Faces muitas vidas muitas hist贸rias
Faces muitas vidas muitas hist贸rias
Produção Editorial “Faces” é um projeto dos alunos da turma 03 de Jornalismo Literário - Noturno 2015 do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas Editoras e diagramadoras: Giselle Reis e Bruna Mascarenhas Escritores: Camila Araújo, Ciro Oliveira, Daniela Castro, Danilo Leone, Fabiana Oliveira, Fernanda Lagoeiro, Gabriela Troian, Guilherme Luz, Isadora Cipola, Jéssica Nespoli, Jonathan Fuzari, Joycy Cintra de Jesus, Keyla Cavalcante Batista, Letícia Oliver, Lucas Badan, Luiza Aguiar, Maria Eduarda Moreira, Marina Lopes, Martha Raquel, Priscilla Geremias, Rayssa Iglésias e Tiago Soares. Professor orientador: Fabiano Ormaneze Arte da capa: Designed by Freepik.com Junho 2015
ÍNDICE
Apresentação
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Pele de tambor
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Leve como uma pena e forte como uma rocha
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Ídolo dentro e fora das quadras
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Um pioneiro em Campinas
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O parto da resistência
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"Eu devo muito à Ponte Preta. Foi onde aprendi a ser homem”
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Um trenó diferente
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Quando a vida vira um jogo
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Voos da vida
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E lá se vai mais um fio
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Luana nunca quis ser César
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Só mais 10 minutos
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Corte de tesoura no fio da navalha
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Dígito 003
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E no jardim da vida, Margarida nasceu
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Paula, a Grande
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Superando todas as barreiras
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A minha casa ĂŠ o cume
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A mestra do Braile
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Precisamos plantar TC
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Festa, trabalho e pĂŁo
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Um homem conhecido como B A
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APRESENTAÇÃO
Que face tem o outro? Fabiano Ormaneze Professor de Jornalismo Literário na PUC-Campinas
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odos os dias deparamo-nos com dezenas, talvez centenas de pessoas. Que faces têm elas? Algumas nos parecem invisíveis ou, na passagem corrida dos nossos dias, até inexistentes ou imperceptíveis. Esse livro vai na contramão disso. Aqui, queremos demonstrar que, no dia a dia, ainda que não nos atentemos, encontramos dezenas, talvez centenas de histórias. Há duas formas de observar alguém: pelo que é e pela história que carrega. Ou seriam as mesmas coisas? Seriam apenas duas faces das muitas delas que todos temos? Você está diante de um e-book com perfis produzidos por alunos do quarto ano noturno da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas na disciplina de Jornalismo Literário. Nosso objetivo foi treinar o uso de recursos e estratégias literárias – como a narração cena a cena, a descrição e os diálogos – em textos jornalísticos que tenham como foco a história de vida, a tentativa de fazer um retrato de
alguém. O resultado são histórias muito diferentes, que mostram a diversidade de faces com as quais, diariamente, de modo automático ou não, esbarramos. Faces que nos cruzam, que nos encaram. Faces que deixamos passar. Faces que se revelam no contato respeitoso e baseado na alteridade. Faces que fazem embriões do nosso estilo de escrita. Que este livro possa inspirar outras dezenas e centenas de faces a se mostrarem por meio de perfis! Boa leitura!
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1 Pele de tambor ~Ciro Oliveira “Quem foi que disse quem te falo que em Campinas não havia jongueiro. O Dandá...”
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m meio aos orixás, ervas, pontos e santos, Alessandra Ribeiro descobriu-se umbandista logo por volta dos 9 anos de idade. Conectou-se muito antes com sua espiritualidade do que com o meio social. Hoje, aos 39, acredita que foi escolhida pela ancestralidade para abrir o baú das raízes africanas e devolver para a sua família a beleza dessas tradições que eram mantidas em quartos escuros. É formada em história, com mestrado e doutorado (ainda em andamento) na área de urbanismo. Mãe de uma filha de 17 anos, Alessandra não foge do papel maternal e já fala sobre Bruna com um sorriso no rosto e até mesmo um olhar saudoso. Nesse ano, recebeu do Centro de Tecnologia e Informação um prêmio que deu o reconhecimento de uma mulher negra acadêmica que desenvolve um trabalho social, cultural importante na região. Ela explica que esse reconhecimento é essencial, pois ir para a academia sem perder as raízes não foi fácil, uma vez que aquele lugar a lembrava todos os dias que ali ela não pertencia. E também no dia 19 de junho receberá um prêmio da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que escolhe personalidades do estado que realizam trabalhos de importância e referência para o estado. Já garante: “não recebo nenhum prêmio sozinha”, sempre agregando sua comunidade como parte dessa luta e desse reconhe-
cimento. Alessandra é coordenadora geral da Casa de Cultura Fazenda Roseira em Campinas, lugar que me recebeu e atua desde 2008. A Fazenda Roseira existe desde 1830, quando ainda era uma fazenda cafeeira, passando pela produção de gado e tendo a última família na década de 40, na qual permaneceram até o ano de 2007. A propriedade foi vendida para a chegada de um novo bairro e a área entorno da cerca, onde é a casa de cultura, virou equipamento público comunitário. Nesse processo, a área começou a ser depredada e a comunidade dito Ribeiro, junto de outros movimentos socioculturais, começou a cuidar do espaço. Hoje, a Fazenda é uma gestão compartilhada com a secretária de cultura de Campinas com autorização e uso, desta forma podem conservar e atuar com pequenas alterações para preservar a cultura e história do local. A comunidade é composta por cerca de 40 pessoas, incluindo núcleo gestor, de corpo e dança e os demais. A família de Alessandra, uma das maiores famílias negras de campinas, pisa no solo da fazenda desde a quinta geração da família, onde parentes foram escravizados. A consolidação vem com Maria Baltazar Neves, sua bisavó que nasce na lei do ventre livre (decreto que considerava livre todos os filhos de mulheres escravas nascidos a partir de 1871) e começa a traçar um perfil que permanece até os dias de hoje, incentivando seus filhos a ler e escrever. A mãe de Alessandra foi professora e hoje faz parte da comunidade que cuida da Fazenda Roseira. A família inteira nasce no discurso da Igreja Católica Apostólica Romana, com traços e tradições brancas. O traço da tradição africana foi recuperado por Alessandra com a Comunidade Jongo Dito Ribeiro.
Terreiro de galinha
O avô de Alessandra, Benedito Ribeiro, praticava jongo, mas ela nasceu sem saber o que era e como era o jongo. Ela
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me diz que resumidamente durante uma oficina ela se emocionou enquanto dançavam e cantavam jongo e desde então não saiu mais. Fazendo uma busca espiritual, ancestralmente, ela entende que aquele momento de emoção foi uma cobrança e um chamado que atendeu logo em seguida buscando entender mais sobre essas raízes e praticando. “Não é fácil você descobrir uma mina preciosa dentro do seu quintal e não entender porque ela não foi explorada” me conta a historiadora. Alessandra teve que entender, com a ajuda da faculdade, essa questão. Foi difícil para ela assumir essa posição ainda no estado de ignorância, mas quando estava mais articulada e entendeu que tudo aquilo fazia parte de sua herança cultural, e que, portanto, tinha direito de usufruir. Ela se sente rica, no sentido mais puro do conceito. Se sente rica de identidade e caminha no mundo com mais inteireza, com uma noção melhor e mais ampla do que é ser ela. Jongo é uma manifestação cultural que, segundo ela, lida com a ancestralidade e move energia. É uma dança circular, tocada com três tambores e um casal no meio. A brincadeira se dá na troca de casais e na amarração dos pontos. O casal que está no meio troca de lugar com outros jongueiros, sendo que somente mulheres podem tirar outras mulheres e homens tirar homens. Então, a mulher que entra na roda dispara “Sapeca Iaiá”, e o homem “Sapeca Ioiô”, para que quem está no meio dê o lugar. Já os pontos são as músicas cantadas, metáforas que refletem a algo que está acontecendo, e, é nesse momento que se percebe o quanto cada um sabe sobre o jongo. Meu primeiro contato com o jongo foi no ano de 2012, em que fiz um ensaio fotográfico, na semana da consciência negra. Ainda sem entender muito bem fui até a frente da igreja de Santo Benedito para fazer o ensaio. Foi uma tarde de intensa reflexão, pois nunca havia visto algo pulsar tanta cultura, resistência e festividade. Alessandra dançava em meio aos outros participantes e era pleno o seu semblante. Ela não dançava, fluía.
Hoje, líder da comunidade, Alessandra contou que quando estão diante de outras comunidades de jongo com tambores de 200 anos, mesmo que novos (praticam somente há 13 anos), dizem que os tambores deles são de 500 anos, pois há uma ancestralidade e uma coletividade latente. Os tambores, que era para ser guardados na casa da líder (Alessandra), muitas vezes são deixados na Fazenda Roseira, e é aí que ela percebe o quanto a comunidade se unificou, pois os tambores não ficam mais na casa do mestre. É como se esses pontos tecessem a vida dessa comunidade. Alessandra, com voz rouca e mesmo assim aveludada, cantou uma música de jongo na qual se encontra com a tradição e a époc que se reuniam para dançar jongo no quintal da mãe: “Lábios, lâminas. Lábios, lâminas. Por um triz não me cortou. Pelo tempo dessas ondas, esse mar já te levou. Oi negro Dito, oi negro Dito rei”.
Mamoeiro ficou de pé
O Brasil tem em suas veias mais da metade da população negra, são cerca de 101 milhões de habitantes negros no último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2013. Porém, ainda há um abismo social que permeia a vida dessa população. São esses as maiores vítimas de homicídio, pobreza e disparidade social. O país teve somente um presidente negro, Nilo Procópio Peçanha, que assumiu após a morte de Afonso Pena em 1909 e ficou até 1910. A taxa de analfabetismo entre os negros é mais de duas vezes maior que a dos brancos. Já entre as mulheres negras, a pesquisa revelou que em comparação com outros segmentos da população, elas são as que mais se sentem inseguras em todos os ambientes. Alessandra percebeu o que era ser uma mulher negra no Brasil aos 14 anos, quando enfrentou o racismo pela primeira vez. Era festa junina na escola Benedito Sampaio e sua sala iria
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se apresentar, mas ela estava sem par para dançar, por ser negra e gorda. Duas condições que são condenadas socialmente por fugirem dos padrões estéticos e também por não ser nenhuma das mulatas do Sargentelli. Seu primo, que não estudava na escola, se disponibilizou para dançar com Alessandra, mas a escola não autorizou. Assim, ela foi impossibilitada de dançar, pois ninguém queria dançar com ela e a escola não teve sensibilidade de perceber o racismo no ambiente escolar e inserir uma alternativa mais inclusiva. A verdade é que ela não se lembrava desse acontecimento há mais de vinte anos e somente no meio de nossa conversa que Alessandra me disse: “eu achei até hoje que meu primeiro contato com o racismo tinha sido com 16 anos, mas não, foi com 14 mesmo”. Foi nesse momento que ela percebeu que não ser loira, branca e de olho claro a impossibilitava de ter acesso a algumas coisas. A jongueira me conta que “a sociedade olha para mim e quer me enquadrar em um lugar que não me cabe, pelo estereótipo quer determinar o que posso ou não acessar”. O segundo momento que enfrentou o racismo foi aos 16 anos quando uma amiga dela a convidou para dançar como dama na festa de 15 anos, evento no qual nunca havia sido convidada antes. Novamente, ninguém queria dançar com ela, inclusive seus primos. Foi então que o filho de uma amiga da mãe dela, Fritz Paul, se ofereceu para dançar com ela. Um descendente de alemão bem alto, branco e loiro dançou com maior prazer. Ela me conta que a festa inteira parou para olhar os dois, de tão marcantes que eram juntos. Ainda emocionada, acredita que se libertou desses dois momentos de racismo que sofreu quando criança. Duas situações que antes causavam tanta dor, hoje ela encara como ferida cicatrizada e lição aprendida. O jeito inclusivo na comunidade do jongo veio dessas situações que exclusão que passou. Um ponto de jongo diz: “mato seco pegou fogo, mamoeiro ficou de pé”. A verdade é que o fogo se expande por entre as matas de todo o país. Em alguns cantos o fogo ainda é baixo e
em outros o incêndio já tem proporção estrondosa. Alguns homens acendem o fósforo, outras vezes o fogo é aceso de forma inconsequente e muitas inconsciente. Vários eucaliptos morrem pelo fogo, mas é nos mamoeiros que há resistência. A pele de tambor é grossa para aguentar as pancadas, mas a sonoridade ainda vai ecoar em muitas rodas de jongo.
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2 Leve como uma
pena e forte como uma rocha ~Marina Lopes
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e olhos cor de mel, sorriso largo, voz firme e cabelo castanho avermelhado. A professora Alessandra Lopes Camargo carrega uma grande história de vida com apenas 37 anos e com dois filhos criados, Vinícius, 17 anos e Giovanna de 14. Alessandra está entre os jovens que nascem pobres, no interior de São Paulo – Jaguariúna -, estudou a vida inteira em colégio público, mãe batalhadora, pai ausente e, com isso, não há muito o que se esperar do futuro, certo? Não. De todas as histórias tristes que vemos por aí sobre crianças que caem no mundo da marginalidade por estarem inseridas numa realidade monstruosa e de extrema pobreza, essa é uma história de superação, sonhos força e disciplina. A professora de História, Geografia e Sociologia soube muito cedo que, se quisesse realizar seus sonhos teria que estudar arduamente paraisso. Logo após se formar no ensino médio, Alessandra casou-se aos 17 anos, tendo seu primeiro filho, Vinícius, em 1996. No ano 2000, Alessandra teve Giovanna. Em 2002, a professora ingressou no ‘cursinho’ pré-vestibular do DCE da Unicamp, a Cooperativa do Saber. Por ser uma cooperativa de professores, o curso era acessível, no entanto,
Alessandra lembra, com muita facilidade dos detalhes daquela época - meados de 2002 - que não conseguira pagar o cursinho e, foi daí que surgiu a oportunidade de uma bolsa de estudos. Prestou a prova, passou e ainda assim, para sua situação financeira, não conseguia arcar com os custos da mensalidade, por não trabalhar neste momento e ter dois filhos pequenos. “No cursinho apareceu uma oportunidade, eu poderia chegar ao cem por cento deste benefício trabalhando lá. Produzia materiais para alunos com deficiência visual, na política de acessibilidade que a cooperativa possuía. Eu produzia mapas com relevo. Aprendemos a datilografar em máquinas de braile, com isso consegui bolsa de 100%” lembra a professora, com lágrimas nos olhos, dizendo que ao mesmo tempo em que ajudava os alunos, os mesmos a ajudavam também e destaca ter ganhado uma experiência inimaginável neste período. Neste primeiro ano de cursinho, Alessandra não passou na Unicamp, ficou para trás logo na primeira etapa, e mesmo assim, não desistiu. Tinha um sonho, passar na universidade pública, “eu não podia me dar ao luxo de desistir”. No segundo ano, a estudante redobrou a carga horária dos estudos. Alessandra acordava às 6 horas da manhã para estudar. Meio dia parava para arrumar seus filhos para escola. Voltava, e estudava de novo. Quando seus filhos chegavam, interrompia este ciclo e às 8 da noite quando eles dormiam retomava a rotina de estudos, até de madrugada. A professora em muitos momentos da entrevista olhava para cima evitando que as lágrimas caíssem, esse momento foi um deles. “Eu fazia café, estudava e às vezes eu colocava uma bacia de água no pé para não dormir e às 6 da manhã acordava para assistir o ‘telecurso’, para tentar vencer as minhas dificuldades básicas”. Neste momento a lágrima cai “eu sabia que tinha que me dedicar muito para realizar meu sonho”. Seu irmão mais novo, Diego, que estava presente na casa de Alessandra no momento da entrevista, passa na sala em que estávamos e lembra que sua irmã chorava quando ia ao cinema
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porque sabia que as horas em que ficava sentada naquela sala assistindo ao filme, eram horas perdidas de estudos. Em churrascos de família, em aniversários, Alessandra estava sempre focada nos livros e apostilas de estudos. No segundo ano de pré-vestibular, acontece uma tragédia na família. O tio mais querido, Alex, foi vítima de espancamento pela torcida do Guarani. Alex estava na fila do INSS em Campinas, com a camisa da Ponte Preta. O assassinato foi na noite anterior a última prova da Unicamp. Alessandra foi ao velório pela manhã e a tarde foi fazer a prova de inglês e Geografia. “Foi difícil porque a morte dele foi bastante traumática, mas eu tinha em mente de que o meu tio ficaria muito orgulhoso de mim, e eu tinha que fazer muito força para que aquele esforço do ano todo não fosse por água abaixo. Era o último dia, a última etapa, eu precisava manter minha cabeça no lugar”. Em fevereiro de 2004, os resultados foram os melhores da sua vida. Passou no curso de Ciências Sociais na UNESP, Unicamp (Universidade de Campinas) e FUVEST, nesta seqüência. Alessandra sabia que com dois filhos pequenos, casada e morando em Campinas, a Unicamp era sua melhor opção e seu sonho de adolescente. Em março ingressou na Universidade. O sonho foi crescendo e paralelamente as barreiras e dificuldades também. Separou-se logo no primeiro ano. Neste momento da entrevista, Alessandra, que até então mantinha a voz firme de uma heroína, falava rápido e tinha um cigarro de palha aceso na mão, terminou-o de fumar, se recompôs e voltou a falar, desta vez falou devagar, com o olhar pra frente, se recordando com orgulho da vida universitária. Divorciada, dois filhos ainda pequenos, e muitas responsabilidades como mãe, estudante, mulher e profissional, Alessandra conseguiu uma bolsa salário na Universidade de Campinas em um projeto social vinculado a universidade que se chamava “Sonha Barão”, em que Alessandra teve oportunidade de trabalhar num projeto de lixo reciclável, numa cooperati-
