Comunicação, Marcas e Desenvolvimento Regional | Perspectivas Multidisciplinares |
Aos meus maiores incentivadores: meu marido, Jorge meu filho, Bruno minha mĂŁe, Leci
[2]
Organizadora | Giovana Goretti Feijó de Almeida |
Comunicação, Marcas e Desenvolvimento Regional | Perspectivas Multidisciplinares |
1ª edição
Santa Cruz do Sul The Help 2019
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© Copyright Da Organizadora 1ª edição 2019
Direitos reservados desta edição Da Organizadora Edição The Help Editora
Este livro é parte de uma coletânea de artigos sobre Desenvolvimento Regional originalmente publicada em periódicos científicos nacionais e internacionais, capítulos de livros e em Anais de eventos científicos nacionais e internacionais, sendo alguns em parceria com a Organizadora e colegas da área do Desenvolvimento Regional.
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Almeida, Giovana Goretti Feijó de Comunicação, Marcas e Desenvolvimento Regional: perspectivas multidisciplinares / Giovana Goretti Feijó de Almeida (Organizadora). Santa Cruz do Sul, 2019. 156 p. ISBN: 978-85-93982-09-5
1. Desenvolvimento Regional. 2. Comunicação. 3. Branding. 4. Marcas. 5. Consumo. I. Almeida, Giovana Goretti Feijó de. II. Título.
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Sumário 09 13
Prefácio Dr. Fábio Hansen
Introdução
18
O consumo de emoções: estudo de caso dos jipeiros de Santa Cruz do Sul-RS
44
A linguagem publicitária na sustentabilidade ambiental
75
O poder e a aura das marcas de luxo em classes populares: o caso Luis Vuitton
103
A fenomenologia e o discurso publicitário: a tênue linha da subjetividade
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120
Guaraná Jesus: a identidade cultural como estratégia da marca
128
Louis Vuitton: reposicionamento do público no mercado de luxo
136
Cerveja Polar: a identidade territorial e as marcas regionais
145
Reculuta: a estratégia de comunicação da cervejaria artesanal gaúcha
156
Sobre a Organizadora
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Aos meus maiores incentivadores: meu marido, meu filho e minha mĂŁe
[7]
“ ” Nenhum vento é bom para quem não sabe onde ir
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(Sócrates)
*** Em nota de rodapé, na página inicial de cada captítulo deste livro, consta o nome e o link do periódico científico, Anais de eventos ou capítulo de livro, em que o estudo foi originalmente publicado.
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Prefácio
_____________________________ Marcas, consumo e comunicação publicitária Não é de hoje que as marcas desempenham função chave no mundo dos negócios. Tal constatação não é novidade. Tampouco deveria ser surpresa o caráter cultural atribuído a elas. O desafio corporativo, que redimensiona o papel das corporações e dos profissionais de comunicação, é harmonizar as perspectivas mercantil e sociocultural. O relacionamento entre públicos, marcas, produtos e conteúdos se modificou; mutações significativas nas formas de interlocução aconteceram; a circulação dos dizeres se ampliou; o espaço de (re)negociações e (re)formulações de sentidos se fortaleceu. Cabe às marcas fazer companhia às pessoas, convidá-las a experiências sobretudo imateriais - oferecidas em ambientes concretos ou virtuais. Pensar as marcas é problematizar o consumo como fenômeno sociocultural. Logo, pensar o consumo é investigar a cultura. É destinar atenção à proeminência da dimensão simbólica. Na lógica cultural do consumo, consumimos emoções e significados. Tais significados se sobrepõem à dimensão econômica, material e utilitária do consumo. O consumo abarca o intangível - ativo patrimonial tão caro às marcas. A obra de Giovana Goretti Almeida materializa noções fundantes do consumo anunciadas por Douglas e Isherwood: consumidores utilizam bens e serviços para dizer alguma coisa de si mesmos, para reafirmar suas identidades, para definir sua posição no espaço social, para distinguir-se e hierarquizar, para classificar, para declarar seu pertencimento a um ou a outro grupo no campo social. O consumo ultrapassa a materialidade dos bens e envolve o conjunto de [9]
fatores sociais e culturais em que se produzem sentidos. Nessa interface com a comunicação o consumo se revela um indexador simbólico; um fluxo comunicacional entre pessoas por intermédio de objetos; um sistema de comunicação dos simbolismos presentes nas marcas; um sistema de significação. Consumir é (se) comunicar. A linguagem do consumo se transformou em uma poderosa forma de comunicação social. A cultural material - as marcas - são veículos privilegiados para a comunicação entre pessoas, para a manutenção e/ou estreitamento de vínculos. O consumo é uma arena para o acontecimento da relação social, pois implica sentimentos, afetos, rituais, posições de poder, prestígio, entre tantos modos de se relacionar socialmente. Nesse sentido, a pesquisa de Giovana é referencial ao sublinhar a expressividade do consumo. Para desvendar a reconstituição dos saberes que permeiam o campo comunicacional, a pesquisadora empreende o diálogo como metodologia de atuação, construindo interlocução com marcas, mas especialmente com consumidores, presenciando modos de sentir, de pensar, de agir, de ser. É urgente, como bem faz Giovana, conhecer mais e melhor o consumidor contemporâneo, compreender as alterações nas subjetividades, nas sensibilidades, na sociabilidade. Se por um lado parece haver dissonância entre a reconfiguração no modo de ser consumidor e a insensibilidade das marcas em relação às temáticas da contemporaneidade, como a representatividade, a diversidade, a inclusão e a sustentabilidade; por outro as pessoas, na condição de sujeitos sociais que somos, valorizam um sentido de conexão. Isso é essencialmente humano. Assim como a postura investigativa e contemplativa é (ou pelo menos deveria ser) inerente a nós, gestores da comunicação publicitária. Giovana aborda com atenção as emoções humanas. E o que é a atividade publicitária se não capturar emoções humanas para criar a narrativa publicitária? Assim reconheço outros méritos da autora do [ 10 ]
livro: a capacidade de escuta e de observação; a aptidão para “ler” pessoas; o fascínio por pessoas materializado no diálogo com consumidores, sejam jipeiros, classes populares, consumidoras da marca Louis Vuitton, consumidores de marcas de cerveja ou de marcas de refrigerante. Se o consumo só se concretiza em suas práticas, Giovana registrou os sujeitos em situação de consumo, conferiu in loco como o consumo confere, simbolicamente, distinção social e imagem perante determinado grupo social, em um sistema social que vai além daquilo que é trocado. As relações de consumo são formas privilegiadas de sociabilidade e o consumo um espaço privilegiado para formação dos sentidos sociais. Consumimos bem mais do que objetos materiais. Consumimos visualidades, condutas, ideias, lugares, sonhos, planos e valores, expressos em marcas com o auxílio de mecanismos de transferência de significado, como a publicidade - que coloca em circulação múltiplos significados para conectar marcas e consumidores. A pesquisa é um sólido caminho às marcas. A pesquisa deve ser encarada como uma atividade de investigação e descoberta; é um exercício denso de observação, de análise e de interpretação. Desponta em um cenário que exige conhecimentos sobre pessoas. Não há como afastar o aprendizado dos locais urbanos e/ou rurais, das interações sociais, do convívio humano. Interagir com a sociedade e entrar em contato com outra realidade é reconhecer que a produção do conhecimento está pautada na pluralidade e na diversidade do pensamento; em trocas simbólicas. Pesquisar é ir à rua, não prescindir do contato presencial e físico com as pessoas, para escutar e conversar, para desvelar o que pensam, o que consomem. Pesquisar é a ambiência com qualquer realidade delimitada. As investigações da Giovana se situam nessa seara. Passível de elogio é igualmente o enfoque regional instituído aos seus estudos. A regionalização ganha relevo na escolha dos objetos empíricos. As [ 11 ]
temáticas inseridas na área do Desenvolvimento Regional são condizentes com as peculiaridades locais, com as demandas sociais, com a valorização da identidade territorial gaúcha e das marcas regionais, principalmente das marcas e consumidores do Vale do Rio Pardo e do Vale do Taquari. Por ocupar um lugar nada distanciado – fui seu orientador no TCC de graduação em Publicidade e Propaganda e também no TCC da especialização em Gestão de Marcas, ambos desenvolvidos na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) -, testemunho a afeição e inclinação da Giovana pelas marcas, pelo empresariado e pelos consumidores locais. É um alento nos depararmos com a iniciativa da Giovana de compartilhar os conhecimentos que tem produzido desde a graduação, passando pela especialização, pelo mestrado e pelo doutorado. De fato, um diferencial do seu trabalho está na continuidade das pesquisas, demonstrando não só coerência, mas fôlego para estudos longitudinais, paradoxalmente imprescindíveis e raros no campo da comunicação. Zelosa, Giovana narra com propriedade porque é pesquisadora com doutorado, mas também é publicitária atuante. Ela tem o pensamento. Ela tem a ação. Ela tem produção. Ela tem a nos ensinar com o conjunto de textos aqui reunidos, dedicados a uma abordagem com crescimento exponencial: Marcas, Consumo e Comunicação Publicitária. Fábio Hansen 1
Docente no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) na linha de pesquisa Comunicação e Formações Socioculturais. Curitiba, junho de 2019. 1
Currículo Lattes - http://lattes.cnpq.br/1353697328915770
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Introdução
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E
screver sobre assuntos tão complexos como comunicação, marcas e Desenvolvimento Regional, permeados pela interdisciplinaridade, é sempre desafiador e, ao mesmo tempo, instigante. Este livro reúne alguns dos artigos publicados pela Organizadora, muitos em parceria com colegas da área do Desenvolvimento Regional e da Comunicação, professores e outros pesquisadores durante o período de seus estudos no Mestrado e Doutorado. Buscou-se agrupar as pesquisas em temáticas que integram cada um dos livros que compõem a Coletânea Desenvolvimento Regional Múltiplas Perspectivas, sendo o Desenvolvimento Regional o eixo norteador em que as temáticas transversais são debatidas. O artigo que abre esta coletânea, O consumo de emoções: estudo de caso dos jipeiros de Santa Cruz do Sul-RS discute o consumo hedonista, inferindo que fatores como a emoção complexificam o processo. Parte-se do pressuposto de que as emoções podem levar o consumidor a repetir ou não uma experiência. Assim sendo, questiona-se qual a percepção dos jipeiros em relação às trilhas que realizam em grupos, tomando essas trilhas como objetos de um consumo de emoções. Parte-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho exploratório, utilizando-se da pesquisa bibliográfica e documental. A técnica de levantamento de dados empregada foi a entrevista semiestruturada junto aos jipeiros santa-cruzenses em que cada um indicou um jipeiro a ser entrevistados. Os resultados apontaram para o
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uso da emoção como importante fator a ser considerado no consumo de produtos subjetivos. A discussão sobre A linguagem publicitária na sustentabilidade ambiental aborda o uso da linguagem publicitária, na perspectiva da sustentabilidade ambiental, colocando a publicidade como prática e como produto que põe em circulação múltiplos significados. Foi analisado um conjunto de anúncios publicitários que utilizam a sustentabilidade ambiental em seus conteúdos como argumento publicitário. Os resultados revelaram a importância da responsabilidade das empresas em fazerem ações publicitárias. Outro artigo discute O poder e a aura das marcas de luxo em classes populares: o caso Louis Vuitton a partir da temática das conexões das marcas, abordando o conceito de fetichismo de mercadoria em marcas de luxo, estudando o caso da marca Louis Vuitton, pela perspectiva de sua apropriação pela classe C. A observação do mercado de luxo leva à percepção de que há um crescimento significativo no Brasil deste nicho no que serefere a sua aquisição e consumo (emoções e experiências) também pelas classes populares e não apenas pelas que detêm um valor econômico elevado. O objetivo central deste artigo é, portanto, compreender a valoração que transcende a mercadoria (as marcas de luxo), fazendo-a ganhar um poder oculto que a faz relacionarse com as pessoas de menor poder aquisitivo e lhes confere, simbolicamente, distinção social e imagem perante seu grupo social. A relevância deste estudo sobre marcas de luxo está na discussão do fascínio e da aura das marcas de luxo, através de sua linguagem publicitária permeada por simbolismos e crenças, na qual o consumo age como uma demonstração simbólica de status em uma classe social diferente de seu público-alvo. A metodologia utilizada ancorou-se na bibliografia sobre as teorias da marca e fetichismo da mercadoria, na análise da publicidade da Louis Vuitton e na forma como é construído seu discurso publicitário em uma classe mais elevada, despertando [ 14 ]
também no consumidor de uma classe C e o desejo de compra e de status, transcendendo o produto em si, indo além de seu público-alvo. O que se percebeu foi que há um intenso grau de persuasão da marca que ultrapassa seu público-alvo, as classe mais elitizadas, e que acabam promovendo também uma categorização de consumo em classes mais populares, proporcionado pelas conexões da marca e a experiência de interação entre as classes através da posse de uma marca de luxo. O artigo A fenomenologia e o discurso publicitário: a tênue linha da subjetividade trata da abordagem fenomenológica na identidade territorial gaúcha e sua relação com as estratégias de branding das marcas regionais, no estudo de caso da marca da cerveja Polar. Procurou-se pensar como a fenomenologia, enquanto ciência social do homem para o homem, pode contribuir para este estudo. É uma leitura da concepção fenomenológica de Edmund Husserl e de sua compreensão do que ele propõe como filosofia transcendental e epochê (redução fenomenológica). O estudo é de natureza qualitativa, de cunho exploratório, utilizando-se da pesquisa bibliográfica. Os resultados encontrados apontam para o papel de mediação que a comunicação publicitária desempenha na articulação de sentidos, conquistando, importantes espaços simbólicos. Os quatro artigos que dão sequência a esta obra foram publicados na Revista Case Studies, revista brasileria de managment, e trazem uma perspectiva mais mercadológica do que científica. Assim, o artigo Guaraná Jesus: a identidade cultural como estratégia da marca trata da complexidade da gestão da marca quando se utiliza a identidade do território como se fosse a identidade do próprio produto. Apropriar-se da identidade cultural e territorial para consolidar um relacionamento em longo prazo entre marca e consumidor foi a estratégia utilizada pelo Guaraná Jesus para se consolidar como uma das marcas regionais de refrigerantes mais vendidas na região Nordeste do país, especialmente, após a venda para a The Coca-Cola Company. A [ 15 ]
estratégia da companhia foi a de comercializar o produto apenas no mercado maranhense, assim como o faz outras marcas. Este artigo parte da discussão da identidade territorial utilizada pelas marcas regionais abordada na Dissertação 2 de Mestrado da Organizadora. A discussão proposta no Louis Vuitton: reposicionamento do público no mercado do luxo trata da atuação da marca que inciou sua trajetória atendendo ao público triplo A e, na contemporaneidade, encontra-se no público A e AA. Esse remanejamento de posição exigiu dos estrategistas da marca LV novas abordagens e novo posicionamento para a marca. Este artigo é fruto de uma pesquisa maior sobre marcas de luxo, investigando o caso da marca Louis Vuitton. O debate sobre a Cerveja Polar: a identidade territorial e as marcas regionais apresenta que a identidade territorial gaúcha foi e continua sendo utilizada no branding das marcas regionais, como no caso da marca da cerveja Polar, comercializada somente no estado do Rio Grande do Sul, a partir de suas campanhas publicitárias de 1999 a 2014. A identidade territorial é acionada estrategicamente por uma transnacional, a AmBev, na comercialização de um de seus produtos, a cerveja Polar, que tem uma venda restrita a um estado, não podendo ser vendida fora daquele território. Salienta-se que a marca Polar, embora seja oriunda do município de Estrela (RS), não pertence mais ao estado do Rio Grande do Sul, sendo seu capital de origem internacional. Este artigo é oriundo de uma pesquisa maior durante o Mestrado da Organizadora, sendo o objeto de estudo de sua dissertação. O artigo Reculuta: a estratégia de comunicação da cervejaria artesanal gaúcha aborda a marca gaúcha de cerveja artesanal Reculuta e como atuaram, mesmo com pouca experiência de gestão, no mercado de cervejas artesanais. Os gestores alinharam o nome Reculuta a um evento típico do município de Guaíba, no Rio Grande do 2
Disponível em: http://hdl.handle.net/11624/798 [ 16 ]
Sul, onde foi instalada a cervejaria. Este trabalho foi desenvolvido a partir de entrevistas com os gestores da Cervejaria Reculuta em dezembro de 2018. Os resultados apontaram para o crescimento acelerado do mercado de cervejas artesanais, em especial para as marcas de cervejas que se valem de estratégias de comunicação atreladas ao território. Enfim, cada capítulo desta obra está repleto de elementos que trazem discussões interdisciplinares à temática do Desenvolvimento Regional, contendo transversalmente a discussão sobre comunicação, marcas e consumo. Assim sendo, busca-se compreender algumas dessas possibilidades com novos olhares. Boa leitura!
Giovana Goretti Feijó de Almeida 3 Organizadora
Pós-Doutoranda em Cidade Digital Estratégia (PUCPR) Doutora e Mestra em Desenvolvimento Regional (UNISC) Publicitária especialista em Branding e Place Branding Professora-Pesquisadora e Consultora Estrategista de Marcas
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Currículo Lattes - http://lattes.cnpq.br/7793741520961755
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_____________________________ O consumo de emoções: estudo de caso dos jipeiros de Santa Cruz do Sul-RS 4 _____________________________ Giovana Goretti Feijó de Almeida
Publicado originalmente na Fólio Revista Científica Digital Comunicação e Turismo, Centro Universitário Metodista – IPA, Vol. 3, N. 2, Dezembro, 2017, p. 5-17.
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Para citar este artigo: ALMEIDA, G. G. F. O consumo de emoções: estudo de caso dos jipeiros de Santa Cruz do Sul-RS. Fólio Revista Científica Digital Comunicação e Turismo, Centro Universitário Metodista – IPA, Vol. 3, N. 2, Dezembro, 2017, p. 5-17. DOI: http://dx.doi.org/10. 15602/1981-3422/folio.v3n2p1-172. Disponível em: https://www.metodista.br/ revistas/revistas-ipa/index.php/folio/article/view/523/430
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O
processo de decisão de compra dos consumidores é um importante objeto de estudo para o entendimento do comportamento do consumidor. Não é uma rua de mão única em que o consumidor executa passos pré-definidos, ao contrário, é muito mais complexo e envolve outros aspectos, além do cognitivo. Nesta complexidade as emoções se tornam importantes objetos de estudo para uma melhor interpretação do comportamento do consumidor. As emoções levam o consumidor a ter experiências de consumo fazendo com que as pessoas venham ou não a repetir determinados estímulos. Essa ação leva ao processo de compra, podendo, inclusive passar por determinadas etapas deste processo decisório sem passar por outras.
Entender como as emoções interferem na experiência de consumo das pessoas leva a outras formas de análise do processo de compra, além daquela relacionada ao raciocínio lógico. Ambas têm uma relação intrínseca e intensa, não podendo ser analisadas em contextos separados. Através desta pesquisa se pode identificar a relação entre a tríade emoção-consumidor-experiência, assim como identificar os fatores que compõem a emoção e a forma como age na tomada de decisão de compra. É preciso verificar quais os aspectos emocionais ativam o processo de consumo e entendê-los como participantes de um complexo processo contínuo. A relação emocional entre consumidor e produto e a forma com que o consumidor percebe a realidade a partir da emoção como experiência de consumo ajuda a entender seu comportamento na sociedade. Este artigo mostra a relação das emoções e o envolvimento do consumidor com o processo cognitivo por meio da experiência de consumo de um grupo específico, os jipeiros. Assim sendo, questiona-se qual a percepção dos jipeiros em relação às trilhas que realizam em grupos, tomando essas trilhas como objeto de consumo hedonista.
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Dentre os objetivos, busca-se compreender qual a emoção que o jipeiro sente ao realizar uma experiência de consumo tão subjetiva quanto uma trilha; como a emoção os motiva, bem como quais são suas experiências de consumo mais ativas e suas percepções a partir da emoção como experiência de consumo hedonista. Parte-se de que a percepção é que fará com que o consumidor se envolva de maneira a manter uma relação emocional e, portanto, mais duradoura do que se a relação fosse apenas com os atributos físicos de um produto. Por este olhar, a relação emocional pode ser vista como um argumento estratégico em diversas áreas, como, por exemplo, publicidade, marketing, turismo, dentre outras. Várias pesquisas abordam a tendência dos produtos se transformarem em comodities 5. No entanto, é preciso mais do que apenas vender produtos. Nesse sentido, tornam-se necessárias pesquisas mais aprofundadas para se entender o consumidor, no que ele acredita, o que sente, o que o motiva, enfim, o que o faz preferir uma marca em depreciação de outra. Tudo começa pelo entendimento do processo de tomada de decisões de compra, perpassando pela forma como a emoção se relaciona com este processo, levando ao consumo hedonista.
Aspectos metodológicos da pesquisa Esta é uma pesquisa de cunho qualitativo. Malhotra (2006) a aponta na tentativa de compreender um fenômeno específico. Ao invés de dados estatísticos, regras e outras generalizações, a pesquisa qualitativa trabalha com descrições, comparações e interpretações, ou seja, é aquela que busca entender um fenômeno específico em profundidade. A pesquisa qualitativa é mais participativa e, portanto, menos controlável. Os participantes deste tipo de pesquisa podem 5
Refere-se aos produtos produzidos em grande escala em que o fator preço é primordial. [ 20 ]
direcionar o rumo das investigações em suas interações com o pesquisador. A realização deste trabalho se ancorou na pesquisa bibliográfica para aprofundar os conceitos analisados, bem como na pesquisa documental. No levantamento de dados se utilizou de entrevistas em que foram entrevistados dez jipeiros santa-cruzenses em que o primeiro indicou outro, e o seguinte indicou outro e assim por diante. Cada um respondeu a um roteiro semiestruturado em que foram abordados os seguintes aspectos: a interatividade do jipeiro com seu jipe, assim como perguntas sobre suas experiências de consumo quando fazem as trilhas 6. Jipeiros pertencentes ou não a Jeep Clubes responderam ao roteiro. Procedeu-se dessa forma, pois o principal foco da pesquisa era entender a emoção que o jipeiro sente ao realizar uma experiência de consumo, a trilha. As entrevistadas duraram aproximadamente 01 (uma) hora cada.
A tomada de decisões: um processo contínuo Entender o processo de compra, bem como o consumo de produtos 7 e serviços contribui para o entendimento do comportamento do consumidor na sociedade. Faz-se necessário iniciar esse olhar pelo processo de tomada de decisões da compra dos consumidores. Mowen (2003) toma o comportamento do consumidor como um processo de trocas que envolve aquisição e consumo. Solomon (2002) também o considera como um processo, porém com uma abrangência maior, considerando seleção, compra, uso e disposição de produtos, serviços ou experiências que atendem aos desejos e necessidades das pessoas. Percebe-se se trata de um processo cíclico que não acontece só no instante em que o consumidor entrega o dinheiro ou apresenta o cartão 6 7
Importante ressaltar que este artigo não abordou os jipeiros em rallys, mas em trilhas. Utilizar-se-á do termo produtos para se referir a produtos e serviços.
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de crédito e, em troca, recebe uma mercadoria ou serviço. Vai-se muito além de uma mera troca de mercadorias. Sheth (2001) define o comportamento do consumidor como sendo algo relacionado “[...] as atividades físicas e mentais realizadas por clientes 8 de bens de consumo e industriais que resultam em decisões e ações como comprar e utilizar produtos e serviços, bem como pagar por eles.” Engel (2000, p. 3) parte do conceito de que “[...] são as atividades diretamente envolvidas em obter, consumir e dispor de produtos e serviços, incluindo os processos decisórios que antecedem ou sucedem estas ações”. Tanto Sheth (2001) quanto Engel (2000) mencionam a existência de um processo contínuo de trocas, seja em um nível tangível ou intangível. Confirma-se, assim, a importância de maiores estudos sobre esta temática do que apenas tomar o comportamento do consumidor como algo automático baseado na compra e consumo de produtos. Há uma série de benefícios ao se compreender os consumidores e a complexidade do processo de consumo. Entre eles há o fornecimento de uma base de conhecimento a partir da qual os pesquisadores poderão analisá-la e compreender melhor os fatores que influenciam o comportamento das pessoas. O estudo do comportamento humano fornece três tipos de informações: (1) orientação, (2) fatos e (3) teorias. Cada uma serve de diretriz a dados relevantes para a atitude dos consumidores, valores que os consumidores consideram importantes e as relações da causa do consumo entre diferentes variáveis expostas (MOWEN, 2003). O processo de tomada de decisões permeia por cinco etapas. A saber: reconhecimento do problema, busca de informações, avaliação das 8 Sheth utiliza dois termos: cliente e consumidor para diferenciar os mercados: industrial e de bens de consumo. No entanto, o presente artigo optou por utilizar o termo consumidor para se referir a ambos os mercados. Assim quando os autores utilizarem o termo cliente, o mesmo se refere ao termo consumidor.
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alternativas, decisão da compra e comportamento pós-compra. Essas etapas estão inter-relacionadas, sofrendo outros tipos de influências internas e externas. São elas: fatores culturais, inclusive a classe social a qual pertencem; fatores sociais, como família e amigos; fatores pessoais, levando-se em conta a idade, ocupação, estilo de vida e situação econômica e os fatores psicológicos, envolvendo motivação, percepção, aprendizagem, crenças e atitudes. O consumidor se encontra no meio de um processo contínuo onde ele, ao realizar o processo de tomada de decisão da compra, passa por processos psicológicos, diferenças individuais e influências do ambiente, podendo parar em qualquer momento deste processo. Se o mesmo desejar, poderá ainda realizar todo o processo e, no final, optar por não comprar o produto a ele oferecido. Dessa forma, percebe-se a complexidade que envolve os processos de compra e consumo e a necessidade de entender seus aspectos intrínsecos. Embora o processo de tomada de decisão de compra envolva, como ressalta Zaltman (2003), um chamado “processo mental racional”, não quer dizer necessariamente que o consumidor realize o processo de forma automática, consciente ou planejado. Enfatiza-se que o processo de compra não retrata adequadamente a forma como os consumidores fazem suas escolhas. Observa-se essa situação quando as escolhas são feitas em níveis, como hábitos, forças inconscientes ou, até mesmo, no contexto social e físico. Nesse sentido, entender como a emoção interfere no processo de compra ajuda a compreender melhor o próprio consumidor e o processo de consumo.
O fator emocional no processo de compra Para compreender como a emoção se relaciona com o processo de compra é importante compreender o que são as emoções. Segundo [ 23 ]
Sheth (2001) os seres humanos são criaturas de emoção por natureza. São as emoções, que ligam suas vidas e orientam suas ações a uma determinada finalidade. Na qualidade de seres humanos e de consumidores as emoções são a própria vida das pessoas. Nota-se que a emoção faz parte da vida das pessoas de uma forma bastante intensa e que a mesma permeia por vários processos mentais, incluindo o de tomada de decisão de compra. Necessidades e emoções têm uma ligação muito forte entre si. Assim como as necessidades, as emoções são capazes de motivar uma pessoa na direção do que Sheth (2001) chamou de objetos-alvo relevantes. São eles que geram emoções negativas ou positivas, dependendo do sentimento de privação ou de conquista envolvidos. As emoções positivas funcionam como motivações de aproximação e as negativas como motivações de evitação. As emoções estão relacionadas intimamente também com o raciocínio lógico. Há uma atuação simultânea da razão e da emoção no processo de compra. Zaltman (2003) faz referência ao fato de que o cérebro humano possui estruturas diferentes para o processamento de dados, sendo uma ligada ao raciocínio lógico e, outra, às emoções. As duas se comunicam entre si e formam, em conjunto, o comportamento do consumidor. Contudo, não se pode avaliar apenas o raciocínio lógico na tomada de decisão de compra, é relevante também considerar o aspecto emocional do consumidor. Zaltmann (2003, p. 24) observa que “[...] razão e emoção não são opostos; são parceiros que, às vezes, têm as suas desavenças, mas que dependem um do outro para o sucesso”. Assim sendo, não se deve analisar somente o processo decisório através do viés cognitivo por ser um meio menos confuso de se interpretar as informações coletadas. Além disso, os consumidores revelam com maior frequência os processos de compra conscientes, pois são mais fáceis de serem expressos pelas pessoas, não levando em conta, muitas vezes, os
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aspectos inconscientes inclusos no processo de tomada de decisão da compra pelo consumidor. Sob o aspecto da análise do inconsciente do consumidor Zaltmann (2003, pg. 35) ainda revela que “[...] os sentimentos, ou seja, a experiência consciente das emoções é apenas a ponta do iceberg”. O autor salienta, com base em estimativas, que 95% dos pensamentos, das emoções e dos aprendizados ocorrem na mente inconsciente, ou seja, sem a percepção consciente. Um exemplo disso é quando uma pessoa percebe que seu pensamento está em algo que não foi estimulado a pensar. A experiência emocional inserida no processo de compra leva à sensação de prazer ao consumir um produto, podendo ser o gatilho que leva ao início do processo de consumo. Definir exatamente o que são as emoções é uma tarefa árdua. Isso acontece porque a emoção é um conjunto complexo de processos, que ocorre ao mesmo tempo em múltiplos sistemas humanos (tanto na mente quanto no corpo). São esses processos os responsáveis pelas emoções. As emoções são a consciência da ocorrência de alguma excitação fisiológica seguida por uma resposta comportamental, juntamente com a avaliação dos significados de ambas (SHETH, 2001, p. 338). As emoções possuem três papeis centrais: fisiológico, comportamental e cognitivo. Cada papel exerce uma função diferenciada no conjunto do processo emocional. As emoções são, portanto, o resultado da ação desses três papeis que a compõem, manifestando-se perante um determinado estímulo. O componente fisiológico é praticamente um reflexo do organismo humano, que gera uma reação comportamental, levando o indivíduo a realizar uma ação específica. Esse comportamento irá refletir e interpretar o estímulo como sendo uma emoção boa ou má. É esta interpretação de significado que representa o componente cognitivo. A estrutura da emoção ocorre em questão de segundos dentro das pessoas, levando de um componente a outro até a sua decisão final sobre ele.
