ou não para se armazenar.

O investimento em desenvolvimento na primeira infância cria os alicerces de uma sociedade próspera e sustentável. Esse é o título de um trabalho dos professores de Harvard Jack P. Shonkoff e Julius B. Richmond - Child Health and Development que diz: “Os princípios básicos da neurociência indicam que oferecer condições favoráveis ao desenvolvimento infantil é mais eficaz e menos custoso do que tentar tratar as consequências das adversidades iniciais mais tarde. Para tal, uma abordagem equilibrada ao desenvolvimento – emocional, social, cognitivo e de linguagem – permitirá que todas as crianças cresçam mais preparadas para o sucesso na escola e, posteriormente, no trabalho e na comunidade.

No Brasil, a Constituição Federal garante em seu artigo 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Em seu artigo 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: Inciso XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas. Subtrair esses direitos e necessidades das crianças e das famílias é empurrar com a barriga um problema que pode trazer consequências indesejáveis para toda a sociedade, e o poder público que não fez o dever de casa, vai se encontrar com o problema lá na frente.

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O QUE A SOCIEDADE ESTÁ FAZENDO? Em 2013 um grupo de famílias que não conseguia matricular seus filhos nas escolas municipais de Campinas cria o Movimento Quero-Creche, que juntamente a educadores organizaram várias de atividades e manifestações para recolher assinaturas num abaixo-assinado, pedindo mais verbas para a educação no Orçamento Municipal. Um documento com 6 mil assinaturas foi entregue no dia da votação do Orçamento para 2014. Cerca de 300 pessoas entre pais, crianças e professores causaram um certo mal-estar entre os vereadores, que pareciam desconhecer o tamanho do problema da falta de vagas nas creches. O Movimento foi ouvido e o abaixo-assinado foi entregue. Uma comissão de vereadores foi

formada para acompanhar o problema. Nessa mesma sessão um projeto de lei do vereador Arthur Orsi, que estava havia tempos numa gaveta, foi ressuscitado e votado. Era o Bolsa Creche – lei que prevê um repasse em dinheiro para as famílias que não conseguem vagas nas EMEIs e CEMEIs. Porém o Bolsa-Creche ainda está na Prefeitura à espera de regulamentação sobre os critérios das famílias que receberão o benefício e se o valor será estipulado por família ou por filho, entre outros. Para Renato Nucci Junior, um dos pais do Movimento Quero-Creche, o Bolsa-Creche é um paliativo que não vai sair do papel. “O que precisamos é do comprometimento da prefeitura no planejamento da expansão da rede e

NOVA AÇÃO CIVIL PÚBLICA da garantia da participação da sociedade nesse debate. A falta de vagas é a consequência do não se planejar. A infraestrutura é deficitária e faltam professores e monitores. As creches estão superlotadas sobrecarregando os funcionários. Nós também questionamos a privatização da educação, por exemplo, as Naves-Mães são controladas por Organizações Sociais, seus trabalhadores não são servidores públicos, trabalham o dobro e recebem a metade do salário dos servidores da rede, acarretando outros problemas devido a alta rotatividades entre esses trabalhadores . Esse não é modelo de educação que queremos para as nossas creches e escolas.”.

Impossibilitado de abrir nova ACP sobre a falta de vagas até que seja transitado em julgado a ACP de 1998, o Ministério Público, depois de receber inúmeras denúncia de professores achou procedente uma nova ACP, agora questionando a superlotação de salas e falta de pessoal para atender a demanda. Nossa reportagem recebeu a notícia do próprio promotor, Dr. Rodrigo Augusto de Oliveira, que exige respostas da prefeitura conforme o documento que nossa reportagem teve acesso.

© RENATA ROSICA

Movimento Quero - Creche pede educação pública de qualidade, em período integral e para todas as crianças

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Família a curto prazo Pais acolhedores recebem em suas casas crianças em medida protetiva e é muito dificil lidar com a despedida TEXTO E FOTOGRAFIA POR BRUNO ALVES

