Sobre nostalgia e pintura Não importa se nascemos numa cidade grande ou num longínquo vilarejo, nas nossas evocações, o céu de nossa infância é sempre azul e os campos são sempre verdejantes. As pequenas casas onde moramos se agigantam na lembrança e os quase sempre modestos armários de louças se transformam em depositários de tesouros esplêndidos. Quando criança, Walter Benjamin gostava de pintar tomando como modelos as porcelanas chinesas de sua casa, nas quais uma camada multicor cobria cada vaso, vasilhame, prato, tigela...¹ Fascinado pelas porcelanas baratas, adentrava nos seus azuis e laranjas, seus verdes e vermelhos, seus amarelos e púrpuras, deslizava nos delicados filetes dourados. As pinturas de Gilson Rodrigues se expandem nesse espaço-tempo do sonho ou do devaneio. Nelas, paisagens e objetos flutuam como se uma ventania, vinda do passado ou da memória, os estivesse distanciando de nós. Imersos no turbilhão, não podemos detê-los nem deter-nos. Giramos com eles que, às vezes, se definem em contornos nítidos e cores sólidas e outras aparecem apenas como esboços, linhas delicadas que se conformam numa xícara, numa chaleira, num vaso de flores. Rastros de talheres ornamentados deixam marcas sutis e se entranham na paisagem que, por causa deles, deixa de parecer natural e se escancara como a construção cultural que sempre foi. Aparentemente, o trabalho de Gilson tem como tema principal a pintura de paisagem e a de natureza morta. É um trabalho de gabinete de colecionador de estampas no qual a natureza se insere insidiosa, como uma força destrutiva que não pode ser evitada. Uma arte de ruínas onde, a cada momento, o artista nos adverte sobre o supremo artifício de seu fazer. Massas sólidas e chapadas de cor densa e opaca e empastes grumosos de cores vibrantes alternam entre as delicadas campinas, sobre a relva viçosa, nos céus de azuis líquidos. Essas interferências de pura pintura agem como um anteparo que frustra nosso desejo de ensimesmarmos nos espaços aéreos e aquosos que o artista propõe. Há uma ausência, porém, que se adivinha além das visões que o artista nos oferece e que, talvez, seja o verdadeiro assunto destas pinturas. Nas imagens que perambulam entre uma e outra pintura estão os campos e os rios, os céus e as árvores, as mudas, os vasos e as flores, um casal de proprietários sem rosto, as xícaras e os talheres... Mas onde estão os armários, os móveis, onde está a casa? A palavra nostalgia, estado de tristeza causado pela distância do lar, foi criada pelo médico suíço J.J. Harder, em 1678. A nostalgia é um sentimento de perda e deslocamento, é a saudade de um lugar que não mais existe ou que nunca existiu. A imagem da nostalgia, afirma Svetlana Boym², se constitui como uma superposição de duas imagens: o solo natal e o estrangeiro, o passado e o presente, o sonho e a vida cotidiana. Ao intentar conjugar essas imagens em uma, a moldura explode e os fragmentos se espalham. Gilson Rodrigues nos oferece, nos seus trabalhos, o instante da dispersão.
Maria Angélica Melendi
¹ BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas II. Rua de Mao Única. São Paulo: Brasiliense, 1993. p.193. ² BOYM, Svetlana. The Future of Nostalgia. New York: Basic Books, 2001.p.XV. 2
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Gilson Rodrigues, Contagem/MG, 1987. Gilson Rodrigues vive e trabalha em Belo Horizonte/MG. Realizou bacharelado em pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e licenciatura em Artes Visuais, na Escola de Design da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg). Possui em seu currículo exposições individuais e coletivas, entre as quais se destacam: “Paisagem”, na Galeria de Arte da Copasa, em 2015; “Orgânico/Artificial”, no SESI Mariana/MG, em 2015; “ÀOBRA”, resultado da Residência Artística no Centro Cultural UFMG, em 2015; “Da Pampulha para a humanidade”, na Casa do Baile/Pampulha, em 2015; e “Corpos Dados”, no Centro Cultural de Contagem, em 2013. Foi premiado pelo Sesc de Ribeirão Preto/SP em 2015 na 26ª Mostra de Arte da Juventude, que contou com a curadoria de Thiago Honório e Renan Araujo. Foi responsável pela curadoria da exposição “Casa de Cacos: Objetos” no Museu Casa de Cultura Nair Mendes Moreira, em Contagem, em 2014. (31) 9 88370897 gilsonrodrigs@gmail.com behance.net/gilsonrodrigs
Legendas Capa: Jardins suspensos [detalhe], técnica mista sobre tela, 100x150cm, 2015. 3 - Imagem de processo 4 - Harmonia na escolha, óleo sobre tela, 20x30cm, 2015. 5 - Jardins suspensos, técnica mista sobre tela, 100x150cm, 2015. 6 - Sem título, óleo sobre mdf, 100x150cm, 2014. 7 - Plantio direto, óleo sobre tela, 1,26x66cm, 2015. 8 - Replantio e propagação, acrílica e óleo sobre lona, 300x160cm, 2015. 10 - Marinha, técnica mista sobre lona, 95x83cm, 125x167cm, 2016. 12 - Arranjos em ambiente amplo, óleo sobre tela, díptico, 20x30cm; 20x40cm, 2015. 13 - Pendente na paisagem, óleo sobre tela díptico, 20x30cm; 20x30cm, 2015. 14 - Muda, óleo sobre tela, díptico, 22x34cm; 22x34cm, 2015. Contracapa: Detalhe de instalação Raiz, objeto, pintura, blocos de alvenaria, dimensões variáveis, 2016.
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Jardins Suspensos - Gilson Rodrigues | Banca de seleção: Cristina Brandão, Marcus Hill, Paulo Nazareth | Curadoria: Maria Angélica Melendi | Coordenador da Galeria de Arte BDMG Cultural: Érico Grossi | Projeto gráfico e produção gráfica: Thiago Anicio | Fotografia: Daniel Pinho e Gilson Rodrigues | Assessoria de imprensa: Luiza Serrano
ABERTURA
24 DE JUNHO, ÀS 19H VISITAÇÃO GRATUITA
25 DE JUNHO, A 24 DE JULHO | 2016 diariamente, 10h às 18h Rua Bernardo Guimarães, 1600, Lourdes - [31] 3219-8486 www.bdmgcultural.mg.gov.br
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