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De acordo com Sheth (2001), dependendo de como a interpretação cognitiva é percebida pelo indivíduo, ele pode vir a querer mais ou não desse mesmo estímulo. As pessoas têm consciência dessas mudanças (fisiológica, comportamental e cognitiva) em seu corpo. São esses sentimentos que fazem com que elas interpretem a situação pela qual estão passando como sendo boa ou má ou, se for o caso, como sendo uma situação sem uma resposta disponível. Por exemplo, quando não se pode fazer nada a respeito. Todo esse caminho percorrido pelo cérebro leva a um significado positivo ou não, criando, portanto, as experiências de consumo. Robert Plutchik apud Sheth (2001) relata a existência de oito emoções primárias que variam de intensidade. A saber: medo (varia de timidez ao terror), raiva (varia de irritação à fúria), alegria (varia de serenidade ao êxtase), tristeza (varia do estado pensativo à melancolia), aceitação (varia de tolerância à adoração), aversão (varia de tédio ao ódio), antecipação (varia de atenção à vigilância), e, alegria (varia de incerteza à estupefação). A partir da combinação dessas emoções podem surgir outros tipos de emoções complexas, como, por exemplo, o amor que seria a soma da alegria e da aceitação. Esse entendimento confirma a complexidade do processo de compra, tendo as emoções como motivador principal do consumo.
Consumo hedonista: emoção como experiência de consumo As emoções que o consumidor experimenta têm relação com um consumo que ocorre, primeiramente, no interior do ser humano. Sheth (2001, p. 24) conceitua o consumo hedonista como sendo “[...] o uso de produtos ou serviços pelo prazer intrínseco e não para resolver algum problema no ambiente físico”. Este tipo de consumo se refere principalmente ao prazer sensorial no uso de produtos que dão prazer por meio dos sentidos. São esses sentidos que ajudam a criar fantasias e [ 26 ]
propiciam o estímulo emocional. O prazer do consumo hedonista se divide em: sensorial, estético e emocional. O sensorial se relaciona com a percepção das sensações; o estético com a estética e, por fim, o prazer emocional, com a intensidade das emoções. Enfatiza-se ainda que algumas atividades podem ser fontes de mais de um tipo de prazer hedonista. O envolvimento do consumidor em todo o processo dependerá da ligação dele com o produto, compreendendo a existência de duas outras formas de envolvimento. Uma delas é o envolvimento duradouro, na qual o produto é sentido pelo consumidor em uma base regular. Já o segundo, o envolvimento situacional, ocorre quando o consumo é experimentado em determinada situação ou na presença de outras pessoas importantes para o consumidor (SHETH, 2001). O grau de envolvimento implica na compreensão do quanto o consumidor se permite envolver um uma experiência de consumo. Como exemplo, citam-se os parques de diversão que, através de brinquedos temáticos oferecem diversos graus de envolvimento de consumo por meio da experiência lúdica. Nesse sentido, Sheth (2001) diz que a forma extrema de envolvimento duradouro é o envolvimento profundo. Ele se torna importante a partir do momento que apresenta as principais emoções, motivações e psicografias pelas quais o consumidor é submetido. Dito em outras palavras pessoas são movidas pelas coisas com as quais tem um grau intenso de preocupação. A forma como são usadas (com prazer ou não) derivam satisfações e criam identidades. Os graus de envolvimento afetam o comportamento das pessoas de muitas formas. Mencionam-se aqui três delas. Na primeira, as pessoas que se envolvem intensamente com um produto buscam conhecê-lo profundamente e, por conseguinte, tornam-se líderes de opinião. Em geral, esses líderes consomem uma quantidade muito maior do produto, assim como os demais produtos relacionados ao produto principal. E [ 27 ]
por último, cita-se o grau de sensibilidade ao preço. Já a forma com que as pessoas se ocupam e quais os fatores psicológicos influenciam em seu padrão de vida remete à psicografia. De acordo com Sheth (2001), a psicografia se refere à característica dos indivíduos que os descrevem em termos de sua constituição psicológica e comportamental. Orienta o comportamento do consumidor na direção de adquirir ou não determinado produto. A psicografia contém três elementos essenciais: os valores, o autoconceito e o estilo de vida. Cada um desses elementos tem um papel fundamental para o consumidor. Os valores são os objetivos pelos quais as pessoas vivem. O autoconceito tem relação com a imagem que cada um tem de como é. Incluem-se aqui duas ideias distintas: uma de como a pessoa realmente é e a outra de como a pessoa gostaria de ser percebido. O autoconceito influencia diretamente no consumo das pessoas, reafirmando quem são ou quem gostariam de ser através dos produtos que consomem. E, por último, o estilo de vida, fazendo-se menção ao modo como as pessoas vivem, gerando também comportamentos diferenciados. Os estilos de vida são determinados pelas características pessoais de cada um, como a genética, a raça, a idade e a personalidade e seu contexto pessoal. Neste componente se encontra a cultura, grupos de referência e valores pessoais e, por fim, suas necessidades e emoções. Os fatores relacionados ao estilo que vida é que irão determinar a forma como as pessoas gastam seu tempo e dinheiro, influenciando em suas atividades cotidianas. A emoção do consumidor em determinado ato de consumo pode levá-lo a perceber uma emoção específica como sendo algo bom ou ruim. O comportamento emocional se relaciona estreitamente com o processo de compra, pois é a experiência de consumo com base nas emoções do consumidor que irá fazer com que o mesmo queira repetir ou não o estímulo emocional. Assim sendo, se o processo de compra for agradável ele irá lembrar como sendo algo positivo ou se for algo que
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causou uma emoção negativa ele lembrará como sendo algo negativo. O processamento das informações, segundo Engel (2000, p. 98) ocorre quando o consumidor é exposto à informação e inclui cinco passos. A saber: a) Exposição – é o primeiro passo, onde a informação e a comunicação devem ser persuasivas para que os consumidores ativem um ou mais sentidos que iniciem o processamento preliminar; b) Atenção – o consumidor irá prestar atenção no que ele considera relevante para ele naquele momento que está sendo exposto a um determinado estímulo externo. Nesse estágio, serão selecionadas as informações que sejam pertinentes a ele, acionando sua atenção seletiva; c) Compreensão – Se a atenção do consumidor for atraída pela mensagem exposta, a mesma terá sua mensagem analisada, gerando o significado dessa mensagem que ficará armazenada na mensagem. O que se espera é que o consumidor consiga compreender exatamente a mensagem, a qual foi exposto anteriormente; d) Aceitação – Neste estágio a mensagem é filtrada para que seja aceita ou não pelo indivíduo. Se for inaceitável num primeiro momento ainda há chance de a mesma ser aceita em outra ocasião, dependendo da sua compreensão; e) Retenção – A meta principal é a de que a mensagem não seja somente aceita, mas de que seja também armazenada na memória e se torne acessível no futuro. Importante salientar que a certeza dessa retenção, por parte do consumidor, nunca será uma certeza absoluta. Uma imagem favorável aumentará as chances de sucesso na comunicação. Entretanto, apenas a imagem favorável não é suficiente. A informação somente será retida pelo consumidor se a mesma for pertinente para ele em termos de motivações e necessidades. Isso se deve ao fato do cérebro humano processar como relevantes um pequeno conjunto de opções que tem relação direta com a atenção seletiva. Dessa [ 29 ]
forma, percebe-se a importância de atrair a atenção seletiva de um determinado produto de forma positiva e atraente para o consumidor. O que o Engel (2000) quer dizer com essas exposições é que a memória do consumidor, no que tange as suas experiências de consumo anteriores, podem ajudar e muito na fixação da atenção seletiva, na compreensão da mensagem e na aceitação dessa mensagem. Esse processo faz com que o consumidor venha a registrar em sua memória o produto que experimentou como sendo participante de seu subconjunto de opções de compra e consumo. Avaliar se a experiência de consumo foi ou não atendida é um fator essencial para que o consumidor venha ou não consumir o produto experimentado. Engel (2000) parte do pressuposto da importância de se atenderem as expectativas dos compradores. É a satisfação dessas expectativas que tornará a experiência de consumo positiva ou negativa. A emoção que envolve o grau de satisfação ou de insatisfação fará com que o consumidor não se arrependa da escolha da decisão tomada em prol de uma escolha. A atitude tomada tornará a experiência desejável de ser repetida em um futuro próximo. Se a experiência de consumo fracassar no seu desempenho tenderá a gerar esforços que justifiquem este fracasso, já que não será aceito facilmente pelo consumidor que desempenha o papel de comprador. A avaliação das alternativas para a experiência de consumo tem a ver com as diferenças individuais, na qual dois consumidores que passem pela mesma experiência podem ter percepções diferentes. Os recursos do consumidor, sua motivação e envolvimento com o produto têm, intrinsecamente, relação com a satisfação ou não da experiência de consumo. A experiência poderá ser positiva ou negativa dependendo inclusive do grau do conhecimento com o produto, suas atitudes, a personalidade do consumidor, seus valores e seu estilo de vida. Tudo isso faz com que a experiência de consumo seja única. São esses fatores que farão com que o consumidor tenha emoções no [ 30 ]
processo de consumo. E são essas experiências de consumo que tornarão ou não o consumidor satisfeito, fazendo com que ele opte por vivenciá-las novamente ou não.
Jipeiros: emoção no consumo de trilhas Os jipeiros são pessoas apaixonadas por um tipo específico de carro: o jipe. Os jipes são carros de tração 4x4 perfeitos para fazer rally ou trilhas, ultrapassando vários obstáculos. É um carro mais reforçado que o normal. Já Jeep é uma marca registrada. A primeira vez em que foi utilizada a palavra Jeep foi para denominar um motor de um veículo durante a primeira guerra mundial. O "Jeep era um termo muito utilizado durante a guerra pelos mecânicos para se referenciar a qualquer motor que eles recebiam para teste" (WILLYS, 2015, s.p.). Em 1936, o termo Jeep foi utilizado pela Halliburton Oil Well Cementing Company em um de seus veículos de exploração, o caminhão, modelo FWD, que apresentava a palavra Jeep pintada nas laterais. O veículo foi exibido em uma exposição internacional de petróleo em Tulsa, Oklahoma, em 1938, e tinha a caricatura de um animal pintado na lateral semelhante ao personagem Eugene 9. Um avião também foi já chamado de Jeep. Em 1937, o protótipo de um avião bombardeiro YB 17 foi apelidado de Jeep por sua performance. O YB 17 foi o antecessor do Boeing B17, denominado de A fortaleza voadora (WILLYS, 2015). 9 Em 16 de março de 1936 um personagem de histórias em quadrinhos se tornou conhecido pelo nome de "Eugene the Jeep". Foi criado pelo cartunista E.C. Segar para fazer companhia ao Popeye. Ele era do tamanho de um cachorro, nativo da África e capaz de passar para a quarta dimensão. Este personagem cativou o público e se tornou rapidamente popular. O Termo "Hey, he's a real Jeep!" ou "Hei, ele é um verdadeiro Jeep!" era constantemente empregado para pessoas que demonstravam uma capacidade superior (WILLYS, 2015, s.p.).
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A ligação entre a nomenclatura Jeep e a 4x4 é creditado ao piloto de teste da Willys, Irvin Red Hausmann que escolheu o nome para o seu caminhão, em 1940, durante testes realizados para o Exército. Até então eram referenciados por outros nomes como Bug, Blitz Buggy, Puddle Jumper, Peep ou Quad. O nome Jeep também foi trazido ao público por Katherine Hillyer, no jornal Washington Daily News, em 16 de março de 1941. Foi durante uma demonstração em que ao final, alguém da plateia perguntou a Hausmann como ele chamava aquele veículo e ele respondeu "It's a Jeep". Ao final da segunda guerra mundial, a Willys requisitou o registro da marca Jeep (WILLYS, 2015). Optou-se por utilizar a denominação jipe e não Jeep, neste estudo, visto que a segunda denominação se refere a uma marca e não especificamente a uma categoria de carro 4x4 própria para rallys 10 e trilhas 11. Os jipeiros podem ou não pertencer a um Jeep Club 12. Para se considerar jipeiro não basta ter um jipe, segundo os entrevistados, “é necessário ter o espírito de jipeiro”. O que eles querem dizer com essa afirmação é que para ser jipeiro tem que fazer rally ou trilhas. O jipe é um veículo próprio para esta atividade e não um veículo de passeio. O fato de uma pessoa ter um jipe ou outro carro que possua tração 4x4 não o caracteriza como jipeiro. É necessário ter o espírito de aventura e um jipe para ser considerado jipeiro. Em geral, quando os jipeiros realizam as trilhas eles quase nunca vão sozinhos. Motivo? A experiência os ensinou que quanto mais ajuda melhor nos momentos difíceis de transpor um obstáculo à frente. Aos O rally é um esporte motorizado em formato de competição com circuitos com certo grau de dificuldade a serem percorridos pelos competidores. 11 Trilhas são caminhos de passeio terrestres usados pelos jipeiros. Geralmente essas trilhas são caminhos com vários obstáculos, muita lama, buracos, enfim, dificuldades que possam sem enfrentadas pelo grupo. 12 Jeep Club é uma associação de jipeiros que organiza eventos (rallys ou trilhas) com outros jipeiros. São eventos onde eles participam sem, necessariamente, competir, diferentemente de um rally. Os Jeep Clubes criam uma comunidade que agrega os apaixonados por jipes, estimulando a troca de informações e de experiências. 10
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que se aventuram em realizar trilhas sozinhos já sabem que os imprevistos podem acontecer e, portanto, devem estar preparados. Independente de estar com a família ou numa trilha com outros companheiros a regra é a mesma: se preparar para o pior sempre e tentar prever tudo o que possa dar errado. “Ter opções (em equipamentos) à mão que possam nos livrar de uma situação difícil é essencial”, salientam os jipeiros entrevistados. Outra regra importante ao retornar de uma trilha é levar o jipe para uma manutenção no mecânico de sua confiança e também para uma limpeza, já que o mesmo volta completamente envolto em lama quando volta de uma trilha. A questão da limpeza varia entre os entrevistados. Alguns não levam seu jipe logo após a trilha para um lavajato, outros optam por deixá-lo sujo por alguns dias. “É como se a lama contasse e ajudasse a lembrar da trilha pela qual passamos. Sempre tem alguém que pergunta da lama no carro e, aí, é uma boa oportunidade de lembrar novamente da experiência vivida” – relata outro jipeiro. Quando um jipeiro novato realiza pela primeira vez uma trilha ele é “batizado” pelos demais companheiros. O “batismo” se refere ao fato de que os jipeiros mais antigos e que conhecem melhor a trilha (geralmente são aqueles que vão à frente) levarem, premeditamente, o comboio todo a um atoleiro. A intenção é a de que o jipeiro novato, ao passar, atole com seu jipe e, conseqüentemente, ao sair do veículo esteja, literalmente, submerso na lama. Segundo, os mais experientes, sem essa tradição para os jipeiros de primeira trilha, os novatos não poderão ser considerados jipeiros. É algo muito importante para eles esse batismo simbólico, embora seja muito mais uma festa e diversão na hora que ele acontece já que não é todo o dia que um jipeiro novo aparece e se une aos demais. Outro ponto a destacar é que para ser jipeiro é necessário ter uma boa reserva financeira e isso faz com que novos jipeiros não apareçam com tanta frequência.
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Os jipes novos são relativamente caros e os mais antigos, embora tenham um custo menor, tornam-se também caros devido à manutenção e mecânica que se submetem, além de ajustes necessários de peças originais ou similares. Nesse sentido, o problema não está apenas em comprar as peças, mas em achar quem as venda. O que as deixa com um preço mais elevado ainda. Por isso, não basta apenas querer comprar um jipe e ter o espírito de aventura é necessário ter também uma condição econômica razoável que comporte este hobby 13. A não ser que se tenha herdado o veículo, mesmo assim a troca de peças e a mecânica vão demandar certo investimento financeiro. A maioria dos entrevistados relatou que a família ou os amigos foram os maiores influenciadores para que eles se tornassem jipeiros. Obviamente, para se tornar um jipeiro não basta que os outros queiram, é necessário que a pessoa se identifique com o hobby ou esporte 14 de praticar trilhas. Para quem se identifica com esses fatores, o companheirismo, a adrenalina e a liberdade são suas maiores motivações. Ser jipeiro é mais do que dirigir um veículo diferenciado. Segundo os entrevistados se é proprietário de um conceito e não de um carro. Para a maioria dos entrevistados, além do estereótipo de ser um “louco por aventura”, ser jipeiro é também uma forma de se libertar do stress do dia-a-dia, ter o poder de mudar a rotina, sentir-se livre para ser apenas ele. Para outros é a própria recordação da infância, já que os pais ou alguém da família era jipeiro. O jipe vira um companheiro de aventura, deixando de ser um veículo e se tornando parte da família. Alguns entrevistados disseram que quando o seu jipe atola, eles chegam bem perto e falam com ele (o jipe) como se fosse uma pessoa. O jipeiro trata seu jipe como um amigo, companheiro. “Tenha a certeza, se você realmente tiver esse sentimento, ele (o jipe) não irá te Hobby significa passatempo, ou seja, uma atividade que é praticada por prazer nos tempos livres. 14 Esporte aqui entendido no sentido de competição entre os jipeiros, como os rallys. 13
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decepcionar. E quando ele atolar, não o xingue, mas converse com ele, pois com certeza, na próxima vez ele não irá atolar”, relata outro entrevistado. Para os jipeiros quando o carro para15 no meio de uma trilha significa ajuda mútua. O comboio para e todos ajudam o jipeiro que atolou. O mesmo só segue após o jipeiro atolado conseguir seguir juntamente com todos. O sentimento quando se dirige um jipe ou um carro normal muda, segundo o relato dos entrevistados. Para os jipeiros, quando estão dirigindo seu jipe, eles são únicos e podem ser eles mesmos sem máscara nenhuma. Eles se sentem em paz e com liberdade. Já quando dirigem outro tipo de carro, o de passeio, por exemplo, eles acreditam que são apenas mais um no meio de tanta gente, até porque não é qualquer um que tem um jipe. Esse sentimento foi relatado por todos os jipeiros entrevistados. Percebe-se que é preciso dinheiro e conhecimento para adquirir um jipe, novo ou usado, assim como saber onde encontrar mecânico específico para esse tipo de veículo, acessórios voltados a este segmento, enfim, uma série de questões que envolvem a categoria jipeiro. Pertençam ou não a algum Jeep Club a emoção de participar de uma trilha é a mesma. O importante é ter seu companheiro fiel: o jipe e os demais companheiros de equipe. “Trilha boa é aquela que tem muitos obstáculos e muita lama”, afirmam os entrevistados. A emoção só é completa quando o elemento obstáculo se encontra presente na aventura. Não qualquer obstáculo, porque quando os obstáculos são pequenos os entrevistados relataram se sentir meio frustrados com a trilha. No site do Jeep Clube Santa Cruz se encontra a frase “Pouca lama é sujeira, muita lama é emoção”. A frase aponta bem para a intensidade da emoção que o jipeiro sente ao realizar uma trilha com obstáculos com alto grau de dificuldade. 15
No sentido de quebrar ou ter algum problema mecânico.
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Embora gostem de desafios e não se intimidem frente a trilhas perigosas, os jipeiros são unânimes em dizer que a falta de medo diz respeito à experiência deles em trilhas anteriores, ao fato de não dirigirem sozinhos, pois podem precisar de apoio em situações realmente perigosas. Pelos cuidados que tem, pela prudência ao escolher uma trilha e pela preparação antes e durante a trilha, eles afirmam que não tem medo. Medo no sentido de fazê-los desistir de ser jipeiros. Para eles o medo tem mais relação com o cuidado que tomam antes, durante e depois das trilhas. Este cuidado faz com que o medo seja algo superado, como os obstáculos que enfrentam ao longo do caminho percorrido pelo comboio de jipes. A sensação pós-trilha tem duração relativa para os jipeiros. Para alguns “dura bastante... num todo... tudo é festa regado a parceria...” Para outros “dura pouco tempo, pois quando você entra em casa se lembra dos problemas que não foram embora... Estão ali te esperando... Aí você fica louco para chegar o próximo encontro de jipes...”. Percebese que a maioria dos entrevistados sente, por um longo tempo, uma sensação que lhe proporciona momentos de adrenalina e de liberdade. A importância do estudo das emoções e de como elas interferem no processo de decisão de compra é um fator relevante para as pesquisas sobre comportamento do consumidor. A emoção tem uma inter-relação forte com o aspecto cognitivo das pessoas. Dessa forma, torna-se necessário estudar ambas as estruturas: emocional e cognitiva para um melhor entendimento da função do consumidor no processo decisório de compra. De acordo com Sheth (2001), o estudo do comportamento do consumidor oferece os conhecimentos básicos necessários para decisões empresariais de sucesso. Já Mowen (2003) salienta que por meio do posicionamento do produto uma empresa influencia o modo como os consumidores percebem as características de uma marca em relação aos concorrentes. Ao investigar o processo de consumo se analisa de que
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maneira os consumidores utilizam um produto e as experiências que eles obtêm com esse uso. A investigação sobre o processo de consumo é particularmente importante para os setores de prestação de serviços. Em alguns desses setores como turismo, hotelaria, restaurantes ou parques de diversão, por exemplo, a experiência do consumo é uma das principais razões de compra. A partir desse estudo, percebeu-se que a emoção é o principal elemento motivador da experiência de consumo hedonista. É ela a responsável por fazer com que esses consumidores não desistam no primeiro obstáculo enfrentado. Quanto mais emoções estiverem envolvidas na experiência de consumo maior o grau de satisfação. Caso a experiência não seja satisfatória em determinada trilha, a esperança de que na próxima será melhor faz com que o jipeiro repita continuamente o processo. O contato com ambientes totalmente diferentes do cotidiano fortalecem a experiência de consumo do jipeiro. O companheirismo de equipe, a solidariedade, a sensação de liberdade e, o espírito de aventura foram as principais experiências relatadas como sendo as mais ativas neste processo. O jipeiro consome emoções mais do que produtos. Para ele tanto faz se o seu jipe é moderno ou se é um mais antigo que foi restaurado. O importante é poder sentir a emoção de ser ele mesmo, enfrentando obstáculos que outros carros não têm capacidade para enfrentar. Para o jipeiro estar dentro de um jipe já o torna único. Fortalece o sentimento de autoestima e gera o imaginário de que pode superar qualquer momento difícil. Eles percebem a trilha como uma forma de fugir do stress diário e de, finalmente, serem eles mesmos, sem máscara social nenhuma. A percepção da categoria dos jipeiros é mais do que uma associação social. Eles se consideram com sendo uma grande família, não importando se pertencem a este ou aquele Jeep Club. Ser jipeiro, na visão dos entrevistados, é não ter fronteiras. Pode-se ser de outra cidade, [ 37 ]
estado ou país e, mesmo assim, o fato de serem jipeiros os une em um vínculo muito forte. Alguns entrevistados até citaram o fato de que quando um jipe está parado na estrada e outro jipeiro passa, com certeza, ele para e ajuda o companheiro, pois a solidariedade é um dos fatores que compõem o espírito jipeiro. Casos bem diferentes acontecem quando um carro de passeio está parado em uma estrada. Nesta situação geralmente ninguém ajuda o motorista com medo de ser um assalto, por exemplo. A experiência de consumo envolve o jipeiro em um alto significativo de interesse nas trilhas e o leva ao envolvimento duradouro. O situacional transcorre quando ele faz a trilha junto com seus companheiros e é nesse momento que ocorre o envolvimento situacional, ocorrendo o consumo das emoções. Envolvendo o jipeiro em sua experiência de consumo. Já a emoção sensorial advém da relação do jipeiro com a natureza quando realizam as trilhas. O jipeiro encontra o prazer estético quando relata suas aventuras nas trilhas percorridas ou até mesmo quando fotografa determinada situação ou lugar. Por fim, o prazer emocional reflete o desafio de enfrentar as trilhas – antes, durante e depois – gerando a experiência emocional de maior relevância para os jipeiros. Percebe-se que o envolvimento dos jipeiros com as trilhas é bastante forte e intenso, tendo ligação com o fato dos jipeiros julgarem as trilhas como sendo interessantes e desafiadoras. Nota-se que o envolvimento com o produto em si dependerá do quão relevante ou central a experiência será para o indivíduo, levando a variações de emoções. Observam-se relações dos jipeiros com as trilhas e com o consumo de acessórios para o veículo e com roupas específicas, verificando a existência de certa sensibilidade ao preço. Os jipeiros gastam muito ao realizarem as trilhas, seja com um veículo específico, o
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jipe; com acessórios importantes como o GPS 16, dentre vários outros produtos e serviços, como por exemplo, a mecânica e a manutenção do jipe. Praticamente todos têm preços relativamente altos, levando os jipeiros a um gasto maior do que outros consumidores. Contudo, a emoção de realizar uma trilha faz com que o valor gasto neste hobby valha a pena para o indivíduo. Os valores são os objetivos pelos quais as pessoas vivem. Exemplo quando os jipeiros falam da sua auto realização, do seu sentimento de pertencer a um grupo de jipeiros que fazem trilhas (seus companheiros de trilhas), por ser respeitados pelos outros. Identifica-se que os jipeiros têm uma vida, em geral, diferente da “profissão de jipeiros”. A maior parte dos entrevistados relatou que, para eles, não importa a classe social ou profissão que os companheiros de trilhas tenham. O que importa é o fato de gostarem de algo em comum naquele momento: fazer trilhas, superar obstáculos que outras pessoas não fariam, enfim, serem outras pessoas que não podem ser quando não estão fazendo trilhas. O autoconceito influencia diretamente o consumo das pessoas, reafirmando quem são ou quem gostariam de ser através do que consomem. A emoção do consumidor em determinado momento de consumo pode levá-lo a sentir uma emoção específica como sendo algo bom ou ruim. O comportamento emocional se relaciona estreitamente com o processo de compra, pois é a experiência de consumo com base nas emoções do consumidor que irá fazer com que o mesmo queira repetir ou não o estímulo emocional experimentado. O jipeiro sempre espera que uma trilha supere a outra. Quando não supera, ele diz que a mesma serviu de experiência para a próxima. A emoção se acumula de trilha em trilha, gerando maior expectativa na superação dos obstáculos e da parceria entre os jipeiros. GPS é a sigla para Global Positioning System, que em português significa “Sistema de Posicionamento Global” e consiste em uma tecnologia de localização por satélite.