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Rosely e Luis Cardoso realizaram o primeiro acolhimento familiar entre 2013 e 2015

criança ou adolescente que é incluída em uma medida protetiva pela Justiça, na maioria das vezes, vai para um abrigo. No abrigo, a situação da família será analisada para saber se existem condições para o retorno da criança. Durante o tempo que a criança ou adolescente está no abrigo, o Estatuto da Criança e Adolescente(ECA) prevê que se assegure a preservação dos vínculos familiares e a integração em família substituta (Artigos 92 e 100). Em Campinas, são dois órgãos que trabalham no sentido de proporcionar para crianças e adolescentes o convívio e a integração em um lar provisório: o Serviço de Acolhimento e Proteção Especial à Criança e ao Adolescente (SAPECA) e o Serviço de Acolhimento “Conviver”. Os dois estão vinculados a Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social. O acolhimento familiar é uma alternativa para que a criança ou adolescente possa viver em uma família, em vez do abrigo. O período máximo para o acolhimento é de dois anos, se neste período a família de origem não estiver preparada para o retorno da criança, ela será encaminhada 129


para adoção. A coordenadora do SAPECA, Adriana Pinheiro, afirma que “não existe uma cultura de acolhimento familiar no Brasil, por isso é importante que as pessoas se informem sobre o trabalho”. O processo de seleção das famílias aptas para o serviço dura em torno de 6 meses. As famílias interessadas participam de oficinas que abordam aspectos do acolhimento, legislação, violência doméstica e desenvolvimento infantil. Diante de todas temáticas as famílias dispostas a acolher recebem as crianças, mas ainda continuam com acompanhamento da instituição até que o acolhimento termine. Rosely e Luis Cardoso realizaram o primeiro acolhimento familiar entre 2013 e 2015. Eles receberam uma menina recém nascida de 30 dias com diversos problemas respiratórios. O depoimento é carregado de emoção, pois foram dois anos de convivência com a “pequena barbie”. Luis fala que “ensinar ela a andar, falar e acompanhar o crescimento foi uma experiência renovadora”. Rosely conta que reviveu a experiência de ter uma criança sob sua responsabilidade e isso a fez se sentir viva e capaz de colaborar com a sociedade e o meio social. Para os dois a parte mais difícil foi deixar a menina ir para a adoção com uma família desconhecida. A coordenadora do SAPECA explica que essa é uma preocupação constante toda vez que termina um acolhimento. E que “as famílias acolhedoras precisam romper um vínculo formado durante todo o período, por isso o atendimento psicológico é essencial nesse momento.” Campinas tem 522 crianças e adolescentes em 29 abrigos entre casas de passagens, orfanatos e casa lar. E o trabalho de acolhimento familiar caminha a passos vagarosos. No SAPECA são apenas 12 famílias acolhedoras e o trabalho é focado nas crianças de 0 a 3 anos de idade, porque está é uma fase do desenvolvimento que é necessário um cuidado mais próximo. A secretaria municipal de assistência social, Jane Valente, afirma que “existe um trabalho intenso para capacitar mais famílias acolhedoras no SAPECA e Conviver, mas ainda há muitas pessoas que confundem 130

adoção com acolhimento.” Essas pessoas procuram o serviço acreditando que isso pode acelerar o processo o processo de adoção, o que na verdade não acontece, “pois o acolhimento familiar não tem nenhuma relação com os processos de adoção”. Para a psicóloga, Adriana Pereira, o acolhimento familiar pode acrescentar conceitos e virtudes importantes para o convívio social da criança e adolescente. Ela completa que “precisa ser bem orientado e em acordo com as especificidades de cada realidade, tanto das famílias de origens, como as acolhedoras e as crianças”. Campinas conta com o serviço há 20 anos e durante esse tempo Adriana esteve envolvida nas fases do projeto. “Muitas cidades vêm aqui para conhecer a metodologia e desafios encarados pelo projeto e isso nos enche de orgulho, afinal nossa cidade é hoje um modelo em acolhimento familiar”, revela a coordenadora do SAPECA.

Acolhimento familiar é uma medida protetiva. Nos casos em que for necessária e provisória, a retirada da criança ou adolescente de sua família de origem e entregue a uma família acolhedora, que obtem a guarda provisória.

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Adoção segue tramites legais próprios. A justiça realiza um trabalho de mediação entre as crianças ou adolescentes que precisam de famílias e as famílias que de disponibilizam a adotá-los. Os adotantes recebem a guarda definitiva. Campinas tem 522 crianças e adolescentes em 29 abrigos entre casas de passagens, orfanatos e casa lar.

