A série de obras que compõem a exposição Por trás das formas, de Gilson Rodrigues, constrói um instigante conjunto de propostas e estratégias ligadas à imagem, acionando relações entre tempo, memória e vida cotidiana. Partindo de uma investigação da tradição da pintura, Rodrigues inicialmente buscou, em antigas peças de louça e conjuntos como jogos de chá, jantar ou mesmo pequenas caixas e outros utensílios domésticos, a inscrição imagética. Os objetos, de um lado, imediatamente acionam o ambiente doméstico e o universo da vida cotidiana por suas funções mais ordinárias, mas, de outro, formam um expressivo conjunto de discursos e fabulações que se constituem pelas imagens (quase) inocentes que habitam as superfícies destes objetos com cenas bucólicas e idealizadas.
Bule, 5’35’00”, Série Remembramento, 2016.
A VIDA SECRETA DOS OBJETOS
Esse tensionamento entre a função cotidiana e a presença das paisagens foi ao longo do tempo se complexificando nas obras de Rodrigues e, agora, emergem tanto na elaborada composição das pinturas quanto nos vídeos e objetos apresentados. Um vetor ligado ao tempo atravessa as obras nos convocando a entrar nesse jogo de imagens duplas, cheias de referências vindas dos mais distintos meios (revistas, imagens da internet, manuais técnicos), em representações que acionam memórias em constante construção e desconstrução. Esse gesto caracteriza uma pintura em diálogo com o domínio contemporâneo das imagens, absorvendo procedimentos e estratégias de outros meios. Os retângulos presentes em muitas telas em densas camadas de tinta sinalizam a paisagem, destituem as representações e provocam deslocamentos no olhar pela profusão de signos e referências que compõem as obras.
28 DE JANEIRO A 26 DE MARÇO / 2017
GILSON RODRIGUES
POR TRÁS DAS FORMAS
CICLO DE EXPOSIÇÕES MEMORIAL MINAS GERAIS VALE 2016-2017
Assim como as pinturas, os vídeos também se relacionam intensamente com os objetos quebrados que se apresentam na galeria do Memorial Minas Gerais Vale. Gestos que configuram modos de tensionar as temporalidades em distintas formas de representação para refletir o tempo. Os vídeos nos mostram plantas crescendo ou blocos de gelo derretendo (assim como na abertura da exposição), dando a ver a aleatória “composição” dos objetos e suas alterações na forma. Expandir, reter e prolongar, ao extremo, o tempo ou torná-lo fluido e fugaz nas passagens entre suportes e estratégias é uma linha de força para entrar nas formulações conceituais acionadas pelas obras. Gilson Rodrigues nos fornece as pistas para nos conectarmos com uma peculiar relação entre os objetos, a vida cotidiana, as formas de representação e suas possíveis fabulações. Manual prático para aproximar fragmentos (ou quem sabe juntar cacos) da memória?
Interior, acrílica e óleo sobre lona, 144x142; 09x12cm, 2016.
O Ministério da Cultura e a Vale apresentam
Além de dar destaque para as manifestações da cultura ligadas à memória e à tradição, o Memorial Minas Gerais Vale ainda ativa as potências do contemporâneo como forma de dar sustentação e circulação ao legado do passado. Esse gesto aproxima e coloca as dimensões do tempo em um jogo, no qual passado e presente se entrecruzam nas dinâmicas das muitas manifestações da arte e da cultura. O Programa de Exposições 2016-2017, selecionadas pelo Edital para Jovens Artistas Mineiros, é um desses gestos que aciona a produção artística contemporânea, dando visibilidade a artistas emergentes. Nessa temporada, quatro exposições revelam o vigor da produção artística emergente. A ideia central é dar espaço para a diversidade de discursos, práticas e estratégias da arte contemporânea produzida em Minas Gerais, garantindo aos jovens artistas boas condições de exposição e de visibilidade. www.memorialvale.com.br Iniciativa:
Patrocínio:
FICHA TÉCNICA } REALIZAÇÃO: MEMORIAL MINAS GERAIS VALE / GESTOR: WAGNER TAMEIRÃO } MONTAGEM: GUILHERME MACHADO } DESIGN GRÁFICO: AD10 COMUNICAÇÃO } SELEÇÃO DAS EXPOSIÇÕES: EDUARDO DE JESUS, WAGNER TAMEIRÃO E MARIA ANGÉLICA MELENDI } COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS: EDUARDO DE JESUS
Parceria:
Realização:
MINISTÉRIO DA CULTURA Auto retrato, acrílica e óleo sobre lona, 130x150cm, 2016.