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Assim sendo, se os processos de compra e consumo forem agradáveis ele irá lembrar como sendo algo positivo ou se for algo que lhe causou uma emoção negativa ele lembrará como sendo algo negativo. Essa situação é verificada quando os jipeiros relatam suas experiências de consumo nas trilhas das quais participam. A emoção a que são submetidos quando ultrapassam os desafios que aparecem inesperadamente a sua frente é interpretada como sendo positiva, mesmo que o desafio leve algumas horas para ser ultrapassado. O importante para eles é seguir junto com os demais companheiros de trilha, realizando do que eles chamam de uma grande festa. A emoção é o motor que os impulsiona a experimentar novas sensações em cada trilha que realizam. A repetição das emoções é que tornam cada trilha especial e intensa. O que o jipeiro realmente quer é tornar cada vez mais intenso o ambiente de multiplicidade de emoções, ao qual é exposto. Isso é o que faz com que ele retorne na próxima trilha: o desejo de ultrapassar desafios e o de sentir mais emoções. Se a experiência de consumo fracassar no seu desempenho tenderá a gerar esforços que justifiquem esse fracasso, já que não será aceito facilmente pelo consumidor que desempenha o papel de comprador. Nesse ponto, podem-se citar como exemplo, os jipeiros que justificam uma trilha ruim como sendo algo raro em comparação com as trilhas anteriores. Para eles, a percepção de uma boa trilha é aquela onde há muito barro, água de chuva e vários obstáculos a serem ultrapassados. O final desse trajeto reflete a emoção da vitória de conseguir chega ao fim do percurso, mesmo que o piloto de trilha esteja tomado de lama dos pés à cabeça assim como seu veículo. A avaliação de alternativas para a experiência de consumo tem a ver com as diferenças individuais, onde dois consumidores que passem pela mesma experiência podem ter percepções diferentes. Por exemplo, um jipeiro pode sair satisfeito e outro insatisfeito de uma mesma trilha. Para fins de maior entendimento da emoção e relação do jipeiro com seu
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jipe foram colhidas algumas frases que os jipeiros usam quando se referem a sua categoria. As frases foram encontradas em home pages variadas de Jeep Clubes brasileiros. São elas: a) Coração de jipeiro não bate, trepida; b) A diversão começa onde o asfalto termina; c) Willys. A emoção começa na hora de dar a partida; d) Na vida tudo passa, e eu passo por cima de tudo com meu Jeep!!; e) A diferença entre homens e meninos é o tamanho de seus brinquedos!; f) Os piores caminhos guardam as melhores emoções; g) Volto sujo, mas de alma lavada, entre outras. O que se percebeu durante esta pesquisa é que quando o jipeiro está realizando uma trilha ele sente que não precisa de máscaras sociais. Ele pode simplesmente ser ele mesmo, desligar-se dos seus problemas e apenas aproveitar a emoção do momento. Curtir a natureza, ajudar os outros, o companheirismo, o aprendizado de superar obstáculos ensinam, para o jipeiro, uma nova forma de ver e viver a vida. Para eles fazer trilhas é sinal de percursos de amizade, solidariedade e muita emoção. Quando falam do jipe, independente do modelo ou das trilhas que participaram, a emoção toma conta de seus semblantes. É como se eles se tornassem outra pessoa naquele momento. Observa-se ainda que os jipeiros são muitos unidos. É uma categoria que se considera sem fronteiras, não importando de que lugar são oriundos ou se pertencem ou não a algum Jeep Clube, pois a trilha os une. Para eles, o mais importante é o espírito de jipeiro. E isso não se compra, se conquista e compartilha com outros jipeiros., ou seja, sente-se.
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Considerações finais Este estudo abordou a temática do consumo hedonista, investigando o consumo das emoções dos jipeiros que realizam trilhas no interior de Santa Cruz do Sul-RS e região. Buscou-se compreender o que os motiva a realizarem uma experiência de consumo tão subjetiva, como a trilha. O procedimento metodológico utilizado partiu de entrevistas semiestruturadas a jipeiros santa-cruzenses realizadas em 2015, bem como de pesquisa qualitativa de cunho exploratório e pesquisa bibliográfica e documental. A problemática perpassa a discussão de que o processo de compra não é um processo simples e linear. Ao contrário, há outros fatores que o tornam complexo, como as emoções. Partindo desse pressuposto, de que as emoções podem interferir no resultado do processo de compra, tenta-se entender a experiência de consumo através das emoções. Assim sendo, as emoções podem levar o consumidor a repetir ou não um determinado estímulo emocional, levando-o ao final dos processos de compra e consumo a um sentimento positivo ou negativo. Os resultados apontaram para o uso da emoção como um importante fator a ser considerado no processo de compra de produtos subjetivos, como a realização de trilhas para os jipeiros. Percebeu-se que não é novidade o forte envolvimento dos jipeiros com a emoção, principalmente, porque o veículo utilizado está diretamente associado às experiências, viagens, momentos de diversão e aventura. Entretanto, é necessário certo poder aquisitivo para que se possa usufruir dessas emoções. Esta pesquisa não se esgota neste artigo, deixando o caminho aberto para mais investigações, como, por exemplo, a abordagem sobre a origem histórica do jipe ou o aprofundamento da relação entre o jipe e o piloto, já que ele personifica o jipe e o considera não como uma ferramenta, mas como um companheiro de equipe.
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Outra sugestão seria o estudo da relação dos jipeiros como o turismo e a sustentabilidade ambiental, tomando-os como atores sociais estratégicos no desenvolvimento de ações turísticas sustentáveis e de desenvolvimento local. Pode-se ainda fazer uma pesquisa avaliando apenas os sites dos jipeiros e suas frases de efeito. São esforços para que se possa compreender melhor o comportamento do consumidor que busca aventura, adrenalina e liberdade através do consumo de algo intangível, a emoção. É ela que motiva o jipeiro a continuar sendo jipeiro. É ela que o faz sentir e motivar outras pessoas a se tornarem jipeiros.
Referências ENGEL, James. Comportamento do Consumidor. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2000. MALHOTRA, Naresh. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre: Bookman, 2006. MOWEN, John. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Prentice hall, 2003. SHETH, Jaddish. Comportamento do Consumidor: indo além do comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2001. SOLOMON, Michael. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. Porto Alegre: Bookman, 2002. ZALTMAN, Gerald. Afinal, o que os clientes querem? : o que os consumidores não contam e os concorrentes não sabem. Rio de Janeiro: Campus, 2003. WILLYS. Site institucional. Disponível em: http://www.willys. com.br. Acesso em: 17 jun. 2015, às 16h09min.
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_____________________________ A linguagem publicitária na sustentabilidade ambiental 17 _____________________________ Giovana Goretti Feijó de Almeida
Publicado originalmente na Revista Cadernos de Comunicação Santa Maria, v.21, N.1, Art. 3, p.60-85, jan/abr.2017.
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Para citar este artigo: ALMEIDA, G. G. F. A linguagem publicitária na sustentabilidade ambiental. Revista Cadernos de Comunicação Santa Maria, v.21, N.1, Art. 3, p.60-85, jan/abr.2017. DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2316882X21399. Disponível em: https://periodicos.ufsm. br/ccomunicacao/article/view/21399
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ser humano vive em uma sociedade na qual o consumo ocupa um grande espaço. Já não é mais possível pensar em empresas ou ações que não sejam sustentáveis. Dessa forma, o tema sustentabilidade tem tido grande relevância. Mas o que é sustentabilidade? Esse conceito é entendido da mesma forma tanto por estudiosos quanto por empresários? As respostas para essas questões são imprescindíveis para que haja sintonia entre estudos e ações, principalmente, entre as ações empresariais.
Muitas organizações acreditam que o simples fato de usarem os dois lados de uma mesma folha de papel em seus processos já é uma medida que as torna “ecologicamente corretas”, passando a se auto intitular “sustentáveis ambientalmente”. A definição de sustentabilidade é bastante ampla e precisa ser analisada profundamente para que seja compreendida por todos os envolvidos em sua proposta. Caso contrário, seu significado tenderá a ser interpretado e aplicado de forma equivocada. Nesse contexto de melhorar a qualidade de vida das pessoas, a sustentabilidade ambiental tem um papel essencial (SOUZA; AWAD, 2012). Este artigo pretende refletir sobre a ideia da sustentabilidade ambiental 18 na composição do discurso persuasivo da publicidade. É feita, portanto, uma discussão da publicidade sob o ponto de vista da sustentabilidade. A linguagem publicitária emprega frases de efeito, metáforas, palavras de duplo sentido, simbolismos e jogos de imagens para gerar uma comunicação estratégica que influencia a decisão de compra das pessoas (RANDAZZO, 1997; JONES, 2004; BAUDRILHARD, 2008). Se esta não for empregada da forma correta, poderá induzir o público ao erro e a receber informações não verdadeiras. É preciso ter responsabilidade com o uso do discurso publicitário e sua linguagem (emissor), sob o risco de o receptor da mensagem (consumidor) não 18 Utilizar-se-á a nomenclatura de sustentabilidade neste estudo se referindo à sustentabilidade ambiental.
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compreendê-la totalmente, perdendo-se a garantia da ausência do chamado ruído na comunicação transmitida. Entretanto, a sustentabilidade utilizada como subproduto da publicidade nem sempre tem como se ancorar na veracidade das informações que comunica. Ela pode se manter por um tempo curto e até mesmo vender o produto por ter em sua “essência” a sustentabilidade. Contudo, como se verá mais adiante, a sustentabilidade é um tema bem amplo, muito mais do que apenas um argumento mercadológico de venda de produtos. As questões acima colocadas levam à reflexão sobre a utilização da publicidade como ferramenta no processo de construção da imagem socioambiental e sustentável de uma empresa e sua marca. Pode-se perguntar se é importante para uma organização comunicar uma ação sustentável? A resposta é sim, desde que esta informe o que, de fato, está realizando. Para alcançar os objetivos propostos neste artigo a metodologia empregada foi a de natureza qualitativa, de cunho exploratório. O levantamento de dados foi feito a partir de uma escolha aleatória de oito anúncios publicitários feitos por construtoras, incorporadoras ou imobiliárias brasileiras, coletados via internet, que vendem seus imóveis usando o contexto da sustentabilidade, direta ou indiretamente, em seus layouts como argumento de venda. A análise do material foi feita a partir da linguagem publicitária, comparando os elementos encontrados em cada anúncio e no conjunto dos anúncios coletados. Assim sendo, a análise se concentrou em dois tipos: 1) análise verbal e, 2) análise não verbal. No primeiro tipo foram considerados tudo que está escrito no anúncio: título (chamada principal), subtítulo, texto informativo, nome do empreendimento e duplo sentido do texto. Já no segundo tipo, a análise foca sua atenção no visual dos anúncios: cores, formas como foi escrito o título e imagens utilizadas. Dessa forma, pode-se fazer uma reflexão mais aprofundada. Como o intuito neste artigo é refletir sobre a [ 46 ]
sustentabilidade ambiental analisando anúncios publicitários, retirou-se o nome das construtoras, incorporadoras e imobiliárias do material, preservando o restante do anúncio.
A sustentabilidade ambiental na contemporaneidade Ser sustentável não é apenas cuidar da natureza, mas ser responsável por tudo, inclusive com as cidades, que também fazem parte da natureza na contemporaneidade. Não se pode separar uma da outra no sentido de cuidar apenas da natureza ou apenas da cidade. Quanto mais as cidades crescem, mais provocam mudanças (em termos de estrutura, mobilidade urbana, qualidade de vida, necessidades básicas, entre outras) em tudo à sua volta, agravando os problemas ambientais, levando o homem a se preocupar com a forma de vida que leva e, portanto, a modificar seus hábitos cotidianos. De acordo com Kato (2007, p. 8) essa pressão populacional concentrada nas cidades e na busca desenfreada pelo desenvolvimento proporcionado pelas novas tecnologias, principalmente às voltadas ao consumo, ocasionaram diversos danos ao planeta (água, energia, alimentos, construção civil que utiliza recursos naturais, etc). Torna-se fundamental reverter esse panorama ambiental negativo, a fim de preservar a vida do próprio ser humano. Enfim, é preciso rever a forma como a sociedade tem se desenvolvido e como pretende se desenvolver, levando em conta a dinâmica urbana. Segundo Anne Spirn (1995) citada por Bemfica e Bemfica (2014, p. 2), a natureza na cidade é muito mais do que árvores e jardins e ervas nas frestas das calçadas e nos terrenos baldios. [...] é a consequência de uma complexa interação entre os múltiplos propósitos e atividades dos seres humanos e de outras criaturas vivas e dos processos naturais que governam a
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transferência de energia, o movimento do ar, a erosão da terra e o ciclo hidrológico. A cidade é parte da natureza.
O mundo se urbanizou a tal ponto que é preciso considerar as cidades dentro do contexto da sustentabilidade ambiental. Para Souza e Awad (2012, p. 14) “[...] as cidades devem ser vistas como oportunidades e não como problema. [...] As cidades se reinventam.” Nessa reinvenção urbana a partir dos problemas gerados pelas cidades, são elas as responsáveis pelas respostas. Contudo, para que as cidades possam ver oportunidades em seus problemas, é preciso entendê-los e deixar claro quais são eles para que não restem dúvidas quanto à necessidade de soluções. Um desses entendimentos é sobre a essência da sustentabilidade e seus segmentos. Portanto, para conceitualizar a sustentabilidade ambiental, é preciso, primeiramente, entender o conceito de sustentabilidade. A globalização trouxe o tema sustentabilidade também para as cidades. No entanto, é ainda um conceito com diferentes compreensões. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “a sustentabilidade está irremediavelmente ligada às questões básicas de igualdade – ou seja, equidade, justiça social e maior acesso a uma melhor qualidade de vida” (PNUD, 2011). Essa qualidade de vida pressupõe um mundo melhor e mais justo para se viver, assim como, um consumo mais consciente, já que por muito tempo as questões ambientais foram deixadas de lado, conforme salientado por Kato (2008), privilegiando apenas o desenvolvimento econômico sem se importar com o tipo de indústrias que estariam sendo instaladas no território brasileiro. Assim, torna-se imprescindível à sociedade refletir sobre que tipo de desenvolvimento tem investido ao longo do tempo e qual desenvolvimento irá manter em um futuro próximo. A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (RIO+20, 2012), focou suas discussões em dois temas [ 48 ]
centrais: 1) como construir uma economia verde para alcançar o desenvolvimento sustentável e retirar as pessoas da pobreza; e, b) como melhorar a coordenação internacional para o desenvolvimento sustentável. Cada governo analisa sua situação e adota as medidas necessárias para atingir suas metas. Essas escolhas governamentais são focadas, portanto, em práticas para a implementação do desenvolvimento sustentável. De acordo com a referida Conferência, desenvolvimento sustentável é “o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades.”. É, portanto, a garantia de desenvolvimento sem que haja agressão ao meio ambiente, garantindo, assim, que os recursos naturais, necessários para a qualidade de vida das próximas gerações, estejam disponíveis no futuro. Sustentabilidade, na visão de Rosa (2007), é também uma forma da sociedade questionar o tipo de desenvolvimento que mantém. Um modelo que se mostra inadequado à realidade contemporânea, fazendose necessário repensar a sociedade industrial que se pretende ter em um futuro próximo. A sustentabilidade ambiental é um conceito que se origina da ecologia e tem vários exemplos bem-sucedidos nas áreas como energia, agricultura, produção, consumo e planejamento urbano. Além das medidas dos governos, ações simples como coleta seletiva do lixo e preservação de áreas verdes nas cidades também contribuem para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, ainda é essencial o envolvimento de todos: pessoas, grupos comunitários, ONGs, empresários, estudantes, organizações e não apenas um ou outro ator social. Essa é uma meta que deveria e deve envolver todas as pessoas do mundo e não pode ser negligenciada. Quando se fala em sustentabilidade ambiental é preciso refletir sobre a dinâmica do espaço urbano, ou seja, o contexto da sustentabilidade nas cidades. Dessa preocupação global, surgiram as cidades sustentáveis. Segundo Souza e Awad (2012), são aquelas que adotam uma série de
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práticas eficientes voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população, desenvolvimento econômico, preservação do meio ambiente, planejamento focado em bens e serviços, informação e conhecimento, capital e pessoas. Quando o assunto são cidades sustentáveis, há várias questões a serem abordadas além da questão ambiental. É preciso se preocupar com moradia, com o saneamento, inclusão, segurança, mobilidade, oportunidades e a forma de governar que também permeiam pela sustentabilidade do meio ambiente, pois cada vez mais, se percebe que o mundo está se urbanizando. Algumas das práticas adotadas pelas cidades sustentáveis, citados por Souza e Awad (2012) são: ações efetivas que visam o combate ao aquecimento global; manutenção dos bens naturais comuns; planejamento e qualidade nos serviços de transporte público, principalmente utilizando fontes de energia limpa; ações para melhorar a mobilidade urbana; destino adequado para o lixo; sistemas eficientes de reciclagem de lixo; investimentos em educação de qualidade; planejamento de uma economia local dinâmica e sustentável; adoção de práticas voltadas para o consumo consciente da população; ações que visem o uso racional da água e seu reaproveitamento; programas que visem à melhoria da saúde da população; criação de espaços verdes (parques, praças) voltados para o lazer da população e programas voltados para a arborização das ruas e espaços públicos. Nesse contexto, uma cidade sustentável é muito mais do que apenas preservar áreas verdes. É oportuno nos debruçarmos sobre a grande questão do século: o planeta urbano. Afinal, se o século 19 foi dos impérios e o 20, das nações, este é o das cidades. E as imensas inovações que ora se anunciam ocorrerão no território urbano (SOUZA e AWAD, 2012, p. 4).
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Quando o assunto é sustentabilidade, surgem muitas dúvidas, inclusive no âmbito empresarial. Algumas delas têm relação com o cenário competitivo das organizações, ou seja, a sustentabilidade poderá ameaçar a sobrevivência das organizações? Como as empresas estão se movimentando para se adequarem à nova realidade sustentável? O que é ser realmente um negócio sustentável e manter a competitividade no mercado? Essas são apenas algumas das questões que estão no entremeio do mundo corporativo. No entanto, essa preocupação com a sustentabilidade ainda não é uma prática cotidiana da maioria das organizações. Não parte das corporações a atitude de terem o pensamento voltado à sustentabilidade ambiental, focando suas ações nesse objetivo. O grande impulsionador dessa sustentabilidade “forçada” são os aspectos legais relacionados à legislação definida por governos de todos os níveis (municipal, estadual e federal). As empresas ainda têm dificuldade para entender claramente o que são ações de sustentabilidade. Uma coisa é preservar o planeta, outra é garantir a continuidade do negócio. O que a maior parte das empresas acredita serem ações sustentáveis para o planeta, na verdade, são ações de sustentabilidade do negócio. Do ponto de vista estratégico, as empresas buscam um diferencial competitivo no mercado e encontram na sustentabilidade ambiental essa vantagem que precisa ser comunicada ao público-alvo, consumidor dos produtos e marcas das empresas. E para isso utilizam a publicidade e todo seu arsenal estratégico. Contudo, se torna fundamental comunicar se a empresa está realizando de fato ação de sustentabilidade ambiental ou de sustentabilidade do próprio negócio.
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Publicidade: o canal estratégico das marcas A publicidade se tornou mais do que uma mera ferramenta para venda de produtos, mas em um canal estratégico de comunicação entre marca e consumidor. Casaqui (2009, p. 170) salienta que a publicidade realiza uma mediação que negocia entre um mundo de simbolismos (como o das marcas) e os seus consumidores (mundo real). Nesse sentido, a linguagem publicitária atua como uma força impulsionadora que desperta o desejo de compra das mercadorias, transcendendo o aspecto físico do produto e inserindo-lhe uma aura simbólica de percepção de um novo estilo de vida e comportamento das pessoas. Essa aura simbólica citada por Casaqui (2009) tem relação com os valores agregados. Jones (2004, p. 21) menciona que esses valores agregados, de cunho psicológico, são “[...] construídos pela experiência do consumidor no uso das marcas [...]”, sendo uma espécie de benefício extra, sendo que esta experiência para ser positiva ou negativa, depende da interação entre consumidor e marca. Tudo acontece na mente. Jones (2004, p.22), ressalta que “na publicidade a intuição e a imaginação exercem um papel real.” Por este motivo, tudo que uma marca prometer ao seu público ela deve cumprir, pois, caso contrário, pode gerar uma rejeição significativa das pessoas que interagiram negativamente com ela. As pessoas acreditam que os valores simbólicos ajudam na escolha das marcas. [...] as pessoas acham mais fácil escolher entre produtos que tenham diferenças altamente emocionais do que entre produtos de categorias em que as diferenças são meramente funcionais. [...] A maneira como os significados passam a integrar as marcas é certamente o ponto crucial da questão (JONES, 2004, p. 60-64).
O apelo aos atributos emocionais dos produtos marca mais as pessoas e age dentro da aura simbólica citada por Casaqui (2009) e dos valores agregados mencionados por Jones (2004). É uma interação entre simbolismos, metáforas e valores culturais que comunica uma mensagem [ 52 ]
publicitária com significados (pré)construídos no intuito de modificar o comportamento ou ações das pessoas. O foco é o imaginário do público e é nesse ponto que o discurso publicitário contribui para a construção das marcas e fluidez de suas mensagens. Randazzo (1997, p. 20) diz que esse tipo de discurso, que tem como base uma linguagem publicitária, “transforma produtos em marcas (...) humanizando-os e dando-lhes identidades precisas, personalidades e sensibilidades que refletem as nossas”. As mercadorias deixam de serem coisas e passam a se humanizar, como se fosse alguém conhecido, um amigo ou até mesmo uma pessoa da família. Estas são as sensações que as marcas procuram provocar no público-alvo e em seus consumidores. Dessa forma, as pessoas veem as marcas como um reflexo de si mesmas ou do que desejariam ser (suas projeções), em uma espécie de projeto de futuro ou do que não são. Para Marcondes (2002, p. 38) a publicidade tem um papel de espelho, “no qual todos nos olhamos e onde temos uma referência aceita e comum de quem somos, [...] o que é moderno e o que não devemos perder de jeito nenhum, sob o risco de ficarmos por fora [...]”. Talvez por isso as pessoas comprem marcas que refletem um estilo de vida similar ao seu como os atletas que se identificam com a marca Nike ou Adidas, por exemplo, ou até mesmo os que não possuem o estilo de vida que a marca propõe, mas que gostariam de tê-lo ou até mesmo creem que possuir a marca lhes confere o estilo de vida proposto pelos estrategistas da marca. Percebe-se, portanto, que a publicidade e a linguagem que ela utiliza dentro de um discurso característico têm um papel importante na sociedade de consumo de produtos e serviços e também de seus valores agregados.
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A linguagem publicitária e a sustentabilidade ambiental A linguagem publicitária é utilizada para promover a venda de produtos e marcas, criando uma ligação entre o simbólico e a sociedade, entre o imaginário e a realidade. Quando aliada a um discurso publicitário coerente, ela se torna mais persuasiva e também consumista. Baudrillard (2008, p. 180) ressalta que o discurso publicitário tem a capacidade de criar um ambiente peculiar que envolve as pessoas. Nesse sentido, entram os signos, as imagens, a linguagem publicitária (verbal e não verbal), as metáforas, os simbolismos... Tudo colabora na criação do cenário ideal para que o discurso publicitário atinja seus propósitos. Esses elementos são empregados na publicidade como ferramenta no processo de construção das marcas. Atualmente, devido ao tema sustentabilidade estar ganhando notoriedade no mundo todo, eles também são utilizados na elaboração da imagem socioambiental e sustentável das organizações e de seus produtos. É como se a sustentabilidade fosse também uma mercadoria que as marcas inseriram em suas essências. Trabalhar com a linguagem publicitária pressupõe entender um processo de persuasão que utiliza elementos racionais, emocionais e de convencimento. O primeiro se refere às características ou atributos do produto em si. O segundo explora as emoções das pessoas. E o último argumento é o misto, ou seja, aquele que sugere no mesmo texto argumentos racionais e emocionais, mesclando um ao outro no intuito de maior persuasão. Todos esses contextos visam à inclusão do públicoalvo com a mensagem ofertada, criando um envolvimento das pessoas com o produto ou marca (JONES, 2004). De uma forma mais publicitária, esses elementos persuasivos estão presentes no layout, ou seja, na configuração visual dos anúncios na forma do título, texto, imagens e slogan (promessa de valor da marca). O objetivo de um texto publicitário é sempre o de convencer e persuadir seu público-alvo. Este
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texto específico, o qual faz parte da publicidade, está no conjunto comunicacional do universo corporativo. Comunicar-se com os consumidores constitui o objetivo intencional de persuadir o comportamento num sentido determinado e preestabelecido. Cria pelos processos de comunicação um discurso que produz sentido. O consumidor poderá ou não se sentir atraído, quanto mais estiver engendrado em seu cotidiano e identificado com sua cultura, tanto mais ele será percebido e reconhecido. O discurso publicitário não é um caminho de inspiração divina, é o processo pelo qual o plano estratégico de marketing constituirá a base de operações do composto comunicacional, estabelecendo o conteúdo de comunicação sobre o qual produzirá o sentido pela emissão do discurso publicitário. É fundamental atingir os consumidores sem perder de vista o objetivo estratégico apresentado no conteúdo do discurso emitido pela campanha de publicidade (MUNIZ, 2005).
Para atingir os objetivos propostos em uma campanha publicitária é preciso que a marca conheça seu público-alvo e fale a mesma linguagem, criando, dessa forma, uma sintonia simbólica com valores significativos, gerando certa vantagem competitiva. Observar e compreender o consumidor, assim como acompanhar tudo o que ocorre no mundo é eficaz para se conseguir ter uma sacada que gere um passo à frente da concorrência. Tudo é planejado com o intuito da persuasão, almejando um comportamento ou ação pré-estabelecida. Contudo, o maior desafio enfrentado pelas empresas atualmente é conseguir criar e agregar mais valor para os consumidores do que seus concorrentes, pois a vantagem competitiva é medida em relação aos concorrentes num mesmo segmento de mercado. Portanto, o valor, a vantagem competitiva e o foco exigido para atingi-los são essenciais e devem orientar os esforços de marketing em qualquer parte do mundo (MUNIZ, 2005).
O cenário empresarial muda com frequência. As empresas, nos últimos anos, estão investindo em outros setores, como o social e o [ 55 ]
ambiental. A mídia tem mostrado inúmeras campanhas publicitárias com esse enfoque, fazendo com que estas questões sejam ampliadas e se tornem vantagens competitivas para as organizações e suas marcas. Segundo a NeoMundo (2014, p. 35), “a publicidade de hoje transita da valorização do consumo para a valorização das práticas sustentáveis. [...] havendo um abuso no apelo da sustentabilidade e da responsabilidade social na publicidade”. Uma coisa é criar uma campanha publicitária com a imagem de sustentabilidade e outra é ser uma empresa que possui um modelo de gestão sustentável na qual se reflete os valores de sua marca. Nesta, a sustentabilidade faz parte da essência da marca e da própria empresa. Na primeira é apenas propaganda, ou seja, a empresa não é de fato uma organização sustentável ambientalmente. Observam-se várias interpretações sobre o conceito de sustentabilidade e responsabilidade ambiental. E isso dificulta a transparência de empresas e marcas que realmente se associam a estas causas. Não é a primeira vez que surgem essas confusões conceituais. Até hoje se confunde marketing social com ações de filantropia, por exemplo. Fazer doações, coletas de lixo ou plantar árvores não é necessariamente ter responsabilidade social ou ter sustentabilidade ambiental. Essas são gestões estratégicas das empresas que são mais do que apenas imagens externas. Tem a ver com a missão, visão e valores verdadeiros das organizações. Valores esses que são mais endógenos do que exógenos. Outro ponto a ressaltar é que o mercado empresarial tende a investir em ações de natureza social ou ambiental devido a atual legislação, mas isso não quer dizer que elas concordem com a lei a elas imposta, apenas a cumprem. Muitas vezes o tipo de negócio de uma empresa é totalmente contrário ao que a legislação permite. Nesse caso, as empresas mascaram suas reais intenções e realizam ações de marketing se dizendo ecologicamente corretas sem necessariamente o serem. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) chama essa prática de “greenwashing” que se refere ao
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procedimento de marketing utilizado por uma organização com o objetivo de prover uma imagem ecologicamente responsável dos seus produtos ou serviços sem que o seja na realidade, ou seja, é uma forma de mascarar ação contrária ao apelo ecológico. A procura dos consumidores por produtos que se apresentam como ecologicamente corretos vem crescendo nos últimos anos, principalmente com o aumento da preocupação do consumidor global em relação às questões e problemas ambientais que tem se agravado com o passar do tempo (tais como a preocupação com o aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas, entre outros). [...] O aumento da demanda real e potencial por produtos mais “verdes” tem estimulado muitas empresas a se posicionar favoravelmente como oferta capaz de preencher esta procura, algumas de forma genuína, congruente e transparente. No ano passado, anúncios sobre Responsabilidade Social Empresarial e Sustentabilidade Corporativa ganharam ainda mais força entre mídias impressas, totalizando o maior número de anúncios desta natureza desde o ano de 2003 (CONAR, 2014).
A publicidade deve ser ética e responsável já que é uma ferramenta importante no processo de construção das marcas e da própria sociedade. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Market Analysis (2014, p. 14-15), o Brasil é o país que menos pratica greenwashing, ficando em quinta posição em relação aos Estados Unidos, que lidera o ranking, seguidos por Canadá, Austrália e Reino Unido. A pesquisa apresentou dados de que os produtos brasileiros são os que usam menos apelos em suas embalagens para dar ao consumidor uma falsa impressão de preocupação ambiental. Ainda assim, a prática é frequente no país: 90% de todos os produtos nacionais, analisados pela pesquisa, possuem algum tipo de apelo ecológico. Demonstrando, portanto, que o apelo ecológico é também um forte argumento de venda de produtos.
