MODA E CIDADE um olhar sobre o 29Rooms
ENSAIO TEÓRICO GIOVANA CANELLAS FAU | UnB | 2018/1
MODA E CIDADE um olhar a partir do
29ROOMS
Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ensaio Teórico | 1/2018 ALUNA Giovana Canellas Gonçalves ORIENTADORA Ana Elisabete de Almeida Medeiros BANCA EXAMINADORA Ana Elisabete de Almeida Medeiros | FAU-UnB André Gonçalves da Costa | FAU-UnB
Frederico Flósculo Pinheiro Barreto | FAU-UnB
APRESENTAÇÃO O trabalho de pesquisa, intitulado “Moda e Cidade: O impacto dos brand spaces no espaço urbano”, tem como base a ementa da disciplina obrigatória de Ensaio Teórico em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, ofertada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB) e necessária para a conclusão do curso de graduação. Sob orientação da professora doutora Ana Elisabete de Almeida Medeiros, este Ensaio Teórico tem por intenção apresentar a pesquisa desenvolvida ao longo do primeiro semestre de 2018.
RESUMO A moda sempre foi um dos principais vetores da vida humana; não como vestuário, mas como um sistema complexo que faz parte da construção de identidade e relações entre indivíduos. Não à toa, este universo tornouse fonte de curiosidade e estudo para grandes autores do século XX, como Gilles Lipovetsky e Gabriel de Tarde, que perceberam na moda uma importante função de comunicação. Mas, entre tantos meios dela se fazer presente, seja através dos tecidos, das revistas ou fotografias, foi graças ao espaço urbano que ela se consagrou como um dispositivo social. Lojas, desfiles e eventos de moda tornam-se cada vez mais presentes no cotidiano citadino, fazendo parte da dinâmica urbana. Com a evolução da sociedade e avanços tecnológicos, no entanto, a relação entre espaço e indivíduo tem se alterado cada vez mais. O mundo da moda, por sua vez, pretendendo resgatar o forte laço com seus consumidores, foi em busca de se adaptar a essas novas necessidades e ressurgiu com os chamados brand spaces. Espaços lúdicos com cenários que despertam a fantasia e a curiosidade do usuário, os brand spaces tem ganhado espaço entre a sociedade do século XXI, trazendo novas sensações para a experiência do consumo. Atuando em diversos formatos, desde lojas até eventos culturais, essa nova tipologia é cada vez mais comum nas grandes cidades, trazendo à tona discussões sobre sua atuação no cenário urbano – este, marcado pelo caos e por problemas que pedem soluções condizentes com o contexto do século XXI. Considerando a força do mundo da moda em nossa sociedade e sua influência direta na construção de significados e relações de uma cidade, questiona-se se é possível torná-la mais uma ferramenta para os transtornos urbanos da atualidade. Seria sua presença e atuação na forma de brand space uma solução ou apenas mais um problema da contemporaneidade? Palavras-chave: moda; cidade; brand space; intervenção; cultura; urbano.
ABSTRACT Fashion has always been one of the main vectors of human life; not as clothing, but as a complex system that is part of the construction of identity and relationships between individuals. No wonder, this universe became a source of curiosity and study for great writers of the twentieth century, such as Gilles Lipovetsky and Gabriel de Tarde, who realized in fashion an important function of communication. But among so many means of making itself present, whether through fabrics, magazines or photographs, it was thanks to the urban space that it was consecrated as a social device. Shops, fashion shows and events become more and more present in the everyday city, being part of the urban dynamics. With the evolution of society and technological advances, however, the relationship between space and the individual has changed more and more. The world of fashion, meanwhile, intending to rescue the strong bond with its consumers, was in search of adapting to these new needs and came up with the brand spaces. Playful spaces with scenarios that awake the user’s fantasy and curiosity, brand spaces have gained space between the society of the 21st century, bringing new sensations to the experience of consumption. Acting in different formats, from stores to cultural events, this new typology is increasingly common in large cities, bringing to the fore discussions about its performance in the urban scenario - this one, marked by chaos and problems that call for solutions in keeping with the context of the XXI century. Considering the strength of the fashion world in our society and its direct influence on the construction of meanings and relations of a city, it is questioned whether it is possible to make it one more tool for the urban disorders of the present time. Would its presence and performance in the form of brand space be a solution or just another contemporary problem? Keywords: fashion; city; brand space; intervention; culture; urban.
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 05 05 RESUMO/ABSTRACT 06 06 INTRODUÇÃO
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PARTE 1: MODA 19 19 Moda na sociedade 20 20 26 Moda e branding 26 Moda e cidade 30 30 3737 PARTE 2: BRAND SPACES 3838 A cidade do século XXI e novos conceitos 44 Brand Spaces 44 Revitalização urbana e moda 5050 5757 PARTE 3: 29 ROOMS 58 Metodologia de estudo 58 62 O evento 62 Resultados 68 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS 72 72 BIBLIOGRAFIA 76 76
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INTRODUÇÃO Discutir a moda nem sempre é algo fácil. Por sua relação direta com a mídia e um acesso relativamente rápido a seu conteúdo, é perceptível o tratamento que tal assunto recebe, quase sempre, com a superficialidade de um tema “senso comum”. Como o filósofo Gilles Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009: p. 09) afirma em sua obra O Império do Efêmero, “a questão da moda não faz furor no mundo intelectual (...) e quase não aparece no questionamento teórico das cabeças pensantes”. Foi apenas a alguns anos que a Academia começou a citar tal fenômeno como algo inerente à existência humana. Se a partir do século XV a moda começou a ser reconhecida da forma como a consideramos hoje, foi apenas entre os séculos XIX e XX que a mesma começou a ser discutida como algo que vai além do campo estético. Como afirma Gilberto Freyre (FREYRE in RAINHO, 2002), a moda já chamava a atenção para o fato dela ser um assunto “(...) antropológica, psicológica, sociológica, estética, eticamente complexo. (...)”. E foram estes debates que trouxeram à tona a função da moda como um dispositivo social carregado de simbologias e uma importante ferramenta de análise dos comportamentos sociais e individuais.