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Dicas

8 dicas para comprar em sebos Procurando por livros,quadrinhos, CDs, DVDs ou vinis, com preço mais em conta ou difíceis de encontrar? TEXTO E FOTOGRAFIA POR ISABELA LINO

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rodutos esgotados, raros e principalmente semi-novos tem endereço certo: o sebo. “Sebo ou alfarrabista é o nome popular dado a livrarias que compram, vendem e trocam livros usados. Todos os sebos são livrarias, mas nem todas as livrarias são sebos. O trabalho deste livreiro é considerado uma atividade essencial para historiadores e pesquisadores em geral. Os significados das palavras memória, preservação, cultura, educação e conhecimento encontram no sebo um grande aliado”, define o historiados Ricardo Francis. Os sebos são um ótima opçãopara aqueles desejam encontrar livros, discos, CDs, DVDS, gibis por um preço mais em conta e para aqueles que amam ler e estão em busca de um livro mais antigo. Para quem nunca comprou em um sebo, ou não tem a “manha” de pechinchar preço na hora de comprar em um, nós separamos 8 dicas para vocês. 132

Parede do sebo Top Gibi exibe um coleção variada de artigos à venda.

HENRIQUE MARQUES escolhe livros de vestibular para comprar no sebo.

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A MELHOR MANEIRA DE ECONOMIZAR É NÃO GASTANDO NADA 8 DICAS PARA COMPRAR EM SEBOS. ENTREVISTAMOS DOIS FREQUENTADORES ASSIDUOS DE SEBOS E SEPARAMOS AS MELHORES DICAS PARA VOCÊ.

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Consulte livrarias que possuem lojas online. Muitas vezes, as lojas podem estar em promoção e o livro que você quer tanto comprar pode estar ao preço do sebo, mas usado. Essa pode ser a sua “carta na manga” para negociar um preço mais em conta com o vendedor. Se atente aos detalhes! Como você sabe, livros, discos, DVDs, CDs e gibis em sebo, normalmente são produtos usados, ou seja, que já passou por outras mãos antes. Observe se existe alguma mancha, risco, ou rasgo neles. São esses detalhes que podem baratear o seu produto. Atenção aos produtos mais procurados no mercado. O fato de um produto ser antigo não quer dizer necessariamente que ele seja raro, o que determina se o produto é raro ou não, é a procura do mercado. Portanto, procure em livrarias e em sebos se o artigo que você quer comprar tem muita procura. A melhor maneira de economizar é não gastando nada. Isso mesmo, existe uma maneira de adquirir novos livros sem gastar um centavo. A maioria dos sebos costumam fazer permuta. A Permuta é um tipo de contrato onde uma das partes é obrigada a dar algo em troca de alguma coisa, que não seja em moeda financeira. Portanto, veja se existem livros ou outros objetos que possam ser trocados por aquele que você está procurando para comprar.

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O Livralivro (www.livralivro.com.br) é um site voltado para a troca de livros. Basta se cadastrar e disponibilizar os livros que você pretende trocar. Assim que alguém solicitar um livro seu, você ganha o direito de solicitar um livro de qualquer outro usuário. Uma boa opção para quem não quer sair de casa, é o site Estante Virtual (www.estantevirtual.com. br), que funciona como um ‘mercado livre’ de sebos, onde existem várias lojas que vendem seus livros. Barganha: O dono do sebo tem que lucrar também, mas como se trata de um comércio mais “informal”, sem um preço 100% tabelado, podemos tentar ganhar um descontinho em nossa compra. Uma boa estratégia é demonstrar o interesse por um volume, perguntar o preço, deixar de lado por um tempo e depois tentar fazer um pacote com outros livros fazendo um pouco de desconto em todos os exemplares. Ex: esse livro custa R$10,00 se eu levar esse outro junto você me vende por R$15,00 os dois?

SEBOS DE CAMPINAS CONTAM COM SERVIÇOS ESPECIALIZADOS Localizado no centro da cidade de Campinas, mais especificamente na rua Sacramento, o Sebo Casarão é referência em restauração de discos de vinis e livros. O Sebo já existze há mais de dez anos. Seu Gilberto Vieira, 70, já aposentado, tem dedicado anos de sua vida a restaurar essas “preciosidades”, que são a verdadeira paixão dele. O aposentado tem o maior cuidado com os produtos que vão a venda “Nós fazemos de tudo para restaurar os ítens. Os discos passam por uma verificação e se estiverem riscados nós tentamos restaurá-los. Se o cliente quiser o disco mesmo com a condição de estar riscado, no caso, muita gente gosta de comprar para enfeite, ele é informado no momento da compra.” Mesmo com o diferencial do sebo, Vieira afirma que isso não encarece o produto. O que o encarece é o tipo de venda e a especificidade dele. Ele

conta que já chegou a vender um disco por R$ 4 mil reais “por ser um disco raro, com poucos exemplares no Brasil”. Já o conceito de raridade de Maurício Motta, dono do sebo especializado em gibis é um pouco diferente. Ele acredita que o fato de um produto ser antigo não quer dizer necessariamente que ele seja raro, o que determina se o produto é raro ou não, é a procura do mercado. Dono do sebo há 4 anos, Maurício é fã de gibis desde criança, sua coleção já está batendo na casa dos 20 mil. Motta sempre participou de fóruns e, clubes e acabava sempre com alguma coisa o outra repetida em sua coleção. Por conta disso, começou a realizar feiras de antiguidades por conta própria. Para a sua feirinha, ele escolheu o nome de “Top Gibi”, que hoje leva o nome do sebo. Antes de se tornar dono do sebo,