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Essa situação também mostra que o mundo inteiro está preocupado com o impacto ambiental no consumo de seus produtos. A mídia foca no consumo consciente, a legislação se torna mais dura para as organizações e, para se manter no mercado, algumas empresas divulgam campanhas de responsabilidade social e de sustentabilidade ambiental no intuito de passar uma imagem ecologicamente correta que não condiz com a sua realidade de atuação. Entretanto, essa atitude empresarial mascarada acaba por prejudicar o meio ambiente, deixando o ser humano fragilizado frente a um futuro incerto da própria sobrevivência.
Os anúncios publicitários sustentáveis Um anúncio publicitário é aquele que busca persuadir o consumidor (receptor), convencendo-o sobre a qualidade de um produto, fazendo-o adquiri-lo. Para aumentar o grau de aceitação, os anúncios publicitários são objetivos e também criativos, deixando evidente o conhecimento que tem sobre seu público-alvo Geralmente são utilizados no contexto de uma campanha publicitária. Esta é utilizada pelo conjunto de anúncios criados dentro de um único planejamento ou ideia conceitual para uma determinada marca. Tudo é planejado, criado estrategicamente para que, dessa forma, causem sinergia entre eles e ampliem o impacto da campanha positivamente (PÚBIO, 2008). Assim sendo, uma campanha publicitária é um conjunto de peças que são criadas no intuito de atingir um determinado público-alvo, expondo e fixando uma mensagem da marca e também abordando um diferencial ou apelo (racional ou emocional) do produto. Cada peça tem autonomia no processo de comunicação, ou seja, contempla passar uma mensagem completa. Utiliza-se de uma linguagem verbal composta por:
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a) Título e subtítulo, geralmente criativos e atraentes no jogo das palavras, dando sentido duplo ao mesmo. Utilizando linguagem conotativa para deixar o anúncio mais atrativo. b) Corpo do texto ou texto informativo – aqui se desenvolve com maior persuasão o conceito do título. Usam-se frases curtas, objetivos e imperativas, adaptando as palavras ao cotidiano do público-alvo. Nome do próprio empreendimento que dá duplo sentido ao material. c) Nesta parte é desenvolvida a ideia sugerida no título, com frases curtas, claras e objetivas, adequando o vocabulário aos interlocutores destinados. Os anúncios também são compostos por uma linguagem visual que como o nome já diz tem a ver com o conjunto de imagens utilizadas no material publicitário. Sendo assim é composta de: Imagens – são escolhidas as que mais chamam a atenção do público-alvo de acordo com as características do produto anunciado; cores utilizadas no anúncio e a forma como o anúncio foi escrito e idealizado. O que caracterizaria um anúncio publicitário sustentável é o fato de ele utilizar algum argumento de sustentabilidade em seu contexto e não necessariamente de ele ser sustentável em si. Nesse sentido, torna-se importante ressaltar alguns conceitos empresariais utilizados neste artigo, como o das construtoras e incorporadoras, ou seja, empresas voltadas para o setor da habitação. Atuam na construção de prédios, casas, condomínios e projetam loteamentos. Um loteamento é a divisão de uma grande área de terra em lotes menores destinados à edificação. O responsável é o loteador, que pode ser tanto uma pessoa física, como uma empresa privada, um órgão público ou uma cooperativa. Qualquer que seja o loteador, as vendas dos terrenos só poderão ocorrer após a aprovação de um projeto na prefeitura (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2013).
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Portanto, para que uma área seja loteada, primeiramente, é necessária a aprovação do projeto pela prefeitura, que irá definir, inclusive, quanto de espaço verde o loteamento deverá possuir. Este espaço verde é determinado por lei municipal, logo, é obrigatório e calculado de acordo com o tamanho do loteamento, sendo este para uso público. De acordo com Abreu e Oliveira (2004) “[...] a exigência de espaços livres de uso público, além de compensar a degradação, [...] agrega valor ao produto, que, no caso, são os lotes urbanizados [...].” É uma forma de promover a valorização do imóvel, já que a sociedade incorporou esse valor de qualidade de vida ambientalmente mais saudável. A exigência das áreas verdes é mais do que um elemento urbanístico. Tem a ver, segundo os autores, com “a necessidade higiênica, de recreação e até defesa e recuperação do meio ambiente em face da degradação de agentes poluidores”. Entretanto, reservar um espaço dessa natureza não é uma iniciativa que parte dos loteadores, mas é uma decorrência das exigências legais que determinam a existência dessas áreas verdes. As empresas transformam as leis ambientais impostas a elas e as utilizam como argumentos de venda de seus produtos, tendo os recursos da publicidade como um grande aliado de seus negócios. Na área da construção civil se percebe muito esse apelo à sustentabilidade ambiental nos anúncios publicitários, mais especificamente nas propagandas referentes a condomínios, residenciais ou loteamentos. É comum o emprego de expressões relacionadas com a natureza dentro de um discurso peculiar nesses anúncios. Quase todas as campanhas se utilizam dos mesmos argumentos, variando em um ou outro aspecto. Umas focam na área verde que deixa o loteamento mais urbanizado, outras direcionam o olhar para as árvores plantadas obrigatoriamente ao longo de uma rua ou uma lagoa que obrigatoriamente teve que ser preservada e mantida no empreendimento. Enfim, a intenção da propaganda não é associar a obra somente ao aspecto paisagístico, mas também, indireta ou diretamente, à sustentabilidade ambiental sem necessariamente [ 60 ]
apresentá-la como um produto ecologicamente correto. Essa informação ficaria subentendida no discurso publicitário. Contudo, o campo da construção civil é extremamente competitivo e qualquer argumento de venda pode ser decisivamente vantajoso para a empresa.
Os anúncios publicitários na perspectiva da sustentabilidade ambiental Os anúncios publicitários analisados corroboram com a discussão deste estudo à luz da linguagem publicitária (linguagem verbal e não verbal). Salienta-se que os mesmos serão analisados a partir do nome do empreendimento facilitando o diagnóstico deste estudo. Sendo assim, os anúncios do Residencial Portal das Águas, do Reserva do Bosque, do Residencial Bosque Pau Brasil, do Residencial Vila do Verde, do Reserva Bacutia, do Ponta Negra Beach utilizam já no nome do empreendimento um certo apelo publicitário remetendo à ideia de sustentabilidade ambiental. O nome do empreendimento é definido a partir do conhecimento do público-alvo, podendo inclusive também remeter, a partir do nome, à classe social de seus futuros compradores, eletizando ou não um empreendimento. De forma geral, os loteamentos comercializados pelas construtoras, incorporadoras e imobiliárias (e também os próprios anúncios institucionais dessas empresas) do setor de construção civil utilizam dos seguintes argumentos verbais e racionais em seus anúncios: nº de lotes para venda a partir de uma metragem quadrada mínima, metragem quadrada de área verde, asfalto e meio-fio; iluminação pública; rede de água tratada; rede de energia elétrica; acesso fácil, e também outros de apelo emocional como: proximidade à natureza, nome do empreendimento atrelado a um apelo sustentável, paisagem em volta do imóvel, entre outros. [ 61 ]
Percebe-se que os textos publicitários que utilizam destas estratégias se posicionam sutilmente como sendo sustentáveis ambientalmente. Possuir mais de 100 mil m² de área verde e ainda uma reserva ecológica (FIGURA 1) ou se auto intitular como um Residencial ecologicamente correto (FIGURA 2) é uma condição que situa explicitamente os anúncios publicitários dos empreendimentos analisados como empreendimentos voltados às ações sustentáveis para o planeta, mesmo que estas não o sejam. Portanto, neste posicionamento já se tornam competitivos mercadologicamente. Contudo, algumas questões devem ser discutidas: como um empreendimento oferece uma reserva ecológica privada ou o que faz um empreendimento ser ecologicamente sustentável? Ações superficiais ou de economia para o próprio empreendimento já o tornariam sustentável ambientalmente? Faz-se necessário compreender o contexto da sustentabilidade ambiental e tudo o que ele agrega para que se possa afirmar e manter o discurso ecológico.
Figura 1 – Anúncio publicitário do Portal das Águas (folder institucional)
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Figura 2 - Vila do Verde Residencial
De acordo com Fornari Neto (2001, p. 217) uma reserva ecológica ou reserva biológica ou reserva natural é uma área de maior ou menor extensão, para proteger integralmente a flora e a fauna no seu conjunto, ou uma espécie em particular, com objetivos educacionais e científicos. Portanto, as reservas ecológicas ou bosques, divulgados nos anúncios analisados neste artigo, devem estar situados ao lado dos loteamentos ou residenciais e não ter sido criados em razão deles. Não deixa transparente ao consumidor se trata de um argumento de venda de uma empresa sustentável ambientalmente ou de um apelo para a sustentabilidade do negócio da própria empresa. Outros anúncios também utilizam a mesma estratégia, porém de outra forma: utilizam o nome do empreendimento diretamente associado a uma reserva ecológica como o Reserva Bacutia (FIGURA 3) e Ponta Negra Beach (FIGURA 4). Contudo, a conexão entre sustentabilidade e empreendimento pode ser feita indiretamente também, apenas na sutileza dos textos informativos ou subtítulos.
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Figura 3 - Reserva Bacutia
Figura 4 - Ponta Negra Beach
Em uma das chamadas do Artemis Residencial (FIGURA 5) há um apelo publicitário aos “Aptos. com sol da manhã”, provavelmente fazendo menção à localização do prédio de que o mesmo é iluminado em certo horário do dia e não durante o dia todo (também não deixando claro o que seria apartamento com o sol da manhã).
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Figura 5 - Artemis Residencial
O Artemis também menciona também que tem um bosque preservado, não definindo o tamanho da área verde ou se o mesmo está ou não integrado ao empreendimento, deixando essa informação subentendida na peça publicitária. No anúncio do Ponta Negra Beach (FIGURA 4) se tem a impressão de que o empreendimento é um praia inteira. Não qualquer praia, mas a mais bela do Atlântico Sul. O que se questiona é se pode ou não comercializar uma praia segundo as leis brasileiras. E o Reserva do Bosque (FIGURA 6) que afirma que 70% do empreendimento é um bosque preservado, levando a crer, já que não deixa essa informação clara, de que o comprador, além do imóvel ou lote a ser adquirido, também seria o dono de um bosque.
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Figura 6 - Reserva do Bosque
Ao citar propositalmente a expressão “reserva ecológica” ou “área verde com mais de 100 mil m²”, como o caso do Portal das Águas (FIGURA 1), a propaganda já faz uma referência sutil ao tipo de consumidor deste empreendimento. O preço é outro elemento que se refere também ao público-alvo, Contudo, o atributo emocional tem um apelo maior. O anúncio é uma espécie de mediação entre empresa e consumidor. Casaqui (2009) diz que essa negociação mediada pela publicidade traz elementos simbólicos para a realidade das pessoas. Assim sendo, ter uma reserva ecológica ou um bosque preservado é praticamente o mesmo que morar ao lado de uma, dentro
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de um contexto simbólico. Entretanto, são duas coisas bem diferentes. O fato de o loteamento ter uma área verde tão grande assim, isso se deve às leis ambientais e municipais que assim determinaram, portanto, a proposta não partiu da iniciativa da empresa. Mesmo assim, ela se utiliza desse argumento em benefício do próprio negócio ou de um produto mercadológico com outra conotação. Questões como ter áreas verdes (o que é uma lei municipal), aquecimento solar e aproveitamento da água da chuva (fatores que trazem também economia ao empreendimento) seriam o suficiente para caracterizar um empreendimento como “ecologicamente sustentável”, como no caso do Vila do Verde Residencial (FIGURA 2). Nesse contexto, o anúncio institucional da construtora Tabaporã (FIGURA 7) também utiliza em sua chamada principal a seguinte afirmação: “Construtora Tababorã, contribuindo com o crescimento sustentável de Caraguatatuba”, porém não deixa claro de que forma ela contribui com esse “crescimento sustentável”. Todos os anúncios investigados acabam ligando o argumento de garantia da qualidade indiretamente ao crescimento sustentável ou ecologicamente correto. Nas imagens abaixo dos textos, que deveriam evidenciar o crescimento sustentável, aparece a foto de uma praia e logo abaixo fotos de prédios construídos sem nenhum apelo sustentável. Fica embutida na linguagem verbal e na visual que se trata de sustentabilidade ambiental, porém as imagens e o texto não reafirmam este posicionamento da construtora.
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Figura 7 - Anúncio institucional Construtora Tabaporã
O discurso publicitário, conforme relembra Randazzo (1997) e Baudrillard (2008), cria todo um cenário que busca persuadir e envolver o consumidor. É o papel de espelho que, segundo Marcondes (20002), a publicidade tem perante a sociedade de consumo. Nesse caso, a sustentabilidade deixa de ser uma prática e passa a ser um produto de consumo. O layout do anúncio do Portal das Águas, por exemplo, tem em seu título um argumento misto (FIGURA 1), baseado em elementos emocionais (qualidade de vida) e racionais (cabe no seu bolso). O apelo racional não faz necessariamente referência ao preço acessível, mas ao valor da qualidade de viver bem de quem está lendo o anúncio. E conta com um texto auxiliar que faz um convite imperativo (venha viver) específico (no melhor loteamento). O uso de adjetivos enaltecendo o produto são artifícios muito usados nos textos publicitários (o melhor [ 68 ]
loteamento, ótimo para morar, excelente para investir, o melhor e mais completo loteamento, a apenas 20 minutos, excelente vizinhança). As imagens (linguagem não verbal) estão em sintonia planejada com o texto: um casal feliz, um lindo céu azul, uma lagoa preservada, muitas áreas verdes. A predominância da cor azul remetendo à credibilidade e seriedade, assim com o vermelho ligando à emoção. E finalizando com o branco, transparência. O próprio nome do loteamento reflete algo simbólico dentro do conceito ambientalmente correto. O texto (linguagem verbal) tem uma forte capacidade de persuasão e convencimento, conforme ressaltado por Muniz (2005). Entretanto, ele é um texto pré-definido com imagens escolhidas especificamente para reforçar o discurso do material publicitário do empreendimento. Estes sãos alguns exemplos de textos de anúncios publicitários que colocam a sustentabilidade ambiental como um produto mercadológico. Há ainda a linguagem visual que em todos os anúncios analisados que fazem referência a paisagens exuberantes como nos materiais do Reserva Bacutia (FIGURA 2), no Ponta Negra Beach (FIGURA 4) e no Portal das Águas (FIGURA 1). Praticamente todos utilizam as cores dourado (amarelo ouro), azul e verde em maior evidência em seus layouts. Estas cores fazem referência à valorização do empreendimento, sua credibilidade e associação com a natureza, deixando a imagem ou cores ocupar maior parte do anúncio, visto que seriam esses os argumentos de venda mais relevantes. Têm apelo emocional e foco na sustentabilidade ambiental, na tentativa de tocar o consumidor recorrendo para a sua consciência no cuidado com o meio ambiente e dessa forma, concretizar a venda de um produto mercadológico. Ou o apelo pode ainda ser em mostrar árvores ou algo que remeta à natureza e que esteja próximo ao empreendimento, como o Reserva do Bosque (FIGURA 6), no qual aparece parte do mencionado bosque, porém
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cercado; e o paisagismo de um dos ambientes externos do empreendimento. O Artemis Residencial (FIGURA 5), por exemplo, utiliza o mínimo de natureza aparecendo em seus anúncios, mesmo assim acaba remetendo sutilmente à ideia de natureza. Até mesmo o Residencial Bosque Pau Brasil (FIGURA 8), que leva em seu nome a expressão “bosque” possui o mínimo de elementos da natureza em sua composição publicitária.
Figura 8 - Residencial Bosque do Pau Brasil
Portanto, fica implícito nestes materiais publicitários que eles contemplam toda a área das fotos que consta em suas peças gráficas, associando-os, dentro de uma linguagem não verbal, à sustentabilidade ambiental. E, dessa forma, os coloca em um grau de competitividade muito maior do que os outros. Sendo também, uma publicidade dúbia, ou seja, nem verdadeira nem falsa, pois o comprador só tomará
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conhecimento dos detalhes do empreendimento se for buscar informações com os corretores desses empreendimentos. Contudo, segundo o CONAR (2014), um anúncio não pode induzir ao erro ou inserir informações que levem o consumidor ao erro. Uma linguagem não verbal, feita através de fotos panorâmicas, que não deixam expostas os objetivos de um anúncio publicitário, pode levar o consumidor a adquirir um produto (imóvel ou lote) que não oferece na realidade os atributos anunciados. Quando se vende a ideia de uma vista junto à natureza, por exemplo, no meio de uma cidade, devese levar em conta que se o vizinho construir um prédio maior, a vista panorâmica que o consumidor “comprou” junto com o imóvel ou lote, será apenas argumento de venda e não mais um atributo verdadeiro do anúncio feito anteriormente na ocasião da compra do imóvel.
Considerações finais O estudo aqui apresentado debateu o uso da linguagem publicitária, verbal e não verba, na perspectiva da sustentabilidade ambiental, através da análise de anúncios publicitários das construtoras, incorporadoras e imobiliárias brasileiras. Buscou levantar questionamentos sobre a utilização desta publicidade como ferramenta no processo de construção da imagem socioambiental e sustentável de uma empresa e suas marcas de produtos (os empreendimentos), trazendo a reflexão do poder do discurso publicitário permeado por simbolismos e metáforas. A publicidade deve ser ética e responsável durante todo o seu processo, não induzindo o consumidor ao erro. É preciso deixar claro os atributos reais de um produto (sejam eles racionais ou emocionais), não os mascarando (como na prática do greenwhasing).
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As palavras quando utilizam a linguagem publicitária, com imagens simbólicas e metáforas que têm sintonia com um discurso também publicitário, criam um cenário persuasivo propício para o envolvimento do consumidor. E, portanto, se tornam importantes argumentos competitivos. Tudo é focado para que as pessoas ajam de acordo com um comportamento pré-estipulado, planejado estrategicamente. Embora seja importante às empresas terem suas vantagens competitivas evidenciadas, não se pode utilizar o contexto da sustentabilidade ambiental apenas como apelo mercadológico sem levar em conta o complexo e incerto cenário futuro. Consequentemente, deve haver uma maior responsabilidade das empresas (de todos os setores) quando criam seus anúncios publicitários com foco na sustentabilidade ambiental. A sociedade precisa refletir sobre a forma com que a publicidade tem sido utilizada pelas organizações e também sobre seu papel na sociedade contemporânea, assim como, sua presença na complexidade do cenário do desenvolvimento, seja ele local, regional ou nacional.
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____________________________ O poder e a aura das marcas de luxo em classes populares: o caso Louis Vuitton 19 _____________________________ Vonia Engel e Giovana Goretti FeijĂł de Almeida
Publicado originalmente nos Anais do II Congresso Internacional de Marcas/Branding, Outubro de 2015 e, posteriormente, publicado no BrandTrends Journal , V.9, outubro, 2015, p. 06-24.
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Para citar este artigo: ENGEL, V.; ALMEIDA, G. G. F. O poder e a aura das marcas de luxo em classes populares: o caso Louis Vuitton. BrandTrends Journal , V.9, Out., 2015, p. 06-24. DisponĂvel em: http://www.brandtrendsjournal.com/images/brandtrendsjournal/ pdfs/outubro2015.pdf
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V
ive-se em uma sociedade onde o consumo ganhou grande relevância. As pessoas não convivem apenas com outras pessoas, mas também com as mercadorias que elas próprias produzem e consomem. Cria-se uma relação social com estas mercadorias produzidas, dando-lhes vida através de seu consumo. Essa relação com os produtos é abordada, nesse estudo, a partir do conceito de fetichismo de mercadoria, de Karl Marx (1989), e de aura, de Walter Benjamin (1994).
Entender esse vínculo entre pessoas e coisas levanta diversos questionamentos sobre o mundo das marcas, principalmente sobre as marcas de luxo que trazem em sua essência uma espécie de aura enigmática e mística ao serem adquiridas pelos indivíduos. Destaca-se que o objeto empírico deste estudo é a marca de luxo Louis Vuitton, vendida em escala global, porém com distribuição seleta, que além de promover o consumo em uma classe elitizada, cria desejo e fascínio nas classes populares 20. Busca-se levantar questionamentos sobre o culto a essas mercadorias enquanto produtos mercadológicos permeados por um poder que transcende seu valor de uso e de troca através de discursos persuasivos. O objetivo central deste artigo é, portanto, compreender a valoração que transcende a mercadoria (as marcas de luxo), fazendo-a ganhar um poder oculto que a faz se relacionar com as pessoas de outros poderes aquisitivos e lhes confere, simbolicamente, distinção social e imagem perante seu grupo social. A relevância deste estudo está na discussão do fascínio e da aura das marcas de luxo, através de sua linguagem publicitária permeada por simbolismos e crenças, na qual o consumo age como uma demonstração simbólica de status em uma classe social diferente de seu público-alvo. As classes populares aqui estão entendidas como todas as classes sociais abaixo da classe A.
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Procurou-se trazer um melhor esclarecimento sobre o conceito de mercadorias enquanto valor de uso e de troca que criam o que Marx (1989) chama de valor-mercadoria. Ao abordar a essência destes conceitos, o autor percebe que há, no produto, mais do que o trabalho humano propriamente dito. Há também algo misterioso que conduz as pessoas a uma relação social que existe entre as mercadorias produzidas pelo próprio homem. A esse convívio entre coisas e pessoas se dá o nome de fetichismo de mercadoria. As marcas possuem um poder de se relacionar com os indivíduos de tal forma a se personificarem, ganhando vida. Através da comunicação publicitária, esse poder transcendente da mercadoria, torna-se mais forte e persuasivo. As marcas de luxo utilizam dessa aura simbólica e mística para se posicionarem na mente das pessoas de forma impactante. Impõe valores e crenças que são criadas para um produto que, antes de tudo, é uma mercadoria com atributos físicos e racionais. Ao finalizar seu processo de produção, ganha-se um poder oculto que a faz se relacionar com as pessoas, gerando também consumo. A metodologia utilizada neste estudo é de natureza qualitativa, cunho exploratório ancorada na bibliografia sobre a teoria das marcas e o conceito sobre aura, de Walter Benjamin (1994), e o de fetichismo da mercadoria, de Karl Marx (1989), no contexto da marcas de luxo. A análise parte da publicidade da Louis Vuitton e na forma como é construído seu discurso publicitário em uma classe elitizada, despertando também no consumidor das classes populares o desejo de compra e de status, transcendendo o produto em si e indo além de seu público-alvo. Também se utilizou de uma pesquisa documental das peças gráficas disponibilizadas no site da marca e da estrutura do próprio site da Louis Vuitton, assim como vinte relatos de experiências de pessoas das classes populares, por meio de roteiro semiestruturado, aplicados pelas pesquisadoras no início do segundo trimestre de 2015.
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Segundo Lakatos e Marconi (2007, p. 157), a pesquisa é um procedimento sistemático cujo objetivo é o conhecimento e a explicação de fenômenos, utilizando o conhecimento anterior do pesquisador juntamente com os diferentes métodos e técnicas de pesquisa. Sendo assim, a análise do material coletado para este estudo foi feita à luz do branding, ou seja, da gestão estratégica da marca, cruzando as peças publicitárias e o site da marca com os relatos de experiências adquiridos e as teorias abordadas.
Mercadorias cultuadas e a aura das marcas As marcas possuem um apelo persuasivo muito grande que gera seu consumo e desejo. Segundo Jones (1999, p. 181), “[...] todas as marcas são produtos, mas nem todos os produtos são marcas”. Sob esta perspectiva as marcas se tornam mais do que um produto de consumo, sendo-lhes atribuídos outras categorias. Os produtos são mercadorias produzidas pelo homem para atender a um fim específico. Mercadoria é um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. [...] não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção (MARX, 1989, p. 165).
A palavra "satisfaz" do conceito de mercadoria sugere que a mercadoria enquanto objeto ou coisa atenderia necessidades objetivas (como fome ou sede, por exemplo) ou as subjetivas (como status). A utilidade de uma coisa, portanto, faria dela um valor de uso, tanto em seu próprio uso como em seu consumo. Seriam esses dois tipos de valores que constituiriam o conteúdo material da riqueza, independente de sua forma social. [ 78 ]
Essa utilidade, a que Marx (1989, p. 166) se refere é verificada pelas propriedades do corpo da mercadoria, não existindo sem ele. O corpo da mercadoria é, portanto, um valor de uso ou bem. Esse seu caráter não depende de se a apropriação de suas propriedades úteis custa ao homem muito ou pouco trabalho. O exame dos valores de uso pressupõe sempre sua determinação quantitativa, como dúzia de relógios, vara de linho, tonelada de ferro, etc. O outro conceito abordado por Marx (1989, p. 166) é o de valor de troca que aparece intrínseco à mercadoria. Para facilitar a compreensão deste termo, ele utiliza-se de exemplos de trocas de produtos como: trigo, ouro, seda, graxa e outros. O intuito dos exemplos é para demonstrar que o valor de troca só pode ser um modo de expressão, a forma de manifestação de um conteúdo dele distinguível. O que ocorre com a troca de mercadorias é que tem que se reduzi-las a algo comum que as represente em algo. Esse algo em comum só faz sentido quando é conferida alguma utilidade à mercadoria, tornando-as valor de uso. Contudo, é justamente a abstração de seus valores de uso que ocorre a relação de troca das mercadorias. Se tirarmos o valor de uso das mercadorias restar-lhes-á apenas serem, o que o autor chama de "produtos de trabalho" e estes também já sofreram algum tipo de transformação. Passam de diferentes formas concretas de trabalhos, que não mais se diferenciam uma da outra, para serem reduzidas em sua totalidade a um igual trabalho produzido pela habilidade humana, ou seja, a um trabalho humano abstrato. A este, sobra uma tênue objetividade do trabalho humano indiferenciado. Sabese que houve dispêndio de força de trabalho humano (trabalho humano acumulado), mas sem nenhuma consideração pela forma despendida (MARX, 1989). O que o une, portanto, são seus valores mercantis que independem de seu valor de uso, mas que estão ali objetivados ou
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materializados enquanto trabalho humano abstrato. Marx (1989) salienta que "uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano, sem necessariamente ser uma mercadoria." A produção de mercadoria tem relação com o valor de uso social, ou seja, para os outros como valor de uso por meio da troca, gerando um duplo caráter do trabalho representado nas mercadorias através de seu valor de uso e valor de troca. Quer dizer da mercadoria enquanto objeto de uso e valormercadoria. O trabalho cuja utilidade se representa, assim, no valor de uso de seu produto ou no fato de que seu produto é um valor de uso, chamase trabalho útil. Sob esse ponto de vista é considerado sempre em relação a seu efeito útil. Valores de uso não podem se defrontar como mercadoria, caso eles não contenham trabalhos úteis qualitativamente diferentes. Seria o que o autor chama de objeto de uso. O trabalho é o criador de valores de uso e do trabalho útil e, portanto, uma condição da existência humana enquanto mediadora entre homem e natureza. Marx (1989) ainda reflete acerca dos conceitos de valor-mercadoria, forma de valor ou o valor de troca e sobre o caráter fetichista da mercadoria. O valor de troca de uma mercadoria tem relação direta com seu aspecto social sendo também um produto do trabalho abstrato, uma vez que o valor de troca é medido pela capacidade de troca dessa mercadoria por outra mercadoria em determinadas proporções. Este consiste no fato de que todas as mercadorias tem alguma coisa em comum, nesse caso a força de trabalho. Esta seria expressa pela quantidade de tempo que um trabalhador gasta para produzir determinada mercadoria. O valor de troca, portanto, é visto como uma relação quantitativa: a proporção na qual os valores de uso de uma espécie se trocam com os valores de uso de outra espécie.