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É necessário, primeiramente, entender que tal fenômeno não se reduz ao universo do vestuário. Como Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009: p. 25) afirma, “o mobiliário e os objetos decorativos, a linguagem e as maneiras, os gostos e as ideias, os artistas e as obras culturais foram atingidos pelo processo da moda”. Dito isso, é possível traçar os diversos significados agregados a ela ao longo da história, desde a diferenciação de classes sociais até verdadeiros manifestos políticos. Sua construção não se deu de forma universal nem cronologicamente linear; foi apenas durante a Idade Média europeia, mais especificamente na França, quando houve uma separação entre as vestimentas femininas e masculinas, que o ritmo de constantes mudanças tomou conta da sociedade. A busca incessante por novidades, por adornos e detalhes que diferenciassem um indivíduo do outro reestruturou interesses e comportamentos, tornandose o gatilho da distinção social. E se por um lado o ser humano busca tal distanciamento, uma valorização de si perante o outro, por outro lado existe a necessidade intrínseca de agrupamento e identificação com seus semelhantes; graças à sua capacidade de expressar características, gostos e opiniões, a moda se torna um veículo de afinidade entre indivíduos. Como afirma o autor Gabriel Tarde (TARDE in RAINHO, 2002: p.21), “a moda é essencialmente uma forma de relação entre os seres”, sendo possível, a partir de costumes ou adornos, caracterizar um povo, uma religião, uma cultura. O antropólogo Edward Sapir (SAPIR in RAINHO, 2002: p. 27) vai um pouco além e discute a característica de imitação que a moda possui. Segundo o autor, esta imitação significa a busca pelo reconhecimento social, visto que os seres humanos estão sempre buscando alcançar classes semelhantes ou superiores as dele e enxergam na moda uma ferramenta para tal aproximação. O fator de reconhecimento social ganhou mais força a partir da Revolução Industrial, quando a moda se tornou, de fato, mais popular. A produção em série permitiu um maior acesso a este universo pelas várias classes sociais, consolidando-se como mecanismo social. E à medida que se difundia pela sociedade, a moda tornava-se objeto de discussão, ganhando abordagens além da costura. Colunas em jornais e revistas especializadas no tema traziam gravuras do figurino francês, mas também discussões acerca do vestuário e comportamento feminino. Os desfiles, criados em 1858 apenas para o público aristocrata, tornavamse mais acessíveis ao passo que se transformavam em espetáculos para a venda e divulgação do trabalho dos estilistas. As fotografias e editoriais tornavam-se um veículo importante de difusão do que estava em voga e da identidade por trás
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de uma peça ou marca. A moda operava em vários setores, em uma esfera que envolvia arte, publicidade e comércio. Tal sucesso, no entanto, não teria sido possível sem um fator indispensável: a rua. O espaço urbano por si só já possui a função de comunicação. É através dele que a população se manifesta, expõe opiniões, compartilha ideias. E com a moda não poderia ser diferente. Com a popularização da mesma, e um novo ritmo de vida urbana, onde a pressa era a diretriz da modernidade, o indivíduo encontrou nas ruas um lugar privilegiado de expressão. Através do vestuário ele seria capaz de transmitir, muito rapidamente, algumas informações sobre si mesmo. Além disso, com o crescimento constante dos centros urbanos, o contato entre tantas pessoas diferentes obrigava uma preocupação com a imagem pessoal, o que alimentava o ciclo de produções e ideias da moda. Mas mais do que isso, a cidade permitia um movimento democrático, que não necessariamente seguiria os padrões impostos por classes superiores, mas que se reinventava de acordo com misturas de estilos, experimentações e necessidades diárias de quem utilizava o espaço. A autora Marlon Calza (CALZA, 2010) afirma que na rua a moda ganha autonomia e é validada, justamente por encontrar ressonância no desejo de consumo dos indivíduos – é importante frisar que aqui o termo “consumo” é tratado com o conceito de práticas simbólicas inerentes à existência humana, e não apenas como mercado de troca pecuniária (GUIMARÃES, 2009).1 Souza (SOUZA, 2001) afirma que a moda feita na rua pode ser vista como um espaço de difusão de ideias referentes ao universo mais amplo da moda, estabelecendo uma ponte com as manifestações concretas da cultura jovem; este vínculo abriu espaço para a ascensão de outras cidades no cenário fashion, que não a tradicional e aristocrática Paris. Um exemplo desse fenômeno foi o sucesso global dos Beatles na década de 60, que criou uma nova imagem da juventude londrina, ou o movimento hippie diretamente relacionado à Califórnia; grandes cidades ao redor do mundo tiveram sua imagem modificada através da moda, ganhando novas identidades que seriam vendidas por todo o material midiático que ela produz. Assim, em uma relação recíproca, o universo da moda e a urbe se alimentavam um do outro. Enquanto, por um lado, a moda encontrava 1 Apesar do termo ser frequentemente utilizado apenas dentro de um contexto econômico, neste Ensaio Teórico busca-se utilizar o mesmo como objeto sociológico que possui um caráter cultural (MC CRACKEN apud GAZUREK, 2012), de distinção (BOURDIEU apud GAZUREK, 2012) e de desejo (LIPOVETSKY apud GAZUREK, 2012). Ele será entendido não apenas como consumo material, mas também de símbolos, ou seja, consumo cultural e social. (TASCHNER, 2010)
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espaço para ser divulgada, para entrar em um contato mais direto e acessível com o consumidor, por outro lado, as cidades ganhavam novos significados que interferiam no imaginário social e atraíam milhares de novos visitantes e investidores. Percebeu-se que esta relação poderia ressignificar cidades em um contexto global, e consequentemente, alterar as dinâmicas urbanas das mesmas. A autora Maria Skivko (SKIVKO, 2016) apresenta três termos referentes às formas de atuação da moda: a branded city, que associa a identidade da cidade a uma marca – como Paris é associada à Chanel -, o city look, ou visual da cidade, que define uma imagem de seu cidadão e estilo de vida, como “a parisiense”, e por fim, o urban garment, ou acessório urbano, que relaciona a cultura ou sociedade de um país a uma peça de roupa, como o jeans associado ao estilo de vida norte-americano. Tais conceitos, segundo a autora, indicam que a moda cria representações das cidades que encorajam práticas de turismo e, consequentemente, fomentam a economia, o que pode trazer benefícios para o local. Isso indica, no entanto, que estes termos estão atrelados ao consumo e por isso tornam-se excludentes; restringem-se a um tipo de público e local específico, podendo originar um processo de gentrificação2 em áreas da cidade. Vale ressaltar que o viés econômico e mercadológico da moda não deve ser ignorado. Se por um lado ela tem funções sociais e identitárias, por outro o sistema se aproveita de tais características com intenções lucrativas de vender uma ideia ou produto por preços exorbitantes. A criação da imagem da “parisiense”, por exemplo, estimula um desejo de aproximação ilusório, ao passo que a torna inalcançável devido aos altos custos que o mercado gera. Paralelo a sua evolução esteve sempre o marketing e a teatralização da mercadoria, termo utilizado por Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009), incitando o desejo dos consumidores perante o luxo ou a novidade. Vários foram os veículos da moda responsáveis por alimentar esta fantasia do consumo inconsciente, criando verdadeiros cenários em torno de um simples objeto. Desfiles, eventos e lojas encontraram no espaço urbano apenas mais um meio de difusão deste universo entre a sociedade, se reinventando de acordo com as novidades e necessidades do consumidor. E entre tantas manifestações da moda, o fenômeno dos brand spaces tem se destacado por traduzir um novo formato de espaço na atualidade. Criados com o intuito de retomar a ideia da experiência de compra como algo particular, estes espaços – arquitetônicos ou urbanos - oferecem não apenas um produto, mas experiências relacionadas à identidade de certa marca. A compra será apenas uma consequência das 2 Processo pelo qual um lugar, especialmente parte de uma cidade, muda de caráter, passando de uma área pobre para uma mais rica, onde pessoas de uma classe social mais alta vivem. (Cambridge Advanced Learner’s Dictionary & Thesaurus, Cambridge University Press)