va de reciclagem. Ganhava um salário mínimo, que na época - 2004 para 2005 - era de R$400,00, e a Universidade, com a bolsa salário dava a oportunidade dela e dos filhos almoçarem e jantarem no ‘Bandejão’ – restaurante universitário da Unicamp. “Eu sou a primeira pessoa da minha família a freqüentar uma universidade pública, para mim isso é uma demonstração de que os sonhos são possíveis, sim. De que tudo é possível quando se tem foco, força, garra e disciplina. E meus filhos me acompanharam durante toda graduação, freqüentaram a universidade junto comigo, então, o que eu tinha de mais valioso para dar a eles era educação”. Alessandra Lopes Camargo se enquadra na pesquisa divulgada pelo IBGE sobre a participação dos mais pobres nos ensinos superiores públicos do Brasil. A pesquisa indica que o número de estudantes pobres presentes nas Universidades públicas e estaduais cresceu de 1,7% em 2004 para 7,2% em 2013. O motivo desse crescimento são as políticas públicas de cotas, bolsas e estímulos que estudantes de baixa renda podem adquirir do governo federal, estadual ou municipal. Programas como FIES e ProUni possibilitam a cada ano que milhões de brasileiros realizem seus sonhos pessoais e profissionais. Alessandra olha para cima e agradece por ter encontrado durante sua vida alguns anjos que a ajudaram a percorrer seu caminho. Lembra-se de professores, colegas de faculdade e até funcionários da Unicamp que entraram em sua vida para fazer o bem. “Teve dias que eu ia para a universidade e o Vinícius e a Giovanna também iam. Eu levava o velotrol, o skate, a bola e aí o Vinícius jogava futebol com o filho da cantina e a Giovanna jogava xadrez com o pessoal do Xerox e assim a gente foi levando até o final da graduação”. Depois dessa frase, seus olhos se enchem de lágrimas, e confesso que até eu me emocionei. Logo no primeiro ano do curso, Alessandra foi dar aula em uma cooperativa de professores em Hortolândia, por indicação de um amigo. A professora ganhava R$1,50 por aula dada. “Di-
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nheiro suficiente para pagar o busão. Mas ganhei muita experiência nesse período, que foi crucial para o meu crescimento”. Durante a graduação, Alessandra mudou-se quatro vezes de casa. “O aluguel era caro em Barão Geraldo. Morei duas vezes num kitnet com meus filhos, depois morei com amiga da Unicamp por três anos e por último morei no centro que era mais barato, mas extremamente complicado de me locomover de ônibus por ser muito longe de onde eu estudava. Foi difícil”. No final da graduação, Alessandra se viu dando aula em cinco cidades – Cosmópolis, Paulínia, Sumaré, Hortolândia, Vinhedo e Campinas. E também voltou para a Cooperativa do Saber, agora como professora, “meus professores viraram meus colegas de trabalho”. Recorda-se, o tempo todo, olhando para frente com um olhar fixo de uma vencedora. “Eu acordava às 5 da manhã, fazia café para meus filhos e ia pegar o ônibus. Eles acordavam as seis, se arrumavam sozinhos e pegavam a perua para ir à escola”. Nesta época, Giovanna tinha 8 anos e Vinícius 11. Alessandra também agradece diversas vezes por ter tido uma parceria muito grande com seu ex-marido neste período crucial no desenvolvimento das crianças. Ele sempre esteve presente; além de pagar escola particular para seus filhos, também ajudava Alessandra na criação, ficando com eles durante o período em que Alessandra dava muitas aulas à noite em outras cidades. Alessandra constatou que ao continuar morando em Campinas, não conseguiria ir muito longe na sua carreira e nem ganhar o suficiente para poder dar um conforto maior a seus filhos. Começou a distribuir currículos e, em 2010 uma escola particular em Santos – Universitas – a contratou, pagando-a R$30 por aula dada. “Saí de uma realidade que ganhava R$10 por aula e fui ganhar R$30. Cheguei a dar, na Universitas,sessenta aulas.” Nesta época ela estava no seu segundo casamento. Alessandra lembra que neste período, apesar da dificuldade de adaptação das crianças em Santos, por estar longe da
família e dos amigos, ela conseguiu dar uma vida a eles que até então eles não tinham. “Eu lembro que o Vinícius falava que queria morar numa casa que tinha janela. E foi a primeira coisa que ele perguntou quando a gente mudou para Santos”. Alessandra morou um ano em Santos, e hoje mora no Guarujá, no entanto, permanece dando aulas na Universitas. E finaliza a entrevista contando do seu novo projeto de vida, dos próximos sonhos e objetivos que ainda tem para alcançar. A professora ingressou no mestrado, no ano passado – 2014, na Unicamp,viajando para Campinas toda semana. No mestrado ela tem bolsa auxílio de R$1500,00. Hoje, seus filhos conseguem praticar esporte, fazer aulas de inglês, e estudar na Universitas com cem por cento de bolsa. De noventa alunos que estavam disputando 10 vagas para o mestrado na área de Ciências Políticas na Unicamp, Alessandra passou em 4º lugar com a pesquisa “Políticas de Memória sobre a Ditadura Militar na democracia”. O sonho de 2002 e 2003,de se formar numa universidade pública, Alessandra afirma, com muita convicção que ela conseguiu realizar. Mas muitos sonhos e objetivos ainda estão por vir “Eu conquistei um degrau, agora o mestrado é o meu segundo degrau. Estou na luta, e sendo mestre quero dar aula para o ensino superior. Formar professores”. Neste momento ela da uma longa pausa na fala e ressalta com a firmeza de professora e mãe. “Aí a vida muda de novo, né”. Além de todos os esforços para lidar com a Universidade, educar os filhos e ser mulher, Alessandra teve contato com o partido PSTU, em que se filiou no começo da sua vida universitária, ajudando a organizar nacionalmente o Movimento Feminista Mulheres em Luta, do qual participa até hoje, dando cursos em sindicatos e para outros movimentos sociais. Na Unicamp, a professora foi responsável por organizar um coletivo de mulheres denominado ‘Coletivo Feminista’. Ela, junto com um grupo de mulher, organizou também o I ECOM – encontro de mulheres, levando a pauta para o centro acadêmi-
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co. Com o apoio do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (Ifch), Alessandra e suas colegas foram organizadoras de festas feministas no dia 08 de Março – Dia da Mulher. Alessandra finaliza, “a trajetória da minha família é de luta e garra. Meus filhos precisam continuar essa trajetória. E a vida não para por aí”.
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3 Ídolo dentro e
fora das quadras ~Letícia Oliver
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sábado e o jogo começa às 21h30, horário de Brasília, válido por mais uma rodada da temporada 2014/2015 da Superliga Masculina de Vôlei. Cada atleta tem um ritual particular – uns gostam de aproveitar as horas que antecedem à partida com a família, enquanto outros já preferem manterem-se 100% concentrados. Quando ele jogava, era adepto da primeira opção. Mas há pouco mais de um ano, essa rotina mudou. Mesmo com o jogo sendo tarde da noite, o atual coordenador técnico do time de Campinas chega ainda pela manhã para dar conta de todos os preparativos. Podemos dizer que é ele quem, literalmente, abre e fecha os portões do Ginásio do Taquaral, além de verificar se a internet funciona, se o gerador de energia está ok, se os camarotes foram devidamente abastecidos, se o almoxarifado está trancado e, sobretudo, se o time está focado para a partida. Essa descrição poderia ser feita tranquilamente num dia qualquer de jogo. Essa é parte de sua rotina de trabalho agora. Depois de 24 anos de carreira nas quadras e 12 pela seleção brasileira de vôlei, motivar os atletas, buscar alternativas no mercado e cuidar da logística de uma partida são as funções que substituíram os treinamentos físico, técnico e tático, bloqueios, saques e contra-ataques do ex-atleta e, agora, gestor esportivo.
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Ele nasceu no dia 17 de dezembro de 1975 em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. É filho do seu Oscar e da dona Martha, irmão da Sabrine e da Corine, pai da Helena, à espera do Vinícius e marido da Marcelle. Um cidadão comum – no sentido mais nobre da expressão - que, além de conquistar o carinho e admiração da família, dos amigos e de todos que estão ao seu redor, traz consigo outra lista de importantes conquistas. Conquistas para o Brasil. Vejamos, pois: Bicampeão sul-americano. Hexacampeão da Liga Mundial. Bicampeão da Copa do Mundo. Campeão olímpico em Atenas/04. Campeão da Copa dos Campeões. Campeão mundial. Campeão pan-americano. Medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Pequim/08. Bicampeão da Copa América. Este é André Heller, que se aposentou do voleibol em abril do ano passado ao término da temporada 2013/2014 pelo time campineiro, devido a uma lesão na articulação esternoclavicular sentida desde 2012. Trocou a quadra pela sala de aula e está prestes a se formar em Educação Física pela Unisal, em Campinas, além de outros cursos especializados em gestão desportiva. O jogador gaúcho começou no vôlei inspirado pelo pai, que foi atleta e técnico em Novo Hamburgo, sua cidade-natal. Mudou-se para Canoas (RS) em 1995, onde atuou pela Ulbra e conquistou o título da Superliga 1998/99. Na temporada seguinte venceu o nacional outra vez, então pelo Minas. Em 2000, mudou-se para Florianópolis (SC), para defender a Unisul, equipe com a qual foi campeão da Superliga 2003/2004. Depois da Olimpíada de Atenas, foi para o Trentino, da Itália e em seguida foi jogar em outra equipe italiana, o Cimone Modena. Em 2008 retornou ao Brasil e defendeu o time de Minas, transferindo-se para Campinas em 2010, time onde encerrou a carreira ao término da Superliga Masculina, subindo no pódio e conquistando o inédito terceiro lugar na principal competição do voleibol nacional. A carreira com a camisa amarela também foi vitoriosa.
Titular da seleção na conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, André Heller perdeu a vaga para Rodrigão na temporada seguinte. O meio-de-rede, entretanto, voltou ao time titular em outro momento importante, no Mundial de 2006. E ajudou o Brasil a conquistar o título da seleção, no Japão. Esteve também no elenco de ouro no Pan-Americano do Rio de Janeiro. Mas é fora das quadras que a cara feia que assustava os adversários no meio de rede dá lugar a uma tranquilidade enorme. Aos 39 anos, Heller não é nem de longe o perfil de ex-atleta que procurou se manter sob os holofotes da mídia, participando de reality shows ou seguindo a tradicional carreira de comentarista esportivo, como fizeram alguns dos atletas da sua geração. Preferiu continuar nos bastidores do esporte. Quando não está no Taquaral, dedica seu tempo exclusivamente à família. Prestes a ser pai pela segunda vez, é comum vê-lo comprometido com a tarefa de buscar a filha Helena, de 8 anos, no balé ou se aventurando em alguma brincadeira de criança ao lado da pequena. A esposa Marcelle, com quem está desde quando ambos ainda serviam a seleção brasileira de vôlei – ela era levantadora do time feminino do Brasil – também participa e tem papel fundamental na vida dele. Com os fãs, o carinho é recíproco: sempre rodeado de admiradores do esporte, Heller é atencioso com todos que o procuram para uma foto ou um autógrafo. Seu hobby preferido é a leitura. Não é difícil vê-lo carregando um livro por aí. Ele, inclusive, dá dicas aos seguidores nas redes sociais sobre as obras que aprecia. O hábito, adquirido na época de atleta durante as longas viagens para passar o tempo, acabou o acompanhando. Heller também é engajado em causas sociais. Além de apoiar diversos projetos de iniciação esportiva em comunidades carentes na região de Campinas e Brasil afora, ele sempre faz questão de frisar que, mais importante que um desempenho de alto nível, o esporte é capaz de proporcionar valores
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como respeito, superação e força, imprescindíveis ao ser humano. É esse o maior legado de André Heller. Tranquilidade, alegria, comprometimento, respeito e humildade. Esses são apenas alguns dos adjetivos que constroem a imagem de um ídolo do esporte – no caso dele, dentro e fora das quadras.
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4 Um pioneiro em Campinas
~Maria Eduarda Moreira
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odo dia pela manhã Carlos Meneghetti Netto e outros dois mil empregados pegavam o trem na estação da linha de ferro no bairro Botafogo rumo ao trabalho na primeira indústria de Campinas. Pioneira em máquinas de costura na América Latina, a Singer fazia a história do setor industrial da cidade. Campinas era até então uma região totalmente voltada para a agricultura, primeiro para cana-de-açúcar e depois para o café. Mas, com a quebra da bolsa de New York e com a grande crise cafeeira, foi reestruturada. Através de um planejamento com o “Plano Prestes Maia” a cidade deveria ser urbanizada e tornar-se referência como setor industrial. Começou então a receber migrantes e indústrias. Carlos nasceu em Assis em 23 de novembro de 1936 e mudou-se para Campinas quando sua mãe, Anézia Bonora, teve um problema de saúde e precisou de tratamento. Seu pai, Guerino Meneghetti, era dono de uma mercearia no centro da cidade e contava com a ajuda dos filhos para tocar o negócio. Um de seus muitos clientes era um engenheiro da nova fábrica instalada na cidade. Guerino então pediu ao engenheiro que empregasse seu filho, esse foi o início de uma carreira de sucesso, uma progressão exponencial. A fábrica da Singer foi fundada em 1955 pelo então presidente da república Dr João Café Filho. Com a autorização da
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princesa Isabel a marca foi a primeira a introduzir o sistema de vendas a prazo no Brasil, e a primeira a ser instalada em Campinas. Em pouco tempo as máquinas de costura se tornaram item essencial na casa das brasileiras. Carlos recorda, ao olhar fotos antigas da empresa, sua trajetória que teve início em 1957 como apontador de produção, profissão que na época, era responsável pela quantificação do resultado do dia. Este foi o primeiro degrau de uma carreira que o levou aos mais diferentes lugares no mundo, “comecei como apontador de produção, depois trabalhei com custos e orçamentos, planejamento a longo prazo e cheguei a direção do setor administrativo financeiro.” A subida teve como alavanca o concurso prestado para o Banco do Brasil. Com formação técnica em contabilidade, o economista resolveu estudar para conseguir uma das muito disputadas vagas do banco, e passou. Em 1959, foi selecionado para trabalhar em Crato no Ceará, “mas recusei pois estava noivo da Leonídia (esposa há 55 anos), e ela queria estabelecer uma família em Campinas, perto dos pais e irmãs”. O estudo não foi desperdiçado, com os conhecimentos adquiridos Carlos despontou no setor financeiro da Singer. “Em 1966 conclui a graduação de Ciências Econômicas na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, que cursei no período noturno ao mesmo tempo em que trabalhava”. Nesse ano, Carlos já tinha seus três filhos e atingia o cargo de diretor financeiro de toda a produção na América latina, posição que manteria até o final de sua carreira na empresa. Foi em 1973 que o diretor foi convidado para trabalhar nos Estados Unidos, país sede da empresa. Mudou-se com sua família por um ano para New Jersey e lá experimentou como era viver, em uma época em que não se falava em globalização, em um país de primeiro mundo. Não só viveu nos EUA como trabalhou na controladoria da corporação, em um dos mais famosos polos de negócios de New York, o edifício Rockfeller Center Plaza. “Era o 64º andar, uma vista incrível do Central
Park”, lembra ao olhar fotos suas no escritório com colegas de trabalho de um álbum daquele ano. Além de trabalhar, estudou na Columbia University e adquiriu uma experiência incomum para a época, em que os intercâmbios não eram frequentes e nem incentivados. “Maravilhosa...foi maravilhosa, realmente imemorável”, comenta sobre a experiência com a vivacidade identificada nos retratos daquele tempo. Enquanto Carlos vivia essa odisseia internacional de estudar, estar à frente de uma multinacional de peso e cuidar da família; ocorria um avanço generalizado no mundo, todas as fábricas passaram a se preocupar com a modernização e a produtividade com baixos custos. Após o ano nos EUA a família Meneghetti retornou ao Brasil e Carlos como Diretor de toda a central financeira da Singer, tinha a responsabilidade de buscar estruturas de produção com métodos econômicos e alternativos, uma vez que a empresa era “100% in house, tudo era fabricado dentro da indústria em uma estrutura engessada de produção”. Suas viagens a negócio se tornaram cada vez mais frequentes, “para que fossem identificadas outras maneiras de produzir”. Carlos viajou o mundo, conheceu o Japão, a China, Trinidad e Tobago, Chile, Colômbia e os Estados Unidos da América, tudo documentado nas fotos de projeção (slides) que a família guarda a anos. Sua esposa relembra o glamour das viagens e comenta sobre a vez em que acompanhou o marido ao Japão “Fomos recebidos dentro da pista do aeroporto com carros do governo do país e escoltas. Foi uma surpresa a hospitalidade com que fomos esperados e tratados”. Após 38 anos de trabalho, Carlos deixou a Singer. Foi então, presidente da Cummins e morou na Argentina por dois anos e no final de sua carreira prestou consultoria para diversas empresas do Brasil. Mas, não deixa de lembrar-se do começo de tudo, da época em que Campinas era apenas um projeto de cidade urbanística e industrial e como, junto com a cidade,
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se desenvolveu “Tudo se desenvolveu, os gigantes da computação chegaram e as produções tomaram outras proporções”. Uma vida de história brilhante e memórias ricas sofre agora um perigo iminente. Carlos, aos 78 anos, está em estado inicial de transtorno de memória, que hoje prega peças no economista. Sua maior luta é manter-se presente. Postura que é traço de sua personalidade. Desde a sua infância lutou para ajudar seus pais, para se desenvolver no ambiente escolar e mercado de trabalho, bem como para sustentar sua família. Agora, por causa desta, luta para manter a consciência, manter-se presente sempre!