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Também se percebe que há na mercadoria algo misterioso onde permeia uma relação social que existe não entre o trabalho do ser humano e em seus produtos deste trabalho, mas entre os produtos de seu trabalho. Não há nenhuma conexão entre as coisas enquanto mercadorias e suas propriedades físicas e com as relações materiais que surgem. É mais um relação entre coisas do que uma relação social entre homens. Dessa relação surge o que Marx (1989) chama de fetichismo da mercadoria. A palavra fetiche, etimologicamente, significa um "[...] objeto que supostamente tem poderes mágicos". Esse objeto mágico seria feito pelo homem ou produzido pela natureza, atribuindo-lhe um poder sobrenatural e oculto. Esse poder é o poder oculto que Marx (1989) observou nas mercadorias enquanto fenômenos da atribuição de valor simbólico aos produtos. A mercadoria depois de acabado seu processo de produção adquiria um valor de venda irreal se comparado ao seu valor real de venda. Era como se a mercadoria perdesse sua relação com o trabalho, ou seja, deixando de ser um produto estritamente humano, e ganhasse vida própria, sendo verdadeiros objetos de adoração. A mercadoria deixa de ter a sua utilidade real enquanto produto e lhe é atribuído um valor simbólico, quase que divino. Onde o ser humano não compra um produto real, mas uma transcendência, uma aura que determinado objeto possui intrinsecamente ligado a ele simbolicamente. É, portanto, um envolvimento da pessoa com a mercadoria, vinculado a um desejo e satisfação a algo concreto. De forma sucinta, a mercadoria, quando finalizada e pronta para o consumo, não mantém mais o seu valor real de venda, ou seja, o valor determinado pela quantidade de trabalho humano materializado no produto. Segundo Marx (1989) essa nova relação entre pessoas e mercadorias seria o que ele denominou de fetichismo da mercadoria. Uma relação social entre pessoas mediada por coisas, porém intrínseco à [ 81 ]
produção das mercadorias que passar a ter um valor irreal, como se não fossem fruto do trabalho humano e nem pudessem ser mensuradas. O resultado é a aparência de uma relação direta entre as coisas e não entre as pessoas. As pessoas agiriam como coisas e as coisas, como pessoas. Seria, portanto, um fenômeno social e psicológico onde as mercadorias aparentam ter uma vontade independente de seus produtores. [...] A mercadoria ainda é matéria que o produtor domina e transforma em objeto útil. Uma vez posta à venda no processo de circulação, a situação se inverte: o objeto domina o produtor. O criador perde o controle sobre sua criação e o destino dele passa a depender do movimento das coisas, que assumem poderes enigmáticos. Enquanto as coisas são animizadas e personificadas, o produtor se coisifica. Os homens vivem, então, num mundo de mercadorias, um mundo de fetiches. Mas o fetichismo da mercadoria se prolonga e amplifica no fetichismo do capital (MARX, 1989, p. 34)
A teoria marxiana conduz à desmistificação do fetichismo da mercadoria e do capital ainda durante seu processo de produção. As mercadorias deixam de ser produtos e se personificam. Nesse sentido, as estratégias utilizadas pelas marcas fortalecem essa aura enigmática criando uma relação social entre coisas e pessoas ou mercadorias e indivíduos. Benjamin (1994, p.127) ressalta que o termo aura, referindose às obras de artes, simboliza uma "[...] trama peculiar de espaço e tempo: aparência única de uma distância [...]”. O termo remete ainda a excepcionalidade quando se fala em aura, conferindo-lhe adjetivos enfáticos, como: fabuloso, extraordinário, esplêndido, magnífico, entre outros. Agindo estes em favor da construção da aura de um produto ou mercadoria, ou no caso das marcas, principalmente as de luxo, uma construção estratégica de sua própria identidade.
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Benjamin (1994) ainda se refere aos objetos que possuem aura e que eles desenvolvem a competência de devolver o olhar do indivíduo, ou seja, é a temporalidade e a vivência, assim como os significados atribuídos a mercadoria/objeto/marca que fazem com que o indivíduo a veja diferentemente dos demais, ultrapassando seu valor comercial ou de uso, confrontando realidade, modernidade e os sonhos de consumo de caráter mais imediatista do capitalismo. A mercadoria ou o objeto em si carregaria essa aura simbólica, concedendo-lhe algo especial além de sua utilidade ou valor de uso. Concomitantemente, também há o fascínio embutido nesta aura que o fetichismo da mercadoria comporta, amplificando o fetichismo do próprio capital. Contudo, não são todos os objetos que adquirem esse fetichismo e aura enigmática, citados por Marx (1989) e Benjamin (1994). Faz-se necessário ainda salientar que há também a perda dessa aura das obras de arte quando surge a reprodução técnica decorrente da estandardização, proporcionada pelas reproduções em série. Desta forma, ao reproduzir uma obra de arte ou mercadoria que tenha uma aura (nesse caso, em especial as marcas) instituída, se tem, não o mesmo objeto, mas uma representação simbólica repleta de elementos do original. Por esse ângulo, se instaura um "[...] processo de legitimação dos bens simbólicos, assim como se estabelece um sistema de filtragem que determina aqueles que devem ou não ascender na hierarquia cultural" (BOURDIEU, 1983, p. 23). Isso implica, no raciocínio do autor, em uma oposição entre arte burguesa e arte intelectual no domínio artístico. O que leva a uma polarização não só no campo da arte, mas no das marcas também. Destarte, o simbolismo criado em torno de um determinado objeto, ultrapassa o status de mercadoria e a coloca em outro patamar permeado por crenças.
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Marcas, simbolismos e conexões: transcendendo os produtos As marcas remontam o início do século XVI, quando as destilarias gravavam, à fogo, o nome do produtor nos barris de madeira. O mesmo intuito também houve quando se "marcava" o gado. Sendo assim, a ideia de marca deriva de identificação do fabricante. Com o passar do tempo, as marcas evoluíram em seu conceito, demonstrando que o mesmo depende da temporalidade e do contexto histórico no qual estão inseridas. Assim, se antes a preocupação era em identificar um produtor, na contemporaneidade o conceito de marca se torna mais complexo, abarcando outros elementos para se diferenciar da concorrência. Sem as marcas, os produtos se tornam similares uns com os outros, sem agregar valores simbólicos e vantagem competitiva (AAKER, 1996; TAVARES, 2003). Segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI (2015), "[...] marca é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços de outros análogos [...], bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas". À vista disso, é a marca que atribui o caráter de diferenciação aos produtos e também os assegura quanto ao seu uso. Todavia, na contemporaneidade o INPI (2015) passou a "[...] considerar não só os elementos constitutivos das marcas, mas também, o conjunto das impressões delas decorrentes, que atue individualizando, distinguindo ou certificando produtos e serviços". Destarte, além de toda a a parte visual e simbólica das marcas, são considerados também outros elementos que atuam como vantagem competitiva, como por exemplo, o caráter ambiental, o registro oficial da marca, dentre outros fatores distintivos e competitivos. Para ser considerada forte, uma marca precisa agregar valor para que gere confiança em quem a consome, sendo assim, é mais do que um
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desenho bem elaborado. "As marcas são resultados de processos econômicos e da gestão empresarial, pensados e articulados por pessoas que estão nesses lugares de decisão e que escolhem suas estratégias visando seus próprios interesses" (ALMEIDA, 2015). Consequentemente, são esses gestores que determinam quais os valores que serão agregados a uma marca, assim como, as estratégias que serão utilizadas para comunicá-la perante seu públicoalvo. Ressaltando que a marca não é o sujeito em si, mas o são seus articuladores. Marca é um nome diferenciado e/ou símbolo (tal como um logotipo, marca registrada, ou desenho de embalagem) destinado a identificar os bens e serviços daqueles dos concorrentes. Assim, uma marca sinaliza ao consumidor a origem do produto e protege, tanto o consumidor quanto o fabricante, dos concorrentes que oferecem produtos que pareçam idênticos. (AAKER, 1998, p. 7).
Percebe-se assim a importância para uma marca ter não só ter um nome e símbolo diferenciados da concorrência, mas argumentos que agreguem valor subjetivo e se tornem vantagem competitiva no mercado de atuação. “As marcas são a principal defesa contra a competição de preços” (KOTLER, 2004, p. 65) e, portanto, são as marcas e não os produtos em si, que determinam seu valor econômico. Todo o arsenal de valores simbólicos utilizados pelas marcas tem o intuito de capturar a preferência de consumo das pessoas (ALMEIDA, 2015). Seria este conjunto de atributos repletos de simbolismos que quando bem articulados entre si, tendo um discurso cunhado com argumentos significativos e relevantes que definem o valor econômico de um produto, seja ele da categoria que for. Para Pinho (1996, p. 43) “a marca é a síntese dos elementos físicos, racionais, emocionais e estéticos nela presentes e desenvolvidos através dos tempos”. Toda essa articulação de
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elementos confirma a complexidade do fenômeno das marcas na sociedade. Em vista disso, as marcas conseguem conceber uma aura em torno do produto, elaborando o fetichismo da mercadoria que engloba uma valoração de argumentos e atributos que transcendem a mercadoria em si, como as marcas de luxo. Essa valoração criada para um público-alvo específico (classe A) acaba ultrapassando a fronteira das classes sociais e atingindo outras, como as populares, que fazem uma projeção de ao utilizar este produto estaria também em uma classe mais elevado do que a sua. De acordo com os dados da Data Popular2 (2011), a nova classe média ou classe C (antes constituída da população excluída do mapa de consumo) representa 54% da população brasileira e sente um impulso grande pelo consumo desde os produtos mais simples até os de luxo. Algumas marcas de luxo estão repensando seus produtos de modo a inserir esse novo consumidor em suas vendas, criando novas categorias de produtos que atendam aos desejos deste público. Já outras marcas de luxo querem continuar atendendo apenas o público da classe A. Independente da estratégia utilizada pelas marcas de luxo, o acesso ao luxo, antes restrito somente à elite, já faz parte das classes populares brasileiras. Alguns exemplos desses luxos são: viagens internacionais, perfumes e cosméticos, bebidas importadas, dentre outros. Essa aspiração das classes populares em relação aos produtos de consumo da classe A (marcas de luxo) traz a discussão do fascínio e aura das marcas de luxo permeadas por simbolismos e crenças no contexto das classes populares. Nesse sentido, se questiona o que é o luxo? Segundo Cobra (2012), o luxo é "um bloco indissociável de qualidades que envolvem perfeição, beleza, originalidade e, acima de tudo, desejo." O autor divide o luxo em duas categorias: 1) luxo popular que é caracterizado por produtos em série (originais ou cópias) e que [ 86 ]
permitem um acesso facilitado de aquisição. Seria o que Cobra (2012) chama de "produtos democratizados, simplificados, com signos de reconhecimento mais fáceis de identificar, como os acessórios." E que para Benjamim (1994) seria a perda da aura das mercadorias por meio da padronização dos objetos. E uma segunda categoria a qual Cobra (2012) chama de o luxo para a classe alta, que escolhe produtos tradicionais mais seletivos, raros e caros, tornando mais difícil ou até mesmo inacessível sua aquisição fora dessa classe. Nesse sentido, tudo serve para criar essa distinção entre classes: marcas, simbolismos e conexões, contribuem para transcender os produtos, criando uma fetichismo com uma aura que agrega valores simbólicos e os refletem nos valores econômicos das mercadorias. Cobra (2012) salienta que as classes sociais são espelhos uma das outras. "Quando a classe C ascender para a classe B, vai provocar alterações". O mesmo irá ocorrer na ascensão da classe B para a A e também na ascensão da D para a C. Outro ponto destacado por Cobra (2012) é o de que "quem está no topo da pirâmide social consome artigos caros para se distinguir dos demais, pois a distinção é decorrente da conquista do capital econômico e social. Quando o produto invade outras classes sociais, elas partem para outro artigo ou marca." A busca é sempre pela distinção de possuir algo que simbolicamente coloque o indivíduo em uma posição mais elevada. No caso da nova classe média, conforme mencionado por Cobra (2012), O consumidor age como um espelho da classe alta. Na impossibilidade de compra de um artigo original, o consumidor da nova classe média aceita outro, mesmo cópia reconhecidamente pirata, desde que guarde muita semelhança com o original. Mas, na medida em que o consumidor evolui economicamente, ele passa a exigir produtos originais, para representar com isso a sua ascensão social. A ostentação de
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consumo é uma forma de legitimar-se no topo da pirâmide social.
Esta é uma das formas a qual um produto dirigido para a classe A atinge a classe C, ou seja, como espelho de ascensão social, através do desejo de pertencer a uma classe mais elevada do que a sua. Outra forma é a própria plataforma de comunicação das marcas que além de atingirem o público A, ultrapassa e atinge as demais classes. Para Bourdieu (1983, p. p. 13), "a comunicação se dá enquanto interação socialmente estruturada. O autor quer dizer que os agentes da fala ocupam posições distintas entre emissor e receptor. [...] os agentes da "fala" entram em comunicação num campo onde as posições sociais já se encontram objetivamente estruturadas. O ouvinte não é o "tu" que escuta o "outro" como elemento complementar da interação, mas se defronta com o "outro" numa relação de poder que reproduz a distribuição desigual de poderes agenciados ao nível da sociedade global (BOURDIEU, 1983, p 13).
Quando Bourdieu (1983) fala em campo, ele quer remeter ao espaço onde se apresentam as relações de poder, através de uma estrutura de um capital social que determina a posição social desses agentes envolvidos. A estrutura do campo se dá ainda em dois polos opostos: dominantes e dominados. O primeiro seriam aqueles que possuem um máximo de capital social, já o segundo grupo se define pela ausência ou escassez do capital social. A noção de habitus, também de Bourdieu (1983, p. 17), refere-se a um grupo ou a uma classe, mas também ao elemento individual. Isto posto, se percebe que quando se trata de simbolismos e conexões criadas pelas marcas há uma gama imensa de possibilidades que podem ser elaboradas estrategicamente. Uma delas é o plano de comunicação proposto pelas marcas, através do branding, que cria [ 88 ]
conexões únicas entre marcas e consumidores. Assim sendo estas necessárias para implementar e acompanhar a gestão da marca no mundo contemporâneo dos negócios. Para que se conceba elementos e atributos que transcendam o produto, evidenciando uma aura própria, as conexões e experiências positivas são primordiais para construir e consolidar marcas. É relevante utilizar as ferramentas que podem gerar valor às marcas, assim como, que possam ser aplicadas nos empreendimentos e nas relações interpessoais. Desta forma, a conexão estabelecida se torna mais forte e duradoura.
O consumo simbólico das marcas de luxo As marcas têm sua origem desde a Antiguidade, quando comerciantes usavam sinais para que a população identificasse mais facilmente o tipo de produto oferecido em um estabelecimento comercial. Já na Idade Média, as marcas evoluíram e em vez de sinalizar ofertas, identificavam quem havia produzido uma determinada mercadoria. A American Marketing Association (AMA, 2014) diz que a marca se destina a "[...] identificar os produtos ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores para diferenciá-los dos de outros concorrentes". A essencial ou básica função da marca, portanto, é dizer a origem do produto. Em um primeiro momento, se observa que a marca tem a função de identificação da procedência de um produto ou serviço. Considerando que um consumidor satisfeito busca adquirir novamente esta oferta, tendo mais confiança em quem lhe vendeu a mercadoria. Essa é a base da fidelidade de um consumidor em relação a uma marca.
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Não é surpresa que o mundo está repleto de apelos ao consumo através de anúncios publicitários e propagandas. E todos competem pela atenção do consumidor. Em média, uma pessoa está sujeita a, aproximadamente 3.500 estímulos diários de diversos produtos. Se uma marca conseguir ser identificada rapidamente terá vantagens em relação às demais, dada a alta competitividade de seus mercados (PINHO, 1996). Quanto mais elitizado um mercado, maior seu grau de competição. Assim, cada vez mais, a comunicação publicitária vem ganhando espaço. Com o aumento da produção e a diversidade de produtos disponíveis no mercado, ela passa a integrar o contexto do mundo empresarial e social. A mídia encurtou distâncias, atingiu consumidores, culturas, classes, perfis; informando e persuadindo. Conquistou espaços simbólicos importantes pela sua construção de mensagens de forte apelo emocional. Esse tipo de comunicação atua como mediadora entre as duas pontas do processo econômico: produção e consumo (MUNIZ, 2005, p. 20). Segundo Muniz (2005, p. 21), a comunicação publicitária se utiliza muito de discursos que veiculam uma mensagem de dupla sentido: informativa e imposição de valores (voltada ao consumo). Neste ponto, faz-se necessário a distinção entre os termos publicidade e propaganda. O primeiro tem relação com as mensagens comerciais e o segundo, de caráter mais amplo, com a veiculação de valores ideológicos (política, religião, instituições e também ao comércio). Diferenciam-se essas relações para efetivar o delineamento dos campos de ação e das estratégias adotadas em uma campanha publicitária. De acordo com Malanga (1979), a publicidade é definida como "arte de despertar no público o desejo de compra, levando-o à ação", ou seja, se a publicidade não levar à ação prevista, seu principal objetivo, não terá sido atingido.
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O valor simbólico do ato de consumir um produto insere o indivíduo em classes sociais diferentes. Dessa forma, o consumo ocorreria em três momentos: 1) no consumo do produto, 2) na sua utilidade (valor de uso) e, 3) no seu valor simbólico (BARTHES, 1985; BAUDRILHARD, 1995). Essa inserção enquanto diferencial de status através do consumo simbólico de mercadorias ocorre independente de seu valor de uso. Esse desejo de ascensão social é mediado pela comunicação publicitária que trabalha com o mundo e as classes sociais. Importante ressaltar que a sociedade não consome apenas o produto e sua utilidade, mas também seu valor de uso. E é sobre este que, segundo Muniz (2005, p. 21) a publicidade se dedica, considerando seus benefícios e atributos que o produto pode trazer (publicidade), assim como promove, ao mesmo tempo, "[...] uma categorização de consumo enquanto diferencial de status, criando segmentações de mercado (propaganda)”. Diferenciar-se através de mercadorias mostra a realidade da face da sociedade de consumo, tornando as pessoas idênticas na perspectiva de um grupo ou convívio social. Nesse contexto, surgem as marcas como bandeiras desse poder subjetivo dos produtos e das empresas. A criatividade, através da comunicação publicitária é que irá construir marcas diferenciadas e fortes que irão satisfazer os desejos dos consumidores, considerando sua classe social e poder aquisitivo e segmentando as pessoas em grupos de mercadorias com valores simbólicos diferentes. Nesse estudo, considerando as marcas de luxo com alto simbolismo agregado a uma marca que é cultuada por seus consumidores e também aos não-consumidores que acabam, por meio das ações estratégicas utilizadas, reconhecendo seu poder, embora não possam adquirir a marca devido ao seu alto valor financeiro. As marcas trabalham com associações percebidas pelos consumidores. Esse conjunto de associações é, denominado por Pinho [ 91 ]
(1996, p. 43), de imagem de marca. E atua em duas dimensões. A primeira trabalha com o caráter simbólico, emocional e intangível da marca. Já o segundo tem relação com o seu lado racional, funcional e tangível. Ainda na visão de Pinho (1996, p. 43) essas associações são tão fortes que “uma marca passa a significar não apenas um produto ou serviço, mas incorpora um conjunto de valores e atributos tangíveis e intangíveis." Enquanto Pinho (1996) fala em associações, Aaker (2007, p. 73) aborda a marca a partir de sua identidade, ou seja, considerando um "conjunto exclusivo de associações com a marca que o estrategista de marcas ambiciona criar ou manter." Na identidade, como define Aaker (2007), está a visão da marca, ou seja, aquilo que ela quer ser. A história mostra que o conceito “luxo” se altera conforme o tempo e a sociedade que o define. D'Angelo (2006) cita, como exemplo, o açúcar que no século XVI era considerado um produto de luxo e que atualmente é um produto produzido e vendido em larga escala. Visto dessa forma, percebemos que o conceito de luxo traz o uso da mercadoria como ponto-chave. No olhar de Castaréde (2005) “[...] o que conta é o uso que se faz dos objetos e não os objetos em si”. Os produtos não são eternamente pertencentes a categoria luxo e com isso se pode dizer que nenhum produto é intrinsecamente luxuoso. O luxo, conforme afirma D'Angelo (2006, p. 31), “[...] é uma invenção humana que reveste de significados alguns objetos e atividades”. Várias são as características para as mercadorias de luxo (este estudo não pretende se ater a cada uma delas em profundidade), contudo cinco se destacam na literatura: distinção social, preço elevado, raridade, história e apelo emocional. A primeira faz referencia direta a classe social onde as classes dominantes se diferenciam das outras utilizando produtos que não estão ao alcance de todos. É uma forma de demonstração de um poder [ 92 ]
simbólico. A segunda característica tem relação direta com o processo pelo qual a mercadoria é produzida e os materiais nela utilizados. Aqui também se percebe o caráter de pertencente a uma classe dominante, pois se um produto é caro ele não está acessível a todos. E se não está acessível ele é raro (que é quarta característica mencionada). E seguindo a lógica da oferta e da procura, se ele não está disponível facilmente tem seu preço elevado. A história de uma marca diz respeito também à sua valorização e tradição. Aqui a relação não é necessariamente com o passado, mas também com a aura que envolve o produto a partir de sua própria história. E finalmente, a última característica que é o apelo emocional, ou seja, ao sentimento que uma mercadoria proporciona nas pessoas que o possuem. No caso do produto de luxo, este proporcionaria prazer, desejo de uma pessoa possuir algo que outra não o possa adquirir. O prazer, contudo, não está no produto em si, mas no imaginário dos indivíduos (D‟ANGELO, 2006). E é neste sentido, que as marcas, principalmente as de luxo, atuam no mercado. A marca Louis Vuitton: status, poder e consumo A marca Louis Vuitton produz e comercializa bolsas e malas de viagem, assim como produz e vende vestuário, sapatos, relógios, joias, acessórios, óculos de sol e livros. O fundador da marca, Louis Vuitton, criou sua oficina em 1854, em Paris, onde produzia artesanalmente malas e bolsas. Em 1885 foi aberta a segunda loja em Londres, sucedida por lojas em Nova York, Bombai, Washington, Londres, Alexandria e Buenos Aires. Seu trabalho foi reconhecido na Europa quando reinventou o formato das malas de viagem e criou um padrão de desenho diferente comparado ao que havia na época. Entretanto, seus produtos [ 93 ]
começaram a ser imitados na Europa e para impedir falsificações Vuitton foram utilizados diferentes desenhos em seus produtos que identificassem sua autoria. Somente em 1896, criou a marca com suas iniciais "L" e "V". Juntamente com o monograma criado, haviam símbolos de flores por todo material produzido. Até os dias de hoje os produtos Louis Vuitton seguem o mesmo padrão, criando a identidade visual da marca (LOUIS VUITTON, 2014). Atualmente, são 432 lojas em 63 países3. No Brasil, existem seis lojas - quatro em São Paulo, uma no Rio de Janeiro e outra em Brasília. Sua missão é fazer da viagem uma experiência pessoal e única. Desde o início, a marca trabalha com argumentos como originalidade, espírito “avant-garde”, qualidade, “saber fazer” e paixão. Dessa forma, percebese que os produtos são vendidos exclusivamente nestes locais, determinando uma distribuição focada e seletiva. Essa concentração de produtos em poucas lojas faz com que o produto se torne raro, difícil de ser encontrado; atingindo um dos critérios que determinam, segundo D’Angelo (2006), se uma marca é ou não de luxo. Agregada a ela, podese dizer que o preço elevado também se encontra nessa estratégica de concentração de produtos em poucas lojas. O que faz com que o produto se torne mais caro e mais raro, reforçando, assim os aspectos de qualidade, raridade e preço elevado. O intuito da marca leva ao conceito de "especialização na arte da viagem", pois seu foco maior está nos produtos de bolsas e malas com qualidade. As outras três características de produtos de luxo citada por D'Angelo (2006) podem ser evidenciadas na qualidade do material e na padronagem do monograma da marca. É um processo artesanal, diferenciando o produto dos demais em seu segmento. O fato de ser uma arte "feita a mão" lhe confere uma distinção grande enquanto forma de produção. E obviamente lhe garante também uma distinção
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social, reforçando inclusive sua história que começou dessa forma artesã. O apelo emocional da marca se dá em duas ocasiões: a) na criação e desenvolvimento de atividades culturais e/ou esportivas, em ações de relações públicas, que visam valorizar as qualidades de elegância da marca e, b) na publicidade ao veicular anúncios impressos, com poucas inserções (reforçando também os argumentos citados anteriormente) em revistas elitizadas. Sendo a temática dos anúncios sempre institucional, valorizando, assim o produto e o próprio conceito da marca, cultivando uma notoriedade global à marca e seus valores mais do que ao produto. Marx (1989) lembra que o fetichismo da mercadoria é uma forma de relação social entre pessoas mediada por coisas. Onde uma pessoa compra mais do que um objeto apenas. Ele compra uma aura, algo que transcende a mercadoria, corroborando com o pensamento de Benjamim (1994). Nesse caso, a marca Louis Vuitton acaba fazendo exatamente isso. O produto em si é uma bolsa de viagem de alta qualidade enquanto mercadoria. Contudo, as pessoas compram mais do que o produto, compram o status que a marca pode lhes dar, confirmando também as teorias de Bourdieu (1983) e as de Cobra (2012). Pinho (1996) e Aaker (2007) falam da importância de se trabalhar com o lado simbólico da marca através de suas características intangíveis (neste estudo, a marca trabalha com status, elegância, glamour, luxo...) e das tangíveis (qualidade, conforto, etc). Muniz (2005) diz ainda que o valor simbólico do ato de consumir insere o indivíduo em classes sociais distintas. Ao consumir uma (marca) Louis Vuitton as pessoas tem a percepção de estarem em uma classe social mais elevado do que a sua. É como se o produto adquirido tivesse poderes mágicos de transportar a pessoa de uma classe social a outro apenas pelo seu consumo. [ 95 ]
De uma forma geral, o discurso publicitário utilizado pela marca apresenta um mesmo padrão visual, fixando, assim sua identidade. Com uma linguagem limpa visualmente sem muitos elementos, os anúncios passam a ideia de elite, glamour e sofisticação. Em sua maioria são compostos por fundo branco, com uma imagem apenas que ocupa maior parte do espaço publicitário. Utilizam uma única fonte, ficando a assinatura em sua forma descritiva (ou seja, apenas escrita sem o símbolo visual). Aaker (2007) diz é uma boa estratégia criar uma identidade para a marca a partir de um conjunto de associações estratégicas. Neste sentido, a Louis Vuitton utiliza todo seu simbolismo em seus anúncios de forma a se diferenciar da concorrência, fazendo com que sua marca e seus produtos sejam reconhecidos globalmente e também desejados pelas demais classes sociais. A aplicação da pesquisa descrita neste estudo parte de um roteiro semiestruturado, aplicado a vinte mulheres de diferentes classes sociais, no município de Santa Cruz do Sul-RS, Brasil. Das vinte entrevistadas, oito usam os produtos da marca Louis Vuitton, mesmo considerando a marca com um preço mais elevado do que suas condições econômicas. As demais entrevistadas utilizam outras marcas de produtos de luxo e outras ainda não souberam dizer o que seria um produto de luxo. Assim sendo, se confirma que os produtos que se classificam como luxuosos, buscam conquistar uma minoria da população, gerando o fetiche de exclusividade. Destas que usam a citada marca de luxo, sinalizaram que o principal motivo pelo qual as mesmas optaram por comprar essa marca especifica foi o fascínio ou a sensação de poder que essa marca exerce. Para elas ter esse objeto de desejo dá uma sensação de poder de status, colocando-as, simbolicamente, acima de sua atual classe social. Certifica-se, assim, a noção de campo e habitus, aos quais Bourdieu faz menção em seus estudos. [ 96 ]
Também foi questionado às entrevistadas como elas se sentiam ao usar essa marca de luxo. A respondente nº 1 disse que se sentia com maior nível de status. Já a de nº 3, relatou que, às vezes, sentia vergonha por usar uma marca tão cara e por deixar uma marca ter influência na sua decisão de compra. Também ela se justificou afirmando que, muitas vezes, comprava muito mais por esse poder exercido pela marca nela do que pela utilidade do produto em si. A respondente nº 4 disse que se sentia maravilhada ao usar essa marca, que desde criança sempre sonhou em um dia poder estar usando uma carteira ou uma bolsa da Louis Vuitton. A respondente nº 5 disse que frente as suas amigas, ela era considerada como uma figura de destaque dentro do círculo de amizade em função do uso da marca. Questionada sobre como se sentia com esse fascínio frente as amigas, voltou a reafirmar que se sente maravilhada, que gosta desse efeito (sensação, aura) que a utilização da marca lhe causa. Já a respondente nº 6 disse que para ela a utilização dessa marca passa uma sensação de segurança, sabe que está utilizando um produto de qualidade e que vai atender as suas necessidades. Para a respondente nº 7 e a respondente nº 8 disseram que se sentem "normais" ao utilizar essa marca e que não enxergaram transformações pela sua utilização. Outra questão abordada foi sobre o que elas pensavam sobre as propagandas/publicidade feitas pelas marcas de luxo. Duas delas disseram que são fúteis. As demais, ou seja, as seis restantes apontaram que as propagandas são bem produzidas e que são fantásticas, atrativas e incentivam o consumo e ainda induzem ao status e ao fascínio que a marca traz. Chama a atenção que em relação a influência das propagandas sobre as compras, para 50% das entrevistadas, as propagandas não são tão relevantes. E afirmaram que quando querem um produto elas o buscam, indiferente das propagandas vinculadas a uma marca, mas ressaltaram que são influenciadas pelas amigas que possuem o produto desejado no seu grupo social. [ 97 ]
O estudo leva aos resultados de que as conexões criadas pelas marcas, neste caso a marca Louis Vuitton, estabelece relações que se personificam. Concomitantemente, cria uma distinção social na mesma classe, ultrapassando-a, ou seja, chegando sua mensagem a outras classes sociais que também criam um desejo pela marca. As experiências firmadas na promessa de valor da Louis Vuitton transcende a ideia de produto de boa qualidade e cria uma aura, fomentando também o desejo nas classes populares. Em vista disso, se percebe que a população, de um modo geral, consegue comprar produtos (mesmo que parcelados) que antes eram ou estavam disponíveis somente para uma parcela menor da população com maior poder aquisitivo embora, ainda haja produtos que são acessíveis somente para um pequeno público devido ao alto valor econômico dos produtos. Em se tratando de classes populares no contexto do mercado de luxo se observa que a partir da estabilização da economia, algumas classes sociais conseguem se programar financeiramente para adquirir produtos que consideram luxuosos. Nesse sentido, principalmente, para a população com menor poder aquisitivo do que a classe A oportunizou a compra de produtos que antes eram exclusivos apenas para classes sociais elitizadas. Entretanto, se observou também que considerar um produto como sendo da categoria luxo é relativo conforme cada classe e historicidade do próprio produto. A abordagem deste estudo se centrou na questão do encantamento do fetichismo da mercadoria e de sua aura, que concede sensação de poder às pessoas que adquirem produtos de marcas de luxo. As mercadorias acabam criando relações entre os indivíduos, devido a própria distância entre as pessoas. Comprar produtos de luxo ou não luxo preenche a sensação de vazio que o ser humano tem dentro de si na contemporaneidade. Assim as pessoas de classes populares também fazem a apropriação das marcas no sentido de se colocar no mundo [ 98 ]
através de um produto, essa apropriação de identidade, por meio de um produto, objeto, deixando as mesmas próximas da classe A, como se esta fosse um espelho de projeção. Considerações finais O presente artigo teve como objetivo principal apresentar os conceitos de teorias das marcas, aura, de Walter Benjamin e fetichismo de mercadoria, de Karl Marx, a partir das marcas de luxo, estudando, portanto, a marca Louis Vuitton. A discussão abordou o que leva as classes populares a adquirirem e consumirem marcas de luxo e que fascínio é esse que as marcas de luxo criam nas classes populares, em especial a marca Louis Vuitton. Descreveram-se como as demais classes sociais consomem a marca LV e a forma que esta lhes confere status social. O universo das marcas é muito vasto e trabalha, ao mesmo tempo, com as características tangíveis e as intangíveis do produto. Entretanto, o culto às marcas, a forma como as pessoas se relacionam com as coisas criando uma relação mística, uma aura, um algo mais que transcende o produto; personificam ao extremo algumas marcas, nesse caso, as de luxo como a Louis Vuitton. Não se compra apenas uma bolsa de couro, enquanto produto de qualidade pela sua utilidade; comprase status, elegância, sofisticação e se paga muito mais do que um produto similar enquanto mercadoria de alta qualidade. É uma relação que ultrapassa o produto enquanto mercadoria produzida pela força de trabalho, personificando-o, é como se ele ganhasse vida própria, uma aura mística que o coloca em uma posição diferente de uma mercadoria. A mercadoria, como diz Muniz (2005) ganha um forte valor simbólico e faz com que a pessoa se sinta inserida em classe social mais alta que a sua através do consumo de uma marca, como foi o caso da [ 99 ]
classe C aqui exposto. Percebe-se, assim, a realidade da sociedade de consumo em que os indivíduos convivem entre si e também com as mercadorias que produzem e consomem. O consumo seria, portanto, uma forma simbólica de demonstrar poder, utilizando produtos que não estão ao alcance de todos. As marcas, embora ainda tenham a função de identificar, também ganharam uma aura mágica que as fazem serem cultuadas pelas pessoas, ultrapassando a sua essência mercadológica chegando ao ponto de elevar um indivíduo a uma categoria social acima da sua, simbolicamente. A mídia, conforme salientou Muniz (2005), teve uma contribuição muito forte, visto que encurtou distâncias, atingiu consumidores, culturas e classes sociais. E assim, ao mesmo tempo em que informa também tem um forte apelo emocional e persuasivo, conquistando importantes espaços simbólicos e posicionamentos. O discurso utilizado pelas marcas tem esse grau de persuasão muito intenso em seus materiais publicitários, despertando o desejo de compra e também promovendo uma categorização de consumo segmentando o mercado em termos de status e de fascínio. Marx (1989) já havia observado essa atribuição de valor simbólico dos produtos, chamando esse fenômeno de fetichismo da mercadoria e Benjamin (1994) chamando a atenção para o conceito de aura. O que se vê é que as marcas conseguem criar uma aura mágica em torno de seus produtos, algo que transcende o produto em si. É uma relação muito forte entre pessoas e coisas e não mais entre pessoas e pessoas. Esse panorama leva ao questionamento do quão forte é o apelo persuasivo ao consumo dessas mercadorias cultuadas. Não é surpresa dizer que se convive em uma sociedade de consumo, mas o que consumimos e para qual finalidade? Porque se consome de forma tão excessiva? Que poder é esse que as marcas e produtos exercem nas pessoas? Questões relevantes a serem discutidas com maior
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aprofundamento em estudos futuros que certamente auxiliarão em um consumo mais consciente. O que se percebeu foi que há um intenso grau de persuasão da marca em seus materiais divulgados pela mídia que acabam promovendo também uma categorização de consumo, segmentando o mercado de luxo, e indo além de suas fronteiras, proporcionando conexões da marca e a experiência da interação entre as distintas classes sociais. O estudo trouxe um maior entendimento quanto ao valor simbólicos dados às marcas de luxo que tem um poder que gera um fascínio tão grande que ultrapassa a fronteira de seu público-alvo, a elite, e atinges outras classes sociais, fazendo-as "se sentirem elitizadas" dentro de sua própria classe, lhe conferindo um status diferenciado nessa categoria.