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sensações que aquele ambiente despertará no sujeito, visto como consumidor – ele compra porque quer fazer parte de um momento ou estilo de vida. Estes espaços, inicialmente voltados para o marketing da moda, como uma estratégia de fidelização entre marca e consumidor, têm se expandido para meios que interferem de forma mais significativa na dinâmica social e urbana. Um exemplo disso é a quadra de basquete abandonada reformada pela Nike em um bairro de Paris; localizada no boêmio bairro de Pigalle, a quadra era apenas um espaço abandonado entre dois edifícios habitacionais, e agora tem atraído milhares de turistas, além de ser frequentemente utilizada pelos moradores da vizinhança. Tal movimento, no entanto, divide opiniões; se alguns autores como Graeme Evans (EVANS, 2003) têm relacionado o movimento dos brand spaces com uma nova ferramenta de revitalização urbana, chamada por ele de cidade cultural3, outros como Otília Arantes (ARANTES et al, 2002) o associam diretamente com a origem dos processos de gentrificação, tão recorrentes nas cidades da atualidade. Essa dualidade demonstra como a moda pode ter sua função alterada de acordo com a leitura do sujeito social. É indiscutível que haja sempre uma intenção econômica por trás de suas ações, mas seria possível aproveitar do âmbito social deste universo para criar efeitos positivos na cidade? A escolha da moda como tema central do Ensaio Teórico veio, inicialmente, de uma admiração pessoal por este universo, não só pela vertente artística em si, de uma “arquitetura que veste corpos”, mas também por perceber toda a influência que a moda tem sobre a vida do ser humano, direta ou indiretamente; através dela é possível marcar momentos históricos, simbolizar opiniões políticas, relembrar certa época ou geração... Seu conceito vai muito além de questões meramente estéticas. Compreender este “lado b” da moda gerou uma necessidade de desmistificar a ideia do “fútil” por trás do assunto; acredita-se que, justamente por existir uma discussão constante em torno de seu aspecto superficial, pensar na moda com um caráter sociológico pode trazer novos ângulos para o debate do que pode ser este universo inserido na realidade da Arquitetura e Urbanismo. Além disso, é perceptível a presença diária da moda no cotidiano citadino, seja através de lojas, instalações, desfiles ou eventos, que interferem na construção da imagem e das dinâmicas que o envolvem. Questiona-se: qual o efeito das ações relacionadas à moda na cidade; é possível torná-la uma aliada no desenvolvimento dos espaços urbanos? E entre tantas maneiras do universo fashion se fazer presente, os brand spaces foramescolhidos como um recorte nesta temática por serem parte de discussões 3 Termo a ser abordado com profundidade mais à frente; a estratégia da cidade cultural objetiva revitalizar centros históricos e zonas marginalizadas através de espaços de cultura – como museus, festivais, eventos no geral – que possam fomentar a indústria do turismo e, consequentemente, impulsionar a economia local.
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mundiais tão atuais que podem trazer uma contribuição ainda maior para um melhor entendimento da relação da moda com o meio urbano. Pretende-se, como estrutura de trabalho, começar a análise pela função social da moda - sua influência na identidade e comportamento humano - além de sua relação com o branding e com o espaço urbano, buscando o entendimento de algumas das diversas maneiras que a moda encontra para se fazer presente na cidade. Em seguida será discutido o fenômeno dos brand spaces, uma das formas mais atuais de atuação da moda, traçando uma linha cronológica da situação das cidades atuais até a formação deste novo formato de espaço, suas diferentes maneiras de manifestação e sua relação com ações urbanas, questionando o valor que tal conceito pode ter, ou não, como ferramenta de revitalização. Já para análise do estudo de caso, pretende-se aprofundar a metodologia a ser utilizada, ancorada na pesquisa de reportagens - da revista Refinery29 e de outros sites, como o jornal The New York Times e TimeOut – sobre o evento, que em seguida será apresentado: o 29Rooms.
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A escolha do evento como objeto de estudo se deu, primeiramente, pelo fato deste não ser um brand space de espaço de compra, o que foi importante para dissociar o conceito da moda do estrito consumo. Além disso, como evento – e um acontecimento durante um importante período para a cidade de Nova York – acredita-se que seu impacto tenha uma escala mais importante e, consequentemente, mais enriquecedora para o estudo em questão. A pesquisa e análise são então estruturadas na busca de textos que mostrem não apenas as instalações do evento em si, mas qualquer efeito que elas tenham causado na cidade, como o número de visitantes ou mudanças que possam ter ocorrido na vizinhança. Palavras-chave como “vizinhança”, “local” ou “intervenção” direcionaram, em alguma medida, tal pesquisa. Por fim, encontrou-se com a moda uma outra forma de apreensão da dinâmica social e urbana, que está mudando cada vez mais rapidamente, entendendo como novos espaços relacionados a essa vertente podem interferir no trabalho do arquiteto e urbanista. Em um mundo onde a palavra “integração” é a diretriz, é necessário pensar a cidade como um conjunto em que arquitetos, economistas, antropólogos, publicitários e vários outros profissionais são responsáveis por pensar e auxiliar seu desenvolvimento de acordo com as demandas da sociedade contemporânea.
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Parte 1
MODA
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MODA E SOCIEDADE A moda, ou o universo do vestuário em geral, é algo que permeia a existência humana desde seus primórdios. Sua função sempre foi além da simples vestimenta; diferentes materiais e adornos cultivaram valores religiosos, sociais e ideológicos, capazes de comunicar algo sobre quem os utilizasse. Em uma breve retomada histórica, percebe-se que o funcionamento da moda sempre esteve mais atrelado às mudanças e lógicas sociais do que a um sistema mercadológico; como o autor Gilles Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009: p.59) afirma, nenhuma teoria da moda pode restringir-se aos fatores da vida econômica e material, visto que estes fatores não esclarecem em nada os mecanismos que definem propriamente a moda. Contudo, foi apenas durante a Idade Média que o sistema da moda estruturou-se da forma como o conhecemos hoje, mais precisamente em meio à alta sociedade europeia, baseando-se principalmente nas culturas espanhola, italiana e francesa. Em períodos anteriores a este, como supracitado, a vestimenta já possuía certo valor simbólico, muitas vezes com ornamentos e um apelo estético, porém estava estritamente ligada a uma tradição inalterável. E o sistema da moda, ao contrário, é algo que vai além do vestuário e possui uma característica importante de mutabilidade, uma busca e gosto constante pelo presente em oposição ao modelo submisso ao passado coletivo (LIPOVETSKY, 2009). Foi justamente por seu caráter efêmero, uma essência de modernidade e mudanças constantes, que a moda encontrou espaço na aristocracia. A febre de novidades alimentou o gosto pelo novo, que ganhava instantaneamente um significado de status e poder que conferiam distinção social – é importante ressaltar que a moda nunca foi um dos agentes responsáveis pela desigualdade de classes; dentro de um sistema social pré-estabelecido por outros diversos fatores, ela serviu como um veículo de acentuação dessas diferenças. A nobreza encontrou no luxo do vestuário uma forma de ostentação e um meio de autoafirmação (WEBER in LIPOVETSKY, 2009: p.65). Com o surgimento e crescimento da classe burguesa, no entanto, as barreiras sociais do vestuário começavam a se tornar pouco claras. Os “novos ricos”, em busca de prestígio e ascensão dentro da sociedade, encontraram na moda um instrumento de imitação das classes superiores para se aproximarem