ENTREVISTA – GILSON RODRIGUES 1. Ao promover um diálogo entre a tradição da pintura e os desdobramentos contemporâneos, como
de gelo entra em fusão, as estampas começam a ressurgir, quando, então, os cacos caem empurrados pela força gravitacional, escapando de nossa visão como as próprias imagens da memória.
você elege os elementos e estratégias de apropriação? Quais são as referências que emergem? 3. Qual é o lugar que as relações entre tempo, memória e vida cotidiana ocupam em A história e as possibilidades oferecidas pelo fazer pictórico são também elementos de minha
seus trabalhos?
pesquisa. Sendo assim, quando pinto, utilizo uma tecnologia secular para falar de assuntos que me interessam. Minhas referências possuem diferentes origens. Coleciono imagens da internet, de revistas
Neste momento, esses três assuntos assumem um papel central na minha produção.
antigas, além de objetos que eram da minha casa e que agora também garimpo em antiquários.
Comecei representando objetos que sempre me foram bastante familiares. Vasos de jardim,
O objeto é um elemento muito importante no meu processo. Gosto de me apropriar deles,
jogos de chá, caixinhas decoradas com rebuscadas cenas e outros utensílios do ambiente
deslocá-los para o campo da arte, dando-lhes outras possibilidades de significação. Assim como
doméstico em que cresci. Todo objeto é dotado da capacidade de ativar memórias, esta
em séries anteriores, nesta é possível perceber uma remodulação de suas formas, como os objetos
característica já mostra o quão carregados de história estão esses elementos que povoam
quebrados que são cuidadosamente reconstruídos com fita crepe, trazendo novamente sua memória.
minha produção. Trabalho com um conteúdo muito pessoal e, no entanto, é comum
Remontar os cacos, para mim, é um exercício de relembrar. Alguns objetos estão comigo desde o
pessoas que entram em contato com minha pesquisa relatarem vivências que resgataram ao
início dessa produção; é possível percebê-los dentro dos trabalhos sob vistas diferentes, quebrados ou
visualizar as obras. Penso que, nesse momento, uma memória individual se torna coletiva.
não. É um exercício persistente de criar narrativas, mas também de entender alguns desses elementos
Talvez o que ligue minha produção a esse instante cotidiano seja a capacidade de despertar
que utilizo em minha pesquisa. Quando iniciei esse conjunto de trabalhos, me interessava a relação
em quem a vê um olhar curioso, ativo e pensante.
das estampas de natureza que existem sobre esses objetos com as vistas panorâmicas de paisagens, cenas apropriadas através de cópias construídas por mim. Uma tentativa de arquitetar e povoar uma paisagem fictícia com esses pedaços de natureza industrializada.
}
Gilson Rodrigues
Encontro, acrílica e óleo sobre lona,126x150; 20x20cm, 2017.