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5 O parto da resistência
~Luiza Aguiar
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choro cortou o ar que dividia o ventre deste mundo palpável. Era o rompimento do confortável escuro para a agoniante luz que abria os olhos, o oxigênio que expandia dolorosamente os pequenos pulmões. O primeiro respiro é apenas uma piada de mal gosto que a vida prega. É, talvez, uma metáfora maldosa. Era menina. “Eu já nasci no sofrimento”. Maria do Carmo Pereira Sousa nasceu em Fortaleza. O pai queria um menino e culpou a mãe pela filha. Abandonada pelo marido, reproduziu a mesma violência cometida por ele. A menina Maria do Carmo pedia esmola no farol, na esperança de que os trocados pudessem oferecer-lhe uma doação mais subjetiva e calorosa. Se chegasse em casa sem as frias moedas, a tal da esmola subjetiva transformava-se em queimaduras de cigarro, pontapés e xingamentos. “Ela queria beber, ela queria fumar”. Aos 12 anos de idade, saiu de casa tentando aliviar o peso que carregava morando com a mãe. Menina de rua, a esmola que recebeu foi fome, chutes e pontapés de estranhos, violências que a própria Maria do Carmo decidiu não pronunciar. A menina virou mulher e virou prisioneira. Casou-se e, mais uma vez, a realidade despendeu outro golpe nela. O marido costumava trancar Maria do Carmo dentro de casa e saía,
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impedindo-a de ter qualquer autonomia sobre suas próprias decisões. Grávida de gêmeos, no quinto mês da gestação levou um soco na barriga do homem e aquele choro rompante que esperava, não aconteceria mais. Perdeu os dois bebês. “Eu sei, mais do que ninguém, o que é levar chute. O que é apanhar na cara sem saber o porquê de estar apanhando”. Maria do Carmo era violentada física e sexualmente, mas não tinha consciência de que nada daquilo era dela. Nada do que lhe acontecia era justo, era o que recebia e não deveria receber. Nem sempre o que é dado, sem troca e sem preço, deve ser aceitado. A recusa de algo que não era dela, mas lhe foi entregue, não era algo que havia aprendido. Ainda. “Nunca ninguém me protegeu, nunca ninguém me ajudou. Eu vivi a vida inteira, passei treze anos com o marido só no sofrimento. Minha família nunca me apoiava. Eu, praticamente, não posso dizer que tive família”. Depois de mais de uma década vivendo abusos com o companheiro, ela largou tudo e decidiu vir para Campinas. Quando chegou, foi vendida e explorada mais uma vez, vítima do tráfico de mulheres. “Fui acolhida pela ONG SOS Ação Mulher e Família. E superei”. Alguns grupos feministas de Campinas começaram a fazer parte da realidade de Maria do Carmo. Cada vez mais adulta, começou a entender o que acontecia na sua vida. Aprendeu, por exemplo, que sexo sem o seu consentimento era crime. O marido não era dono de seu corpo e, se ela recusasse deitar-se e acontecesse forçadamente, ela poderia denunciar o abusador. Hoje, Maria do Carmo mora no Jardim Columbia, na região do Campo Belo. Próximo ao Aeroporto de Viracopos, a comunidade foi apelidada de “Menino Chorão”. Da rejeição nasceu Dona Carmem. Apelidada dessa maneira pelos moradores do bairro. O cenário é composto por barracas de madeira e ruas de terra, a inexistência de saneamento básico e uma grande vala, colocada ali para que não pudessem construir novos tetos de
madeira. A mesma vala que gera um grande problema para os moradores: o acúmulo de lixo jogado por pessoas que nem sequer vivem ali. A vala atrai animais e insetos que propagam doenças e, mesmo com as reclamações para a prefeitura, nada foi feito. Além do problema, os moradores sofrem constantes ameaças de desapropriação, já que a comunidade é localizada ao lado do Aeroporto. A luta contra o despejo é diária. A resistência só existe com a união dos moradores, que conseguiram apoio de alguns vereadores e do advogado Paulo Mariante. Mas o buraco é mais embaixo. O empilhado de madeiras não isola o eco dos gritos e barulhos já familiares à Dona Carmem. “A gente dormia e acordava com os gritos, a brigaria, uma baixaria”. As mulheres da comunidade eram atingidas pela realidade nocauteadora da violência. Em 2013, duas mulheres foram assassinadas em menos de 30 dias. Na rua que dá acesso à paisagem de tons marrons, o respiro dolorido foi interrompido, sem qualquer escolha das moças. O culpado e o motivo, nunca foram descobertos. “Eu não sou autoridade nenhuma, mas eu apliquei a minha experiência de sofrimento na comunidade. Chamei todas as mulheres e fiz um convite a elas. Nós determinaríamos uma lei lá dentro: o homem que batesse na mulher, ia ser punido. E, assim, deu certo”. Começou quando, unidas, elas socorriam as mulheres que apanhavam de seus companheiros, mesmo que para isso fosse necessária uma medida “olho por olho, dente por dente”. A inspiração grega – originalmente a comédia de Aristófanes, mas que no Menino Chorão não possuiria um caráter cômico – fez surgir mais uma lei: greve de sexo para os agressores. Dona Carmem explicou para as companheiras da comunidade o que ela mesma havia aprendido há pouco. A proibição imposta por elas funcionou como uma maneira de proteção. Estupro é crime, e ponto. O conjunto de mulheres criou a “disciplina”. Homens que
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batessem nas mulheres seriam punidos com greve de sexo, proibidos de beber no bar da comunidade e de jogar bilhar. Se bebesse em algum outro bar, fora dali, não poderia colocar os pés de volta ao Menino Chorão. Ameaças e xingamentos foram despejados em cima delas, mas era preciso continuar para que houvesse a mínima decência, a mínima dignidade na vida de todas. O primeiro respiro, o mais dolorido e metafórico, foi tornando-se cada vez mais leve. Ou talvez, eram os pulmões de Dona Carmem que ficavam cada vez mais fortes. Apesar da resistência inicial, os homens da comunidade entenderam o que acontecia. Ninguém ali queria entrar em “disciplina”. A humilhação, a surra, a abstinência de coisas relevantes na vida destes, conseguiu dobrá-los e diminuir a violência que as mulheres são obrigadas a conviver diariamente. Os próprios companheiros começaram a vigiar e punir os homens agressores. Numa das vezes, houve uma doação de camisetas para o time da comunidade e um dos homens estava sob “disciplina”. A camiseta dele foi entregue à mulher e a decisão de entregá-la era totalmente dela. Ela decidiu não entregar. O homem, entretanto, acabou comprando uma das camisetas na feira da comunidade. Ao chegar no campo de futebol, os companheiros tiraram-na dele e a vestiram-na no cachorro de um dos moradores. “Ele passou o jogo todinho sem camisa e o cachorro vestido”. Outro projeto que Dona Carmem deu a luz foi a “Oficina Cultural da Mulher”. Instaurada no quintal de sua casa, o objetivo é conseguir voluntárias que pudessem ensinar algumas atividades às mulheres da comunidade, como bordado e pintura. Os frutos deste trabalho são vendidos na Feira do Rolo, do Campo Belo, para que possam construir sua própria autonomia financeira e, até mesmo, social. “Eu nasci no sofrimento”. A união das duzentas mulheres fez com que tudo mudas-
se. Os gritos e brigas e sons doloridos eram frequentes no dia a dia da comunidade. O Menino Chorão está há 7 meses sem nenhum bate-boca, briga ou agressão. O tempo, para quem vê de fora, pode parecer curto, mas para quem vive naquele pedaço de terra, é uma grande vitória. “Nós não somos sacos de pancada. Nós somos mulheres. Nós precisamos ser tratadas como uma joia rara. Nós damos a luz. Nós trazemos vida ao mundo. Nós tomamos conta da família. Nós damos carinho, apoio. Então, nós temos que ser respeitadas. Pelo menos, a gente não deve apanhar. Além de tudo isso que a gente faz, nós temos ainda que entrar no pau? Quem tem que entrar no pau, são eles”. A Lisístrata do Menino Chorão era inicialmente representada por Dona Carmem. Hoje, não é mais um indivíduo. Foi o coletivo que transformou uma figura literária em arquétipo. A resistência é símbolo que vai ser perpetuado não só na vida daquelas mulheres, como na de todas as outras que puderem conhecer essa história. A piada de mal gosto, o caráter maldoso do nascimento, talvez não seja tão vil quanto aparenta. Talvez o caminho que percorremos ao longo dos anos nos leva à desconstrução. Talvez seja essa a grande metáfora da vida. Bem disse Clarice Lispector, em “A Paixão Segundo G.H.”: “Para construir uma alma possível – uma alma cuja cabeça não devore a própria cauda – a lei manda que só se fique com o que é disfarçadamente vivo. E a lei manda que, quem comer do imundo, que o coma sem saber. Pois quem comer do imundo sabendo que é imundo – também saberá que o imundo não é imundo”.
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6 “Eu devo muito
à Ponte Preta. Foi onde aprendi a ser homem” ~ Daniela Castro
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risalho, alto, sorriso no rosto e um aperto de mão firme, sentado em uma baia de escritório, ele já vem fazendo sua apresentação: - Olá querida, meu nome é Oscar Bueno Filho, mas todo mundo me chama de Mestre Dicá. O tom é de gratidão, não de superioridade. Considerado o jogador número um da Ponte Preta, sendo o maior artilheiro de sua história, com 154 gols, Mestre Dicá hoje trabalha na equipe de eventos da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer de Campinas, onde utiliza seu nome de peso para conseguir patrocínio para os eventos esportivos da cidade, e consegue. Foram dois telefonemas no tempo em que estive lá, e todos com sinal de positivo de seus interlocutores, para ajudarem financeiramente o próximo evento que estão organizando, o aniversário de 241 anos de Campinas. Mestre Dicá tem quatro filhos (um dentista, um fisioterapeuta, um professor de Educação Física e uma empresária) e vive confortavelmente em um condomínio de classe média alta
na cidade vizinha, Jaguariúna.
Primeiro tempo
Nascido em 13 de julho de 1947, Oscar Bueno Filho deu o primeiro chute em sua carreira no Esporte Clube Santa Odila, aos 15 anos de idade, e já chamou a atenção dos dois clubes da cidade de Campinas: Guarani e Ponte Preta. “Desde pequeno via meu pai torcer para Ponte, e não teve outra, ele resolveu acertar com a Macaca”. Jogou apenas nove jogos no juvenil e o técnico resolveu colocá-lo entre os profissionais. Lá, o jogador foi essencial para a conquista do título da segunda divisão do Campeonato Paulista de 1969, que garantiu o acesso à elite no ano seguinte. Mantendo a mesma base do time, a Ponte foi muito bem no Paulistão de 70, no qual Dicá foi eleito o jogador revelação do campeonato. “Eu sei que comecei bem, fiz um trajeto bonito na minha carreira, guardo amizades até hoje, principalmente do meu início”. Após isso, foi contratado pelo Santos Futebol Clube, onde jogou por um ano, ao lado de Pelé. Na Vila, porém, não conseguiu repetir o mesmo futebol que o destacou. Assim foi para a Portuguesa de Desportos, onde ficou por quatro anos, e conquistou o único título da carreira, o paulista de 73 contra o Santos.
Segundo tempo
O bom filho a casa torna, e em 1977 a Ponte Preta o trouxe de volta. Junto com uma equipe que tinha grandes craques, o jogador levou a Ponte a uma histórica final com o Corinthians, mas não venceu. “Me orgulho de vários momentos em minha vida. Em 1970 fui eleito o melhor jogador do Campeonato Paulista, em 1977 e 1979 decisão de título contra o Corinthians e em 1981
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decisão de título contra o São Paulo. Na vida pessoal, em 1973 meu casamento, depois o nascimento dos meus três filhos e dez netos”. Tinha como principais características os lançamentos, passes certeiros e um chute muito forte. Além de ser um exímio cobrador de faltas, Dicá era considerado o cérebro do time. “Como profissional joguei até 1970 na Associação Atlética Ponte Preta (AAPP). De 1971 a 1972 joguei no Santos Futebol Clube e de 1972 a 1976 na Associação Portuguesa de Desportos. E de 1976 até 1985 encerrei minha carreira na AAPP”. O tom de gratidão retorna, a emoção ao falar do time do coração é perceptível. “Eu devo muito à Ponte Preta. É o clube que eu amo. Foi onde aprendi a ser homem, a conviver com as pessoas”, diz. Com a mesma naturalidade ele me responde sobre nunca ter sido convocado para a Seleção Brasileira. “É uma frustração de todo atleta. Infelizmente na época não tinha esta divulgação da mídia como tem hoje, os jogadores convocados eram das grandes equipes do futebol brasileiro”. Logo me oferece um café, aceito. Comenta como o dia está bonito e diz que, sempre que recebe uma foto dos tempos de jogador, imprime e guarda. “Já recebi muitas fotos bonitas, vou te mostrar uma, olha essa aqui, lembro bem desse lance com o Pelé”. Realmente é uma bela foto, em preto e branco, cores do Macaca e do Santos que revelavam um belo lance. Elogio e digo que foi muito bom conhecê-lo. Ele levanta, novamente aperta minha mão e, com o mesmo tom do início da conversa, se despede, expressando quem também foi um prazer me conhecer.
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7 Um trenó diferente
~Gabriela Troian
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m poucos minutos dentro do carro, alguém do outro lado da rua exclama entre risos: “Olha o Papai Noel”. Este apelido é mais do que frequente na rotina do taxista Edson de Moraes Machado, de 62 anos. Imagina-se o porquê, desde 2009 a longa barba branca compõe o visual, que lhe garante a aparência do bom velhinho. A rotina do taxista começa cedo, dentro de seu táxi extremamente limpo e organizado, que de acordo com ele, garante uma clientela fixa e exigente. Edson Machado inicia as corridas desde as oito da manhã em seu ponto próximo ao estádio Moisés Lucarelli, da Ponte Preta. De lá, sai cerca de dez da noite. Sempre torce para conseguir uma corrida a disposição ou em boleto, que costumam ser mais caras, mas mesmo assim reclama da dificuldade da profissão. “O ponto que fico é muito ruim, alguns dias são tão fracos, que costumo tirar quarenta reais. Gostaria mesmo era de ser remanejado para o Guarani, lá as corridas são melhores, e eu poderia voltar mais cedo para casa”. Bom, espero que nenhum pontepretano escute este pedido, porque senão, as corridas possivelmente serão menos frequentes no local. Apesar de todas as dificuldades, o senhor barbudo faz jus ao apelido. Além de ser taxista, é também Papai Noel, e se apropria do meio de trabalho para se tornar o seu trenó. A
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ideia surgiu da filha no final de 2008, que sugeriu ao pai que distribuísse presentes a crianças carentes. De lá para cá, Edson passou por três favelas de Campinas (SP), no Jardim São Fernando, Jardim Itatiaia e Vila Paranapanema. “No ano passado fomos a uma creche e presenteamos mais de trezentas crianças. Foi emocionante, a mulecada fica contente demais e até chora. Apesar das dificuldades, nós levamos brinquedos, pois é isso que elas esperam. Se sobra algum dinheiro, levamos roupas e sapatos”, lembra o último natal. Segundo ele, a ação é bancada pela filha Vivian, algumas amigas e o cunhado. Também recebe algumas doações de clientes, mas ressalta “não fazemos propaganda e não damos satisfação nenhuma dos gastos, é tudo feito por nossa conta”. O homem que afirma não gostar muito das festas de final de ano devido à “falsa impressão de que tudo está bem”, prosseguiu com a iniciativa e desde então, continuou distribuindo sorrisos. Dentre os brinquedos doados, bonecas, bolas e carrinhos fazem o natal das crianças. Junto aos presentes, o Papai Noel oferece um dia com cama elástica, piscina de bolinha, cachorro-quente, pipoca e muitas balas. Algumas semanas antes do esperado 25 de dezembro, Edson trabalha a caráter e carrega o carro com alguns brinquedos, que são distribuídos a crianças de rua ou em pontos de ônibus. Ao lembrar, uma lágrima escorre, e a lembrança é inevitável. “Paro o carro e entrego uma bola ou carrinho para os meninos. Me corta o coração saber que muitas deles não tem nem o que comer. Mas neste dia, em que todos comemoram, uma esperança eles terão”, afirma. Durante o ano todo também recebe cartas em seu ponto de táxi, dezenas delas são cumpridas, também com a ajuda de amigos. “Recebemos cartas pedindo de tudo, mas dou o presente com algumas condições: é necessário que seja brinquedo. Celular, essas coisas eu não compro não. E o presente não pode ser muito caro, senão não tenho condições de bancar”,
orienta. As letras infantis revelam os desejos de meninos e meninas. No ano passado, Marcelinho e Gabriel pediram um carrinho de controle remoto. Ester uma motoca. Ana Beatriz um carrinho de boneca e Mikaele um patinete. Todos atendidos.
Look do dia
Edson Machado conta que um pequeno “acidente”, fez com que ele deixasse crescer a barba. “Logo no começo da ideia, eu me vestia de Papai Noel e colocava aquela barba sintética. Um certo dia, uma garotinha puxou com tudo e me machuquei. Foi aí que resolvi que deixaria ela crescer”. De março até dezembro daquele ano, a barba havia tomado forma e tamanho. Contudo, alguns cuidados são necessários, tanto até que é frequente ver o taxista durante uma corrida pentear os longos fios, com um pequeno pente guardado ao lado da porta. Durante o dia da distribuição de brinquedos, a roupa vermelha e preta não pode faltar. “Coloco camisa, calça e o sapato de Papai Noel. E olha, nem preciso colocar enchimento, a barriga também já é minha”, aponta mais uma vantagem que o diferencia dos demais. Mesmo sem a roupa, o taxista já é conhecido e reconhecido como Papai Noel. Colegas de profissão, passageiros e curiosos já lhe apelidam sem ao menos saber da ação feita por ele.
Na estrada
Evangélico, casado e pai de duas moças e um rapaz, Edson é formado em contabilidade e há 21 anos é taxista. Saiu de São Paulo e veio para Campinas, quando os filhos ingressaram na faculdade. Desde então, permaneceu na cidade, e continuou a trabalhar por aqui. Dos desafios da profissão, o taxista conta que já foi assaltado algumas vezes e se sente ameaçado. “Gosto muito de guiar carro, mas não posso dizer que não tenho medo. Graças
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a Deus nunca me aconteceu nada de grave, mas já fui assaltado em uma corrida. Duas meninas e um menino entraram no carro, me apontaram uma arma e levaram tudo de valor que tinha comigo”, ressalta o perigo de trabalhar pelas ruas. Como solução a este problema, Edson Machado apresenta um nome: Paulo Maluf. “No tempo dele havia segurança e tinha pouco ladrão na rua. Eu me sentia mais confiante. Hoje em dia está muito perigoso e tem muitos crimes. Dizem que ele rouba, mas faz. A maioria dos políticos roubam né? Se fizessem algo como ele, já estava de bom tamanho.” Se Maluf vai retornar ao governo, isso é outra história. O que o taxista-papai Noel espera é que no final deste ano, mais crianças ganhem algum presente e tenham um dia de natal com um pouco mais de dignidade. Até dezembro chegar, ele continua, diariamente levando os moradores de Campinas de um ponto a outro da cidade.