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uma
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_____________________________ A fenomenologia e o discurso publicitário: a tênue linha da subjetividade 21 _____________________________ Giovana Goretti Feijó de Almeida
Publicado originalmente na Comunicologia – Revista de Comunicação da Universidade Católica de Brasília, V.8, N.2 - jul./dez., 2015.
21
Para citar este artigo: ALMEIDA, G. G. F. A fenomenologia e o discurso publicitário: a tênue linha da subjetividade. Comunicologia – Revista de Comunicação da Universidade Católica de Brasília, V.8, N.2 - jul./dez., 2015. DOI: http://dx. doi.org/10.24860/comunicologia.v8i2.5207 Disponível em: https://portalrevistas .ucb.br/index.php/RCEUCB/article/view/5207 [ 103 ]
E
ste trabalho tem como foco fundamental os aspectos de percepção pertinentes para a abordagem metodológica do estudo sobre a identidade territorial gaúcha como estratégia de branding das marcas regionais: caso da marca da cerveja Polar. Adotou-se o ponto de vista fenomenológico de Edmund Husserl, segundo o qual a fenomenologia é a doutrina universal em que se integra a ciência da essência do conhecimento. Neste sentido, o estudo estará centrado na análise da marca tendo como pano de fundo a fenomenologia de Husserl, que contribuirá no entendimento sobre significado do discurso desta marca regional, na compreensão dos fenômenos perceptivos da comunicação publicitária e sua real intencionalidade na produção desses significados. O ponto principal será compreender como o discurso de uma marca regional pode ser analisado e interpretado à luz da abordagem metodológica da fenomenologia husserliana.
Polar 22,
Para área da comunicação, os saberes sobre percepção são importantes, pois, de uma forma ou de outra, requerem dos consumidores suas capacidades de escolha deste ou daquele produto que irão consumir com base nos discursos publicitários das marcas. Portanto, compreende-se, o caráter da subjetividade no âmago da questão central da dissertação análise da pesquisa sobre a identidade territorial e as técnicas de branding aplicadas a um território. O território gaúcho possui uma identidade forte e marcante. Entender como as marcas regionais se apropriam dos conceitos de território e região e, como pautam seu discurso ao discurso hegemônico do Rio Grande do Sul, se torna relevante dentro do contexto do 22 Marca de cerveja pertencente ao portfólio da transnacional Ambev, uma das cinco maiores companhias cervejeiras do mundo, que é comercializado somente no Estado do Rio Grande do Sul.
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Desenvolvimento Regional. Sendo assim, pretende-se investigar como a identidade territorial gaúcha é utilizada nas ações de branding das marcas regionais. O presente estudo é de natureza qualitativa, de cunho exploratório, utilizando-se de pesquisa bibliográfica. Nesta investigação será analisada a campanha publicitária estadual da marca da cerveja Polar, desde que a mesma foi vendida à AmBev, em 1999, até o ano de 2014. Este período é necessário para que se possa averiguar a forma que a marca tem sido gerida nos últimos 15 anos. Tal estudo abre um leque de enorme complexidade, cujo qual usará de inúmeros questionamentos que se farão necessários para que o ponto principal possa ser desvendado. Duas dessas questões dizem respeito a como é a construção dessa identidade (tanto territorial quanto das marcas) enquanto produto cultural e que discurso é esse que as marcas regionais utilizam que as fazem identificar-se com um território, neste caso com o gaúcho. Essas serão algumas das questões norteadoras deste estudo que trabalharão com a subjetividade em sua análise.
A fenomenologia Segundo Bello (2006) apud Oliveira e Cunha (2010, p. 01), a fenomenologia vem das palavras gregas 'phainesthai' e 'logos'. A primeira significa aquilo que se apresenta ou que se mostra, não somente aquilo que se aparece ou parece o que se percebe. Já a segunda faz referência a explicação e estudo, que para os gregos tinham muitos significados, como palavra e pensamento. Sendo assim, surge, a partir do significado dessas palavras gregas (fenômeno e logia), a fenomenologia como uma reflexão sobre um fenômeno ou sobre aquilo que se mostra. Contudo, a etimologia da palavra fenômeno traz dois importantes significados: a) o ato de ocultar a realidade e, b) a revelação dessa mesma realidade.
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Ao voltar na história para acompanhar o surgimento do termo fenomenologia percebe-se que ele foi usado pela primeira vez na obra Novo órganon (1764), de autoria de Johann H. Lambert (1728-1777). O sentido dessa palavra, na época, era de teoria da ilusão sob suas diferentes formas. Emanuel Kant retoma o termo em 1770, indicando-o como uma disciplina que precederia a metafísica - phaenomenologia generalis, retomando-o em 1781 no esboço de seu livro Crítica da razão pura. Para Kant, o fenômeno é o que não pertence ao objeto em si mesmo, sendo este no sentido do conhecimento humano delimitado pela relação com o homem. Ele colocava todas as questões sob análise racional sem que houvesse confusão de sentidos, concordando que a experiência sensível era limitada. Também acreditava que as verdades universais poderiam ser encontradas antes de qualquer experiência (OLIVEIRA e CUNHA, 2010). Outro filósofo que utiliza o termo fenomenologia é Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), citado por Oliveira e Cunha (2010, p. 2). Seu contexto é o de fenomenologia do espírito, ou seja, "a ciência considerada como uma sucessão de diferentes formas ou fenômenos de consciência até chegar ao saber absoluto." É a partir de Hegel que a fenomenologia passa a definir-se enquanto método e filosofia. Mas somente no início do século XX é que ela se consolida como uma linha de pensamento com as ideias de Edmund Husserl. Filósofo, matemático e lógico, Husserl (1859-1938) foi influenciado por Franz Brentano, seu mestre, lutou contra o historicismo e o psicologismo. Ele concebeu um significado totalmente novo à fenomenologia, conceituando-a como a ciência dos fenômenos. Essa nova definição trouxe um reinício para a filosofia como investigação subjetiva e rigorosa dos estudos dos fenômenos como aparentam na mente para encontrar as verdades da razão. A fenomenologia representou uma reação à eliminação da metafísica, pretensão de grande [ 106 ]
parte dos filósofos e cientistas do século XIX. Husserl é considerado, portanto, o idealizador de uma filosofia descritiva da experiência subjetiva - a fenomenologia. O que Husserl ambicionava era que a filosofia tivesse as bases e condições de uma ciência rigorosa. E isso era contrário a todas as tendências de sua época. O começo desse filósofo partiu de uma má experiência quando se viu recusada, pela Universidade de Gotinga, sua proposta para a nomeação como professor ordinário de filosofia. Esse fracasso externo o leva a refletir sobre seu papel como filósofo. Um de seus questionamentos seria como dar rigor ao raciocínio filosófico em relação a coisas tão variáveis como as coisas do mundo real? Desses questionamentos surge sua obra a Ideia da fenomenologia que é uma introdução às obras Fragmentos da fenomenologia e da Crítica da razão. Traz também cinco lições que tentam dar conta do entendimento do momento da evolução espiritual de Husserl e do que representam em seu pensamento. Coltro (2000, p. 1) diz que "toda e qualquer construção científica é humana em sua natureza, uma vez que é resultante da atividade dos seres humanos que buscam o conhecer-se". Husserl focou seu pensamento no ponto de partida de que a fenomenologia é a relação entre sujeito e objeto (a partir de suas vivências) e que dessa relação se constituiria, então, o conhecimento. Propõe o estudo dos fenômenos com a volta às coisas mesmas no processo do conhecimento, recuperando a realidade do mundo e das coisas. A fenomenologia de Husserl Ao estudar essa conexão entre sujeito e objeto se torna relevante a relação entre a consciência e as coisas. Para Husserl (2000), consciência seria um modo de o sujeito visar e entender o mundo. O fenômeno se torna, então, uma forma de pensar momentânea de experiências vividas [ 107 ]
pelo indivíduo, onde a intencionalidade é uma espécie de estrutura e consciência de algo. Intencionalidade, vista aqui no olhar desse filósofo, como o modo que a consciência visa as coisas. Ter intenção significaria olhar as coisas, visando-as. Essa concepção ainda remete a interligação entre interior e exterior, no qual o conhecimento da exterioridade não traz a exigência de que o indivíduo tenha que desistir de sua interioridade. Assim como Husserl (2000), Coltro (2000, p. 1) também faz menção as "dificuldades metodológicas decorrentes da complexidade inerente aos seres humanos [...] e do processo de observação que pode ser de caráter externo e também introspectivo". Portanto, trabalha-se com dois níveis de compreensão que exigem maior atenção do pesquisador em relação ao seu objeto de estudo. Dessa linha de raciocínio surge a fenomenologia transcendental. Esta tem seu foco no interesse da consciência enquanto consciência em um duplo sentido: a) no sentido da aparência em que a objetividade aparece e, b) no sentido da objetividade do que aparece nas aparências e que está, transcendentalmente (ou seja, acima das ideias e do conhecimento, anterior a qualquer experiência), desconexo de todas as posições empíricas. Para Husserl (2000, p. 22-39) "a fenomenologia é a doutrina universal das essências, em que se integra a ciência da essência do conhecimento". O filósofo tenta esclarecer as dúvidas que surgem em seu conceito à luz de três graus da consideração fenomenológica. A saber: a) a questionabilidade; b) a epochê e, c) a percepção. A questionabilidade - primeiro grau abordado - põe em questão todo o conhecimento, suspendendo, provisoriamente, o sistema de verdades com suas premissas e hipóteses para então, pensar a ciência enquanto fenômenos. Neste grau, a própria interpretação do dado em si já constitui uma evidência. O segundo grau faz referência a redução do fenômeno ou epochê que seria a essência do conhecimento, o seu [ 108 ]
recorte social. Aqui seria o momento de perceber toda a intencionalidade por trás do fenômeno. E o terceiro, grau mencionado pelo autor, é o do fenômeno enquanto percepção. Neste a percepção atua no sentido de perceber o fenômeno e o que está em seu interior realmente, além de sua aparência. Considerando, é claro, toda a sua complexidade entre o que aparece e a essência do fenômeno. Tentando compreender como a realidade social ocorre para cada indivíduo que a vivencia. Nesse sentido ocorreria a epochê, ou seja, a redução fenomenológica. Seria, então, através desse recorte social (epochê) que a fenomenologia faria uma reflexão do fenômeno que se apresenta, na relação do que estabelecemos com os outros e com o próprio mundo. Portanto, a fenomenologia trabalharia com a ideia de uma verdade provisória útil até que um novo fato mostre outra realidade. É uma construção e reconstrução constante dos fenômenos. Compreender esses dados e sua obscuridade é encontrar a consciência da universalidade dentro do fenômeno da percepção. "Toda diferença está, pois, nas coisas, que são para si e tem por si mesma, suas diferenças", conforme salienta Husserl (2000, p. 32). Essa abordagem fenomenológica é uma forma subjetiva de ver a ciência, tentando compreender a realidade das pessoas que vivenciam os fenômenos e o que eles significam para elas. Oliveira e Cunha (2010, p. 3-4) dizem que "o fenômeno é, então, tudo o que se manifesta, se desvela, se mostra à consciência do sujeito que o questiona". Nesse sentido é que apareceria a intencionalidade da consciência, ou seja, "a consciência é sempre consciência de alguma coisa" e, por ser dessa forma, é sempre um objeto-para-um-sujeito. Aranha e Martins (1993) apud Oliveira e Cunha (2010, p. 4) afirmam que "a fenomenologia considera que não há consciência pura, totalmente isolada do mundo, mas toda consciência é
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consciência de alguma coisa existente no mundo". E, portanto, também intencional já que as próprias vivências são intencionais. Em geral, podemos dizer que "intenção é a tendência para algo que, no caso de Husserl [...] é a característica que apresenta a consciência de estar orientada para um objeto”. Isto é, não é possível nenhum tipo de conhecimento e entendimento que não se sente atraído por algo concretamente um objeto. Para Husserl, a intencionalidade é algo puramente descritivo, uma peculiaridade íntima de algumas vivências. Desta maneira a intencionalidade, característica da vivência, determinava que a vivência era consciência de algo (TRIVINOS, 2002, p. 45).
O que se percebe é que o método fenomenológico tem um caráter mais descritivo do que empírico ou dedutivo e também que há uma correlação muito forte entre sujeito e objeto onde um não pode vir a existir sem outro. O centro desse método "é o ser humano, especificamente na análise do significado e a relevância da experiência humana". É o homem, portanto, que imprimi sentidos ao mundo. E o faz por meio das intencionalidades, "orientando significações sobre tudo aquilo que vai experenciando sua existência." O ser humano une-se ao objeto que analisa e o interpreta quando estabelece significações (OLIVEIRA e CUNHA, 2010, p. 6).
A comunicação publicitária A comunicação assumiu um lugar central sociedade e por este motivo se diz que se vive em plena "sociedade da comunicação", no qual ela é um elemento essencial para a vida em comum (SERRA, 2007). Ela também foi o canal pelo qual os padrões de vida da cultura foram transmitidos. É através dela que se aprendeu a ser "membro da sociedade". De uma forma ampla, pode-se dizer que é a forma como as pessoas relacionam-se entre si, dividindo e compartilhando experiências [ 110 ]
do cotidiano, ideias, sentimentos, construindo e reconstruindo o significado da sociedade onde estão inseridas. No campo comunicacional: transmitir e compartilhar são dois aspectos relevantes, onde emissores e receptores constroem o saber e a transmitem em um processo cíclico. Portanto, é a representação de uma realidade e está contida no ambiente social do qual as pessoas fazem parte. "A comunicação é uma necessidade básica da pessoa humana, do homem social" (BORDENAVE, 1997, p. 17-19). Seja por meio oral, escrito ou visual (por meio de imagens) a história mostra que os homens encontraram um meio de associar um determinado som ou gesto a um objeto ou ação, comunicando-se, assim entre si. Dessa associação surgiram os signos e da relação entre os signos surgiu a gramática. Os signos são qualquer coisa que faz referência a outra coisa ou ideia, e a significação, que consiste no uso social dos signos. A atribuição de significados a determinados signos é precisamente a base da comunicação em geral e da linguagem em particular. Outra grande invenção humana foi a gramática, isto é, o conjunto de regras para relacionar os signos entre si. As regras de combinação são necessárias pela seguinte razão: se o homem possui um repertório de signos, teoricamente poderia combiná-los de infinitos modos. Se cada pessoa combinasse seus signos a seu modo, seria muito difícil comunicar-se com os outros. Graças à gramática, o significado já não depende só dos signos, mas também da estrutura de sua apresentação. [...] De posse de repertórios de signos e de regras para combiná-los, o homem criou a linguagem (BORDENAVE, 1997, P. 24-25).
O cenário traçado mostra a subjetividade dos signos e da linguagem por meio de códigos criados pelo homem para viverem em sociedade e compartilharem, assim, experiências vividas. Paralelo à essa evolução descrita pelo autor, desenvolveram-se também os meios de comunicação e, junto a eles, a publicidade. Visto desse prisma, pode-se
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considerar a comunicação publicitária como um fenômeno social que pode ser analisado e interpretado à luz da subjetividade que produz. Muniz (2005, p. 20-21) salienta que o desenvolvimento tecnológico fez com que a comunicação publicitária ganhasse mais espaço encurtando distâncias, atingindo as pessoas, culturas, informando a existência de produtos, persuadindo ao seu consumo e conquistando importantes espaços simbólicos pela construção de imagens de forte apelo emocional. Dessa forma, percebe-se que esse tipo de comunicação se utiliza de um discurso que veicula uma mensagem de duplo sentido: a) uma, de caráter informativo, tem por objetivo a divulgação do próprio produto; e, b) outra, da ordem da imposição de um sistema de valores, tem por objetivo o consumo. "A comunicação publicitária desempenha, então, o papel de mediadora entre um objeto do mundo e uma classe social". Assim ela acaba articulando sentidos produzidos na tentativa de influenciar a opinião e a conduta da sociedade com o objetivo de informar as características deste ou daquele produto e promover também o seu consumo. A publicidade cria discursos que produzem sentidos subjetivos na sociedade de consumo, onde os valores estão codificados. Muniz (2005, p. 22) diz que "o consumidor poderá ou não sentir-se atraído por esses discursos; porém, quanto mais estes se encontrarem engendrados em seu cotidiano e identificados com a sua cultura, tanto mais serão percebidos e reconhecidos." Percepção e reconhecimento estão no contexto da subjetividade, ou seja, é o que se passa no íntimo do indivíduo. É como ele vê, sente e pensa a respeito de um fenômeno social que nem sempre segue um padrão. Nesse sentido, a subjetividade do sujeito é influenciada por diversos fatores como: cultura, educação, religião e experiências adquiridas; variando, portanto, de acordo com cada pessoa ou grupos. Cada um pode interpretar de forma diferente uma mesma realidade, tendo uma opinião própria, inclusive diferente da maioria, sobre [ 112 ]
determinado fenômeno. Pode-se dizer que a subjetividade é formada por vivências, crenças e valores do indivíduo.
A abordagem fenomenológica no estudo dos discursos publicitários das marcas A abordagem fenomenológica consiste em colocar em suspensão o fenômeno para então analisá-lo e interpretá-lo. Martins et al (1990) citado por Oliveira e Cunha (2010, p. 7) , diz que essa suspensão "significa que o pesquisador deve deixar de olhar o fenômeno de forma comum, abandonando os preconceitos e conjecturas em relação aquilo que está interrogando. Agir dessa forma pressupõe assumir uma atitude neutra no sentido de manter a mente aberta para refletir sobre eles e também questioná-los. [...] Depois de colocar o fenômeno entre parênteses (ou suspendê-lo), o próximo passo consiste em descrevê-lo tão precisamente quanto possível, procurando abstrair-se de qualquer hipótese, pressuposto ou teorias. Busca-se exclusivamente aquilo que se mostra, analisando o fenômeno na sua estrutura e nas conexões intrínsecas (OLIVEIRA; CUNHA, 2010, p. 7).
Compreende-se, portanto, que analisar fenômenos subjetivos é observar as experiências vividas no cotidiano e tentar interpretar as verdades que estão por trás do que se mostra. Assumindo, o pesquisador, uma postura o mais neutra possível para poder dar conta do entendimento dos relatos e descrições dos sujeitos que vivenciaram o fenômeno em questão. Aqui não há hipóteses a serem verificadas, mas sim dúvidas, suposições ou questões norteadoras a serem respondidas, por intermédio dos relatos dos sujeitos de pesquisa.
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Na pesquisa fenomenológica, buscam-se os significados subjetivos que os sujeitos atribuem as suas experiências vividas. E são as descrições dos relatos, feitas por esses mesmos sujeitos através da linguagem, que revelam o verdadeiro teor desses significados. É um estudo que trabalha com a subjetividade dos fatos. Ao descrever os fenômenos tenta-se diferenciá-los de outros, apontando seus atributos, elencando suas especificidades. Não é, portanto, um procedimento mecânico. É muito mais um encontro social que firma uma relação efetiva, embasada na empatia, intuição e imaginação, entre o pesquisado e o pesquisador (OLIVEIRA; CUNHA, 2010, p. 9) Pode-se constatar, então, que na fenomenologia se alcançam graus de objetividade através da subjetividade. Trivinos (2002) diz que esse encontro social firmado pela relação entre pesquisador e pesquisado leva a pensar e conduzir a uma pesquisa subjetiva. Ao observar sob essa perspectiva vê-se um compartilhamento de experiências vividas em comum entre os sujeitos que também compartilham de entendimentos, interpretações, comunicações, estabelecendo-se, assim, a intersubjetividade. Coltro (2000, p. 2-3) tem um olhar semelhante ao de Trivinos (2002) ao considerar que [...] os seres humanos não são objetos e suas atividades não são simples reações. Em síntese, a relação básica, nesse caso, não é de sujeito-objeto, mas de sujeito-sujeito. [...] A validação da prova científica é buscada no processo lógico da interpretação e na capacidade de reflexão do pesquisador sobre o fenômeno objeto do seu estudo.
O foco central exposto pelos autores é o de encontrar o significado implícito da experiência humana. E este poderá ser analisada a partir da subjetividade da fenomenologia de Edmund Husserl, Refletindo sobre as coisas mesmas e o que se diz sobre elas. Nas palavras de Husserl, "estudando suas essências".
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A marca Polar Em 1912, estabelece-se em Estrela/RS a fábrica fundada por Júlio Diehl com filiais em Guaporé/RS e Porto Alegre/RS. A cervejaria, entre outras bebidas, produzia a Polar Chopp - que está prestes a completar um século. A empresa mudou de nome e dono ao longo das décadas – o nome Cervejaria Polar S/A foi adotado em 1969. Em 1972, a companhia foi comprada pela Antarctica. A fábrica original de Estrela já não está mais ativa, mas a marca segue firme, sob controle acionário da AmBev 23, desde 1999. Embora tendo sido comprada por um grande grupo econômico, a Polar manteve sua atuação única e restrita ao Estado do Rio Grande do Sul. A marca Polar foca suas ações na identidade do gaúcho, instigando-o a consumir um produto próprio da terra. Uma construção que evidencia a identidade regional gaúcha como hegemônica dentro do Estado. O foco da marca Polar parte do contexto do reconhecimento dela como produto da cultura gaúcha, utilizando de um mix de mídia amplo para se posicionar no mercado. Suas campanhas utilizam a mensagem de que "A melhor é daqui!", dentro de um sutil argumento de superioridade que parece ter a aprovação dos gaúchos. É como se todos no Estado consumissem a Polar e todos fossem gaúchos, desconsiderando as demais etnias que coabitam o mesmo espaço. Percebe-se assim um relevante grau de intenções no discurso desta marca regional, que tenta se posicionar como um produto cultural do próprio território e não apenas como uma marca de bebidas que objetiva o consumo de seu produto. Husserl (2000) diz que essa intencionalidade tem relação com o modo como a consciência dirige o olhar para as coisas. Ter intenção significaria, portanto, olhar as coisas, visando-as. É o momento de perceber o que há por trás da fala das AmBev é a Companhia de Bebidas das Américas. Uma empresa de capital aberto produtora de bens de consumo no Brasil que nasceu da fusão entre a Antarctica e a Brahma.
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marcas, questionando suas intenções e vendo além das aparências do seu discurso. As campanhas partem de histórias, segundo pesquisas da AmBev, no perfil dos consumidores da Polar, que acontecem dentro dos bares portoalegrenses; das expressões barbaridade ou tchê ou, até mesmo, ceva ou baita trovador, da provocação de superioridade do Estado gaúcho em relação aos demais, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, brincando, enfim, com o linguajar do jovem gaúcho. São campanhas geralmente, bem-humoradas que utilizam-se do humor para transmitirem as promessas de valor da marca. Essas pesquisas, que servem de base para o desenvolvimento das campanhas publicitária da marca Polar, norteiam-se pelas vivências dos próprios indivíduos consumidores do produto. Compreender a construção desses dados é, conforme dito por Husserl (2000), pôr em questionamento o conhecimento, suspendendo todas as premissas na tentativa de compreender o fenômeno estudado, fazendo um recorte social sobre como é a construção dessa identidade da marca, seu discurso e analisar o que está em seu interior, além do que aparenta. A metodologia deste artigo partiu do contexto histórico da marca Polar e do desenvolvimento da pesquisa sobre a identidade territorial gaúcha como estratégia de branding das marcas regionais: caso da marca da cerveja Polar. Pesquisa esta que tem intenção de estudar a subjetividade dos discursos das marcas regionais e seus significados na sociedade, objeto de estudo, o fenômeno, ou seja, as coisas como elas são e não o que é dito sobre elas. Compreender a intenção do discurso de uma marca regional de propriedade de uma transnacional que utiliza a identidade territorial como principal matéria-prima em seus materiais publicitários torna este estudo relevante. Nesse sentido, a fenomenologia que busca a interpretação do mundo, através da consciência do sujeito baseada nas próprias experiências, se apresenta como uma oportunidade [ 116 ]
metodológica interessante. Isso é o que Husserl (2000) denomina de método fenomenológico, que consiste em estudar o fenômeno, tal como o sujeito o percebe, sem interferências de outras observações, permitindo a abstração da realidade e o estudo do fenômeno em si da maneira que o observador o vê, contribuindo para este estudo. A natureza da publicidade é a de criar discursos subjetivos na sociedade de consumo. Muniz (2005) afirma que são eles que fazem com que os consumidores se sintam atraídos e onde os valores são traduzidos de forma intencional. Quanto mais esses discursos estiverem em suas vivências, em seus cotidianos e identificados em sua cultura mais eles serão percebidos e reconhecidos. Essa percepção e reconhecimento é um fenômeno que ocorre no interior de cada pessoa e diz respeito a como ela vê, sente e pensa ao que se apresenta a ela. Onde cada pessoa pode interpretar a realidade de formas diferentes de uma mesma realidade.