Motta trabalhou 5 anos como ajudante do antigo proprietário. E foi exatamente o gibi que o levou para o “mundo” dos sebos. O antigo dono precisava de ajuda para organizar alguns gibis: “Comprou um lote gigantesco de gibi, nem eu sabia que eram tantos gibis assim. Eaí de sábado eu vinha, trazia algumas caixas de gibi e eu ia organizando para ele e depois eu vim trabalhar definitivamente pra ele.”, lembra Motta. A negociação com quem deseja vender o gibi funciona da seguinte forma: a pessoa leva o gibi para avaliação. Alguns critérios são levados em conta como estado de conservação, o ano em que foi produzido e se existe procura. A negociação não envolve dinheiro “a pessoa pode trocar por qualquer mercadoria que esteja dentro do valor em que o produto foi avaliado”, explica o proprietário do sebo.

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Seja qual for a sua compra, a nota fiscal deve ser exigida. Ela é um documento importante no caso de eventual utilização da garantia. Produtos usados também possuem garantia, conforme estabelece o artigo 24º do Código de Defesa do Consumidor, mesmo que haja a informação que o cliente adquiriu o produto “no estado em que se encontra”. As dicas são de Henrique Marques, 29 e Paula Buratto 27, frequentadores assíduos de sebos desde a adolescência. 135


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Foto montagem: Michael Tompsett/Priscilla Geremias

tempero árabe O Brasil é o principal país escolhido como destino dos refugiados da Síria. Em Campinas, a família Zinou trouxe na bagagem desde Aleppo a culinária típica do oriente.

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Foto montagem: Far Horiizons/Priscilla Geremias

POR PRISCILLA GEREMIAS

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s Sírios se tornaram a maior população de refugiados no Brasil. O país é o principal escolhido entre as famílias que procuram escapar da guerra que arrasta o país há cinco anos e já matou mais de 200 mil pessoas. São cerca de 1,6 mil cidadãos vindos da Síria que vivem refugiados no Brasil, segundo estatísticas do Comitê Nacional para Refugiados (Conare). O comitê registrou em 2014 um recorde de 1.326 solicitações, um aumento de quase 9.000% em relação ao início da guerra na Síria, na época apenas 16 deles viviam no país como refugiados. A família Zinou faz parte dos milhares de refugiados da Síria que tentam recomeçar a vida no Brasil, utilizando os temperos e dotes culinários que trouxeram na bagagem para o investir no restaurante Castelo, em Campinas. O senhor M.Suhib Zinou, de 59 anos, sua esposa Chaza Alturkman, de 51 anos, e seus filhos Bana Zinou, Ayla Zinou e Kamel Zinou, de 31, 26 e 20 anos respectivamente, chegaram na cidade em abril do ano passado fugindo da guerra no país natal. A escolha da cidade em que viver no Brasil, foi por causa de um amigo sírio, casado com uma brasileira, e que vive em Campinas há cerca de 30 anos. 140

Vindos de Aleppo, segunda maior cidade da Síria, localizada a 350 km da capital Damasco, a família Zinou perdeu tudo o que tinha no país, a casa, o emprego e a oportunidade de estudo. “Sou engenheiro civil, trabalhei em uma empresa de elevadores, fiquei três anos sem trabalhar, tudo ficou destruído”, afirma M. Suhib. “Nós precisávamos começar uma vida nova, nós perdemos tudo na Síria por causa da guerra, chegou um momento que não podíamos mais ficar lá. Meu pai sem trabalho, eu e meus irmãos sem estudar”, diz Ayla, estudante de Medicina. Ayla pretende fazer residência médica no Brasil, e estuda todos os dias para conseguir ingressar no programa do governo federal Mais Médicos. Kamel, também interrompeu os estudos e agora se prepara para ser aprovado na prova de transferência para o curso de Engenharia Elétrica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo os Zinou, há muitas coisas semelhantes no Brasil e na Síria, principalmente as pessoas, mas no país sul americano é mais fácil recomeçar. “Aqui tem tudo” disse em árabe M.Suhib. Nós últimos anos da família na Síria, no país não havia energia e água, “eletricidade só 3h horas por dia”, afirma Ayla.