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da imagem de luxo que desejavam transmitir. Ao retomarmos a estrutura social que rege as dinâmicas de interação humana, perceberemos que a questão de identidade ou assimilação entre indivíduos é uma característica essencial que orienta ações e opiniões de um ser. Diante deste fato, é fácil perceber o valor simbólico da moda; segundo o autor Stuart Ewen (EWEN apud BRANDINI, 2007), a construção da personalidade se dá através do estilo, onde há uma busca pela obtenção de um ideal de beleza e de individualidade, e a moda seria uma ferramenta para promover essa construção. Além disso, segundo o autor Edward Sapir (SAPIR in RAINHO, 2002), a moda possui uma característica de imitação do outro, entendida como busca de reconhecimento social. A partir daí é possível marcar o percurso de democratização da moda. Em um processo lento, mas que se propagou por todas as camadas sociais, ela permitiu dissolver a ordem imutável da aparência tradicional e as distinções inatingíveis entre os grupos (LIPOVETSKY, 2009: p.46). Percebe-se que a moda despertou não só o gosto pela apreciação do próprio ser, mas também pela observação do outro. Encontra-se aqui sua dualidade: uma capacidade de individualização e, ao mesmo tempo, de imitação. Com o surgimento de tantos detalhes, tantas diferenças, o ser humano habituou-se a observar o outro e a comparar-se, buscando ou não a semelhança. Essa imitação democrática, no entanto, não se deu de forma literal. Julgava-se o que seria aproveitado das classes superiores, adaptando o que era absorvido às necessidades dos usuários – no início do século XVII já havia uma moda adaptada aos costumes burgueses, que se desprendia de alguns excessos aristocráticos. Isso deu ainda mais força para o caráter mutável da moda, permitindo uma flexibilidade estética e a liberdade de modificação daquilo que não agradava; como Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009) afirma, a moda trabalhou no refinamento do gosto e no aguçamento da sensibilidade estética; civilizou o olho, educando-o para discriminar as pequenas diferenças, para ter prazer nos pequenos detalhes sutis e delicados, para acolher as novas formas. E foi essa liberdade que permitiu ao ser humano uma expressão do seu ser. Afirma-se que, com a alta costura, iniciou-se um processo de “psicologização” da moda. Pela primeira vez a caracterização de um indivíduo seria personalizada, poderia representar seus gostos, emoções, traços de personalidade; para o universo feminino, por exemplo, este fenômeno deu uma primeira abertura de expressão em uma sociedade em que as mulheres eram totalmente coadjuvantes, “ajudou-as a ser”. Esta afirmação da identidade própria permitiu uma nova estrutura de relação entre os seres humanos, reforçando a identificação e proximidade com seus semelhantes não só por questões de status, mas de opiniões.
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É importante frisar que a moda não nasceu e nem serviu apenas com a função de distinção entre classes sociais; a diretriz de todo este sistema sempre será a tal dualidade entre imitação e individualização. É possível perceber isso, principalmente, entre os anos 1950 e 1960, ou seja, após a revolução do prêtà-porter14, que deu abertura às vanguardas e, consequentemente, à cultura da moda jovem. Neste período a Alta Costura começa a perder sua força para uma moda democrática, que se consolidava segundo novos valores relacionados ao consumo de massa e que oferecia espaço a uma moda juvenil, que exaltava valores de expressão individual, de descontração, de humor e de espontaneidade livre (LIPOVETSKY, 2009: p. 139). A imitação mudava de foco: se antes a intenção era demonstrar status e poder, agora o indivíduo queria pertencer a um estilo de vida atual, moderno. Este período foi de extrema importância para o universo da moda. Era o fim de uma era de puro luxo e fascínio, onde a moda exibia suas várias faces e tornava-se algo mais real, menos inacessível. Não é possível dissociar a força do prêt-à-porter ou da moda industrial da publicidade, claramente. Se houve uma quebra de paradigmas e um incentivo ao consumo de uma moda “mais barata”, menos luxuosa, isso se deu em parte por conta de revistas femininas e pelo cinema, veículos que garantiam o acesso às novidades deste mundo. No entanto, foi também graças a essa cultura do lazer que a sociedade encontrou no novo sistema da moda uma forma de alimentar seus prazeres. Os ideais jovens permitiram uma inversão de valores: a maior preocupação era com a originalidade do indivíduo, enaltecendo símbolos que antes eram julgados como inferiores ou baratos. Estimulava-se a criatividade, a exaltação da personalidade, alimentando nas pessoas uma vontade de valorização de si mesmas. E isso tudo só foi possível graças à outra característica intrínseca à moda, a sedução. Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009) afirma que a moda é uma prática dos prazeres, alimentada pelo incentivo à mudança e à diferença, um estímulo sensorial que desperta curiosidade e desejo no ser humano. Sua construção não seria possível se não houvesse, intrínseco ao indivíduo, um amor pela estética e pelas alegrias terrenas; a moda se aproveitou deste desejo para intensificar a busca eterna pelos prazeres mundanos, em um processo que Lipovetsky chama de “estetização” dos gostos e normas da vida. Foi também durante esta época que a moda se fortaleceu como ato político. Não que esta seja uma função recente – ao longo da história, o vestuário foi 4 Roupa feita industrialmente em série, de boa qualidade, e geralmente assinada por um
estilista da moda.
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modificado diversas vezes para atender intenções políticas, como é o caso dos sans-culottes da Revolução Francesa, que vestiam calças diferentes da classe superior como forma de diferenciação e viraram um símbolo da revolução. No entanto, nos anos 60 este fator deixa de ser algo pontual para tornar-se uma vertente completamente nova da moda. Relacionada aos movimentos jovens minoritários, surgem as primeiras “antimodas”, carregadas de um ideal inconformista e que se manifestam não apenas na aparência do vestuário, mas também nos valores, gostos e comportamentos (LIPOVETSKY, 2009). O movimento hippie, por exemplo, nasceu da oposição às guerras e pregava, principalmente, a liberdade em todos os setores da vida; suas roupas largas e unissex, cabelos soltos e desalinhados refletiam os ideais do movimento. Já o grupo dos Panteras Negras utilizou-se de roupas pretas e de couro além do cabelo black power como forma de enfrentar os padrões impostos pela sociedade racista norte-americana. Vários foram os movimentos ideológicos nascidos na época, mas independentemente de serem punks, new-wave, rasta ou skinhead, a moda ganhava a mesma função: uma forma de contestação social.
Figura 1 A moda dos Panteras Negras. Colagem Autoral.