Considerações finais O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo abrangente sobre o uso da abordagem fenomenológica na identidade territorial gaúcha no branding das marcas regionais, a partir do estudo de caso da marca da cerveja Polar, entendendo seus conceitos e a forma como este tipo de abordagem metodológica poderá contribuir para o desenvolvimento da referida pesquisa, atingindo, assim, os objetivos propostos. O primeiro passo do trabalho foi resgatar aspectos importantes da história da fenomenologia para o entendimento da construção da abordagem metodológica sob o ponto de vista de Edmund Husserl. Pontos centrais como: subjetividade, intencionalidade, recorte social e outros. Assim, pode-se perceber a relevante contribuição desta [ 117 ]
abordagem no estudo das marcas regionais. Visto que a construção do discurso da marca Polar será o foco central da referida pesquisa. Compreender como esse discurso é utilizado fazendo com que a marca se torne um produto cultural, utilizando-se da identidade territorial é permear pela sutileza das falas, das imagens e, portanto, no campo da subjetividade. Para conseguir ver além das aparências será necessário fazer um recorte do fenômeno estudado, tentando compreendê-lo tal como ele se apresenta, sem premissas antecipadas. É uma oportunidade de analisar o que acarreta a uma região ter marcas regionais que utilizem sua identidade territorial como peça-chave em suas campanhas. Que discursos são transmitidos? Que (re)construção é essa feita que tenta transformar um produto de consumo em produto cultural? Questionamentos esses que levam ao estudo das marcas regionais e de seus territórios. A comunicação publicitária desempenha, relembrando Muniz (2005), um papel de mediação que articula sentidos, conquistando, importantes espaços simbólicos. Sabe-se que a comunicação tem um lugar central na sociedade. Serra (2007) diz que vive-se em plena 'sociedade da comunicação'. Oliveira e Cunha (2010) fazem referência a subjetividade que os sujeitos atribuem as suas experiências vividas. Não há como não considerá-la, portanto, como um elemento-chave para a vida das pessoas. Tudo é comunicação: falas, sons, imagens, vivências, cotidiano, o próprio silêncio. Enfim, tudo perpassa pelo ato de comunicar-se e torna-a uma necessidade básica do ser humano. Afinal, ele é um ser social. Neste campo comunicacional há de se considerar também dois aspectos relevantes levantados por Bordenave (1997): transmitir e compartilhar. É um processo cíclico de (re)construção de saberes. As pessoas convivem entre si, dividem seus cotidianos, suas experiências, seus sentimentos e, assim, constroem continuamente o significado da sociedade onde vivem. Reconhecem-se no compartilhamento de suas [ 118 ]
vivências. E, por esta razão, torna-se relevante refletir sobre os fenômenos. Parafraseando Husserl, "[...] refletir sobre as coisas mesmas e o que se diz sobre ela, estudando suas essências”.
Referências BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1997. CLICK RBS. Desenvolvido por Grupo RBS 2000-2013. Apresenta notícias em geral. Disponível em: http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho/2011/ 10/19/polar-e-daqui/. Acesso em: 05 jun. 2013. COLTRO, Alex. A fenomenologia: um enfoque metodológico para além da modernidade. Cadernos de Pesquisa em Administração, v.1, n. 11, p. 3745, jan/mar. 2000. HUSSERL, Edmund. A Idéia da Fenomenologia. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1990. MUNIZ, Eloá. Comunicação publicitária em tempos de globalização. Canoas: Ed. ULBRA, 2005. OLIVEIRA, Guilherme S.; CUNHA, Ana Maria. Breves considerações a respeito da fenomenologia e do método fenomenológico. In: www.fucamp.edu.br. 2010. SERRA, Paulo J. Manual de Teoria da Comunicação. Covilhã, 2007. TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2002.
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_____________________________ Guaraná Jesus: a identidade cultural como estratégia da marca 24 _____________________________ Giovana Goretti Feijó de Almeida
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Publicado originalmente na Revista Case Studies, 10/jan, 2018.
Para citar este artigo: ALMEIDA, G. G. F. Guaraná Jesus: a identidade cultural como estratégia da marca. Revista Case Studies, jan 10, 2018. Disponível em: http://casestudies.com.br/guaranajesus-a-identidade-cultural-como-estrategia-da-marca/
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A
marca de refrigerante Guaraná Jesus é uma bebida típica de coloração rosa e sabor adocicado, comercializada regionalmente no Maranhão, que surgiu em 1920. Seu criador, o farmacêutico Jesus Norberto Gomes, tinha o intuito de fabricar um remédio e, em vez disso, criou acidentalmente uma bebida que agradou seus netos. A bebida é de origem do município de São Luís e logo se popularizou localmente. Seu sabor lembra vagamente cravo e canela, sendo também seus componentes: extratos de guaraná, cafeína, teofilina e teobromina. Na década de 1960, a fábrica foi vendida para a Cervejaria Antarctica Paulista, todavia a marca permaneceu com a família Norberto Gomes. Três anos mais tarde, morreu o criador da fórmula do Guaraná Jesus; na década de 1980, a marca foi vendida para a Companhia Maranhense de Refrigerantes, que passou a engarrafar o Guaraná Jesus. Somente em 2001 é que a The Coca-Cola Company, após um longo período de negociações, conseguiu comprar os direitos sobre a marca Guaraná Jesus. A pressão pela permanência da marca no Estado foi muito grande e por este motivo a The Coca-Cola Company restringiu a comercialização e fabricação do Guaraná Jesus ao estado do Maranhão. Esta não foi a única fez que uma organização global utilizou essa estratégica, sendo esta uma prática recorrente no universo empresarial.
Estratégia: a cultura como matéria-prima Após a compra do Guaraná Jesus, a marca deixa de ser pertencente ao território e passa a pertencer a um portfólio de produtos de uma organização global, a The Coca-Cola Company. Assim sendo, foi necessária nova identidade visual em todas as embalagens, bem como associar a marca local Guaraná Jesus à marca global Coca-Cola, já que o [ 121 ]
povo maranhense fez uma grande pressão para que não se perdesse a marca local. A identidade do Guaraná Jesus foi não somente atualizada, mas reforça seu vínculo com seu território e culturas ali presentes. A Coca-Cola Brasil, detentora da marca Guaraná Jesus, lançou uma campanha publicitária para que os maranhenses escolhessem a nova identidade visual das embalagens do Guaraná Jesus. A identidade criada utiliza uma identidade que não é a do produto, mas uma exterior a ele, a identidade do território, no qual comercializa seus produtos. A escolha da nova marca adotou três opções de identidade visual, sendo que as escolhidas foram as que estavam em primeira posição na apresentação das propostas. A empresa usou como pano de fundo o contexto de que desenvolver produtos específicos para as regiões ou comprar marcas locais permite fazer as mais diversas articulações, inserindo-as em mercados regionais. O branding das marcas regionais, desenvolvido a partir de uma linguagem territorial que já é compartilhada pelos próprios consumidores, gera maior proximidade e confiança, refletindo nas vendas do produto. Essa estratégia se ancora nas relações culturais com os consumidores e com o próprio território. Quando uma marca é criada, é constituído um conjunto de representações simbólicas que tem o intuito de conectar marca (produto) e consumidor. No caso do Guaraná Jesus, que se posiciona como produto cultural de um território, esse vínculo é muito mais complexo e difícil de estabelecer, pois depende da história e de crenças institucionalizadas naquele espaço, no caso Maranhão, e a relação com o produto local. Nesse sentido, a The Coca-Cola Company comprou a marca regional para continuar sua comercialização, evidenciando muito mais sua ligação com o território do que com a marca endossante.
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Contexto A estratégia da The Coca-Cola Company foi baseada nas identidades de marcas que extrapolam as qualidades físicas do produto. Assim, a marca Guaraná Jesus ganhou outro status, o cultural. A identidade da marca foi atrelada à do território maranhense e não foi preciso criar uma identidade nova, pois a do território já estava ali, pronta, posta. O que se fez foi adaptar a identidade já estabelecida à marca e, a partir da adoção dessa estratégia, desenvolver materiais criativos que fortaleceram o vínculo da marca com o estado onde é comercializado. É importante frisar que a comercialização feita somente no Maranhão estabeleceu um vínculo maior, fazendo com que a marca seja reconhecida como produto cultural, e não mercadológico. Não foi uma estratégia fácil de ser empregada, pois se a marca não fosse convincente em seu discurso, toda a estratégica adotada resultaria em uma imagem negativa para a marca e para a empresa. Porém, quando bem adaptada, os resultados são muito positivos, elevando a marca a uma posição top of mind. Branding: ultrapassando a gestão da imagem dos produtos A origem da palavra marca é escandinava (brandr) e significa queimar. De acordo com Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI (2015), “marca é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços de outros análogos […]”. É a marca, portanto, que atribui o caráter de distintividade aos produtos, agregando valor simbólico e atribuindo funções que extrapolam a mera venda de mercadoria. Carregam elementos e significados que influenciam identidades tanto das marcas quanto a de seus consumidores. Porém, não basta apenas ter um logotipo para chamar de marca. A marca é um processo contínuo, sendo o branding a gestão estratégica das marcas, ou seja, tudo que remete às marcas diz respeito ao
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branding. Assim sendo, branding não é uma ação, mas um processo que faz com que o consumidor em potencial perceba a marca como a única solução para o que ele busca, adquirindo a marca, e não o produto. A The Coca-Cola Company partiu da premissa de que somente os elementos racionais dos produtos não mantêm as marcas por um período maior no mercado. Essa situação mostra que o fenômeno das marcas se tornou complexo, bem como a própria sociedade. Quando uma marca é criada, elabora-se um conjunto de representações simbólicas, geridas pelo branding, que a torna singular. O motivo principal para esta estratégia é que se vai além dos produtos para criar algo que tenha relevância na vida das pessoas e, dessa forma, cria-se uma sinergia entre produto e consumidor. É uma troca entre mercado de consumo e a própria sociedade, na qual ambos interferem um no outro. Este é um dos motivos pelos quais o branding do Guaraná Jesus não pôde ser desenvolvido sem levar em consideração os anseios e desejos da própria sociedade. O branding não entende somente a marca, mas também o consumidor e a sua realidade para que possa desenvolver estratégias condizentes que a tornem especial. Uma dessas estratégias utilizada pela The Coca-Cola Company, que possui em seu portfólio marcas regionais, foi comprar uma marca de abrangência local e comercializá-la somente naquele espaço. A marca Guaraná Jesus, apesar de não mais pertencer ao capital maranhense, pois foi vendida para a The Coca-Cola Company, continua a se posicionar como sendo do Maranhão. A diferença aqui é que a marca não é mais desse estado, mas é comercializada somente nele. Por questões estratégicas, a marca se vincula àquele território, evocando fortemente a identidade maranhense. Ao adotar este estratagema, a marca Guaraná Jesus deixa de ser, na mente do público-alvo, um produto mercadológico e assume um status de produto cultural, mesmo sem sê-lo de verdade. Atrelam-se à marca a cultura do Maranhão, as cores do produto antes da venda à marca global, uma linguagem [ 124 ]
específica que é reconhecida em sua totalidade naquela região do Brasil etc. Como meio de divulgação, as redes sociais ganham evidência; neste caso, a fanpage do Guaraná Jesus, a qual contém material publicitário rico com esta linguagem vinculada ao território maranhense. Ao aderir a esta dinâmica, o produto deixa de ser uma commodity e passa a ser uma marca com posição mais privilegiada na mente do consumidor, que não associa diretamente a marca Guaraná Jesus à marca endossante, a The Coca-Cola Company, mas ao estado do Maranhão. É como se houvesse um apagamento proposital desta informação, embora a mesma conste de forma menos evidente na embalagem do produto.
O DESAFIO: marcas como produtos culturais O Guaraná Jesus utiliza o Facebook como recurso que viabiliza suas estratégias comerciais, reforçando a cultura hegemônica daquele lugar. Utiliza ainda, no contexto de seus materiais gráficos, expressões que somente são compreendidas em sua totalidade naquele espaço, por quem conhece aquela cultura específica, desconsiderando o entendimento por parte de qualquer outro indivíduo que não compartilhe dos mesmos símbolos e discursos culturais. Assim, se restringe indiretamente a venda àquele lugar específico. As marcas possuem um papel relevante e estratégico na institucionalização de ideias e fluidez de mensagens. Quando atreladas aos lugares, agem ainda na manutenção das culturas e crenças locais, criando vínculos simbólicos e experienciais que são dificilmente copiados. As estratégias empregadas nesta ligação criam elos intangíveis, fazendo com que o branding utilize as expressões, o linguajar, as cores, enfim, toda a gama de representações simbólicas pertencentes aos lugares, refletindo nas vendas das marcas de
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produto. Assim, deixa-se de comprar um refrigerante para se comprar o Guaraná Jesus. Este é o poder das marcas. O branding tem como função criar e fortalecer vínculos entre marcas e seus consumidores, levando-os para além do consumo de mercadorias, estabelecendo outras relações com o que consome. Desta forma, associar marcas regionais com a identidade territorial e as culturas de um lugar torna a tarefa dos profissionais de branding muito mais complexa. Essa complexidade se dá na administração das imagens e associações do produto com as imagens, associações, identidades e culturas do território. As ligações estabelecidas criam uma marca singular, assim como a cultura de um povo. As marcas deixam de ser produtos comercializados e recebem certo status cultural, que as tornam produtos culturais. O branding cria um conjunto de representações simbólicas e valores subjetivos inventados que vai ao encontro da perspectiva de que a identidade dos produtos ultrapassa a do próprio produto, criando algo que tenha relevância na vida das pessoas. A sinergia se dá por meio da identidade cultural atrelada aos produtos. O posicionamento da marca Guaraná Jesus permite identificar o uso de estratégias específicas adaptadas ao local, e não ao global. Uma delas é a seleção do mercado-alvo que se concentra na abrangência local, atendendo às necessidades e desejos de um nicho de mercado que neste caso é o próprio consumidor do Guaraná Jesus antes da venda à The Coca-Cola Company. Esse contexto mostra que o consumo era alto e que havia uma fidelidade muito grande do consumidor com a marca, além da marca Cola-Cola ter tido dificuldade em seu market share naquela região devido à marca Guaraná Jesus ser a preferida dos maranhenses. Essa realidade fez com que a The Coca-Cola Company insistisse na compra da marca local, inserindo-a em seu portfólio de marcas. Analisar a segmentação do mercado é outra estratégia utilizada. No caso da marca regional Guaraná Jesus, ícone do estado do Maranhão, [ 126 ]
optou-se por empregar o linguajar local, a cultura, o estilo de vida maranhense, atrelando-o de tal forma ao produto que não seria possível pensá-lo em outro contexto que não o cultural. Ao fazê-lo, a marca adquire posição premium, refletindo inclusive em um preço maior, que é justificado por se tratar de um produto cultural. Compreender o comportamento do consumidor maranhense foi outro ponto importante para adotar a estratégia de associar fortemente a marca ao local. Os consumidores do Guaraná Jesus já eram fiéis à marca e ao gosto do produto. Já o consideravam como produto daquela cultura. Desta forma, foi coerente que a marca endossante mantivesse a marca somente naquela realidade, reforçando ainda mais seu apelo cultural. Quando se compra uma marca regional, é importante observar o comportamento dos consumidores, mapeando os canais de comunicação e estratégias de marketing já desenvolvidas antes de adotar novas. Na estratégia de diferenciar marcas de produtos, é preciso entender quais aspectos valorizar. Em se tratando de marcas regionais, o apelo cultural é muito mais forte do que os aspectos físicos do produto, como gosto, por exemplo. Para se ter uma ideia, a aparência rosa do líquido do produto Guaraná Jesus pode não agradar a todas as pessoas, mas aquelas que são daquele espaço geográfico convivem com o produto como sendo algo da cultura local e, assim, é mais fácil que a marca seja aceita, naturalizando a cor rosada. Afinal, a marca líder no segmento de mercado dos refrigerantes possui coloração na cor preta. Entender uma marca regional pode ser bem complexo e decidir se a mesma ficará ou não restrita a um determinado espaço geográfico pode ser uma decisão crucial para ambas as marcas, a do produto e a da empresa que adquiriu a marca regional. Contudo, quando se tem um posicionamento bem definido, claro e coerente com as estratégias adotadas, respeitando os desejos do consumidor, ambas as marcas ganham notoriedade e market share. [ 127 ]
_____________________________ Louis Vuitton: reposicionamento do público no mercado do luxo 25 _____________________________ Giovana Goretti Feijó de Almeida
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Publicado originalmente na Revista Case Studies, nov, 2017.
Para citar este artigo: ALMEIDA, G. G. F. Louis Vuitton: reposicionamento do público no mercado do luxo. Revista Case Studies, nov., 2017. Disponível em: http://casestudies.com.br/louisvuitton-reposicionamento-do-publico-no-mercado-do-luxo/
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A
marca Louis Vuitton já esteve no público triplo A e, hoje em dia, encontra-se no público A e AA. Esse remanejamento de posição exigiu dos estrategistas da marca LV novas abordagens. Uma delas foi a divisão de dois públicos que a marca atende: um público mais elitizado (A-AA) e outro que oscila entre o B e o C. Várias marcas posicionadas como marcas de luxo permeiam por esses públicos tão distintos quanto o A e o C, por exemplo. A estratégia, neste caso, é o de fazer promoções de vendas, mas a um preço mais elevado para não perder a característica de marca de luxo. Assim, as lojas LV embora possuam poucos produtos (características das marcas de luxo), eles são relativamente fáceis de serem encontrados e ainda outros públicos a consomem além de seu público-alvo. O valor de um produto LV é acessível a um público B ou C no formato de parcelamento, por exemplo, permitindo a aquisição por pessoas que não sejam as do público classe A. A LV, bem como outras marcas, utiliza os produtos que comercializa e cria estratagemas para posicionar esse produto de boa qualidade com um objeto de consumo que justifique seu preço elevado. Na maioria das vezes, as marcas utilizam o recurso da storytelling para criar uma narrativa (que pode ser real ou não) para a marca. O importante nesse caso é que a história tenha coerência em todas as circunstâncias que envolvam a marca, sendo essencial sua veracidade. O valor simbólico transcende o próprio produto, dando-lhe certo poder oculto e fazendo com que os indivíduos de poder aquisitivo menor se relacionem com a marca de luxo que, ao mesmo tempo, confere-lhes distinção social. É o fascínio e a aura da marca de luxo, bem como a utilização da linguagem publicitária permeada por simbolismos, na qual o consumo age como status de poder. Salienta-se que o trabalho com os públicos de classe mais elevada é bastante complexo, exigindo grande esforço de comunicação para que a marca se mantenha na [ 129 ]
posição desejada. Demanda-se tempo, paciência e a articulação de influenciadores estratégicos para se posicionar uma marca no segmento de luxo. A Louis Vuitton é uma marca de luxo de abrangência global que vende bolsas e malas. Utiliza seu tradicional monograma “L” e “V’” em seus produtos. Suas campanhas publicitárias são muito clean, com poucos elementos, fixando-se na ideia de que uma imagem diz tudo. Geralmente utiliza, em seus anúncios, uma fotografia conceitual bem trabalhada, na qual o produto é colocado em evidência e ao final a assinatura da marca. Pode-se dizer que as marcas de luxo em geral utilizam esta abordagem do minimalismo em suas campanhas e anúncios. No entanto, o público dessas marcas elitizadas não é somente o público “A”. Assim como temos os públicos A, B, C e D; o público A se divide em A, AA e AAA, este último chamado de triplo A. O triplo A é a nata dos produtos elitizados, aqueles nos quais os produtos são raros, há dificuldade em encontrar lojas que o vendam, pouca quantidade exposta, enfim, o luxo é aqui tomado como raridade e, essa estratégia reflete no preço do produto. O público AA é uma elite intermediária, ou seja, compra produtos caros, mas não raros quanto o triplo A. Já o público A é aquele público que tem poder aquisitivo alto, mas não investe em produtos raros. Este público visa qualidade e marcas conceituadas. Conceito da marca Na sociedade contemporânea, as pessoas não convivem apenas umas com as outras, mas também com mercadorias que elas próprias produzem e consomem. Essas relações são complexas por si só, modificando a própria sociedade e as relações entre as pessoas e o que consomem (as mercadorias produzidas). Os objetivos se estendem ainda ao entendimento do desejo e fascínio que as marcas de luxo criam nas [ 130 ]
classes populares. Levantam-se questões sobre o culto às marcas de luxo e seu valor de uso e troca que se utiliza de discursos publicitários persuasivos. A persuasão tem um papel importante na elaboração de estratégias das marcas de luxo. Vende-se muito mais do que qualidade, mas poder, glamour, status, sustentabilidade, enfim, um conjunto de atributos que, na linguagem persuasiva, o consumidor teria ao usar uma determinada marca. Não apenas em marcas em classes distintas como as A, B, C e D, mas dentro da própria classe A existe esta distinção. A Louis Vuitton trabalha com os simbolismos e conexões que fazem com que um produto transcenda a sua essência. Por esta perspectiva, o objeto bolsa deixa de ser denominada bolsa para ser chamada pelo nome da marca. Não se tem uma bolsa, mas uma Louis Vuitton. A companhia entende que a satisfação está além de possuir um produto de qualidade, mas no imaginário de possuir uma marca que representa os valores ou crenças dos indivíduos. O consumo de produtos de luxo acaba preenchendo a sensação de vazio que domina o ser humano na contemporaneidade. As classes de menor poder aquisitivo compram produtos de luxo, mesmo se endividando em longo prazo, para serem vistas por meio de um produto de alta qualidade como pertencentes a uma classe acima da que está inserida. Neste caso, a marca de luxo é tida como espelho de projeção simbólico-social. Não se toma uma marca racionalmente como sendo um espelho de projeção, criam-se situações que a posicionam desta forma na mente dos consumidores. Quando algo está relativamente inacessível e há influenciadores estratégicos que possuem um determinado produto e seus seguidores não o possuem, a marca de luxo passa a figurar em uma das subdivisões do público A. Salienta-se que o triplo A é o público mais difícil de atender e o que demanda maior investimento e esforço de comunicação. Nesse perfil de público, a marca de luxo não pode permitir que seu produto [ 131 ]
seja comercializado fora do triplo A e; por isso, a raridade e o preço elevado. Se a marca almeja vendas maiores e parte para atender outros públicos, mesmo sendo o AA e o A, a triplo A pode perder sua posição. Quando a marca de luxo atende outros públicos, como o B e o C, proporcionando facilidade nos parcelamentos ou nos pontos de vendas, bem como maior volume de produtos expostos no PDV, ela figura no perfil de público A, deixando de ser uma AA ou AAA. É uma estratégia essa opção, porém a marca de luxo tem que escolher estar no perfil triplo A ou atender a outros públicos. Mesmo que a marca não venda para outros públicos, quando é mais flexível quanto a plágios e reproduções de sua marca, o público triplo A não a consome da mesma forma, fazendo com que a marca atenda o público AA ou o A ou mesmo os demais públicos (B,C e D). No caso da marca LV, é relativamente fácil encontrar seus produtos, os preços, embora elevados, permitem certo parcelamento para quem não é o público-alvo da marca, mas seu consumidor. O alto grau de valor simbólico atribuído à marca de luxo faz com que o consumidor se sinta inserido em outra classe social, como é o caso das classes B e C que se projetam na classe A quando adquirem um produto da marca Louis Vuitton. O consumo, neste caso, é uma forma simbólica de demonstrar poder, utilizando produtos que não estão ao alcance de todos. Quanto mais raro o produto ou de difícil acesso, maior a sensação de exclusividade e mais elevada a classe social.
Estratégia de luxo Louis Vuitton é uma marca de abrangência global que produz e comercializa bolsas e malas de viagem, bem como vestuário, sapatos, relógios, joias, acessórios, óculos de sol e livros. O nome Louis Vuitton
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é o mesmo de seu fundador que, em 1854, produzia artesanalmente malas e bolsas. Embora na contemporaneidade a produção artesanal não seja mais adotada, criou-se a crença de que produtos artesanais, produzidos individualmente, têm melhor qualidade. Essa aura ainda permanece atrelada à marca Louis Vuitton nas peças publicitárias que utiliza. Como sinal distintivo, a marca utiliza padrões de desenho diferenciados que identificam sua autoria, assinando os produtos com o monograma das iniciais Louis Vuitton, “L” e “V”. Esta é uma das estratégias que a marca utiliza desde 1896 e que criaram e mantêm a identidade visual da marca até hoje. Atualmente, são 432 lojas em 63 países, sendo que no Brasil existem seis lojas. O conceito da Louis Vuitton é o de fazer da viagem uma experiência pessoal e única (storytelling da marca). Para atingir essa meta, a marca trabalha com argumentos intangíveis, como originalidade, espírito “avant-garde”, qualidade, “saber fazer” e paixão. A venda de seus produtos é focada e seletiva, concentrando seus produtos em poucas lojas, estratégia que faz com que o produto se torne raro. O difícil acesso a um produto já o estabelece como sendo ou não da categoria luxo. Outros fatores que podem inseri-lo no segmento luxo é o preço elevado, o reforço à qualidade, raridade, especialização da marca. O uso de expressões inéditas, como “arte da viagem”, demanda poder de persuasão e articulação de conceitos e uso de jogo de imagens e palavras. Assim, enquanto as demais classes sociais apenas aproveitam uma viagem, os indivíduos de classes mais elevadas usufruem da arte de viajar. Visto desta forma, aproveitar uma viagem é menos do que mergulhar em uma arte, como a viagem. O grau de persuasão de uma marca está em convencer seu público desta diferença entre a arte de viajar e aproveitar uma viagem.
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A referência “feito à mão” que a marca ainda utiliza confere distinção, reforçando a história da marca que começou artesanalmente. Não apenas as identidades conceitual e visual da marca devem estar muito bem articuladas, mas a história da própria marca precisa estar engendrada com suas identidades. Não somente a Louis Vuitton, mas as marcas em geral, em especial as de luxo, possuem histórias singulares que são contadas e recontadas na identidade da marca, nas peças publicitárias, no discurso da marca e de seus fundadores, enfim, do começo ao fim há coerência no que a marca revela de si. As pessoas não compram malas de viagem ou bolsas, compram a aura e o status da marca Louis Vuitton. Por este motivo é que a marca trabalha fortemente com suas características intangíveis (glamour, elegância, luxo etc), mencionando as tangíveis (qualidade, conforto etc). As peças publicitárias possuem um visual mais clean condizente com a raridade dos produtos. Se nas lojas de luxo há poucos produtos, deixando à vista espaços vazios, nos anúncios publicitários a estratégia é a mesma. Não há concorrência por preços, mas por conceitos diferenciados entre as marcas de luxo. Seus anúncios possuem poucos elementos e passam a ideia de glamour e sofisticação. Em sua maioria são compostos por fundo branco (background), com uma imagem principal, geralmente fotografia, uma chamada principal (linguagem persuasiva), nem sempre se utilizam do recurso de texto secundário, focando na assinatura da marca ao final da peça publicitária. Basicamente, uma imagem e a assinatura da marca. Pode parecer que o anúncio fique pobre visualmente, mas possui alto teor de associações nesta “simples” imagem endossada pela assinatura da marca. A identidade dos anúncios é recorrente, utilizando criativamente as padronagens que se encontram dispostas nos produtos (malas e bolsas), fazendo com que a marca e seus produtos sejam reconhecidos globalmente e desejados até mesmo por outras classes sociais. [ 134 ]
Desafios da marca O desafio da Louis Vuitton é se manter na categoria, visto que a classe A se subdivide em A, AA e AAA. O topo da classe A seria o triplo A (AAA). O intenso grau de persuasão da marca promove uma categorização de consumo, segmentando o mercado de luxo, indo além de suas fronteiras, proporcionando conexões da marca e a experiência da interação entre as distintas classes sociais. Compreender os limites dessas fronteiras e as conexões que a marca estabelece demandam grande esforço de comunicação e alto investimento. Outro desafio é compreender como o valor simbólico ou poder oculto é atribuído às marcas de luxo, bem como o fascínio ultrapassa o público-alvo (classe para a qual a marca cria seus produtos) e atinge outras classes sociais que anseiam por possuir o mesmo produto, projetando-se simbolicamente. Chegar a ser uma marca triplo A é uma possibilidade viável, o desafio está em manter-se neste perfil de público.