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8 Quando a vida vira um jogo
~Fernanda Lagoeiro
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rabalhei, corri, peguei o ônibus e voei para o local da entrevista – desejando ter o pique de um atleta, como o meu entrevistado. Foi no meio de uma correria que me encontrei com Gabriel Partinelli Jannini, de 19 anos, natural de Campinas (interior de São Paulo). Quando pedi desculpas pelo atraso, comecei a ver parte da tranquilidade que vinha sentindo nele desde o primeiro contato: “Aaaaaah nãaaaaao, imagina! Senta aí, vamos trocar uma ideia”, disse, como se nada tivesse acontecido. Estudante de Administração – com futura atuação na área de comércio, me conta. Um pouco tímido (como ele mesmo se define). Ou será que não? O amigo, que está ao lado dele, faz gesto negativo com a cabeça. “E em qual dos dois eu devo acreditar então?”, pergunto, pra descontrair. Mas chego à conclusão de que, na verdade, Gabriel é hesitante. Um pouco retraído no começo, mas bastaram alguns minutos de conversa para ele começar a se soltar e até arriscar uma confissão: “Sabia que eu adoro sair? Sério! Tipo, balada, rave, festas em casas de amigos. Nossa, eu saio pra caramba. Tô numa fase que não consigo ficar em casa!”, revela, aos risos. Um adolescente tipicamente bem-humorado e de bem com a vida. Mas a calmaria e a descontração não são parte integral da vida dele: Gabriel é atleta da seleção brasileira de badmin-
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ton, um esporte que exige concentração, reflexo e velocidade – é parecido com o tênis, mas no lugar da bola, utiliza-se uma espécie de peteca. Todos os dias ele treina por cerca de três horas, na parte da tarde. Quem vê e convive com Gabriel quase nem percebe que ele é paraplégico. Quando tinha três anos de idade, sofreu um acidente de carro. Uma batida num caminhão matou seu pai, deixou sua avó com lesões cerebrais de nível médio e traumatizou psicologicamente seu primo, além de deixar Gabriel cadeirante – o menino sofreu uma lesão medular de nível T2 incompleta, um tipo de lesão bastante comum em acidentes automobilísticos graves, e que normalmente leva à morte ou à paraplegia. “No começo foi muito difícil, e levou um tempo até que eu pudesse superar. Foi uma perda muito grande. Eu era bem pequeno, então as lembranças não são tão fortes assim. Mas acontece, né? A vida segue, e a gente vai que vai”, conta, com um riso discreto, me dando ao entender que ele não tem problema nenhum em tocar no assunto. Até porque, nem uma “tragédia pessoal” o impediu de continuar. Gabriel continuou morando com a sua mãe, cresceu e começou a frequentar a escola como qualquer criança – sem nenhum tipo de preconceito. Aliás, falando em preconceito, ele afirma nunca ter sofrido: “Nunca me aconteceu nada a respeito. Me tratavam bem, acho que pelo fato de as pessoas me conhecerem numa cadeira desde sempre. Claro que tinha um ou outro que tinha dó ou tinha uma ideia errada, mas, na real mesmo? Acho que as pessoas fazem tempestade em um copo d’água”. Na escola, Gabriel adorava a aula de educação física – isso porque sua mãe sempre o levava para brincar ou fazer algum esporte no clube em que a família frequentava, a Sociedade Hípica de Campinas. “Eu jogava basquete e tênis, mas nada muito sério. Depois, conheci o badminton e vi que dava para jogar tranquilo”, conta. Mas ninguém imaginava que ele fosse levar o esporte tão à sério: foi nesse mesmo clube que, em 2008, aos
12 anos, ele se interessou e começou a praticar badminton. “Quis tentar, e avisei minha mãe para correr atrás das coisas para eu poder participar. Quando comecei, eu era o único cadeirante da turma” – e nem por isso desanimou. Com o mesmo jogo de cintura com o qual levou a vida, ele se adaptou para a modalidade (praticando então parabadminton) e foi avançando cada vez mais no esporte. Resultado: depois de apenas um mês de treino, já foi convocado para o primeiro campeonato. O primeiro foi o campeonato paulista, em 2008, no qual Gabriel ficou em segundo lugar. Depois desse, muitos outros vieram – tantos, que ele nem consegue se lembrar de todos! Mas dos principais ele faz questão de se lembrar: “Sou tri campeão paulista e bi campeão mundial”. A partir daí, o adolescente foi acumulando conquistas: em 2010, se tornou atleta da seleção brasileira de parabadminton, e atualmente é o sétimo melhor do mundo na modalidade. Só neste ano, Gabriel já conquistou o segundo lugar em duplas e o terceiro lugar no simples no 1º Campeonato Nacional de Parabadminton. E não vai parar por aí: a meta agora é o Parapanamericano, que vai acontecer em julho, na China. Mas claro que nem tudo são flores. Gabriel está animado para o Pan, mas sempre lembra dos “poréns”. Ele não conseguiu patrocínio, nenhum tipo de ajuda – fora a de equipamentos, cedida pela empresa japonesa Yonex (de equipamentos próprios para badminton). E a situação complica cada vez mais: como o parabadminton não é um esporte comum no Brasil, as empresas têm receio de patrocinar Gabriel pela possível falta de retorno financeiro. Até porque, ele tem a necessidade de ser acompanhado pela mãe em todos os campeonatos, o que acaba deixando a viagem mais cara. “Vai quem pode, quem tem condições, e quem ama o esporte!”, lamenta. Junto à Gabriel, vários outros atletas vivem o mesmo drama do Panamericano. Só aqui em Campinas, temos Paula Kempers, de 23 anos, que é estudante de Economia da Unicamp e faz parte da seleção brasileira de esgrima. Recentemente, pre-
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cisou vender rifas na faculdade para poder ir para o Pan. Ou ainda, Elisson Alves, de 16 anos, da seleção de Kung Fu, que já foi convocado duas vezes para o mesmo campeonato, e também foi impedido pelas condições financeiras. Tudo isso acontece por falta de recursos, tanto municipal quanto governamental. Em Campinas, o secretário de esporte Oldemar Elias se defende: “Não temos verba para isso. O Ministério do Esporte não nos repassa o suficiente para esse tipo de coisa. Os investimentos são baixos, mas estamos trabalhando para tentar melhorar o repasse federal e investir mais em nosso atletas”. Caso semelhante acontece com o governo brasileiro, que só dispõe de verba para patrocínio quando o esporte é olímpico. No caso do badminton, isso só vai acontecer em 2020, nas Olimpíadas do Japão. Enquanto isso, Gabriel não perde as esperanças. A família vai se esforçar pra economizar e pagar, mais uma vez, as despesas do campeonato. Tudo para incentivar o campineiro e acompanhar cada vez mais a sua superação, esperando que um dia ele possa ser reconhecido no que melhor sabe fazer.
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9 Voos da vida ~Keyla Cavalcante Batista
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entado no seu pequeno escritório com as mãos já enrugadas sobre a mesa, segurando uma caneta estilo bic, Seu Jadson fala sobre a adolescência e o vício com a bebida. Nascido em um lar evangélico, Seu Jadson Ribeiro experimentou a bebida aos 17 anos, quando ainda era apenas um adolescente. Até os 25 anos, o ato de beber era sem compromisso, uma vez ou outra, mas logo isso se tornou frequente, até chegar ao ponto de Seu Jadson perder o emprego e não contar com o apoio da mulher e da família. Seu Jadson nasceu no dia 31 de janeiro de 1946, na zona rural de Juiz de Fora, Minas Gerais em “uma tarde chuvosa”, como conta a dona Alzira Ribeiro, mãe do Seu Jadson. Essa foi a primeira decolagem de Seu Jadson. Apesar de histórias sobre superação de dependentes químicos serem comuns, a história do Seu Jadson tem um grande diferencial. Além dele se tratar em uma clínica especializada em tratamento de dependentes químicos por aproximadamente cinco anos, depois da sua saída ele teve a iniciativa de abrir a sua própria clínica de recuperação. Quando solteiro Seu Jadson sempre frequentava os cultos da igreja com a sua mãe, e como todo adolescente estava cheio de sonhos e ansiedades. Seu primo Edgar Ribeiro conta que quando criança, Seu Jadson sonhava em ser piloto de avião. Dona Alzira relembra dos brinquedos de aviões feitos de papelão e madeiras, e o quanto ele corria com o brinquedo levantando no ar, no terreiro da casa ainda sem reboco. Mas a
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vida de Seu Jadson passou por uma tremenda tubulação. Seu Jadson, quando adolescente, trabalhava como garçom em um bar, e foi lá a primeira vez que teve contato direto com a bebida, necessariamente, um copo de conhaque, dado pelo dono do bar. A bebida no início se mostrava como uma lua de mel, mas com o tempo a dependência se instalou e veio o desespero. As brigas em casa se tornaram frequentes, ele começou a ficar muito agressivo e impaciente, não só com a sua mulher, mas também com qualquer um que ao menos tentasse lhe dá concelhos. Oferecer ajuda nem pensar. Por várias vezes, Seu Jadson tinha sido internado, mas nada resolvia, e por mais que ele queria, não conseguia parar de beber. No final de 2014 a Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou uma pesquisa, que aponta que o abuso no consumo de álcool no Brasil caiu nos últimos dez anos, mas ainda supera a média mundial. O brasileiro ingere 8,7 litros da bebida pura por ano. Sem dúvida, Seu Jadson batia essa cota em apenas uma semana. Mas algum tempo, ele percebeu que algo estava errado, e precisava mudar de vida. Precisava dá um futuro para a sua esposa e seu filho Nícolas de 8 anos. Mas quando esse pensamento veio à cabeça, e como se diz em todas as histórias tristes: já era tarde demais. Sua esposa, Marília, tinha ido embora com seu filho e nunca mais teve notícias dos dois. Já faz 12 anos. Hoje, Nícolas tem 20 anos, e não se sabe nada dele. Foi quando sua esposa foi embora que ele resolveu definitivamente a deixar a bebida. Com a ajuda da mãe, dona Alzira, ele se internou em uma clínica, onde ficou fazendo tratamento e logo depois começou a prestar serviço para essa mesma clínica por um período de cinco anos. Ele optou a ficar na clínica mesmo já recuperado, pois ele tinha a clínica como uma segunda mãe. Em 2008 Seu Jadson se aposentou e fez o inesperado. Com o dinheiro da aposentadoria resolveu abrir a sua própria clínica de recuperação, que já funciona há sete anos. Além disso, ele
também faz palestras em outras clínicas, contando um pouco da sua trajetória e a sua experiência com a bebida. A mãe, dona Alzira, ajuda todos os dias, ela é responsável pela alimentação dos pacientes. Hoje a clínica abriga 17 pacientes, ao todo já foram atendidos aproximadamente 250 pessoas. Os planos de construir a própria clínica vieram ainda quando estava internado, se tratando da dependência. E assim como foi importante para ele decolar novamente na vida, queria dá essa oportunidade para outras pessoas que precisam de ajuda. Na clínica os pacientes não pagam pelo tratamento. As despesas são pagas com o salário da aposentadoria de seu Jadson, que também conta com ajuda de entidades, ONG’s, igrejas e também dos familiares dos pacientes. Seu Jadson construiu três cômodos no fundo da clínica, onde mora com a sua mãe, a sua única e pequena família. Durante a semana ele visita outras clínicas de recuperação para conversar com pacientes, e também faz palestras motivacionais, contando a sua história. Sua clínica ele possui um cronograma de atividades semanais para os pacientes, como, pintura, leitura e diálogos. Comprou dois computadores para que os pacientes possam aprender manusear. Semana passada ajudou um paciente que já está finalizando o tratamento a elaborar um currículo. A clínica não possui muitos recursos, ainda é simples. Mas está cheia de foça de vontade e histórias a serem reconstruídas. Seu Jadson ainda tem muitos planos para clínica. E com um sorriso discreto diz que não se tornou um piloto de avião, mas que a vida possibilitou a voar muito mais alto que qualquer avião pudesse chegar.
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10 E lá se vai mais um fio
~Jonathan Fuzari
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esquisas mostram que pessoas que sofrem com estresse em sua vida profissional ou pessoal tendem em ter queda de cabelo ao longo de sua vida. E os poucos fios de cabelos que restaram em sua cabeça mostram que a chegada até aqui não foi fácil. Desde o começo há exatos 35 anos atrás quando deixou a cidade de Iracema no Paraná, José Roberto, de 51 anos, sabia que tentar a vida em Campinas não seria algo fácil, pelo contrário seria um desafio. Mas ele já estava acostumado. Com 13 anos, já era boia-fria em sua cidade natal. Sua mãe tinha um hotel, mas não estava dando para sobreviver muito bem. Por isso, resolveram se mudar para o bairro onde mora até hoje, só que na época ficaram na casa de familiares até construírem a própria casa da família. O pai ficou no Paraná, pois não poderia perder o emprego que ajudava a sua mãe. O irmão mais novo ficou junto e presenciou uma das cenas mais terríveis de sua vida. Serafin Batistão era um senhor de 47 anos que fumava o dia inteiro, lembra Roberto. Gerente de uma fazenda da cidade. E um dia que estava indo para o trabalho sofreu um infarto dentro do carro e morreu nos braços de Paulinho, irmão de Roberto. A família quando soube, voltou para o Paraná para poderem velar o pai. Todos muitos jovens, apenas com a mãe para
criá-los, ficaram sem saber o que fazer naquele momento. Mas, mesmo assim, resolveram voltar para Campinas e tentar começar do zero novamente. Já com 16 anos, Roberto, quando chegou à cidade, teve que começar a trabalhar para ajudar a família. O mais velho entre quatro irmãos e sem ao menos uma casa para morar começou a trabalhar em um mercado de empacotador para ajudar nas despesas dentro de casa, foi açougueiro, trabalhou em feira, empresa metalúrgica e distribuidora, sempre fazendo algo para ajudar em casa. No nicho em sua sala, uma foto chama a atenção, Roberto caminhando na frente da prefeitura de campinas ao lado do ex-presidente Lula e o ex-prefeito da cidade Toninho: - Pois é, tentei vencer até no meio da política. Em 1989, José Roberto tentou se eleger como subprefeito de Aparecidinha. Ficou por quatro anos no cargo, mas acabou desistindo de seguir neste caminho, não se queixa disso pelo contrário da graças a Deus. - Do jeito que estamos hoje com esses políticos, não duraria muito tempo lá dentro. Após passar por vários empregos, em 2001, começou a trabalhar em uma marcenaria. Não imaginava, mas seria um grande passo que mudaria sua vida. Ficou por volta de três ou quatro anos trabalhando nesta empresa e pode perceber que daria certo nesta área. Em seguida, com as coisas um pouco melhores, e todos dentro de casa trabalhando para ajudar, entrou em uma faculdade de engenharia para começar a estudar e, quando terminou o curso, abriu junto com um sócio uma marcenaria, mas as coisas acabaram não dando certo. Há passos curtos e silenciosos, a mulher dele que estava no quarto, chega ao lado de Roberto e diz em tom baixo: - Teve uma noite que acordei e ele estava andando na sala com o cobertor nas costas. Célia é a segunda esposa de Roberto e trabalha com o
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marido há 8 anos, nesta época quando ainda estavam em sociedade ela descobriu que o próprio sócio roubava dinheiro do caixa: - Ele não acreditaria se eu falasse, tive que provar para ele. E foi um choque muito grande. Roberto tem uma filha de 28 anos fruto do seu primeiro casamento, mas resolve ser curto e grosso ao falar dela. Aparentemente, existem coisas a serem resolvidas entre os dois. Para seguir em frente com a marcenaria foi preciso pedir dinheiro ao banco e até familiares. Muitas noites sem dormir e tomando remédios quase todos os dias. Neste meio tempo, após muitos problemas sofreu dois infartos e teve que fazer uma cirurgia. Mas não ficou muito tempo parado. Posteriormente a tudo isso, e depois de cumprir o prazo que o médico estipulou para o repouso, Roberto voltou a trabalhar. Desfez-se a sociedade e abriu a sua própria marcenaria: - As dívidas no começo ainda continuavam, mas eu via a luz no fim do túnel. Sorrindo com os lábios. Com o passar do tempo, foi ganhando mercado, começou com dois funcionários apenas e algumas dívidas a serem pagas. Mas aos poucos as coisas foram andando e acontecendo para Roberto. Investiu em sua marcenaria com maquinários novos, criou um site para que pudesse divulgar o seu trabalho pela internet, mais tarde com as contas estabilizadas comprou dois carros para fazer entregas para a marcenaria. Conseguiu comprar dois terrenos que hoje já são casas alugadas, um dinheiro que ganha por fora, e há pouco tempo comprou um apartamento em uma praia no litoral norte. Pergunto se essa área profissional era que ele imaginava sobreviver a um tempo atrás: - Não era o que eu gostava de fazer. Mas o dinheiro que eu ganho me proporciona comprar coisas que eu gosto, e fico feliz com isso. Hoje, há dez anos no mercado, enxerga o futuro com oti-
mismo mesmo o paĂs passando por uma crise financeira, sĂł a espera de sua aposentadoria para curtir o tempo que lhe resta. - Agora pretendo aproveitar mais, jĂĄ perdi muito cabelo nessa vida.