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É importante ressaltar que estas simbologias da moda não nascem atreladas ao consumo; é a indústria que, posteriormente, explora o fortalecimento de tais movimentos para lucrar com seu sucesso. A juventude é o período em que se inicia um processo de autoafirmação e preocupação com a própria imagem, que incentiva a identificação com semelhantes e por isso dá origem a grupos com valores e ideais parecidos; a partir do momento em que a face obscura da moda, a da indústria do consumo, percebe o potencial destes novos mercados consumidores, ela se apropria dos símbolos destes movimentos políticos. Este aspecto, no entanto, será melhor abordado no capítulo I.2 deste trabalho. Percebe-se, enfim, que essa estrutura de significações dá à moda um valor de cultura, trazendo à voga significados traduzidos em estética que marcam o momento absolutamente presente (BRANDINI, 2007). Em seu artigo, Valéria Brandini coloca de forma precisa a importante posição que a moda ocupa: Observamos períodos sócio-históricos que “moldaram” a moda conforme o desenvolvimento das sociedades urbanas ocidentais. A moda na modernidade assimilou todas as grandes mudanças, invenções e inovações no seio da moderna urbe. Ela se constituiu a partir de inovações na ciência e tecnologia e mudanças no ethos das metrópoles. No início do século XX, ela expressou tanto em seus meios de produção, quanto na estética das roupas, as novas posições assumidas pelas mulheres, sua inserção no mercado de trabalho mudou a imagem da mulher em moda, e mesmo os protestos das feministas emergentes contra a indústria da moda a colocou novamente sob a luz das revoluções históricas. (BRANDINI, 2007)
Além disso, independente da função que a moda exerce, seu sistema só funciona graças à sua capacidade de transmitir algo sobre e para alguém. Tornase redundante citar novamente a tendência de agrupamento que permeia a vida humana; queremos ver e queremos ser vistos, queremos dizer algo sobre quem somos ou mostrar que fazemos parte de um grupo, de uma ideia. Se a moda foi capaz de se instalar na sociedade e atravessar a História, se moldar às mudanças tecnológicas, políticas e ideológicas, ser desprezada por alguns e amada por outros... isso tudo só foi possível porque ela alimentou uma necessidade inerente à essência humana: a comunicação.
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MODA E BRANDING A fim de entendermos o conceito de branding, precisamos, inicialmente, retomar suas origens na publicidade e compreender o papel deste setor no universo da moda. Sendo a moda caracterizada, essencialmente, por um ritmo efêmero, por uma necessidade constante de mudança, seu sistema tornou-se inerente à produção e ao consumo de massa. A era da moda consumada de Lipovetsky, “a extensão de seu processo a instâncias cada vez mais vastas da vida coletiva” (LIPOVETSKY, 2009: p. 180), abre portas para o desejo instantâneo, o consumo impulsivo baseado na publicidade. Lipovetsky afirma que o consumo está associado a inúmeras dimensões psicológicas e imagens, visto que através dos objetos e marcas, consumimos características que desejamos atrelar a nós mesmos – a publicidade não é, portanto, um mecanismo desconexo de valores culturais e sociais, ela só funciona porque existe, no ser humano, um desejo pela qualidade, pela estética e pelo novo. É habitual relacionar a publicidade, como comunicação da moda, com um processo de persuasão e ferramenta de dominação, que se infiltra de maneira comedida na sociedade para guia-la – destaca-se aqui o lazer, seu principal alvo, que se tornou um objeto da indústria comandado por produtos ou serviços vendidos. Troiano (TROIANO apud GOMEZ, 2011) destaca o fato do consumidor sempre permanecer imerso em emoções quando está processando comportamentos de compra, onde a falta de racionalidade permite a manipulação – a publicidade se torna sinônimo de massificação e de uma lógica totalitária. Este pensamento, contudo, é ilusório segundo Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009) – a publicidade realmente age sobre um coletivo, mas permite, dentro de seu teatro, partículas de individualidade que possibilitam ao usuário o poder de escolha. Seus dispositivos são de comunicação e sedução, mas nunca de manipulação – o ser humano é capaz de filtrar pelo que se deixará ser envolvido. Percebe-se que até quando a publicidade vai muito além do consumo, sendo usada para mobilizar a sociedade diante de grandes problemas, as campanhas são de sensibilização e não de doutrinação; a publicidade não tem a capacidade de aniquilar a reflexão e os questionamentos pessoais.
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Ainda segundo o autor, é necessário entender a cultura de massa não
como um instrumento de alienação, mas de individualização. Há, é claro, uma dualidade em sua função – ao difundir ideais de felicidade, diversão e bem-estar, a cultura de massa “alimenta e atrofia a vida” (MORIN apud LIPOVESTKY, 2009: p.259), por incentivar, rumo à individualização, uma realidade fictícia, imaginária. Esse impulso à fantasia, no entanto, disfarça uma verdadeira contribuição para o processo de individualização das massas, em que os indivíduos são estimulados a viver para si próprios, e diante de tanta informação, tomar posicionamentos de acordo com as tribos com que se identificam. O sociólogo Fredric Jameson ainda considera que já não exista mais uma oposição “cultura de elite/cultura de massa”, visto que toda produção social pode ser entendida como cultura (FREITAS, 2005). A cultura de massa toma posicionamentos que vão muito além de uma simplista divisão por classes. Sendo a relação entre a indústria cultural e a mídia baseada no presente, torna-se mais fácil um desapego de ideias e opiniões, permitindo aos indivíduos transitar entre diversas convicções sem grande receio de abandoná-las. Como Lipovetsky afirma, “a mídia juntamente com o consumo permitem às sociedades democráticas passar a uma velocidade de experimentação social mais rápida e mais maleável” (LIPOVETSKY, 2009: p.267), ou seja, a cultura da moda não perde sua liberdade, ela apenas se apoia em estruturas que incentivam seu caráter mutável. Além disso, sua intenção primordial não é a de educar ou direcionar ideologias; apesar deste conteúdo ser muitas vezes visível, o objetivo principal da publicidade de moda é seduzir através da diversão.
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Por considerar que qualquer estímulo do meio influencia o comportamento do público consumidor, percebe-se que a experiência publicitária não é puramente imagética. Pesquisas realizadas por Lindstrom (LINDSTROM apud GOMEZ, 2011) concluem que o olfato é uma peça importante no marketing, ativando regiões cerebrais iguais às ativadas pela visão. Os outros sentidos também são importantes para ativação da memória e lembrança de uma marca, ou seja, a publicidade é sinestésica. A capacidade de despertar sensações e atrair consumidores através do mais puro lazer dá origem ao branding. Este fenômeno surge como uma nova ferramenta da publicidade, adaptada a um novo modelo de sociedade. Com a função de aproximar uma marca do seu público, branding significa a gestão de uma marca, tentando torná-la mais conhecida ou desejada através de estratégias mais afetivas. Esta marca não precisa ser, evidentemente, de moda ou qualquer outro produto; é possível gerar uma marca de um time esportivo, de uma exposição de arte ou até mesmo de um partido político – estes foram, inclusive, grandes usuários do poder da publicidade. Cuidar da imagem dos dirigentes, torná-los mais próximos da população, uma construção de atração emocional são estratégias próprias do branding político. Lipovetsky, em meio ao seu trabalho ainda no século XX, já sinaliza uma mudança no universo publicitário que originaria o branding, chamando atenção para a era da publicidade criativa; esta, segundo o autor, transforma os produtos em “seres vivos”, comunicando uma personalidade da marca (LIPOVETSKY, 2009: p. 217). Sua sedução se dá através da teatralidade, por um formato lúdico que encanta o universo da moda; esta teatralidade, no entanto, não é produto da atualidade – a Alta Costura contribuiu para essa grande revolução comercial que consiste em estimular, em desculpabilizar a compra e o consumo através de estratégias de encenação publicitária e de superexposição dos produtos (LIPOVETSKY, 2009: p.111). Mas por que o branding é necessário para a moda? É claro que este universo e a publicidade sempre andaram juntos ao longo da história, sendo apenas moldados de acordo com configurações das épocas. Como forma de comunicação, a moda sempre buscou estratégias de sedução e fidelização com seu consumidor, o que foi fortalecido através do branding – como uma síntese dos elementos materiais e não materiais de uma marca, a mesma ganha vida para sempre, tendo capacidade de se adaptar e sobreviver às tendências e temporadas. Ao contrário do que se acredita, o branding não está limitado às marcas de luxo. Se com o surgimento das lojas de departamento já era possível perceber um apelo estético e lúdico como forma de chamar a atenção do consumidor,