2. Na exposição você transita por distintas técnicas na construção das obras. Como se deu a aproximação com as imagens em movimento e como essas novas possibilidades dialogam com a pintura, que parece ser o seu ponto de partida? Acredito que um trabalho finalizado é, na verdade, a síntese de uma série de processos imagéticos e operacionais que o artista realiza dentro de seu ateliê e ao qual nem sempre o espectador consegue ter acesso. Dentro da minha produção, essas operações se dão através da aproximação com outras áreas de conhecimento e de experimentações com as diversas mídias disponíveis hoje, que, na maioria das vezes, funcionam como um ponto de partida para as pinturas. Os vídeos surgiram assim, sob o desejo de experimentar outro tipo de suporte e ver quais problemas este me oferecia para, então, resolvê-los no plano da pintura. Entretanto, como acontece com alguns objetos que no início surgem como referência e logo viram trabalhos, aconteceu também com os registros em vídeo. A pintura, quando associada a outras linguagens – pintura expandida –, ganha outras maneiras de acessar o espectador, porém, na maioria das vezes, por uma impossibilidade que é implícita a este meio, esquecemos uma grande gama de acontecimentos que uma imagem alude, como o som, o movimento, o cheiro... As imagens em movimento têm a capacidade de apreender o que nossos olhos são incapazes de capturar. Em um dos vídeos presentes nesta exposição, utilizo uma técnica chamada time-lapse, que me permitiu capturar o movimento e o crescimento das plantas, além da interação com os objetos com que trabalho. Em outros, as relações com as camadas de pintura ficam explícitas. Objetos quebrados aparecem encapsulados em blocos de gelo e algumas partes ficam ofuscadas durante o processo de solidificação da água, lembrando as camadas translúcidas presentes nas pinturas, resultado obtido pelo uso de finas camadas de tinta a óleo diluída. Porém, quando o bloco Cena galante, acrílica e óleo sobre lona, 162x220cm, 2017.
Gilson Rodrigues (Contagem, 1987) é graduado em Artes Visuais pela EBA/UFMG (Bacharelado em pintura, 2014) e pela UEMG (Licenciatura, 2013). Possui obras em coleções particulares e públicas, como no acervo do BDMG Cultural (Minas Gerais), e vem participando de diversas exposições, entre as quais se destacam as individuais: Quase paisagem (Fundação Cultural Badesc, Florianópolis - SC, 2016), Entre (Centro Cultural de Contagem, Contagem - MG, 2016), Jardins Suspensos (BDMG Cultural, Belo Horizonte - MG, 2016), Orgânico/Artificial (SESIMariana, Mariana - MG, 2015) e Paisagem (Galeria de Arte Copasa, Belo Horizonte - MG, 2015). Além das mostras individuais, destacam-se ainda as coletivas: 45ª edição do Salão de Artes Visuais NOVÍSSIMOS (Rio de Janeiro - RJ, 2016); 40X40 (Viaduto das Artes, Belo Horizonte MG, 2016); Mostra Curto Circuito (SESC Palladium, Belo Horizonte - MG, 2016); Entre a casa e o acaso - Exposição com Luiz Eduardo Lemos (Galeria MAMA CADELA, Belo Horizonte - MG, 2015); 26ª Mostra de Arte da Juventude (SESC Ribeirão Preto - SP, 2015), Mostra de Vídeos OS BRUTOS (Sede das Brigadas Populares, Belo Horizonte - MG, 2015), Da Pampulha para a humanidade (Casa do Baile, Belo Horizonte - MG, 2015); Poéticas do Habitar (Escola de Belas Artes, UFMG, Belo Horizonte - MG, 2015); Corpos-dados (Centro Cultural de Contagem, Contagem - MG, 2013), Sem título (Festival Independente 424, Espaço Fluxus, Belo Horizonte MG, 2011), Deriva III (Centro Cultural da UFMG, Belo Horizonte - MG, 2011). Rodrigues foi, ainda, curador da mostra Casa de Cacos: objetos (Museu Casa de Cultura Nair Mendes Moreira, Contagem - MG, 2014), participou da residência artística e da exposição coletiva AOBRA (Centro Cultural UFMG, Belo Horizonte - MG, 2015) e foi premiado na 26ª Mostra de Arte da Juventude (SESC Ribeirão Preto - SP, 2015).