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11 Luana nunca quis ser César
~Martha Raquel
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sensação era de que estava brincando de esconde-esconde, que a qualquer momento o amiguinho iria te encontrar e você perderia o jogo, mas não era um jogo, e também não era um amiguinho. Andar pelas ruas, ir até a padaria ou supermercado, buscar a irmãzinha no colégio, coisas bem simples e fáceis de fazer... Ou talvez não. A cada vez que Luana decidia sair de casa era preciso uma dose a mais de coragem, e de fé, que por seu caminho só iriam passar pessoas com um mínimo de compreensão. Pra irmãzinha mais nova, aqueles olhares não faziam o menor sentido, e Luana controlava qualquer emoção para que a pequena não precisasse lidar tão cedo com aquela situação – que era tão recorrente pra ela. Luana desde os 18, antes era César, César Afonso Pereira. Luana bate o pé “meu nome é Luana e sempre foi, eu com cinco anos já era Luana, vocês que não me aceitavam”. Era a menina que por mais que quisesse não era chamada de menina, que desde cedo preferia brincar de escolinha a jogar futebol, que sempre colocava uma peruca de cabelo comprido no carnaval. Uma boneca no canto do quarto de sua nova casa representa o primeiro sinal de aceitação vindo de uma das tias. A boneca parece observar Luana em cada passo da maquiagem que é feita impecavelmente todos os dias. O olho bem marcado, dois cílios postiços pra dar mais volume, batom rosa e um
blush bem clarinho, isso é o básico para qualquer ocasião. Luana saiu de casa exatos dois dias depois de completar 18 anos. Ela mal conseguiu o primeiro emprego aos 16 e já guardava tudo que podia para sustentar a casa quando finalmente tivesse idade pra ser quem ela gostaria. Era um quartinho simples no fundo da casa de uma senhorinha que ela viu poucas vezes na vida, pois a mesma era muito doente. Aquele era o seu lugar preferido no mundo. Mesmo morando sozinha Luana nunca abandonou a tarefa de levar e trazer a irmãzinha do colégio, aquele era o único contato que ela ainda mantinha com a família - com a família que a aceitava do jeito que ela era, a irmã de apenas oito anos. Não foi à toa que não usei a palavra trans até agora. Luana se sente mulher e é assim que deve ser tratada, ou deveria. O medo de sair na rua citado no início deste texto é apenas uma das coisas que Luana tem que enfrentar todos os dias. “Ser encontrada e perder o jogo” para ela é lutar todos os dias para que eventos simples, como ir até o centro da cidade, não se transforme num inferno onde ela seja atacada simplesmente por ser mulher trans. A boneca no canto do quarto é uma espécie de gatilho do bem que desperta lembranças boas de uma fase ruim. A Assossiação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revela que em 2013 foram 121 casos de assassinatos em todo o Brasil, mas alerta que o número pode ser ainda maior porque esses casos são registrados como crimes de ódio e não como transfobia. A ONG internacional Transgender Europe mostra que entre 2008 e 2013 foram 486 mortes de transexuais no Brasil, quatro vezes a mais que no México, segundo país com mais casos registrados. Luana conhece muito bem esses dados, ela já viu duas amigas serem atacadas enquanto voltavam de uma festa em São Paulo. “Foi tudo muito rápido, estávamos rindo ao sair de uma boate na Rua Augusta e de repente alguns rapazes mexeram com a gente”. Ela lembra que tudo começou com cantadas
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e que após uma de suas amigas retrucar dizendo que não havia gostado do comentário, eles começaram a correr em direção a elas. “Eu já havia ouvido histórias de homens que perseguiam mulheres trans nas saídas de balada, mas não imaginei que iria acontecer comigo”. Uma pausa de quase dez minutos se estabeleceu enquanto Luana tentava se controlar para não chorar na minha frente. Naquele momento eu vi aquela menina frágil e que tinha medo de fazer coisas tão simples. Eu compreendi todo aquele medo. Seus olhos gritavam que aquele momento nunca sairia de sua cabeça. As mãos tremulas quase me fizeram pedir para que ela parasse de me contar, mas não o fiz. Como que num grito de socorro ela resumiu tudo num frase... “Eu corri como nunca havia corrido na vida e no dia seguinte descobri que foram 12 facadas”. Naquele momento um turbilhão de coisas passavam pela cabeça de Luana, era perceptível, ela por diversas vezes me contou que todas as noites refletia se valia a pena lutar pra ser quem ela queria, se valia a pena todo esse medo, e no final ela mesmo me deu a resposta: “vale a pena a cada vez que um desconhecido te trata de forma indiferente pois pra ele você é tão normal quanto os outros”. Luana é apenas mais uma das mulheres que todos os dias se sentem a margem da sociedade. Luana não quer ser César, ela nunca quis. Ela precisou abrir mão do conforto e do acolhimento de uma família para que pudesse viver da maneira que a contemplasse como mulher. Luana sente na pele os preconceitos no dia a dia e o medo de andar sozinha. Luana não evita o que lhe faz bem pra ter uma vida tranquila. Luana quer ser Luana, não quer ser o César que virou Luana, só quer ser Luana mesmo, e ter uma vida em paz.
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12 Só mais 10 minutos
~Joycy Cintra de Jesus
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eu nome é Luís Fernando Sper Cavalli, tenho 38 anos, sou nascido em São Paulo/SP, mas resido em Vinhedo/SP desde 2001”, comenta o atleta, professor, tesoureiro, mestrando, colunista. Ufa, acho que esta bom, né? Todo bate papo começa assim, com as informações básicas. Mas, no caso do Luís Fernando, as informações básicas foram além do nome e idade. Casado e pai de dois filhos, a ficha desse policial é longa. Na corporação desde 1994, Luís se formou na Academia de Policia Militar. No ano 2000, conquistou o diploma em Educação Física na Escola de Educação Física da Policia Militar. Na época, como a maioria dos PMs, exercia função operacional ou administrativa. Mas o Luís era diferente. Desde sempre fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo, era também o oficial de treinamento físico, responsável pelo condicionamento físico da tropa de sua unidade. Cargo de importância, já que era Luís quem dava força, literalmente, aos cabos e soldados de sua corporação. Mal sabia ele que esta força toda voltaria ainda maior. Em 2004, um tremor de magnitude 9,4 na escala Richter causou o maior tsunami da história e varreu alguns países da Ásia matando mais de 400 mil pessoas. Mas, aqui no Brasil, neste mesmo ano um tsunami passou pela vida do multi atleta, quando um acidente de carro tirou de Fernando os movimentos das pernas. E também as atividades esportivas a qual gos-
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tava de se dedicar como Provas Pedestres, Biathlons, Triatlons que praticava junto com outros PMs representando a corporação. A consequência foi a fratura da sétima vértebra cervical (C7), que gerou sua lesão medular (tetraplegia). Os amigos e, principalmente, a família foram a fortaleza do atleta, que passou por essa fase com certa tranquilidade, segundo ele mesmo tem orgulho de dizer. Logo após o acidente, o PM passou a frequentar programas de reabilitação. Aquela reabilitação para deficientes físicos, que parece chata e desanimadora. Luís agora faz parte deste mundo. Não mais correr atrás de bandido, mas correr atrás de um novo sentido à vida. Pensa que a caminhada foi longa? Nem poderia! Em um curto espaço de tempo lá estava Luís retomando sua rotina, ou melhor, nova rotina. Foram apenas 18 dias que o separaram o simplesmente ter do poder. Não dava tempo de pensar, era preciso agir. E rápido. Algo comum na vida de policias. Atualmente, o atleta administra outros tipos de BOs. Como ter tempo para sua rotina, digamos, um pouco intensa. Além dos treinos de Rugby em Cadeira de Rodas, ele é mestrando na FEF/UNICAMP em Educação Física Adaptada, dá aula na graduação de Educação Física da Escola de Educação Física da Polícia Militar (também em Adaptada), é colaborador do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência de Vinhedo, sendo responsável pela coluna semanal do Conselho nos jornais da cidade, é tesoureiro da Adeacamp (clube no qual é atleta e que hoje conta com as equipes de Rugby em Cadeira de Rodas, Handebol e Esgrima em Cadeira de Rodas) e se como não bastasse é palestrante num Centro Espírita de Vinhedo (Fraternidade Luiz Sérgio). Como já é de se imaginar, as barreiras aumentaram de tamanho e proporção. “São evidentes, como a necessidade do uso da cadeira de rodas e de adaptadores (que estou usando até para escrever este texto), as estratégias para a higiene pessoal e locomoção”, explica o atleta. E pensa que é só isso? Tem mais... “Mais coisas agora precisam ser feitas em parceria. Te-
nho que pedir muito mais ajuda do que antes da lesão. A grande maioria das minhas atividades precisam de auxílio de outras pessoas. Isso exige algumas mudanças de comportamento e de aceitação”, completa ele. Andar sobre duas rodas exige malabarismos, porque o tempo não para. Falando em tempo, só enquanto esta matéria é escrita o Luís já ministrou uma aula! Sobre as mil e uma utilidades, no esporte ele já começou com duas delas: natação e tênis de mesa. Fernando já praticava natação antes do acidente então achou que fosse mais fácil encarar esse desafio, afinal quantas vezes já cruzara a piscina a nado né. E encarar desafios é o sobrenome dele, quem encara bandido na rua não pode ter medo de uma piscininha E foi a água mesmo quem mostrou que o desafio seria muito maior que tiros e perseguição. A tetraplegia estava ali, abaixo do cinturão e da 38, com ele, para o resto da vida. Você já desanimou só de ler né? Pois ele não. Seguiu praticando e começou a competir. As oportunidades foram chegando e Luís abraçando uma por uma. Passou a correr não só atrás de uma esperança, mas de medalhas também, no atletismo no projeto Peama (Programa de Esportes e Atividades Motoras Adaptadas), de Jundiaí/SP. Em 2007, Luís retomou os estudos, porque o cérebro também precisa exercitar, agora ainda mais que o corpo. Na pós graduação Luís conheceu o handebol em cadeira de rodas e claro, passou a frequentar os treinos. Um ano depois migrou para o rugby, por indicação, graças ao seu maior comprometimento motor (a tal tetraplegia). Era a cadeira de rodas abrindo portas. E parou por ai. Só que não. Depois ainda vieram outras modalidades paralímpicas como a Esgrima em Cadeira de rodas, Corridas de Rua, Tiro com Arco e Esportes de Aventura. Mas a dedicação maior foi mesmo ao Rugby em Cadeira de Rodas que há mais de sete anos é a modalidade que pratica competitivamente. A equipe de RCR da Adeacamp, onde o atleta treina tem hoje 13 atletas, três membros da Comissão Técnica e outros
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staffs como enfermeiras e estagiários. Os treinos ocorrem quatro vezes por semana (às vezes 5 vezes por semana) e duram cerca de duas horas. Haja tempo para praticar todos esses esportes e ainda dar aulas, estudar, escrever, calcular, ser pai, marido. O dia do Luís parece ter 48 horas. Lembra da corrida atrás das medalhas? Foi vitoriosa. Foram vários campeonatos de Rugby em cadeira de rodas pela Adeacamp, quanto pela Seleção Brasileira (na Seleção desde 2010). Alguns dos principais resultados pela ADEACAMP: Campeão Brasileiro dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, Vice-Campeão Brasileiro dos anos de 2008, 2013 e 2014. Pela Seleção Brasileira em 2013 o Terceiro Lugar no Campeonato Panamericano da modalidade, perdendo apenas para os EUA e Canadá. Além do prêmio individual de Melhor Jogador de Defesa do Campeonato Brasileiro de 2013. E a corrida agora é em busca de uma vaga na Paralímpiadas Rio 2016. A batalha começa no Parapan, em Toronto/Canadá que acontece entre 02 e 17 e agosto de 2015. Só para avisar, as malas estão prontas rumo à Amsterdã/Holanda, país onde vai com a seleção brasileira para um torneio com equipes europeias. Perguntado sobre o que a deficiência ensinou, Luís foi, digamos, surpreendente na resposta: “Entre muitas coisas que ainda estou aprendendo, a deficiência me ensinou que tudo pode mudar a qualquer momento, que todos realmente precisamos de todos (e muito) e que temos sempre que agradecer a Deus pelas oportunidades que nos são apresentadas”. Vamos aprender com ele a humildade de reconhecer que a força está dentro de cada um. Ter pernas não significa correr atrás do que deseja e ter força não é sinônimo de lutar.
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13 Corte de
tesoura no fio da navalha ~Danilo Leone
-
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r. Luiz, o senhor corta o meu cabelo? - Como você gosta de cortar? - Só diminuir aqui do lado, e deixar um pouco menos em cima. - Você não acha que seu cabelo está com o topete muito grande em cima? - Pois é. Eu não gosto muito! - Tem que ficar por igual. Por que você já tem o rosto comprido, igual cara de cavalo. Então tem que tirar esse topete. E aqui vamos fazer na tesoura e pente. Eu não ficaria à vontade de ter meu rosto comparado a um de cavalo, ainda mais, logo na primeira vez que vou cortar o cabelo com a pessoa. Mas isso não me incomodou vindo do senhor de 75 anos, voz forte em tom alto, aperto de mão firme e rugas ao redor dos olhos verdes. Sento-me em uma cadeira confortável, azul, com detalhes em metal, próxima à porta. Confio o corte a Sr. Luiz, que coloca os óculos, com as mãos tremulas, troca a lâmina da navalha. Ele virou meu acento para o outro lado do salão, eu não fiquei de frente para o espelho. O que me fez sentir mais alto o barulho
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da tesoura próxima à minha orelha. Pergunto-lhe por que não tem mais cabeleireiros trabalhando com ele: - Tinha uma época que eu tinha uns caras bons que trabalhavam comigo, mas os dois já morreram. Hoje em dia, eles não sabem trabalhar com navalha. Profissional que sabe trabalhar com navalha não tem mais, pessoal da minha época, quem não morreu, já não corta mais. Eu tô aqui ainda, porque eu ainda estou bem”. Hoje com a estação ferroviária de Campinas desativada, o público de Luiz da Conceição mudou. Na maioria das vezes, são os amigos que o procuram para cortar o cabelo. Os clientes não chegam mais de trem. “Campinas era uma beleza, sempre gente chegando de fora para procurar emprego. Todo mundo arrumava! O comércio era só aqui no centro, não tinha esse negócio de shopping. Agora tudo mudou... O povo hoje usa cabelo a olho, não tem mais aquele capricho. Os clientes mesmo, “ah já casei mesmo”, usa o cabelo raspado, outros barbado”. A espontaneidade dos idosos é uma coisa que me encanta. Eu acredito que toda pessoa com mais de 70 têm a liberdade de falar o que pensa. Isso deveria funcionar como licença poética, sem tentar ser politicamente correto. Aliás, ele nem deve ter entrado nessa onda. O jeito enérgico foi herdado da mãe, descendente de alemães, e do pai, que ainda jovem, desembarcou em Campinas, chegando de Portugal, há cem anos, na plataforma de trem da mesma estação que há 53 anos é a localidade do salão. O ponto só foi concedido por meio de uma disputa entre dez cabeleireiros. O pleito aconteceu depois que Luiz serviu o exército. Aos 19 anos, o cabo Conceição era um dos cabeleireiros do batalhão, mas só cortava o cabelo dos comandantes. O convívio com militares o deixou perfeccionista, principalmente, com a estética. - Antigamente, um cara não entrava em um fórum, numa delegacia se não estivesse bem vestido, de calça comprida. Em um casamento, tinha que ir de terno e gravata. Hoje, eles vão
de bermuda num casamento. Mudou tudo! O nível é outro. Você não via mulher de calça comprida. No mesmo segundo ele vira para a rua, aponta um jovem de pele morena, tênis, bermuda, blusa de moletom laranja e azul e um boné verde fluorescente virado para trás. Sr. Luiz esbraveja: - Olha isso ai, põe esses bonezinhos. Eu não saio assim, eu tenho vergonha”. Nesse momento, o corte que durou 20 minutos já tinha acabado. Sr. Luiz se orgulha do resultado: - Não falei que ia ficar bom? Você tem que deixar o cabelo preencher mais dos lados. Pai de um homem e uma mulher, avô de quatro meninas, duas de cada filho. Sr. Luiz completou cinquenta anos de casado, com a Dona Edite da conceição, no dia 29/05/2015. Entrou na escola de cabeleireiro do Senac, em 1956, com 15 anos de idade. Portador do diploma n° 303, foi o Septingentésimo Quinquagésimo Primeiro (751) aluno do curso. Aos 20 anos, já dava aula de corte de cabelo e barba. “Eu comecei a trabalhar nisso fui, fui e acabei me envolvendo, até hoje é a única coisa que eu fiz foi isso, aprendi cortar cabelo e estou to até hoje”. Enquanto ele me explicava que para fazer uma barba perfeita tem que ensaboar o rosto todo, deixar o molde e só depois tirar a barba, a segurança do prédio da estação cultura aparece de uniforme preto, boné da mesma cor, loira, aparentemente sem maquiagem, para em frente à porta, segura o passo para não entrar quando percebe que o barbeiro tem cliente. Luizão, com um largo sorriso, em tom de brincadeira, logo a recebe: - Vem aqui meu amor. Vem tomar um cafezinho. Eu fui chamar você pra vir almoçar comigo, me falaram que ele veio ai, o perigoso. E comprou uma marmitex para você. - Mas já falaram? - Aqui dentro, meu bem. Você fique esperta, que eu sei o
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que se passa lá na plataforma! A moça de pele branca, ainda com sorriso no rosto, olha para baixo. A aba do boné tapa a face já rubra, ajusta a plaquetinha com o nome Fernanda, na altura do peito: - Depois eu volto pra gente conversar, Luizão. O barbeiro se despede e logo retoma um tom mais serio e diz: - Brinco com essa moça que veio ai. Ela veio ai hoje, disse que não trouxe almoço e não tinha dinheiro. Eu falei ‘pode vir ai que você almoça comigo’. Ai quando eu fui lá chamar, disseram que tinham comprado almoço pra ela. Ela conheceu um cara e eu falei, ‘cuida do cara, vai que dá certo’. Mulher separada é uma merda, todo mundo quer comer’. O cabeleireiro gosta de dar conselhos: - Você tem que se dedicar. O que não pode é quando têm dois, três (clientes) você correr, pra chacoalhar pra mandar embora. Você tem que trabalhar direitinho sempre. Pudera, pela cadeira azul, já surrada, passaram milhares de histórias: - Um vem aqui, saiu de casa, outros brigam com pai e com a mãe, outros brigam com a mulher, outros pegam a mulher com outro. Luiz da Conceição enxerga o mundo como quem ainda vive em seus tempos de glória, quando todo homem tinha um ritual para cortar o cabelo e fazer a barba. Fala do passado com a nostalgia imperando no olhar. Como o velho relógio da torre da estação, o barbeiro se mantém a postos para o trabalho, mesmo com poucos olhares em sua direção. Sr. Luiz senta na mesma cadeira em que cortou meu cabelo, olha pela porta, observando o movimento da rua, com a mão no queixo. O velho olhar cansado carrega o peso de quem testemunhou a mudança da sociedade, mas se mantém no mesmo lugar. 62
14 Dígito 003 ~Rayssa Iglésias
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m uma tarde ensolarada de domingo em Campinas, em frente à Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição em Campinas, havia um homem bonito deitado com sua mochila na escadaria da igreja, “Moço, dá licença, você é morador de rua, catador de latinha ou está apenas deitado aí?”, perguntei a Marcos Fontanini de 35 anos, com roupas apresentáveis, traços bonitos, relógio de pulso e chinelo de couro, “sou morador de rua e também catador de latinhas”, disse já abrindo um jornal no chão para que eu me sentasse ao lado dele. Marcos estava fora de qualquer estereótipo criado por mim e pela sociedade. Mas era mais um dígito viciado em álcool e tabaco há 25 anos, se tornou parte da estatística de moradores de rua de Campinas há três meses quando começou a ter problemas com sua família, ficou agressivo com a mãe e então “resolvi me retirar da minha residência”, como não encontrou nenhum trabalho e também nenhum lugar para morar decidiu ir para as ruas. Moço de um português tão sonoro que canta, lê jornal de notícia popular todos os dias e diz pegar livros emprestados com o conselho tutelar, é dessa forma que ele passa o tempo quando não está catando latinhas, tenta se distrair para não se render ao vício novamente. Ainda menino, aos 10 anos de idade ele começou a beber e a fumar e desde então nunca mais parou, a dependência veio em passos lentos trazendo a falta de esperança. Fontanini tinha um bom trabalho na área de construção civil, trabalhava com o padrasto e tinha uma condição
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financeira estável, viu tudo escorrer pelas mãos e se entregou ao vício. Há dois anos, Marcos sofreu um acidente na mão direita, passou por cirurgias, mas um erro médico fez com que ele perdesse o movimento de três dedos, o indicador, o médio e o anular e também a sensibilidade da região, ficou impossibilitado de trabalhar e o ócio fez com que ele se rendesse ao álcool e ao tabaco. Hoje tenta se diferenciar ao máximo dos moradores de rua, não quer essa vida para ele, enquanto conversávamos contou que foi comprar um picolé no carrinho de sorvetes que passava pela praça e o senhor que estava vendendo se negou a entregar e então ele disse ‘você vai me vender esse picolé sim, porque estou com o dinheiro para pagar, não é porque sou morador de rua que eu não tenho, e eu devo ter mais estudos que você”, Marcos abriu a carteira para me mostrar que tinha 20 reais, dinheiro que conseguiu vendendo latinhas. Durante nossa conversa repetiu por várias vezes que morar ali era temporário, que aquele não era o lugar no qual deveria estar, que tem estudos, que não é um ignorante, que trabalhou em construção civil, disse o tempo todo que está limpo de outras drogas, que respeita as pessoas que passam por lá, que não se envolve com os demais moradores de rua. Às vezes Marcos se reafirma tanto, que parece estar querendo provar para si mesmo o que diz. Na tentativa de não fazer mais parte dos números estatísticos de Campinas, Fontanini passou por programas sociais de reabilitação de algumas igrejas, mas não se firmou em nenhum, diz que todos exigem uma mudança brusca que o viciado não consegue ter, exigem que sigam a religião, que parem de beber do dia para a noite e essa imposição rápida de resultados não funciona. Para ele a Prefeitura de Campinas não se esforça para mudar a situação, diz que na verdade eles não sem importam e não ajudam a melhorar, “assistente social e café sem pó não vai resolver nada, a prefeitura deveria dar uma ocupação, um trabalho voluntário, como eles fazem com os presidiários, ficar
atoa faz a gente querer usar a droga”. Marcos dorme todas as noites na porta da caixa econômica no Largo do Rosário, tem um acompanhamento médico para tratar uma DST, a sífilis, doença que adquiriu antes de ir morar nas ruas e cata latinhas para se sustentar no dia a dia, o dinheiro serve para comer uma boa comida e também para comprar seu jornalzinho diário. Anda com um sorriso aberto estampado no rosto e uma voz alegre, o motivo de tanta felicidade é que há uma semana ele não bebe nada que tenha qualquer teor alcoólico, e superou a tão temida sexta-feira de toda semana, sem colocar uma gota de álcool na boca. Tenta se superar a todo instante e na luta diária o álcool ele conseguia vencer, mas o tabaco nem tanto. Marcos e eu conversamos por duas horas e durante esse tempo o vi retirar do bolso um isqueiro e o maço de eight por várias vezes, era tão natural para ele esse movimento que naturalmente puxava entre uma conversa e outra. Naquela tarde de domingo ele esperava por uma ONG, sem nenhum vínculo religioso, sem nenhuma pressão, Marcos queria que a ONG o ajuda-se a deixar de fazer parte do cálculo, não queria continuar sendo um invisível da sociedade.