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_____________________________ Cerveja Polar: a identidade territorial e as marcas regionais 26 _____________________________ Giovana Goretti FeijĂł de Almeida
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Publicado originalmente na Revista Case Studies, 22/ago., 2017.
Para citar este artigo: ALMEIDA, G. G. F. Cerveja Polar: a identidade territorial e as marcas regionais. Revista Case Studies, ago., 2017. DisponĂvel em: http://casestudies.com.br/cerveja-polar-aidentidade-territorial-e-as-marcas-regionais/
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O
caso da marca da cerveja Polar, pertencente ao portófilio de produto da transnacional Ambev, leva ao entendimento sobre os argumentos que a marca aciona em suas campanhas publicitárias na identificação com o território gaúcho e verificou do que se tratava a estratégia adotada ao longo dos quinze anos de atividade da marca. A importância desta discussão gira em torno dos inúmeros argumentos de publicidade e marketing que os estrategistas das marcas utilizam para promovê-las, em especial as marcas regionais. As estratégias empregadas na divulgação de uma marca acabam fortalecendo ou não uma das identidades de um território. No caso da marca Polar, a identidade territorial gaúcha foi e continua sendo fortalecida e ampliada, criando o estereótipo do gaúcho e do estado que valoriza somente o que é produzido em seu território. Acaba também abrindo oportunidades para que marcas de outros produtos fortaleçam outras identidades daquele estado.
Os conceitos adotados Parte-se do conceito de território como sendo um espaço apropriado por atores sociais e permeado, assim como definido e delimitado, por relações de poder em suas múltiplas dimensões. Cada território tem características que o diferem dos demais, podendo, inclusive, ter vários elementos, construídos ou não, que lhe garantem unidade. Um desses aspectos é o cultural. Embora haja pluralidade de culturas e identidades dentro de um mesmo território, pode haver também uma que se destaque das demais, hegemônica, portanto, caracterizando-o. É o caso do território correspondente ao estado do Rio Grande do Sul, que possui uma identidade territorial que prevalece sobre as demais.
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Outro conceito abordado é o de identidade territorial, no qual a discussão apresentada contribui com a reflexão sobre território e sua relação com a identidade cultural e territorial específica dos lugares e regiões, nos quais o sentimento de pertencimento é um elemento importante entre indivíduos e seu espaço vivido. Há diferença entre os tipos de identidade. A identidade cultural está ligada à cultura e à singularidade dos lugares. Tem maior envolvimento do cotidiano das pessoas, da forma como vivem e estabelecem suas relações e crenças. Já a segunda, a territorial, se associa com maior frequência às questões como local, comunidade e região, permeada por relações de poder que unem de alguma forma as pessoas. Da relação entre atores sociais e território deriva o conceito de territorialidade e de sentimento de pertencimento, unindo presente, passado e futuro em uma situação que se encontra em constante movimento. A territorialidade diz respeito à forma como as pessoas vivem por meio de seus vínculos sociais e sua compreensão sobre o uso do território, diferenciando-os uns dos outros. Salienta-se que um mesmo território pode ser compreendido de diferentes formas por seus grupos sociais e econômicos. Para compreender como as marcas agregam valor simbólico a seus produtos e como o processo do branding age, traçou-se uma evolução teórica sobre as marcas, abordando suas contradições e tensões até chegar à discussão a que a pesquisa se propôs. Por branding se entende a construção e a gestão estratégica de marcas, utilizando-se de todos os pontos de contatos emocionais, experienciados pelos consumidores de determinada marca de produto.
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Aspectos metodológicos: o desenvolvimento do trabalho A análise do material documental da marca Polar tem como ponto de partida o momento em esta foi vendida à transnacional AmBev. Parte-se de uma marca local com certa abrangência nacional em determinado período e que retorna ao âmbito regional quando se imagina que estará em uma escala global. O case apresenta de forma sucinta o conteúdo desta pesquisa e a metodologia utilizada. Trata ainda das questões referentes às estratégias globais do capitalismo contemporâneo. Inicia com a abordagem sobre a globalização e a ampliação do mercado de consumo para mostrar o deslocamento desta acumulação capitalista mais flexível por todo o planeta. Aborda a questão das organizações em geral e das transnacionais que surgem das novas relações de produção em moldes capitalistas, polarizando as estruturas globais de poder. A questão do branding é abordada, apresentando a evolução e os conceitos sobre as marcas e a utilização do mesmo como ferramenta estratégica das organizações, no intuito de promover o consumo de seus produtos. Três elementos essenciais para a gestão de uma marca são diagnosticados, o que se chama de tripé do branding. Com a formulação do modelo se chegou ao branding das marcas regionais, diferenciando marca local e regional das marcas globais e demonstrando que o valor agregado das marcas regionais deriva da cultura e da identidade que permite às organizações atuarem em mercados que não são necessariamente os globais. Explora-se o conceito de branding e o panorama das marcas regionais, introduzindo a relação conflituosa entre global e regional. É fundamental abordar o movimento dos processos relativos aos conceitos de território e identidade, bem como da construção de seus significados. Além disso, deve ser visto como a tradição inventada age na formação das identidades cultural e territorial. Expõe a elaboração estratégica da identidade territorial gaúcha fundamentada em cima da [ 139 ]
identidade gaúcha, construída pela elite do século XVII e que permanece até a contemporaneidade. A atuação das marcas globais nos territórios é tratada como base para que seja feita a apresentação da transnacional AmBev e uma das marcas de produtos de seu portfólio, a Polar. A análise se centra na marca; porém, como se aborda o branding, não há como não realizar a abordagem da marca endossante, a AmBev, considerando sua comunicação e posicionamento, tanto global quanto regional, assim como seu portfólio de marcas de cerveja. O assunto é analisado de forma abrangente sobre a relação entre o ano de origem das marcas do portfólio da AmBev com as marcas adquiridas pela transnacional, revelando estratégias impressionantes. São apresentadas ainda as principais contribuições da pesquisa.
A estratégia da Ambev na marca Polar Os elementos que compõem a identidade dos territórios são transformados em argumentos publicitários e de venda para que as organizações promovam seus produtos, em especial, aqueles de marcas regionais. Valem-se do branding, ou seja, da gestão estratégica das marcas, para criarem certa aura cultural a esses produtos, fazendo-se acreditar que é parte do patrimônio local, da cultura daquele lugar. Há uma apropriação de identidades que transcendem às dos produtos. Não são identidades do produto e tampouco da marca, mas identidades de um território que já possui histórias e culturas específicas. Elenca-se uma identidade territorial, em geral, a hegemônica, e se atrela esta identidade a um produto através de ações publicitárias pontuais, forte propaganda institucional e marketing estratégico.
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A estratégia da marca Polar utilizou e utiliza fortemente a identidade hegemônica gaúcha em suas peças publicitárias, refletindo que, quando se trata de marcas, várias identidades podem ser acionadas para manter o posicionamento da marca de um produto. Os resultados apontaram para o uso do território pelas organizações como arena de consumo das marcas, evidenciando as contradições do processo de globalização e a territorialização de capital e marcas, ao mesmo tempo em que expõe um território de marcas e outro de marcas no território. Apresenta-se ainda o branding utilizado nas marcas regionais e a utilização da estratégia de incorporar a identidade territorial a um produto que se vale das imagens da cultura e da história daquele lugar como argumento publicitário e de marketing. Ao mesmo tempo, dessa estratégia adotada pelas marcas regionais, discute-se a relação do global versus o regional, bem como se esta pode ou não vir a ser uma ferramenta estratégia para promover o próprio desenvolvimento territorial. O fundamento histórico da análise são os quinze anos de branding da marca Polar, desde 1999, ano no qual a marca é vendida à transnacional AmBev. Pode-se caracterizar o processo de construção da marca que se posiciona no mercado como sendo um produto cultural gaúcho e também o uso do território como arenas de consumo simbólico das marcas, expondo as contradições do processo de globalização e a territorialização de capital e marcas. O ponto de partida foi o momento em que a propriedade da empresa que fabricava a cerveja Polar deixa de ter capital gaúcho (1999) e passa a ser controlada por uma organização nacional que depois se internacionaliza (fusão com a AmBev). Entretanto, para compreender melhor a construção da marca Polar utilizada ao longo desses quinze anos, a pesquisa investiga também a marca Polar antes do marco de tempo estipulado acima. A pesquisa documental foi utilizada para coletar os materiais de comunicação a serem analisados e os dados históricos [ 141 ]
das empresas. A coleta de dados foi feita a partir de materiais da internet (vídeos publicitários, no Canal do Youtube CevaPolar; das peças publicitárias da marca Polar disponíveis nas redes sociais, em especial na fanpage CevaPolar e nos sites da Polar e da AmBev) e do relatório de veiculação de comerciais da Polar enviado pelo Arquivo da Propaganda (de 1999 a 2014). Depois, todos os materiais (vídeos, peças gráficas, ações publicitárias, relatório de mídia etc.) foram agrupados por ano. Dessa forma, tentou-se levantar dados da trajetória e das estratégias utilizadas pela Polar no período analisado nesta pesquisa. Já a sistematização dos dados coletados incluiu, além da elaboração do arranjo visual da linha do tempo da marca Polar, a organização com vistas à análise desses materiais nas duas divisões temáticas: 1) Mídia e Ações Estratégicas; e 2) Campanhas Publicitárias. Procedeu-se dessa forma para que se pudesse discutir a análise do tripé do branding da Polar em toda a pesquisa documental. Com base na coleta e sistematização dos dados em dois grandes grupos, procedeuse à análise e interpretação dos dados.
Resultados e discussões Um dos resultados é referente ao uso do território pelas organizações como arena de consumo das marcas de seus produtos mercadológicos, expondo as contradições do processo de globalização e a territorialização de capital e marcas. A relação da marca Polar com o estado do Rio Grande do Sul gera uma conexão que possui função dupla, pois, ao mesmo tempo em que promove o consumo de produtos mercadológicos, contribui para a manutenção da identidade territorial e regional, em especial a hegemônica, a gaúcha.
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Ao construir a identidade de um produto a partir de uma identidade territorial específica, associa-se a um produto de cunho mercadológico um caráter cultural, colaborando, dessa forma, para que o mesmo seja mais facilmente aceito e sua mensagem fixada. Todas as peças publicitárias da marca são posicionadas e comunicadas seguindo uma estrutura bem definida: duas campanhas-chave anuais permeadas por campanhas menores (as guarda-chuva). Ao abordar a história da Polar, percebe-se que a marca segue dois caminhos bem distintos: um pré-AmBev, que anseia por uma notoriedade nacional e outro, após ser integrado ao portfólio da AmBev, restringe-se a comercialização da marca a uma abrangência regional.
Os desafios da marca Polar Não apenas a marca da cerveja Polar utiliza as estratégias mencionadas, mas marcas de outros estados brasileiros, bem como de outros países, tentam cunhar também essa “aura cultural” a seus produtos. No entanto, nem sempre essa “aura criada consciente e planejadamente” consegue se vincular aos territórios. Um dos desafios é conseguir produzir uma marca que consiga se relacionar com o território de forma que ele venha a ser o principal protagonista da marca. Assim, no caso do Rio Grande do Sul, não basta apenas criar um slogan “gaúcho” atrelado a uma marca para que o produto “ganhe” essa aura cultural. Faz-se necessário compreender a cultura local, entender o cotidiano de quem ali vive, decodificar a linguagem específica daquela cultura e, a partir dessas e outras informações, criar estratégias e ações que aproximem a marca do território. Caso contrário, será apenas mais um dos casos de inúmeras outras marcas que tentaram “criar uma aura gaúcha” para comercializarem seus produtos e que, no decorrer de um [ 143 ]
período curto, tiveram que retirar seus produtos desse mercado, pois não conseguiram se “vender” satisfatoriamente. Essa realidade mostra que o fenômeno das marcas é complexo, sendo sua gestão mais complexa ainda, demandando mais estudos e pesquisas sobre a área do branding, território e regiões. Muitos desafios surgem quando se discute as estratégias adotadas pelas marcas e sua relação com o território.
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_____________________________ Reculuta: a estratégia de comunicação da cervejaria artesanal gaúcha 27 _____________________________ Giovana Goretti Feijó de Almeida
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Publicado originalmente na Revista Case Studies, 13/fev.., 2019.
Para citar este artigo: ALMEIDA, G. G. F. Reculuta: a estratégia de comunicação da cervejaria artesanal gaúcha. Revista Case Studies, fev., 2019. Disponível em: http://casestudies.com.br/ reculuta-a-estrategia-de-comunicacao-da-cervejaria-artesanal-gaucha/
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em capital de giro, com quase nenhum conhecimento do mercado em que pretendiam atuar e com pouca experiência de gestão. Assim era a realidade dos sócios quando fundaram a Cervejaria Reculuta, em 2015. Os gestores alinharam o nome Reculuta a um evento típico de Guaíba, no Rio Grande do Sul, onde foi instalada. Esse insight criou uma empatia com a população e se tornou um elo estratégico utilizado nas ações de comunicação da marca. A trajetória foi difícil, como a de várias outras cervejarias artesanais, porém, nem todas obtiveram um crescimento tão expressivo em pouco tempo. Em três anos, a Reculuta ampliou as vendas de 500 litros para 24 mil litros por mês.
A Cervejaria Reculuta foi criada no município de Guaíba, interior do Rio Grande do Sul, em 2015, por três sócios que faziam cerveja em casa, apenas para o consumo próprio. O nome é um termo gaúcho que tem o significado de “reunir” e foi adotado em homenagem à cidade de Guaíba, devido a um festival de música tradicionalista chamado Reculuta da Canção Crioula, que teve sua última edição em 2012. O evento consagrou artistas e músicas que são cantadas no Rio Grande do Sul. Ancorados no fato de que a cerveja costuma reunir as pessoas, os sócios da cervejaria aderiram ao nome. Unir boas cervejas a todos os momentos e lugares é o posicionamento estratégico da Cervejaria Reculuta desde sua fundação. Assim como todas as cervejas artesanais, a Reculuta nasceu no seio de uma comunidade e associou o nome da cervejaria ao famoso festival da região, sendo incoerente, portanto, não aproveitar o sentimento de pertencimento – conceito de gestão organizacional relacionado à forma de manter viva a história, tradições, identidades e culturas dos lugares – para tornar a marca conhecida. Para a empresa, o uso dessa estratégia é totalmente adequado, é preciso enfatizar o elo com a comunidade, visto que a cerveja artesanal não conta com conservantes, [ 146 ]
tem um prazo de validade menor do que o da cerveja comercial, portanto, sua logística para pontos mais distantes se torna cara e complexa.
Estratégias off-line e on-line A empresa intensifica a aproximação com a comunidade desenvolvendo estratégias simples e criativas para tornar a marca conhecida, por meio de estratégias off-line, o que significa fora dos canais digitais. A Reculuta está presente em eventos locais e regionais, fazendo parcerias com as prefeituras de Guaíba e municípios do entorno, como o Guaíba Food Park. Os eventos geram bons negócios e ampliam o networking da Reculuta. Desde seus primeiros meses, a marca explora a proximidade com maestria, diferenciando-a de várias outras cervejarias locais que, embora firmem sua presença em eventos municipais, não ativam a marca de seus produtos e da cervejaria tão eficazmente. Este ano a expectativa é ampliar o alcance geográfico dos eventos e chegar à Região Metropolitana de Porto Alegre. Uma das ações nesse sentido foi a criação de pontos de venda da cervejaria no litoral. Certamente, o mercado da cerveja artesanal ainda é novo e está em alta expansão, demandando muito aprendizado, inclusive sobre legislação própria. Há muito a ser construído e explorado, até mesmo em termos de estratégias comerciais e de marketing. A presença nos meios digitais, no entanto, não é desprezada pela Reculuta. Observa-se um uso considerável das redes sociais, especialmente no Facebook e no Instagram. Para um melhor engajamento com seu público-alvo, a empresa divulga sorteios, promoções e curiosidades sobre os tipos de cervejas artesanais. As postagens são divididas por conteúdo – geração de informações sobre a [ 147 ]
cerveja – e assuntos comerciais – com foco em promoções, datas comemorativas e eventos. Além dos canais nas mídias sociais, houve investimento em um aplicativo para smartphones chamado Me Entrega, em que o consumidor pode fazer seu pedido de chope ou cerveja com rápida entrega. Por enquanto, o aplicativo está disponível apenas na cidade de Guaíba, mas a ideia é expandir a cervejaria e, por consequência, a abrangência do aplicativo. Ainda nas redes sociais, são divulgados vários sorteios, promoções e curiosidades sobre os tipos de cervejas artesanais produzidos. O esforço relativamente grande de comunicação on-line vem demonstrando eficiência. Enquanto a maioria das cervejarias artesanais se valem muito mais das estratégias on-line do que off-line, a Reculuta utiliza ambas de forma harmoniosa. Para atrair os clientes atuais, a cervejaria dividiu o investimento em comunicação, com 50% para o Outbound Marketing (somente na cidade) e 50% em Inbound Marketing (basicamente, em redes sociais). Inbound Marketing é uma estratégia de marketing de atração que se vale muito das redes sociais, na qual o cliente procura a empresa, e não o contrário. Há ainda investimento em Outbound Marketing, ou seja, no marketing tradicional.
Outras estratégias de comunicação Seja para estratégias off-line ou on-line, a comunicação da Reculuta precisa de peças gráficas. E o material da publicidade também reforça o caráter artesanal da marca, utilizando-se de anúncios gráficos que lembram colagem de imagens, criando uma identidade visual com o produto ofertado. Já o conceito da mensagem Reculuta busca a associação com o universo dos vinhos, como por exemplo: “…notas
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suaves de mel provenientes dos maltes especiais”. A linguagem é sempre leve, descontraída e elegante. Em ambos os instrumentos – visual ou textual –, o fator artesanalidade é acionado proposital e estrategicamente, elevando a qualidade da cerveja, bem como seu valor premium. Assim, a Reculuta consegue se firmar primando pela singularidade de seu sabor.
Resultados No primeiro ano, a Reculuta vendia em média de 500 litros por mês. Em 2016, já com a fábrica própria, o número subiu para dois mil litros mensais. A empresa passou a oferecer o serviço de terceirização para as cervejarias ciganas, que produziam outros dois mil litros por mês nesse segmento, totalizando uma produção média de quatro mil litros por mês. Em 2017, a venda média passou para 10 mil litros por mês. A partir do segundo semestre de 2018, a cervejaria atingiu sua capacidade máxima, chegando a produzir e vender 24 mil litros de cerveja mensalmente.
A Reculuta produz hoje as cervejas artesanais Cream Ale Honey, Weiss, American Pale Ale (APA) e Pilsen (a mais popular), bem como o chope artesanal. Atualmente, o foco da cervejaria é a venda de chope para o consumidor final da área onde realiza distribuição própria, ou seja, Guaíba e Região Metropolitana de Porto Alegre, tendo ainda alguns pontos de venda no litoral gaúcho. [ 149 ]
Marca Reculuta A marca Reculuta foi registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2015, junto com o início das atividades da cervejaria, o que é recomendado pelos estrategistas em marca. A Reculuta trabalha com a ideia de reunião de amigos em todas as situações. Esse posicionamento se reflete na identidade e materiais publicitários da marca. Porém, há muito a ser feito ainda para que o logotipo criado se torne uma marca forte, mas os primeiros passos certamente foram dados e muito bem pensados. A identidade visual de um produto ou empresa é um fator de extrema importância no universo das marcas, pois é por ela que se obtém o destaque no mercado de atuação e diferenciação da concorrência. O primeiro contato que o consumidor tem com o produto é pelo logotipo. Esse é como se fosse a ponta de um iceberg, ficando a parte submersa relacionada à construção da marca em si. Uma marca bem construída gera confiança, seriedade e responsabilidade, refletindo nas vendas. De forma geral, cinco são os fatores que envolvem a identidade visual de uma marca; são eles: a) Atratividade – Tudo que se relaciona à marca, inclusive seu logotipo e peças gráficas, tem que ser marcante e passar segurança ao consumidor, sem causar confusão ao seu posicionamento. A atratividade cria certo valor próprio para a marca, gerando diferenciação com a concorrência. b) Profissionalismo – Transmite e agrega valores, bem como gera confiança. c) Cor – A escolha da cor e de um padrão de cores é de extrema importância para a marca, levando à associações que despertaram o desejo de adquirir o produto. d) Investimento – Necessário para a construção da identidade visual da marca, compatível com o que promete ao consumidor.
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e) Consistência – Interfere diretamente no mercado em que a marca circula, onde o consumidor a vê e a adquire, bem como consome. Por esse fator se tem mais confiança em um produto de qualidade e maior notoriedade da marca, levando a uma comunicação mais eficiente e a uma identidade mais atrativa e coerente. Esses são os passos iniciais para transformar um logotipo em marca. Salienta-se que não é porque se registra um logotipo no INPI que uma marca é criada. Trata-se de algo muito maior e demanda uma série de esforços que nem sempre são compreendidos e, por isso, a necessidade de profissionais de qualidade para desenvolverem e cuidarem da manutenção.
Criar um logotipo é relativamente fácil, criar uma marca é mais complexo. Demanda tempo, investimento e percepções em curto, médio e longo prazo, acompanhando tendências e movimentações no mercado para que se possa gerar uma marca forte e que seja valorizada pelo consumidor. Esse é o grande desafio dos estrategistas de marcas responsáveis pela área de branding. No caso das cervejarias artesanais se faz também necessário a mesma compreensão em termos de estratégias de marcas das grandes empresas para que possam construir não só a marca da cervejaria e de seus produtos, mas também a do próprio setor de cerveja artesanal.
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Superação de problemas As atividades da Reculuta foram iniciadas na modalidade conhecida como cervejaria cigana, termo conferido a quem não tem fábrica e que necessita terceirizar a produção de suas receitas em outras unidades fabris, uma estratégia recorrentemente utilizada por quem inicia no segmento. Na época, era uma forma de começar a operar sem a necessidade de investir em uma fábrica própria. Aos poucos, os gestores passaram a conhecer melhor o mercado cervejeiro artesanal e ampliaram os horizontes em termos de estratégia e planejamento, profissionalizando o negócio. Um ano após a fundação da Reculuta, começaram as obras da fábrica própria, em Guaíba. Em julho de 2016, foram iniciadas as operações na nova unidade. Nos primeiros anos, a Cervejaria Reculuta esteve indecisa quanto aos produtos que iria comercializar. Havia dificuldade em saber qual era o público adequado e, nesta busca, perderam tempo e recursos (ambos valiosos) antes de entender que deveriam ter definido primeiro o público-alvo em vez de investirem somente em consumidores. Parecem termos sinônimos, mas não o são. Público-alvo é para quem o produto é desenvolvido. Já o consumidor é quem se identifica com o produto e o consome, não sendo necessariamente o público-alvo. Assim, a Reculuta ercebeu que, ao definir o público-alvo, os produtos seriam desenvolvidos para ele especificamente, tendo o consumo ampliado também por quem se identificasse com o produto. Outras questões foram o capital de giro insuficiente e o pouco conhecimento do próprio mercado. A falta de prática na administração do negócio fez com que houvesse acúmulo de prejuízos. O início de um negócio, ainda mais em um mercado novo e sem o capital adequado, é sempre difícil e não foi diferente com a Reculuta. Aos poucos, os sócios foram se especializando e se apropriando do conhecimento necessário. Com o tempo, conseguiram resolver seus problemas financeiros. Na [ 152 ]
metade de 2018, traçaram como metas, ajustes proporcionais no fluxo de caixa e na reserva de recurso financeiro para compor o capital de giro. Planos para o futuro Em um mercado de franca expansão, como o das cervejas artesanais, muitos são os planos. Porém, a Reculuta elencou prioridade a alguns, como concluir o pagamento do investimento dos sócios, atingindo seu Payback Period (PRI) que é de cinco anos. O PRI é período de recuperação de um investimento, remetendo ao tempo decorrido entre o investimento inicial e o momento em que o lucro líquido acumulado se iguala ao valor desse investimento. Outra meta que a Reculuta quer alcançar é o volume de produção entre 30 mil e 50 mil litros neste ano. Há ainda a intenção de aumentar a produção de cerveja e chope artesanais, alcançado a meta de 200 mil litros nos próximos anos.
Mercado Nos últimos cinco anos, as cervejas artesanais ganharam força no mercado nacional, tendo mais de 170 mil rótulos à disposição do consumidor. O setor também obteve um crescimento de 23% entre os meses de janeiro e setembro de 2018 e tem a expectativa de ultrapassar mais de mil empresas cervejeiras. Segundo um levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o mercado de cervejas artesanais avançou 130% em 2017. De acordo com a pesquisa do MAPA, existem mais de 835 negócios, que correspondem a 1,5% do mercado nacional. Para se ter uma ideia, em 2017 havia 679 microcervejarias instaladas legalmente no Brasil, cujo faturamento total chegava a R$ 130 bilhões. Conforme estudo do MAPA (realizado em 2017), a distribuição geográfica dos estabelecimentos cervejeiros permanece concentrada nas [ 153 ]
regiões Sul e Sudeste do Brasil – ao todo são 287 estabelecimentos no Sul e 279 no Sudeste. O Rio Grande do Sul possui o maior número de cervejarias (142), seguido por São Paulo (124) e Minas Gerais (87), Santa Cataroina (78), Paraná (67) e Rio de Janeiro (57). A concentração de cervejarias artesanais em solo gaúcho concede o status de estado cervejeiro e polo de cervejas artesanais. O estudo aponta ainda que há registrados mais de 8.900 produtos entre cervejas e chopes.
Cerveja A história da cerveja remonta a Idade Média em que diversos mosteiros fabricavam a bebida e os monges eram os grandes mestres cervejeiros na época. Reza a lenda que foi ideia deles inserir lúpulo no processo de fabricação da cerveja entre outros ingredientes para aromatizá-la, como sálvia e gengibre. Além de dar o sabor amargo na cerveja, o lúpulo tornou a bebida mais resistente à passagem do tempo, dando melhores possibilidades de armazenagem e transporte, graças ao seu efeito conservante (Reculuta, 2018). Assim, a cerveja nasce artesanalmente, sendo vista como um negócio rentável e promissor, bem como comercializada em grande escala pela indústria cervejeira. A cerveja é um produto de gosto popular, porém, quando feita de forma artesanal, ganha outras características e valor simbólico agregado. O fator artesanalidade eleva a bebida para um nível de maior reconhecimento. Deixa de ser popular para se transformar em bebida premium, elitizada. A cerveja artesanal é tão associada ao universo dos vinhos que há inclusive o sommelier de cerveja, idêntico ao especialista em vinho. Isso significa ainda que um novo mercado está iniciando, o de sommelier de cerveja. Um conjunto de iniciativas tem fortalecido a marca enquanto cervejaria artesanal de qualidade e, certamente, a Reculuta ainda tem muito a conquistar, pois o mercado da cerveja artesanal está apenas dando seus primeiros passos. [ 154 ]
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Sobre a Organizadora
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Drª. Giovana Goretti Feijó de Almeida Professora-Pesquisadora e Pós-Doutoranda na PUCPR Doutora (2018) e Mestra (2015) em Desenvolvimento Regional (UNISC) Publicitária especialista em Branding (UNISC) e Place Branding Consultora Estrategista de Marcas e em Programas de Voluntariado Corporativo Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/779374152096175 LinkedIn: giovana-goretti-almeida ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0956-1341 ResearcherID: I-2491-2016 | e-mail: goretti.giovana@gmail.com Realiza Estágio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Cidade Digital Estratégica (PPGTU/PUCPR) da Pontífica Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Sua tese de doutorado em Desenvolvimento Regional recebeu menção honrosa no prêmio Capes de Teses 2019 na área PUR/D. Atualmente é pesquisadora-membro nos Grupos de Pesquisa Cidade Digital Estratégica (PUCPR), GEPEUR - Grupo de Pesquisa em Estudos Urbanos (UNISC) e Regionais e GPEDER/UNISC – Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional (todos cadastrados no CNPQ). Fez parte do OBSERVA-DR/Unisc - Observatório Desenvolvimento Regional - de 2012 a 2018.
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Obras da autora
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Identidade territorial e branding de marcas regionais (2017) Território, Cultura e Desenvolvimento Regional (2018) Organizadora do e-book “Inovação e Cidades Inteligentes” (2019) Marcas e Territórios: a construção simbólica de Porto Alegre (2019) Comunicação, Marcas e Desenvolvimento Regional (2019)
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