O contato com os amigos e família que ainda vivem na Síria é raro. “A situação por lá ainda é ruim, o país sofre cortes na internet frequentemente desde que o conflito começou, por isso é difícil conversar com as pessoas”, explica Ayla. A família pratica a religião muçulmana em casa, não frequentam nenhuma mesquita da cidade. Visitam poucos lugares, por viver e trabalhar na região central, costumam ir as praças e alguns bares no bairro Cambuí. Os amigos são na maioria estrangeiros, também refugiados de outros países e estadunidenses, que chegaram como turistas e passaram a viver no país. Além de São Paulo e Ilhabela, não conhecem outra cidade do Brasil. “Nos três primeiros meses não saía de casa, não tínhamos amigos aqui, foi difícil nos acostumarmos e perceber que este país é a nossa nova casa”, afirma Kamel. Apesar do contato com brasileiros por causa do restaurante e de viver em Campinas há um ano, os Zinou se vêem e transpassam ser ainda estrangeiros. Se simpatizam mas não querem “ser” campineiros,

gostam da comida, mas Ayla confessou que nunca experimentou brigadeiro. A família faz parte dos 6.248 estrangeiros refugiados que vivem na cidade, segundo dados do Censo do IBGE 2010. Muitos deles se sentem “em casa” somente ao encontrar outras pessoas na mesma situação. “Seremos sempre estrangeiros, mas, agora, Campinas é o melhor lugar para estar. Vou viver em Campinas até morrer”, diz M. Suhib.

LÍNGUA PORTUGUESA É a maior dificuldade enfrentada pela família atualmente, dos cinco, apenas dois filhos, Ayla e Kamel, falam português parcialmente bem. Os pais e a outra irmã estão aprendendo, mas mesmo após um ano o idioma é uma barreira.

“Assim que cheguei ao Brasil, sabia poucas palavras em portugûes, então para qualquer pergunta que me faziam eu respondia, ‘verdade’, ‘certo’, ‘ótimo’, ‘sim’”, diz Kamel aos risos. O jovem conta que uma das experiências mais engraçadas envolvendo a língua aconteceu na Copa do Mundo do ano passado, ansioso para falar em português e torcer para o Brasil. “Estava euforico e não conseguia falar com ninguém, uma moça começou a falar comigo e eu não entendia nada”, diz Kamel.

RESTAURANTE “Para vender comida você não precisa falar muito”, diz Ayla ao ser questionada sobre como surgiu a ideia de abrir o restaurante Castelo, localizado na Rua Conceição, há 400 metros do Centro de Convivência. 141


música atual e antiga da continento asiático, que agrada quem vai desfrutar da variedade de pratos.

Chaza sempre cozinhava em casa para os amigos e visitas, e viu no restaurante uma oportunidade de manter a família estável financeiramente. “Só precisamos saber o que e onde comprar, o nome dos 142

vegetais, os preços, e vamos nos acostumando”, explica Chaza. O restaurante é uma ótima opção de comida árabe por quilo e com opções sem ingredientes de origem animal. Dentre os pratos do cardápio, destaca-se o Falafel, um bolinho de grão-de-bico misturado com condimentos. Há também peixes, kibe assado e frito, Yalanji (charuto de uva recheado com arroz e vegetais, com molho de roma e nozes), Tabule, Homus, Babaganoush, Mjadra, charutinho de arroz, esfirra de zátar, Kaiek Sírio e doces árabes. O ambiente é agradável e faz com que os clientes sintam o clima árabe. No restaurante os caixam de som trazer o melhor da

O serviço de bufê no restaurante é das 12h às 15h, no período noturno, o foco são porções, cervejas e sucos. O restaurante também oferece alguns quitutes brasileiros como pastel e espetinho de carne e frango. No estabelecimento, além da família, trabalham também dois jovens sírios. O nome Castelo, é uma referência ao Castelo de Aleppo, um dos mais antigos do mundo, que existe há pelo menos 3 mil anos antes de Cristo. E foi classificado como patrimônio mundial da humanidade em 1986.

SERVIÇO Restaurante Castelo Rua: Conceição, 511, CentroCampinas Horário de atendimento: de terça-feira a domingo; almoço das 12h às 15h e noite das 18h às 21h. Telefone: (19) 3381-7012 143


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