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é cada vez mais comum perceber estratégias de branding nestas lojas, que buscam nessa ferramenta uma forma de diferenciação – apesar dos preços e qualidade inferiores à de uma grife, sua popularidade cria a necessidade de uma personalização, algo que a diferencie de outras marcas mais simples. Para construção e divulgação do branding de uma marca, são usados artifícios como campanhas publicitárias, a mídia cinematográfica ou até mesmo a imagem de celebridades – a Nike, por exemplo, incorporou a imagem do basquete e do astro Michael Jordan como forma de criar uma identificação com um público específico. Estes mecanismos de divulgação também foram essenciais para alimentação do caráter efêmero da moda, visto que conforme as tendências surgiam entre a sociedade, mais havia uma necessidade de criação e renovação das mesmas. Como Lipovetsky afirma, as indústrias culturais são de ponta a ponta indústrias de moda, a renovação acelerada e a diversificação são aí os vetores estratégicos (LIPOVETSKY, 2009: p. 241). A época atual, no entanto, modificou diversas noções da moda em relação ao tempo das renovações; o século do “instantâneo” modificou o sentindo de “novo” e exigiu mudanças na abordagem de comunicação entre marca e consumidor. Se anteriormente havia uma possibilidade das marcas optarem ou não pelo uso de campanhas publicitárias e outras mídias alternativas, hoje as ações de branding relativas à vivência concreta dos valores propostos pela marca são imprescindíveis para o consumidor moderno que busca construir sua própria individualidade através dos produtos da moda (LIPOVETSKY apud GOMEZ, 2011: p. 19). A velocidade das informações exigem estratégias que sigam esta rapidez, mas, paralelamente, sejam significativas o suficiente para permanecerem no imaginário do consumidor. Diante de uma sociedade voltada para a tecnologia, a moda precisou de novas estratégias para colocá-la, novamente, em um nível de relevância dentro da dinâmica social. E como contraponto do direcionamento que a humanidade vinha tomando, foi na retomada dos espaços que ela encontrou sua renovação. Sem deixar a essência imaginativa de lado, o sistema da moda conseguiu unir a tecnologia à paixão humana pelo prazer e entretenimento, traduzindo-o em uma nova linguagem de branding. Um marketing lúdico, sensorial, cenográfico, que é capaz de atrair o consumidor através de experiências físicas e reais. Surgiram assim os brand spaces.
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MODA E CIDADE Os conceitos de moda e cidade são indissociáveis. Desde o nascimento da moda, em que o luxo da alta sociedade era diretamente atrelado à Paris, até as vanguardas que associavam a alfaiataria masculina e ideais rebeldes a Londres, a identidade urbana e o universo da moda estão interligados. Esta relação é construída em dois movimentos paralelos - o histórico, com a construção e difusão dos significados da moda graças ao espaço urbano, e o da comunicação, com a capacidade da moda criar imagens52 e conceitos sobre uma cidade. O espaço urbano é essencialmente caracterizado por um espaço de cultura. É nele que o comportamento coletivo encontra meios de se expressar, trocar, comunicar, o que gera as duas grandes características do espaço público: a representação e o diálogo (THOMPSON apud COSTA; BUITONI, 2013). Ambos fazem da rua um espetáculo onde se representa a autoimagem, através da moda, do lazer, do gesto; é o espaço público dominado pelos valores e crenças que constituem o sistema de ordem de ações e de comportamentos aceitos coletivamente (COSTA; BUITONI, 2013). Ao voltarmos ao processo histórico da moda, percebe-se que sua evolução para o significado que conhecemos hoje só foi possível graças à presença de um espaço que a permitisse ser vista. Se os motes das relações humanas são a comparação e a identificação, e por conta de tais hábitos é que a moda se estruturou como um sistema completo, nada disso teria sido possível sem a existência de uma vida urbana; é a rua, pensada como este espaço de espetáculo, do lazer e da visibilidade, que confere o estatuto de “moda” a determinadas transformações, inovações e renovações [...] (GUIMARÃES, 2009). Como Elizabeth Currid (CURRID, 2007) afirma, é a natureza social inerente às pessoas – e à criatividade – que faz a vida de uma cidade tão importante para a arte e a cultura. É importante frisar, no entanto, que para que este processo ocorresse, o valor da rua também precisou ser ressignificado; antes de um maior desenvolvimento industrial, as ruas eram consideradas como locais atrasados e negligenciados. 5 Segundo Lynch (LYNCH apud REHAN, 2014), uma imagem urbana é um atributo (ou conjunto de atributos) combinado com características especiais que definem o escopo de um ambiente urbano particular. Estes incluem interfaces de formato, conteúdo cultural, podendo o uso cultural e econômico de um local afetar muito seu caráter físico.
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A Revolução Industrial foi responsável não só por impulsionar o comércio, mas também para auxiliar no desenvolvimento das cidades, sem o qual as práticas mercadológicas não teriam tanto sucesso. Ferrovias e portos permitiram a disseminação do que era usado pela corte europeia – especialmente francesa – enquanto o espaço urbano, obtendo melhorias, começava a permitir a circulação da alta sociedade. Mudanças comportamentais da sociedade, como a entrada da mulher no mercado de trabalho ou a valorização de artistas como personalidades fascinantes, também foram capazes de alterar e diversificar os hábitos e códigos da vestimenta. A própria arquitetura do século XIX sofreu grandes alterações com o aumento do comércio e consequente influência da moda. Foi o momento das galerias e grands magasins, novas tipologias comerciais nascidas em Paris que modificaram o uso e a relação do indivíduo com o espaço urbano. As galerias, ou passagens, ofereciam não só um atalho seguro entre quarteirões – tanto em relação à chuva quanto às mazelas urbanas - como um local de passeio e consumo; as vitrines das boutiques atraiam olhares de quem passasse, com uma capacidade de “acolher a multidão e retê-la através da sedução” (GIEDION apud BENJAMIN, 1986: p. 84). Tais passagens eram aliadas do comércio e da indústria, mas como Walter Benjamin explica, elas também trouxeram diversos benefícios para os usuários do espaço urbano. Com as ruas tomadas por carruagens, a passagem dos pedestres se resumia às calçadas estreitas, enquanto as galerias, com suas ruas largas e exclusivas para os transeuntes, tornavam a caminhada muito mais prazerosa. Este novo comércio estimulava passeios pelas ruas e a interação social, reforçando, consequentemente, os hábitos de observação e comparação. Este contato entre diferentes indivíduos gerava uma motivação de cuidado com a aparência pessoal; surgiam personagens peculiares no cenário urbano, como os dândis63, uma espécie de cavalheiro que valorizava o bom gosto e o senso estético. Novos hábitos e uma reformulação do convívio social alimentava o sistema da moda. Com a evolução das passagens surgiram as famosas grand magasins, ou lojas de departamento. Precursoras do que seriam os atuais shoppings centers, suas lindas vitrines e interiores chamavam a atenção e alimentavam o imaginário do consumidor. As fachadas dos edifícios se transformavam em verdadeiros cenários que estimulavam o público a passar, parar e olhar, aproximando o conceito de consumo a uma atividade de lazer. Estes espetáculos, no entanto, não eram novidade – como afirma Slater (SLATER apud TASCHNER, 2010), 6 Citado pela primeira vez por Charles Baudelaire, o dândi era a figura de um aristocrata com paixão pelos prazeres terrenos; não possuía ambições financeiras, mas valorizava a intelectualidade, o lazer e o belo.