Humanizando a estatística
Em Campinas atualmente há 563 moradores em situação de rua, que vivem embaixo de marquises espalhadas pela cidade. A maior parte das pessoas em situação de rua, são homens, jovens e viciados em drogas, esse perfil representa 85% dos 563, os outros 15% restante são de mulheres e os motivos que os levam até ali são sempre os mesmos: dessa estatística 72,4 vidas utilizam a droga mais comum e por muitas considerada inofensiva, o álcool, 21,7 histórias são viciadas apenas em álcool; 41,9 desilusões estão nas ruas por conta daquela droga que já foi cool, o tabaco; e 33,9 desalentos atiram pedras no próprio caminho, sendo viciados em crack. Marcos faz parte dessa estatística mas quer deixar de ser mais um número.
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15 E no jardim da vida, Margarida nasceu
~Camila Araújo
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gente passou tanta coisa… tem coisa boa, coisa ruim”. É assim que, ao final da conversa, Margarida fala com um suspiro e olhar profundo, pensando, depois de relembrar seus 67 anos de história. E eu concordo. Quem passa todo dia pela Avenida da Saudade, em Itatiba, interior de São Paulo, e cumprimenta a senhora que sempre está no portão da casa 492 mal sabe todas as marcas que aquele olhar sorridente guarda. E ela é assim mesmo: diz oi pra quem acena (só os motoqueiros que estão com capacete e não reconhece que prefere não dar oi, afinal, não sabe quem é…). “Às vezes alguém para, conversa comigo, e eu converso”. Dona Margarida, a Tinda, não é uma pessoa famosa, não tem sobrenome de família rica. Seu nome inteiro é Margarida da Penha Birai. O Penha não é da parte de ninguém, “não sei porque colocaram esse nome, ainda acham que sou parente da vizinha que tem também, mas não sou”, brinca - e nunca fez nada que a diferenciasse a ponto de ganhar os olhares por onde passa. Mas faz algo um tanto quanto incomum: limpa túmulos do Cemitério da Saudade de Itatiba e com esse dinheiro ajudou os pais em casa, criou os filhos e também ajudou a criar
os netos. A vida sempre foi difícil, como ela lembra constantemente durante a conversa. Nascida em 19 de fevereiro de 1949, já menina conheceu a realidade da vida, do ter pouco. Morava no que era na época uma área rural (hoje é onde são bairros muito próximos ao Centro da cidade), e suas lembranças começam quando ia para a escola, no sítio, na idade entre sete e oito anos. “Minha avó que fazia meu uniforme, saia azul tingida de prega, uma blusa branca, e uma cestinha que eu colocava os cadernos. O nosso lanche era pão duro, passado óleo e um pouco de açúcar, ou então batata cozida ou cana em pedacinho”. Tinha dificuldade em matemática, a menina Margarida, mas sempre gostou de ler. Da infância no sítio diz que tem saudades. Dessa época também lembra quando saiu da escola. Havia feito até o segundo ano e se mudou para onde mora até hoje, em frente ao cemitério. “Quando eu mudei para a cidade minha mãe me colocou na casa da minha tia para fazer serviço, eu nem sabia direito mas ia né”. Na casa não havia água então a mãe começou a buscar no cemitério e, nessas idas e vindas, jogar em alguns túmulos. Foi quando um dos donos dos de um túmulo viu e começou a pagar pelo serviço. E assim a menina Margarida foi brotando para a vida, ia ajudar a mãe no cemitério (já havia conseguido mais algumas famílias), ajudava em casa… até que aos 13 anos foi trabalhar em uma fábrica de tecido e teve que fazer o Mobral, projeto da Ditatura Militar para alfabetização de jovens e adultos, para pegar diploma. Depois a fábrica fechou e começou a lavar e passar roupa na casa dos antigos donos. Foi quando teve seus dois filhos: primeiro Cássia e o segundo Marcelo, e começou a trabalhar em outra fábrica, mas pediu as contas. “Era puxado lá, tinha minha mãe para cuidar, chegava do serviço e ia para o cemitério… Ia com o Marcelo no carrinho e a Cássia que já era maiorzinha cedinho, às vezes pulávamos até o muro…”, recorda. O pai dos dois foi embora. “Deu um problema aí, e ele foi embora. As
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pessoas me falavam para eu ir atrás e eu falava: vou nada!”, se limita a dizer. E assim a mulher Margarida foi crescendo para vida. Casar mesmo, no papel e na igreja, como manda a tradição, nunca casou. “Por isso que eu falo para você que foi difícil…”. Tinda tinha duas crianças para cuidar, mais uma mãe que se tornava cada dia mais alcoólatra. O pai era muito bonzinho, e ela lembra dele com ternura. E as crianças cresceram, “sempre cuidei deles direitinho”, faz questão de contar. Foi então que, entre conversas e bilhetes, conheceu José Ângelo Filho, o seu véio, como o chamava carinhosamente, e que é pai do seu último filho, o José Carlos. Com ele passou 25 anos. “O meu véio trabalhava de estourar pedra, e eu engravidei do Zé Carlos. Como minha mãe ficava discutindo muito com a gente, ele arrumou uma casa em Morungaba e ficamos lá três anos e meio”. Na época, Cássia já tinha 19 anos e foi junto. Marcelo casou novo e já não morava mais com a mãe. Da mudança pra Morungaba, Tinda foi mãe de dois e voltou para Itatiba mãe de três e avó de um. A filha conheceu um rapaz por lá e engravidou do seu neto mais velho, Rodrigo, mas também não casou. “Quando a gente estava em Morungaba era meio triste, chegava à tarde e eu ficava pensando que queria que alguém da minha família chegasse, e às vezes vinha a Cássia com o Rodrigo no carrinho, era uma alegria só”. O dinheiro era contado. Ela e a filha dependiam do seu véio, iam ao supermercado e tinham que somar o que pegavam para ver se ia dar. Até que voltaram para Itatiba, para a casa dos pais e Tinda voltou a ajudar no cemitério. O pai já não estava bem, “foi por coisa que ele fez no dente, deu problema e parou de falar, daí foi piorando…”. Já a mãe continuava bebendo. Marcelo deu a ela mais três netos, do primeiro casamento: Marcela, Débora e o Guilherme. Depois separou e foi morar com outra, em Campinas, e teve mais um casal: Isabela e Heitor, mas o contato é pouco. E no meio dessas relações, ela solta “é tudo complicado que você não sabe nem explicar direito a
família da gente”. Para entender, Cássia ainda teve mais um filho, o Bruno, de um outro relacionamento. “Só o Zé Carlos que não tem nenhum e já está acho que dez anos morando com a mulher dele”. “Já são dez anos!”, o Zé gritou da cozinha. Durante o tempo todo a vida foi de lutas. Pergunto sobre um retrato que fica em uma parede de canto da sala, uma senhora bonita, com traços iguais aos seus. “É minha avó”, ela responde, e logo já abre um sorriso de boas lembranças. “Ela era muito boazinha, andava sempre bem arrumada, gostava de andar de preto. Quando ela vinha, às vezes eu estava no portão e a avistava e ia correndo a encontrar”. Lembra também que a mãe tinha o jeito dela, “mas era mais sapeca”, comenta, rindo. Depois que ela faleceu, ficou com os túmulos da mãe, “e ainda peguei mais uns par deles”. E assim a senhora Margarida floresceu, com um passado intenso. Seu véio ficou doente, internado um ano e meio na Unicamp, até que ele veio a falecer. Mas as lembranças dele perduram com carinho. “Engraçado que aqui em casa sobraram eu, a Cássia, o Rodrigo, e o Bruno”. Já no cemitério, continua. “É meio cansativo tem hora, os baldes de água são pesados, dá cisma ir sozinha lá embaixo…”. Mas não quer parar, pois ganha seu dinheirinho por mês, a vida hoje é tranquila - surge uma luta ou outra, como o diabetes, mas nada comparado ao que foi. “Hoje eu falo, cada um tem uma coisa na vida, mas tudo passou”.
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16 Paula, a Grande ~Jéssica Nespoli
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onho, atire a primeira pedra quem não tem um! Pode ser um pequeno, um grande, fácil, difícil, impossível, o importante é ter um! Mas o que torna a pessoa diferente não é o tamanho do sonho, é o que ela faz para esse sonho se tornar realidade. Paula Jaiane dos Santos Pinto, 22 anos, tinha um sonho desde pequena: fazer faculdade. Um sonho que muitas pessoas podem ter, e podem até já ter realizado, mas a diferença está no que ela fez para tornar esse sonho uma realidade. Paula nasceu no Povoado Várzea Nova no interior de Sergipe, cidade com 500 habitantes. A cidade urbana mais próxima fica a 40 km de sua casa, Aquidabã tem em média 20 mil habitantes. Filha de pais semianalfabetos, sua irmã e seu irmão mais velhos estudaram na escola municipal que tinha ensino até o 5º ano. Mas Paula não queria terminar os estudos no 5º ano, ela queria mais. Então com 11 anos foi morar com a sua tia, a qual morava em outro povoado a cerca de 40 km de sua casa. Ela cursou o 6º ano na escola estadual que era de boa qualidade. No ano seguinte, ela tentou uma bolsa em uma escola particular nessa mesma cidade. Conseguiu a bolsa, e junto com os estudos, sua mãe pagava em torno de 40 reais. E no período em que ela morou com a sua tia, aos finais de semana ela ia para a sua casa ficar com os seus pais. Aos sábados saia 6 horas da manhã e depois de muita caminhada, espera e carona com o caminhão de seu pai, chegava em sua casa as 16h30. E no dia seguinte, no domingo, fazia o mesmo percurso para voltar
à casa de sua tia. Depois de 2 anos, houve algumas mudanças financeiras da escola, e ela passou a ser mais cara, mas sua mãe não tinha dinheiro para pagar. Ela então precisava voltar para a casa de seus pais onde não iria conseguir mais estudar e teria apenas o 7º ano concluído.
Cidade grande
Paula não desistiu. Com 14 anos ela decidiu vir para Campinas morar com a sua irmã mais velha, que já morava aqui. Sua mãe disse para ela “isso é sonho de gente rica”, mas Paula queria realizar o seu sonho de fazer a faculdade. Após sua mãe convencer o seu marido, e com apenas 100 reais, Paula veio para Campinas. No ano seguinte, ela conseguiu entrar para os Patrulheiros. Uma organização em Campinas, que desde 1966 oferece um programa socioeducativo, com o objetivo de encaminhar e acompanhar os jovens no mundo do trabalho por meio da aprendizagem profissional, viabilizada pelas parcerias empresariais e institucionais. Com esse curso ela conseguiu o seu 1º trabalho, e com o seu primeiro salário, comprou um celular para falar com os seus pais em Sergipe. E ela começou a crescer. Quando terminou os estudos do Ensino Médio, prestou faculdade e conseguiu passar na PUC. Com o salário de 400 reais que ela ganhava, mais a ajuda de 900 reais que seus pais conseguiram ajudá-la naquele ano, ela pagou as duas primeiras parcelas da PUC, mas ela não tinha mais condições financeiras para pagar o restante das parcelas dos quatro anos de curso. Ela havia prestado o ENEM para tentar o Prouni (Programa Universidade para Todos) porém não conseguiu ser chamada. Então ela foi falar com a assistente social da PUC para tentar negociar a sua dívida. Para isso, precisava levar muitos documentos para a assistente social. Como ela morava com a sua irmã precisava do comprovante de residência porém seu cunhado não queria dar
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nenhuma cópia para ela, seus vizinhos a ajudaram e conseguiriam o documento escondidos. Mesmo com os documentos entregues, ela ainda não tinha conseguido a bolsa. Só depois de 1 mês ela foi pré-selecionada para a bolsa, e precisava entregar mais documentos na faculdade. Esses documentos agora eram de Sergipe e nessa mesma época o Correio estava em greve. Em Sergipe, seus pais tinham que viajar mais de 30 Km para conseguir enviar os documentos por Fax, com a ajuda de um senhor da cidade. Mesmo os documentos em péssima qualidade, a assistente social da PUC os aceitou. Mas ainda faltava um documento referente ao terreno da casa que tinham. Seus pais estavam a caminho de casa, quando Paula ligou pedindo para o seu pai, semianalfabeto, conseguir um documento em menos de uma hora antes do sistema de bolsas se encerrar. Paula só teve tempo de falar isso para seu pai quando o seu celular ficou sem bateria. Naquele momento, ela agradeceu a assistente social, e já tinha perdido as esperanças de fazer faculdade naquele ano, tinha certeza que seu pai não tinha entendido o que ela havia pedido. Paula sentou em um banco na faculdade e começou a chorar, ela não tinha dinheiro, não iria conseguir a bolsa sem aquele documento, não conseguia falar com ninguém. Foi quando 10 minutos depois a assistente social a chamou lá fora e disse que tinha recebido um e-mail com aquele documento. Sim, Paula tinha a certeza que iria conseguir realizar o seu sonho. E então começou a batalha de estudos e trabalho. Com a ajuda de amigos, conseguia estudar. E com a ajuda de seus pais e vizinhos ela conseguia entregar os documentos todos os anos, já que para a garantia da bolsa, ela precisava levar os documentos anualmente para conferência dos dados.
O tropeço
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Entretanto, apareceu uma pedra no meio do caminho que
quase colocou fim na batalha antes do seu fim. No dia 12 de junho de 2012, quando estava no segundo ano da faculdade, Paula saiu do seu trabalho e foi direto para a faculdade, estava nervosa porque iria fazer uma prova muito difícil. Às 16 horas recebeu a ligação de sua irmã pedindo para ela ir embora porque não estava se sentindo muito bem. Paula pediu desculpas mas não tinha como ela ir embora, precisa fazer aquela prova. Sua irmã insistiu porém ela não podia ir embora sem fazer o teste. Foi quando sua irmã disse “Paula, a mãe morreu. Ela teve um infarto fulminante. Nós temos que ir para Sergipe”. Naquele momento seu mundo desabou. Ela começou a chorar, seus pés ficaram sem chão. Tudo o que ela estava fazendo era para realizar um sonho dela e de sua mãe também. Sua mãe era a única pessoa que sempre apoiou ela, sempre esteve do lado dela. Mas agora ela não iria ter mais esse apoiou. Neste instante uma professora de Paula a viu e foi conversar com ela. Entendendo a situação, a levou à sala dos professores para tentar acalmar ela. Márcio Tangerino, um professor da Paula, a viu chorando e foi conversar com ela. Entendendo a situação ele disse: - Paula, pode ficar tranquila, eu dou um jeito aqui para você, entrego os trabalhos que você já fez para os professores, tendo adiar algumas provas, mas você precisa voltar na semana seguinte porque, se não, você não vai concluir esse semestre. E ela foi para Sergipe. Após o enterro de sua mãe, Paula estava muito triste e não tinha mais forças para voltar para Campinas. Não queria continuar mais nada, queria desistir da vida. Foi quando ela fez a promessa para a sua mãe que não iria desistir do seu sonho. Aliás, aquele também era o sonho de sua mãe. Mesmo que ela não tivesse mais a pessoa que era sua base, era tudo o que ela tinha, ela não iria desistir. Voltou para Campinas depois de uma semana e terminou aquele semestre.
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A continuação
Os momentos difíceis continuaram, mas Paula manteve o seu foco para terminar a faculdade. Conseguiu ser efetivada em uma boa empresa, e começou a ter um salário bom. Se formou no ano passado, 2014, com nota 10 no seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) que falava sobre a Bolsa Familia no Nordeste. No começo desse ano, após 10 anos morando na casa de outras pessoas, Paula junto com o seu namorado, conseguiram arrumar um cantinho para morar. Seus olhos brilham de tanta felicidade ao falar da realização de seu sonho de concluir a faculdade. Paula ainda quer fazer mestrado, casar, comprar uma casa, “a gente nunca pode desistir de um sonho, mas às vezes temos que deixar ele um pouco de lado para saber o que é prioridade em nossa vida. O importante é saber o que te traz felicidade, e ir atrás disso”. Agora Paula esta realizando o seu sonho de ser feliz.
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17 Superando
todas as barreiras ~Tiago Soares
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aria Piedade Caldas é mais uma vítima afetada pelo pensamento “da busca do corpo ideal”, muito debatida, visto os padrões de beleza atuais. A senhora de 62 anos, corpo esguio e um pouco corcunda, desde a infância na região do polígono das secas, do estado da Bahia, sempre vislumbrou uma carreira glamorosa. A mulher hoje na terceira idade foi vítima de um transtorno que hoje é cada vez mais comum: a anorexia, caracterizada pelo medo que o paciente tem de ganhar peso. Esse medo pode provocar problemas psiquiátricos graves. Esse distúrbio afeta milhares de pessoas anualmente. Parece coisa de hoje, mas não é. De origem humilde e mãe alcoólatra, Piedade ou Dona Pipi, como é carinhosamente chamada pelos mais jovens, teve que trabalhar desde pequena colhendo café abaixo de um sol escaldante que deixaram, literalmente, marcas na pele. Piedade é, entre sete irmãos e irmãs, a segunda mais velha e, devido ao vício da mãe, cuidou dos irmãos menores e teve que andar quilômetros para resgatar a mulher que a colocou no mundo, dona Madalena Caldas, da sarjeta. Em troca aos bons cuidados, Piedade não recebia carinho, mas sim tapas e desprezo uma vez que dona Madalena só pensava na bebida. Com tudo, Dona Pipi sempre chamou atenção dos olha-
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res masculinos, tinha um corpo magro, pois “não tinha muito o que comer. Hoje que as pessoas têm tudo, nem arroz eu conhecia antes de vir pra São Paulo. Aqui, vi a modernidade”, conta. Mesmo não tendo as roupas de hoje em dia, “os trapinhos davam pro gasto”. Piedade foi crescendo e, com a morte de sua mãe, aproveitou a migração de sua irmã Odete para São Paulo, arrumou as malas, pegou o pouco que tinha e foi em um “ônibus velhinho caindo aos pedaços que deu problema várias vezes durante a viagem”. Na Terra da Garoa, bem diferente do clima baiano, Piedade surpreendeu, não teve dificuldades para adaptação, logo encontrou trabalho como empregada doméstica “e era muito muito elogiada pelos patrões”, como afirma a melhor amiga Maria da Conceição Soares Caldas. Com o bom trabalho, veio o primeiro salário e os subsequentes. Isso deveria ser bom, mas não foi. Ainda ingênua, ela gastava tudo em peças de roupas e bens não duráveis: “Não estava acostumada a ter tudo aquilo que podia”. O estilo menininha virou mulherão. Com o novo look, os olhares masculinos, inclusive de alguns dos patrões, começaram a crescer, segundo Odete. Piedade foi se importando cada vez mais com o corpo e se alimentando pior, não para agradar homem algum, mas porque “não queria engordar”. Ela chegou a pesar menos de 40 quilos, com 1.70 altura. Com ajuda de Edson Borges, também baiano que o encontrou numa festinha no Centro de ‘Sampa’, ela foi começando a se recuperar, pois “estava começando a ficar com depressão e aí um milagre aconteceu”. Veio a primeira gravidez. A preocupação com o bem estar e desenvolvimento saudável da filha fizeram com que Piedade se alimentasse melhor e teve uma gravidez sem riscos. Rita Caldas nasceu gordinha, chorona e cabeluda, tem traços da mãe e personalidade do pai, como afirma a tia. Desse dia adiante, até um certo momento, a vida de Pie-
dade melhorou, sua fertilidade aflorou mais duas vezes, trazendo ao mundo Margarete e Monica Borges. Uma gordinha e a outra magrinha, respectivamente, mas a magrinha também era saudável. Com isso, os anos foram passando, o trauma da anorexia já estava morto e sepultado. A idade havia chegado trazendo a maturidade e experiência, as filhas cresceram, o marido envelheceu, mas a felicidade reinava no lar, afinal tinha uma família sólida e unida. Entretanto, no dia 16 de abril de 2013, o desespero manchado de preto, cujo codinome é o luto, entrou na casa Piedade. Seu marido, Edson Borges, que sempre teve uma aparência saudável, havia sofrido um infarto que não conseguiu superar. O enterro reuniu dezenas de amigos e parentes da família, mas a, agora, viúva se manteve forte. Enquanto os filhos iam aos prantos, Dona Piedade não derramava uma lágrima, pois ‘não acreditava que aquilo estava acontecendo, chorei sim, e muito, mas no meu quarto, sozinha’. Nos dias seguintes, ela voltara a se alimentar mal. “Quase não comia, mas não porque ligava pro corpo, já estava velha, só não tinha vontade de comer sem meu marido sentado a mesa dando risada com a gente”. Ela foi ficando fraca e doente, teve anemia e sua imunidade estava baixa. “Não gostava de conversar, ficava na minha”. Suas filhas notaram suas quedas de cabelo, sua apatia e desligamento social, todos se uniram, fizeram aquela famosa vaquinha e pagaram um psicólogo para a mãe. Foi aí que a personalidade alegre foi voltando, Dona Pipi sempre tinha a companhia de pelo menos uma das filhas e as conversas com o psicólogo ‘realmente ajudaram’, como pondera Rita. Posteriormente, o drama foi superado. Hoje, ela vive apenas com uma das filhas, Monica, as outras casaram, o que resultou em três netos para ela encher de mimos e comida. Enfim, atualmente, Dona Pipi reside em Guarulhos, não
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tem doenças, passa todas as viradas do ano na praia, e “curto a vida”, como ela mesma afirma. Com estabilidade financeira da aposentadoria, ela vive viajando para aonde tudo começou e despreocupada, sabendo que, se algo der errado, poderá sempre contar com a família.
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18 A minha casa é o cume
~Priscilla Geremias
O
mais jovem a escalar o Everest, enfrentou um dos seus maiores desafios como alpinista no último mês, no dia 28. O terremoto que matou mais de 8 mil pessoas, também causou impacto na vida de Carlos Eduardo Santalena, de 29 anos. O alpinista estava no Nepal, no dia em que dois tremores um de 7,8 pontos de magnitude e o outro de 7,3 atingiram o país. “Me senti impotente diante da catástrofe, é a sensação de não conseguir fazer nada diante dessa situação”, afirma o alpinista. A impotência quanto ao tremor o levou a pensar em alternativas em que ele e seu companheiro de trabalho, José Eduardo Sartor Filho, pudessem ajudar as vítimas da tragédia. A comoção levou os guias a criarem uma campanha com o objetivo de arrecadar dinheiro. Santalena afirmou que já arrecadaram U$ 5 mil em reconstrução, cimento, madeira, telhados e outros materias, que ajudaram a reconstruir a vida dos nepaleses. Carlos e José Eduardo são guias de uma agência de turismo especializada em montanhismo. Os dois guiavam no Nepal um grupo de 29 pessoas, durante dez dias, após a chegada do grupo ao acampamento base, a viagem seguia somente para a dupla que iria até Lobuche, ponto em que estavam no momento do terremoto. Santalena sempre gostou de ambiente de montanhas,
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entrou em contato com a escalada aos 14 anos. “Fiz um curso em 2004, e como era muito novo treinava em uma parede e ia para algumas rochas aos fins de semana com amigos,comecei a querer escalar grandes montanhas em 2009, quando passei a trabalhar com isso e dava um retorno financeiro”, comenta o alpinista. Das escaladas em paredes e pequenas rochas, o jovem chegou as grandes montanhas sem medo e desejo por aventura. Medo. Palavra que não compõe o dicionário da vida de Santalena, mas a tragédia no Nepal o deixou com sensações sobre vida e morte (e medo) difíceis de explicar. “Ninguém espera um desastre como esse, o terremoto foi de grande escala e acabou matando muita gente, é diferente de um tornado que tem uma precisão. Nesse tipo de situação você nunca espera que aquilo aconteça, pois a probabilidade é menor”, diz. O alpinista viveu e sobreviveu a outra tragédia, uma avalanche no acampamento base do Everest em 2014, nesta ocasião três alpinistas morreram. Santalena diz que estava relativamente preparado, o local era de risco, e uma avalanche já era esperada. Corpo e alma. A junção da força física e espiritual ajudou o alpinista a enfrentar as tentativas e chegadas ao cume. “A escalada sempre foi uma busca espiritual e pessoal, que acabou me levando a cada vez mais montanhas, o quanto eu corro de risco nesses locais é relativo, aqui no ambiente urbano traz tantos riscos como uma montanha”, afirma Santalena. “Escalar é simplesmente aquilo que eu gosto de fazer, gosto de estar ali, sei que existe o risco, mas também sei que posso por o pé pra fora de casa e cair, tropeçar, quebrar um pé. Eu gosto de correr o risco nas montanhas, a minha casa é o cume”, conta. Santalena nem sempre chega a sua casa nas três ultimas expedições, as mais marcantes para o alpinista, em nenhuma delas ele chegou ao cume. “Em 2013 estive no Everest, um par-
ceiro ficou sem oxigênio, em 2014 o outro acidente no Everest, e em 2015 o terremoto no Nepal. Nem sempre é fácil chegar ao cume...”, diz. A natureza e o homem. Nas expedições o alpinista diz ter maravilhosas sensações. “Tem gente que gosta de carro, moto, comer em um restaurante legal, cada um gosta de uma coisa, e eu gosto de escalar montanhas”, conta. “Um dos objetivos é estar em contato com o lado espiritual, estar em contato com a natureza e entender principalmente que é ela que esta sob o controle das coisas. É um complemento espiritual, as montanhas altas exigem que a gente faça coisas que nós não imaginamos que podemos fazer”, afirma o alpinista. “Você vê a natureza e a vida com outros olhos, e o olhar nunca é mesmo, nem mesmo nos lugares que já estive”, reflete Santalena. Apesar de o objetivo ser sempre estar em contato com a natureza, o terremoto trouxe mudanças na rotina pessoal e profissional de Carlos. “Meu objetivo hoje é o projeto social, quero ajudar as pessoas que sofreram com a tragédia, é o que tem que ser feito agora, por isso, outras montanhas acabei tirando do caminho esse ano”, diz. Nem todas as montanhas foram tiradas do caminho, Santalena e sua equipe têm viagens programadas ao Alasca, Rússia e voltam ao Nepal. Além de conquistar os sete cumes mais altos do mundo, o alpinista tem uma vontade simples, escalar novamente a Pedra do Baú, localizada no município de São Bento do Sapucaí, no interior de São Paulo. Das outras simplicidades, o alpinista sonha com uma casa, a ser construída perto de uma montanha, e um filho. A residência sem dúvida será decorada com as lembranças que Santalena traz de cada expedição, que são geralmente amuletos e objetos relacionados a alguma crença ou religião. “Não tem como fugir do que eu faço, esse é meu destino. Já trabalhei em academia, com yoga, tentei outros esportes,
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como o mergulho, mas nada me desafia da forma que eu quero. Sou muito grato por poder viver o que eu estou vivendo�, afirma o alpinista.
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19 A mestra do Braile
~Lucas Badan
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ilvia Helena Rodrigues de Carvalho, nasceu em Campinas há 63 anos, quinta filha em uma família de cinco irmãos. É mãe de Gustavo, Thaís e Ana Helena e avó da Malu. Mas ela também é muito conhecida como Professora Sílvia ou apenas Silvinha, para centenas de alunos que dependeram muito dela para realizarem seus sonhos na vida. Para entender e saber o por que Silvia foi tão importante para eles é melhor essa historia ser contada do começo, então vamos lá. Quando ainda bebê, com apenas quatro meses de vida, sua mãe Vitalina percebeu que havia algo de errado com sua visão, pois a menina não conseguia direcionar o olhar quando era chamada e era visível o estrabismo que já existia. Por causa disso, começou o acompanhamento com os médicos no Instituto Penido Burnier em Campinas, que a diagnosticaram com coloboma de retina, uma má formação na estrutura dos olhos. Isso por conta de uma malformação congênita que se deu durante sua gestação, segundo os médicos. Desde então, os médicos já alertaram Vitalina sobre todas as dificuldades que sua filha teria durante a vida, de aprender a andar até fazer atividades do dia-dia e da escola. E também orientaram a estimular mais a visão da menina com brinquedos mais coloridos e trazendo as coisas para mais próximo da
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visão. Com apenas dois anos, ela também já fazia tratamento em duas instituições em São Paulo, no Instituto Padre Chico e na Fundação Dorina Nowill, que cuidavam de crianças com visão subnormal e cegos, para aprender a estimular mais ainda e conseguir o melhor uso de sua pouca visão. Os anos se passaram e a menina cresceu. Sua mãe sempre a deixou brincar com seus irmãos e amigos na rua e explorar os espaços livres sem ter a preocupação de cair ou se machucar. Ela acredita e agradece até hoje sua mãe, pois isso ajudou bastante no desenvolvimento de sua visão sobre as coisas e sobre o mundo. Foi quando, aos 5 de idade, Silvia começou a frequentar a Escola Carlos Gomes, também conhecida naquela época como Escola Normal em Campinas. Ela conta que no jardim de infância sua deficiência visual não atrapalhava, muito por conta dos estímulos visuais e figuras pedagógicas usadas para essa faixa etária serem grandes a ponto de conseguir enxergar e não interferir em seu desenvolvimento. Os problemas começaram a aparecer quando chegou ao 1O ano do primário (hoje fundamental). Mesmo sentando na primeira cadeira, ela não conseguia enxergar o que estava escrito no quadro negro. Além dessa dificuldade, ela acabou sofrendo bullying e muitas vezes sendo excluída de algumas brincadeiras pelos seus colegas mas isso não foi motivo para Silvia desanimar. Nesta época na escola onde ela estudava, já existia uma sala especial para os alunos cegos e com pouca visão, em que se ensinava o sistema braile, que é um sistema com códigos em relevo para leitura por meio do tato. Mas a visão de Silvia, não era tão ruim a ponto dela conseguir ler o braile com os olhos e, por isso, ela ficava ora nesta classe e ora em sua classe convencional nessa fase de alfabetização. Após isso, ela começou a ter aula apenas em sua sala convencional junto com as crianças sem nenhuma deficiência. E foi nessa época que surgiu alguém muito especial na
vida de Silvia, e que ela levaria como um exemplo: a professora Tereza Von Zubem, então responsável na escola pela inclusão dos alunos com deficiência, orientando os outros professores como deviam ser trabalhado com eles. Com essas estratégias de inclusão de Tereza, e a ajuda de seus colegas de sala que chegavam a ditar a matéria para ela, além é claro de sua força de vontade, a então menina, se desenvolve e consegue se formar e junto com o colegial ela resolveu fazer magistratura para conseguir realizar seu grande sonho, ser professora e ensinar braile para crianças com o problemas parecidos com o dela. Com apenas 18 anos, Silvia, já uma então professora formada no magistério, queria mais. Foi estudar pedagogia na PUC-Campinas onde também conseguiu se formar em 1975. E foi ai que mais uma vez apareceu em sua vida Tereza Von Zubem com a qual manteve contato e sempre conversava pelo telefone. Mas desta vez foi uma ligação diferente, na qual a vida de Silvia começava a mudar, era um convite para participar em projeto para graduar técnicos de reabilitação para deficientes visuais e onde depois iria ser criado um centro especializados pare cuidar e ensinar o braile para os pacientes dentro do Instituto de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, (Unicamp). Houve uma pequena seleção e Silvia Helena foi uma das 12 escolhidas para participar desse projeto, porém com uma ressalva: ela teria que fazer terapia para garantir que seu problema visual não atrapalhasse na recuperação e adaptação de seus futuros alunos. Após um ano de muita terapia, e estágio com a parte teórica do curso para técnica de reabilitação, Silvia e as outras 11 pessoas foram contratadas. No começo do ano seguinte, foi montado e criado o CEPRE, Centro de Estudos e Pesquisa em Reabilitação, que tem a responsabilidade de ensinar os pacientes do hospital. Silvia, então, fica no grupo responsável a ensina o sistema braile para pacientes adultos, de uma forma avançada, en-
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sinando até matérias como química, física e musicologia. Tudo isso para que seus alunos também conseguissem realizar o sonho de ingressar e se formar em uma faculdade. Com muita dedicação, ela conseguiu ajudar e ensinar o braile para centenas de alunos, nem ela sabe mensurar um número exato. Então, Silvia fez carreira na Unicamp e no Cepre, apresentando inúmeras pesquisas muitas vezes feito em equipe que ajudavam no desenvolvimento e reabilitação de seus alunos e crianças de outras escolas nas quais o centro ajudava com orientações. Já nos anos 2000, dois avanços ajudaram no desenvolvimento acadêmico desses alunos. O primeiro foi a mudança na lei em que obrigava o governo a ajudar com recursos os alunos deficientes visuais até o fim da faculdade, e não mais até o fim do colegial como era antes. Mas o outro avanço foi maior, o desenvolvimento da informática e das impressoras braile que favoreceram nos estudos e na edição mais simples de livros textos e exercícios, podendo mexer na fonte da letra, colocar em negrito, deixando assim mais fácil a leitura e intepretação para seus alunos, Silvia se dedicou muito a isso. Após esses dois avanços, as universidades publicas e particulares foram obrigadas a ter o vestibular em uma versão em braile deixando assim muito mais fácil o acesso dessas pessoas com deficiência a universidade. E ela foi responsável por alguns anos de transcrever a prova do vestibular da Unicamp para o braile e também como auxiliar ditando algumas provas para alunos que tinham dificuldade com o sistema. Silvia também foi uma das responsáveis por criar o Laboratório de apoio, acesso e permanecia a pessoa com deficiência que ficava dentro da Biblioteca Central da universidade, local onde transcrevia textos e publicações para o braile, e também os narrava para esses alunos que queriam fazer mestrado ou doutorado. Após muito trabalho e dedicação aos sonhos de seus alunos em 35 anos de Unicamp, ela se aposentou, porém, não con-
seguiu ficar distante por muito tempo e voltou como voluntária fazendo o mesmo trabalho até hoje. Silvia conta que nunca escondeu sua deficiência e suas limitações de ninguém, também para mostrar para seus alunos que o sonho deles eram possível assim como o dela. Ela se diz muito realizada na profissão de professora que escolheu, e também na vida por ter ajudado a realizar o sonho de muitas pessoas e alunos que passaram em suas mãos.