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talvez as lojas tenham apenas recuperado o que acontecia nos mercados e feiras medievais, onde os negócios conviviam com o entretenimento, comida e outras amenidades. O elemento teatral do comércio ressuscita e ganha cada vez mais força na sociedade moderna; como Lipovetsky afirma em A Estetização do Mundo (LIPOVETSKY, 2015), as lojas de departamento ultrapassam seu contexto e, se tornam, elas próprias, um emblema artístico. Um exemplo colocado pelo autor é o da loja de departamentos norte-americana Macy’s, que organiza todos os anos uma imensa parada que percorre as ruas de Nova York durante o Dia de Ação de Graças; se antes era através de vitrines que a moda modificava o cenário urbano, agora sua interferência ganha a escala de performances e fashion shows. Vale ressaltar que estes espaços foram responsáveis por acentuar, ainda mais, o distanciamento social. Béraud (BÉRAUD apud BENJAMIN, 1986: p. 86) trata do assunto ao falar que não sabe se o comércio do Palais-Royal sofreu com a ausência das prostitutas; segundo o autor, essa ausência deveria “ser uma compensação vantajosa para os comerciantes porque, quando o Palais-Royal era invadido por um enxame de prostitutas quase nuas, os olhares da multidão se voltavam para elas e não eram esses olhares que faziam prosperar o comércio local”. As galerias e lojas de departamento eram frequentadas apenas pelas classes mais nobres, enquanto para a população mais baixa restava apenas o caos e a sujeira urbana. Isso não quer dizer, no entanto, que a moda não se desenvolvia entre as classes inferiores. O comércio era um sistema separatista, mas a rua sempre foi um espaço democrático; se entre a alta sociedade, as grandes marcas ditariam o que era moda, era no espaço urbano que ela seria contestada e modificada. Para estes grupos minoritários, o sistema da moda ganharia corpo apenas mais tarde, dentro do supracitado movimento jovem do século XX. O contato entre tantos indivíduos e ideias diferentes, proporcionado pela urbanização e crescimento das cidades, permitiu que estes grupos ganhassem força para lutar por seus ideais; como afirma Elizabeth Wilson (WILSON apud GUIMARÃES, 2009) a moda se consolidaria como um meio político de expressão de revoltas e reformas sociais. Além disso, movimentos culturais como o neoplasticismo ou o modernismo nas artes e o hip-hop na música também acabaram influenciando linguagens e estilos, o que só foi permitido graças a essa contracultura que desvinculou a moda de um universo aristocrático extremamente restritivo. Como um mecanismo de construção de identidades coletivas, os “estilos de vida” gerados pela moda tornam-se intrínsecos à imagem de uma cidade; isso, é claro, graças a um processo de globalização que permitiu a ressignificação das fronteiras, como aponta Herschmann (HERSCHMANN apud GUIMARÃES, 2009):
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Evidentemente que a cidade passa por um momento de dispersão, em que se expande por todos os lados e parece perder o sentido, mas é curioso que, neste momento em que a sensação de desintegração parece ser mais aguda, surjam atores que tentam pensar a cidade como um todo. A expansão territorial e a massificação da cidade, que reduzem as interações entre os bairros, ocorrem junto com a reinvenção dos laços socioculturais que passam pelo ritmo do consumo, pela afirmação dos estilos de vida. (HERSCHMANN apud GUIMARÃES, 2009, p. 04)
A partir desta construção imagética relacionada à moda local, as cidades ganham características próprias de representação do seu espaço. Segundo a autora Maria Skivko (SKIVKO,2016), tais representações manifestam-se em três tipos: a branded city, o city look e o urban garment. O primeiro tipo, que em uma tradução literal significa algo como “cidade-marca”, seria uma relação imagética que se faz entre uma cidade e marcas de moda que surgiram naquele lugar; o espaço urbano se transforma então em uma referência fashion que atrai turistas por sua conexão com a identidade de uma marca – como não associar a imagem de Carolina Herrera à Nova York ou Chanel à Paris? Já o city look, ou “visual da cidade”, está relacionado a uma imagem coletiva de certos comportamentos, individualidades políticas, sociais, econômicas e estéticas que constroem o imaginário de um lugar – ao pensarmos em Los Angeles, por exemplo, logo ligamos a cidade a um estilo de vida jovem, praiano e descontraído, enquanto Nova York remete a uma moda mais urbana, cosmopolita. É comum perceber essa relação reforçada através de fotografias e outras peças publicitárias, por exemplo, onde marcos ou características específicas de uma cidade não são apenas plano de fundo, mas personagens importantes na construção da imagem que a marca procura transmitir. Segundo Zukin (ZUKIN apud SKIVKO, 2016), este tipo de representação urbana torna as cidades autênticas. E por fim, por meio do urban garment, associa-se uma peça de roupa específica a uma cidade ou cultura, como blusas listradas estão vinculadas à Paris ou as sandálias de plástico, como as Havaianas, ao Brasil. Ainda segundo a autora, estas representações imagéticas podem atuar até no espaço físico da cidade, determinando as áreas de consumo e entretenimento dentro da urbe. A moda atua então através de brand spaces, desfiles e eventos de moda que são pensados de acordo com a identidade de cada local – podendo, inclusive, reforçá-las. Áreas de consumo, segundo o autor Goodwin (GOODWIN apud CREWE; BEAVERSTOCK, 1998), são fascinantes porque refletem processos econômicos e culturais de uma cidade – e o desenvolvimento da paisagem urbana nunca é apenas econômica, mas também política e social. Isso mostra
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que, através de tais áreas, é possível analisar a dinâmica de uma cidade, seu histórico e seus problemas. Além disso, como um movimento cultural, alguns eventos e espaços de moda contribuem para uma vida cultural das comunidades locais, o que Thrift (THRIFT apud WELLER, 2013) chama de “economia de afeto”. Estes espaços são dedicados, simultaneamente, à produção econômica e ao prazer e diversão da comunidade (WELLER, 2013). É evidente que essa construção de identidade, principalmente quando atrelada a fatores econômicos, já não trará benefícios ao espaço urbano como um todo. Além da criação de imagens muitas vezes inalcançáveis para a maioria da sociedade, como o glamouroso nova-iorquino ou o sofisticado parisiense, ainda há a apropriação de movimentos nascidos na rua por parte do comércio, como é o caso do estilo ligado ao punk e rock. Neste caso, a imagem de uma cidade está unicamente direcionada para um marketing global, pois é pensada de forma genérica e nem sempre representa a realidade da população local. Tornar-se atraente em uma escala globalizada é uma necessidade da cidade contemporânea, que muitas vezes acaba gerando a gentrificação de seus espaços; segundo Konstantinos Gourzis (GOURZIS, 2014), uma cidade atual, mesmo que com pouca influência no cenário mundial, deve funcionar em termos globais para sobreviver. O apelo estético, vital para o sistema da moda, também torna-se responsável por este processo a partir do momento em que o espaço urbano é alterado apenas afim de embelezá-lo – e isso, é claro, de acordo com padrões estéticos de determinado grupo. A pluralidade da moda no espaço urbano se perde em troca de um interesse mais forte, o mercadológico. Martinez, no entanto, levanta um fator interessante sobre a presença dos espaços de moda na cidade. Estes possuem uma habilidade de unificar os espaços urbano, comercial e de exibição de uma forma que nenhum outro tipo de arte consegue (MARTINEZ apud GOURZIS, 2014). Eventos como Bienais ou desfiles de moda são capazes de deixar lojas abertas ao longo da noite, organizar exibições por toda a cidade e permitir que shows se apropriem do espaço público; nestes períodos, não há mais uma divisão entre zonas residenciais e comerciais, a dinâmica de toda a cidade é modificada. Este fato demonstra a capacidade de agrupamento social da moda além dos fatores econômicos. O espaço urbano sempre será uma peça indispensável para o sistema da moda, seja para fins sociais ou não. Sendo assim, será possível aproveitar de tal associação em prol de algo mais significativo para as cidades? Figura 2 Campanha de natal da marca nova-iorquina Kate Spade. Fonte: https://www.katespade.com