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20 Precisamos plantar TC
~Isadora Cipola
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ntonio Carlos. Tio Caio, Tonho Carlos. TC. Foi mais ou menos essa explicação que recebi quando perguntei de onde veio o apelido. Clara e objetiva, sem muitas digressões. Mas, na verdade, durante toda a nossa conversa, foram raros os momentos em que TC abreviou histórias. Fácil compreender: ele luta contra desigualdades étnicas e raciais desde os seis anos de idade, história é o que não falta. Difícil imaginar: ele tem quase dois metros de altura, não é simples visualizá-lo quando criança. A primeira coisa que TC me disse, quando expliquei sobre o que queria conversar, foi “a maior violência que se vive hoje é a violência social, é o estado não ser justo com a grande maioria da população; alguns têm muito, outros não tem nada. Minha vida toda eu falei disso”. E foi assim que entendi quem era Antonio Carlos. Esse negro, nascido em 1952, que não escapa ao uso do termo “afrodescendente” e o repete com frequência, é exemplo de indignação. Mas não de qualquer indignação. De indignação ativa. De indignação inquieta. Desde os seis anos de idade, quando destruíram o Clube de Negros que existia ao lado de sua casa, no bairro São Bernardo, em Campinas, e, no lugar, construíram um “parque infantil” (uma espécie de creche para as crianças que ainda não
estavam em idade escolar), a revolta contra as injustiças ganhou um espaço grande dentro do peito de TC. Ele lembra com detalhes aquilo que afirma ter sido a primeira agressão que sofreu. “Eu fui pra lá e achava tudo muito chato, sabe? As musiquinhas que cantavam, aquele calçãozinho vermelho... Pô, que caretice! Não bastasse tudo o que eu já não gostava na parada, gostava muito menos ainda do tratamento que eles davam pra mim e pros outros que eram negros também”. TC passou a perceber o que havia de errado. Reagia aos desrespeitos que sofria e não deixava passar as diferenças de tratamento que sentia na pele – originadas não por qualquer outro motivo senão a própria pele. Na passagem dos seis para os sete anos, foi expulso do parque infantil. E na escola não foi diferente. Ele garante que tudo piorou quando começaram as aulas de história do Brasil, quando foram postos em pauta temas como escravos, abolição e liberdade. TC passou a querer encontrar outras explicações para os fatos e não apenas aquelas que eram dadas a ele. No entanto, como ainda era criança, não sabia interpretar muitas coisas. “Meu jeito de negar era reagindo mal”. As dificuldades acentuavam-se. Mas o que poderia ser considerado um “garoto-problema” era, na verdade, o despertar de uma militância. Talvez, ele apenas ainda não soubesse disso. Com nove anos e problemas tanto escolares quanto familiares – os pais eram separados e TC garante nunca tê-los visto presentes no mesmo ambiente -, ele foi morar com a mãe e os irmãos em Minas Gerais, na casa da avó, “no meio do mato”. TC, que até então se mostrava forte na conversa e parecia seguir uma linha de raciocínio contida e livre de desvios, acabou sendo levado ao encontro da melhor parte de sua vida: o nascimento da ideia de quilombo.
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Ali, naquela fazenda que TC jura poder encontrar no Google Maps, ele entende o que é a vida comunitária, como é viver num território realmente coletivo. É ali que acontece a aproximação com questões como mutirão, troca, compartilhamento. Ali, TC tem contato com a vida que realmente sonhava. Ali, ele passa a se inspirar em Zumbi dos Palmares. Com um brilho no olhar inédito nesta uma hora de conversa, ele explica que, naquele lugar, todo mundo era parente, “os parentescos, nessa cultura, nascem porque eu batizei teu filho, e a gente vira parente. O respeito é tanto que trata como irmão”. E resume: “é outro mundo”. TC não demonstra pretensão em mudar de assunto e relata que, além de toda a simbologia, esse “pedacinho do céu” também abrigava um rio de água limpa, cuja água poderia ser bebida e os peixes poderiam ser vistos. Eu não sabia que era possível, mas os olhos dele brilham ainda mais e ele solta um “puta que lindo, sabe? Era fascinante”. A experiência durou dos nove aos 10 anos, mas foi suficiente para construí-lo, como ele próprio diz. “Eu comecei a absorver essa cultura quilombola, de compartilhar terra, cuidar da terra, respeitar a natureza”. Na volta para casa, TC foi morar no bairro Castelo Branco com a mãe, o que, segundo ele, entre as décadas de 60 e 70 foi uma prova de fogo, já que era um bairro popular, sem estrutura nenhuma, com um monte de gente. “Um caos total”, nas palavras dele. Mas foi também uma experiência que o enriqueceu muito. “Foi dura pra caramba. Os moleques da minha idade, meus amigos, todos morreram. De droga, tiro, muita violência. Aqui eu vi como é que é”. E, nesse momento, o tom de voz endurece um pouco. “Eu me salvei justamente porque estava no meio de tudo isso, mas tinha referências, minha família, questionava muito as coisas. E gostava de música, que também me ajudou muito a andar no mundo e perceber as coisas de outro ângulo”. O Clube de Negros, apesar de ter sido destruído, foi res-
ponsável por manter presente a cultura negra e a música na vida de TC. No que diz respeito à música, a inspiração veio do pai, que tocava diversos instrumentos, e do padrinho, que era baixista. A vida de TC foi sempre regada à música. Hoje, instalado na Casa de Cultura Tainã (nome tupi que significa “caminho das estrelas”), na Vila Castelo Branco, TC desenvolve ações de todo tipo, - o que faz, inclusive, com que sua rotina seja dormir tarde e acordar cedo. Com os jovens, ele realiza principalmente oficinas de música, ensinando uma variedade enorme de instrumentos. Orgulhoso, afirma que “tem moleque que vive nos EUA agora, que estuda música, e começou a tocar aqui. Saem muitos músicos daqui, pessoas que tocam bem. O que a gente espera é que, agora, eles ajudem a formar outros, né?”. Outro projeto em que TC está envolvido, junto à Rede Mocambos (movimento de produção de conhecimento e comunicação entre comunidades quilombolas, que nasce na Tainã, cuja palavra de ordem é “Vamos fazer um mundo mais do nosso jeito”), é relacionado ao Baobá, uma árvore enorme, sagrada na África. “Baobá é um símbolo do nosso direito à terra, nossa ancestralidade, identidade. A gente está criando uma simbologia muito forte em torno disso”. Trata-se de uma das árvores mais antiga do planeta, podendo chegar a 6 mil anos de idade e medir 20 metros de diâmetro e 30 metros de altura quando adulta. Uma lenda diz que seus galhos voltados para o alto parecem braços que se queixam ao criador, implorando melhorias para o planeta. A lenda me faz pensar que TC é um Baobá na forma humana. Esta inquietação em ser negro, este sentimento de busca, de querer entender as coisas e procurar explicações mais justas, não necessariamente mais fáceis. Esta indignação que parece ter nascido com ele, já que se manifestou muito cedo. E,
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ao mesmo tempo, a forma como demonstra saber de tudo um pouco – política, social e economicamente. TC é raro. Raro como um Baobá. Precisamos plantar TC para ver se nascem mais como ele. Mas TC não é do tipo que se deixa plantar. TC é livre. E quer que todos sejamos também.
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21 Festa, trabalho e pão
~Fabiana Oliveira
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oa Esperança (MG) está a 375 km de Campinas (SP). Esperança tem origem no latim. Deriva de SPES, que significa “confiança em algo positivo”. A crença em um bom futuro é um sentimento do líder comunitário Sebastião Vitor Rosa ou Tião Mineiro, como gosta de ser chamado, para os jovens e crianças da Vila Brandina, em Campinas. A confiança vem da fé, mas também de muito trabalho e muita luta. Tião Mineiro veio de Boa Esperança para cá, com 15 anos, movido por um sonho: ser jogador de futebol. Ele, que é apaixonado pela “Macaca”, chegou a ser testado por grandes clubes, mas não engrenou na carreira de jogador. Novos sonhos surgiram. Um deles, cativado em diversos corações, era o de ter a posse das terras em que vive e melhores condições de moradia. Esse sonho moveu a Assembleia do Povo (AP), de que Tião fez parte. A AP foi um movimento social urbano nascido na década 70, que reunia as favelas da cidade. Semanalmente, toda sexta-feira à noite, cada favela fazia reuniões e pautava as reinvindicações que seriam levadas para o Centro Pastoral PIO XII, onde eram conectadas com as outras favelas. A Assembleia do Povo foi uma conjunção das Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e das Pastorais Sociais, também conhecidas como Pastorais da Periferia. Inicialmente, o movimento se deu com bairros não periféricos, mas depois acabou
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sendo levado adiante pelos moradores das favelas, que tinham crescido numericamente, especialmente na década de 50, em Campinas. A organização ganhou força de forma reativa. Quando assumiu a prefeitura municipal, Chico Amaral dedicou todo o trabalho de habitação em iniciativas de despejo dos favelados. A luta continua. A regularização fundiária ainda é pauta engavetada na nossa cidade. Além dos problemas estruturais, incomoda Tião a maneira como “os outros” olham para a favela. A questão do preconceito com o morador da periferia. “Nós somos tratados com diferença, nós somos encarados de outra maneira. Até mesmo nosso endereço não é reconhecido. Queira sim, queira não, a discriminação existe”, comenta. Ele diz que os olhares tortos aparecem nos postos de saúde, nos supermercados, no shopping center que se localiza próximo à Vila Brandina. A Vila Brandina está localizada na Região Leste de Campinas e tem ao norte o Shopping Iguatemi. Dois “mundos” opostos num raio de poucos quilômetros. Cenário característico da urbanidade e do “desenvolvimento”. São aproximadamente 450 famílias, cerca de 4.000 pessoas. A maior parte dos assalariados não está em um trabalho formal. Não tem posto de saúde. Escola tem, mas é por meio de iniciativa de terceiro setor. São três principais: o Núcleo Mãe Maria, que atende diariamente 120 crianças entre seis e 14 anos; o Grupo Comunitário Criança Feliz ou “Barracão”, como se diz na comunidade, que recebe 160 crianças e adolescentes entre sete e 18 anos, todos os dias, em período contrário ao escolar; e o Cultura e Arte na Comunidade (CEAC), que também atende as crianças de seis a 14 anos. Essas iniciativas indicam um caminho melhor para os jovens moradores da comunidade, acredita Tião. “Vocês sabem onde eu moro, se for o contrário, vocês podem cobrar de mim, mas a Vila Brandina, desde que existe, só quer oportunidades”, diz. Em 2016, teremos as eleições municipais para prefeito e vereadores. Tião Mineiro lembra, um pouco sorridente, um
pouco bravo, que em períodos eleitorais, muitos olhares, antes fechados, se voltam para a comunidade. “Eles dizem que a Brandina é a menina dos olhos e aí eu me pergunto, dos olhos de quem?”, questiona. Ele é presidente da Associação de Moradores desde 1979, quando a Assembleia do Povo estava em seu “auge político”, que durou até 1982. Tião Mineiro é um homem de muitas paixões. Uma, diz ter desde criança. É a música. Talvez por influência do pai, que era violeiro, conta orgulhoso. “Eu aprendi tudo com ele”. É fã de Tunico e Tinoco, Silveira e Silveirinha e Tião Carreiro e Pardinho, mas o que gosta mesmo é de cantar a sua própria história, que de tão rica, já rendeu 228 canções compostas por ele. Em 2013, Tião realizou o sonho de lançar um CD com suas músicas. “Acordar com os Passarinhos” reúne 13 letras, entre elas “A princesa e o operário”, “Menina da favela” e “Nove Mulheres”, uma homenagem a sua família, esposa e mais oito filhas. O lançamento aconteceu em um momento em que ele estava descrente do sonho de ser músico. O incentivo veio por meio de um amigo mais jovem, o João Arruda. Arruda, que foi produtor e arranjador do álbum, colaborou para que o “Acordar com os passarinhos” fosse financiado pelo Programa de Ação Cultural (ProAC) do Governo do Estado de São Paulo. “Não existe o velho sem o novo e nem o novo sem o velho”, com tom de sabedoria e gratidão. “O dinheiro na minha carreira não foi importante. O importante foi a conquista dos amigos”. Ele conta, alegre, com a viola na mão, que o lançamento, que aconteceu no SESC, foi em um domingo chuvoso e de jogo da seleção brasileira contra a Inglaterra e “mesmo assim reuniu mais de 200 pessoas”. Andar com Tião Mineiro pela Brandina é ser parada a todo minuto. O passo é rápido para o senhor de 69 anos, magro. Caminha de óculos e chapéu. Relógio no pulso e bigode no rosto. Negro e de cabelos brancos e curtos. Da janela, a senhora que observa a rua de cima do sobrado verde, grita “vai um café Tião?”, educadamente rejeitado pela pressa. Na rua íngreme
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e sem asfalto, os meninos passam correndo ou de bicicleta e nenhum deixa de cumprimentar o “Seu Tião”. No Barracão, os pequenos o abraçam. Não há quem não o conheça. O mesmo se repete no campinho de futebol, na porta do bar. Se quiser conhecê-lo, não te darei o endereço. Chegue em qualquer lugar da Vila e pergunte pelo Tião Mineiro. Muitas paixões e muitos ofícios. Nos mais de 50 anos em que vive em Campinas, o mineiro já foi sorveteiro, padeiro, radialista, funcionário público e até coveiro. “Aqui em Campinas eu só não matei ninguém, não lesei ninguém, nunca vendi drogas, mas graças a Deus, para sobreviver eu já fiz de tudo”, conta. Tião já recebeu títulos de mérito da Câmara Municipal e da Assembleia Estadual. Em 2009, foi eleito, pelo Ministério da Cultura, mestre-griô da cidade, o guardião das tradições. Festa, trabalho e pão. Tião Mineiro é mestre-embaixador da Companhia do Santos Reis Azes do Brasil, que em 2014 comemorou meio século. É uma das seis companhias que ainda preservam a tradição católica em Campinas. Há três décadas, a cidade chegou a ter mais de 40 grupos. A redução se deu, especialmente, por falta de subsídio e apoio da Prefeitura, mas a Boa Esperança continua lá e aqui. No final do ano passado, o Governo Federal sancionou uma Lei (13.019/14), que vai permitir o repasse de subsídios para eventos populares, por meio do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Segue a luta. Segue a festa. Segue o trabalho. Segue a tradição. De a paz a sua casa pra nossa folia Em nome dos santos reis E do santo filho de Maria
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22 Um homem
conhecido como B A ~Guilherme Luz
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anderlei Natalino Victorino conhecido como B A, de pele negra, nascido em 1972 e secretário da cultura de Jundiaí, ingressou no movimento estudantil e político aos 11 anos, quando participou de uma atividade católica na praça da Sé e, ao chegar ao local, visualizou uma galera com cabelo black power do tamanho do mundo, óculos escuros enormes na cara, chacoalhando bandeiras para todo lado. Foi quando pensou: “Ah, é isso que eu quero pra minha vida”. A partir desse evento, passou a conhecer mais o que era o movimento estudantil, e a primeira participação efetiva com o grupo foi para a retomada do direito ao grêmio livre. No Brasil, o grêmio livre tinha seu direito de existir até a ditadura militar. Aos 14 anos, B A participou da primeira manifestação em Brasília para conversar com o então presidente da República, Sarney, para que ele assinasse a lei dando o direito para se organizar como grêmio estudantil sem repressão. B A conta que fazia parte de uma comitiva que tinha uma audiência para conversar com presidente, mas que era muito difícil estar na audiência enquanto fora o movimento continuava e a polícia estava “descendo o cacete” nos estudantes como se vê até os dias atuais em manifestações públicas. Ai vieram os congressos da UNI UBIS em Jundiaí, conquistaram o direito do passe livre para estudantes após muita briga
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com o prefeito Andre Benassi. Após conseguirem que a câmera aprovasse o direito, o prefeito vetou. André entrou na Justiça e ganhou uma liminar para que a lei fosse aplicada na cidade. Apesar da lei não ser aplicada, B A considera esse fato muito bacana, pois fez com que o movimento estudantil se reformulasse em outras áreas, quando começaram a discutir leis como a 10.639 de hoje, que garante o ensino da historia afro-brasileira esteja presente na grade curricular. Naquela época, a juventude se aflorou e começou a procurar quais partidos seguir, de direita, de esquerda, centro... Tudo isso a partir do movimento do passe livre que, no fim, não deu certo. Ai veio 1992. Vanderlei rodou o Brasil inteiro pelo movimento fora Collor. Após Lula perder as eleições, em 1989, logo de cara, o grupo estudantil se organizava para lutar pelos direitos enquanto poder público. Em Jundiaí, foram feitas muitas manifestações. Até hoje, não houve manifestação maior do que a do Fora Collor, com cerca de 30 mil pessoas na rua. Mesmo nas manifestações de junho e julho de 2013, a cidade nunca teve um manifesto tão bem politizado quanto foi o fora Collor em 1992. B A lembra que havia várias bandeiras de luta durante o movimento, sendo que os organizadores tinham apenas uma, mas cada pessoa tinha algo pelo que lutar: havia a questão do passe livre, com muitas faixas com os adolescentes, educação no município, a pauta dos trabalhadores. Metalúrgicos e banqueiros entraram em greve, assim, todos foram para a manifestação brigar pelo fora Collor e por suas lutas particulares. Para B A, ver Jundiaí inteira se movimentando em torno de uma causa foi a parte mais legal dos manifestos. Em todo o período, foram feitas em Jundiaí em torno de cinco manifestações e B A participou em tono de umas 20, indo para Salvador, Belo Horizonte, Santa Catarina, São Paulo, Campinas, Belém do Para, rodando o pais, organizando o movimento estudantil. No dia da votação do fora Collor, ficou decidido fazer uma
manifestação na parte da manhã em Jundiaí. À tarde, o grupo iria engrossar a manifestação em São Paulo, em que a avenida Paulista ficou repleta de jovens, com uma marcha até o Vale do Anhangabaú, com 2 milhões de pessoas. O fora Collor foi e é até hoje, depois da ditadura militar, o movimento que mais reuniu pessoas, que mais conscientizou as pessoas, sendo que na época a mídia contribuiu para a organização. O movimento deu uma bagagem política e de vida muito importante para que, nos dias de hoje, Vanderlei tivesse a consciência do que é a organização da sociedade, em termos do legislativo, judiciário e executivo. Pensar a sociedade é enxergar e compreender a função e o papel dos três poderes. Vanderlei Natalino Victorino finaliza que “por querer uma educação de qualidade, eu entendia e entendo até hoje que a gente só vai ter um país que realmente cresça e se desenvolva em todos os sentidos, se nós tivermos uma educação e cultura de qualidade”. Esse é o motivo de ter participado dos movimentos e de participar até os dias de hoje da política diretamente.
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