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Parte 2
BRAND SPACES
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A CIDADE DO SÉCULO XXI E NOVOS CONCEITOS
A cidade do século XXI:
Tal expressão, utilizada para referenciar não só uma configuração espacial em si, mas também todo um novo estilo de vida da sociedade, carrega implicitamente um teor de pessimismo e preocupação. Não são poucos os estudos acadêmicos voltados para “os desafios” ou questionando “como pensar e planejar” um novo formato de espaço urbano que tem se estabelecido ao longo dos últimos anos. Considerado como o século de grandes e rápidos avanços tecnológicos, o século XX destacou-se por mudanças constantes que permearam décadas e ressoam em todos os âmbitos da sociedade do século XXI – incluindo as cidades. A “sociedade em rede” estudada por Manoel Castells (CASTELLS, 2005) estrutura-se em um cenário onde tudo está interligado – os sistemas econômicos se remodelam, mercados financeiros tornam-se globais e as relações sociais se redefinem. É inclusive um período de muita instabilidade política e desestruturação de instituições, o que gera o retorno de movimentos sociais para uma escala local. Em períodos de caos e mudanças abruptas, o ser humano tende sempre a buscar uma identidade e se reagrupar de acordo com ela. Se com a Revolução Industrial as cidades já começavam a receber mais e mais pessoas em busca de novas oportunidades de vida, no século XX a sociedade ficou marcada pela urbanização e transformação dos centros urbanos. Toda a velocidade trazida pelo avanço da tecnologia refletiu-se nestas transformações, que se deram de forma rápida e caótica, ocupando as cidades desordenadamente. Talvez a preocupação existente em estudos atuais sobre a urbe se dê justamente pela rapidez com que tais mudanças ocorreram: o espaço se modificou e as teorias não o acompanharam rápido o suficiente. Essa nova configuração urbana permitiu a proliferação da violência e da poluição, além de colocar o automóvel como personagem principal do cenário citadino, criando espaços extremamente hostis para a vida comunitária. A situação divide opiniões, onde surgem visões otimistas, que acreditam na industrialização e tecnologia como condição para a melhoria do espaço urbano, mas principalmente visões pessimistas, como a de Lewis Mumford (MUMFORD
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apud LIMENA, 2001) e sua “megamáquina moderna” como metáfora da cidade. Ambas as perspectivas fornecem propostas alternativas para as cidades do amanhã, oscilando entre o apoio e a rejeição das tendências apontadas pelo presente (LIMENA, 2001). Marc Augé (AUGÉ, 2009) caracteriza a tendência do novo século com o conceito dos “não-lugares” que refletem as mudanças que têm ocorrido na sociedade moderna. Espaços que facilitam a circulação, o consumo e a comunicação (SÁ,2012), mas preservam o anonimato e a individualidade, os “não-lugares” permitem ao indivíduo “fazer mais coisas em menos tempo”. Marcada pela tecnologia, a sociedade globalizada é capaz de se conectar com tudo e todos, mas em lugares codificados, dos quais ninguém verdadeiramente faz parte – estamos em um shopping center, rodeados de outras pessoas, mas nos conectamos uns com os outros apenas através do telefone celular. A sistematização dos espaços, reforçada pela sociedade de consumo, potencializou o comércio, determinando as dinâmicas entre os indivíduos. As revoluções industriais e tecnológicas abriram portas para o aumento e diversificação de mercadorias que alimentavam os desejos do ser humano, alinhando-se a novas configurações de espaço – aqueles voltados para o entretenimento – e de comportamento – pautado no consumo. Dado este cenário, observou-se um afastamento gradual do ser humano com o espaço urbano. Em meio à desordem, e paralelamente, ao avanço da tecnologia, sua reação natural foi de buscar lugares tranquilos, reservados, distantes do medo e desconforto que os grandes centros causavam. Surgiam ambientes que se voltavam menos para a cidade e mais para si – definidos por Fabiano Dias (DIAS, 2005) como arquiteturas introvertidas. Climatizados e protegidos, tais espaços artificiais já citados por Augé (AUGÉ, 2009), como shoppings e hipermercados, oferecem experiências semelhantes às da urbe, deixando de fora todos os problemas que encontramos no espaço ao ar livre, mas também toda a riqueza da diversidade que este possui. Em um ciclo vicioso, os investimentos – públicos e privados – voltaram-se cada vez mais para as arquiteturas introvertidas, dando as costas para o meio urbano e, consequentemente, tornando-o menos utilizável. Além disso, com o avanço e difusão da tecnologia, praticamente todas as necessidades do indivíduo são supridas sem que seja necessário sair de casa; a cidade não oferece mais nenhum atrativo. Como Lucrécia Ferrara destaca, esta crescente globalização impõe outra dimensão interpretativa do espaço urbano e passamos da sua localização territorial para o deslocamento midiático e virtual (FERRARA apud BUITONI et al, 2013).
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Observou-se, no entanto, que entre o final do século XX e início do século XXI começou a surgir uma busca pela retomada dos espaços da urbe. Contrapondo-se a um mundo marcado por espaços genéricos, globalizados, desprovidos de particularidades, ou de realidades virtuais e rápidas mudanças, cresce uma tendência ao movimento contrário, de busca pela individualização, pela realidade física, por um lugar de permanência que ofereça ao usuário experiências singulares e mais humanas. Há uma necessidade, principalmente na Europa e na América do Norte, de retomar os espaços públicos através de parques, feiras, festivais, lojas e restaurantes ou qualquer lugar que crie uma atmosfera que incentive o cidadão, morador ou turista, a utilizar a cidade. Nos anos 90, o sociólogo Ray Oldenburg (OLDENBURG, 1999) percebe em diversas cidades a presença constante de uma característica em comum: espaços informais de reunião que fazem parte da paisagem urbana e da dinâmica social, traduzindo uma identidade da cidade onde estão presentes. As casas de chá japonesas, os cafés na beira das calçadas de Paris ou as piazzas de Florença, não importa o formato, são espaços de encontro e sempre estarão presentes no cenário da urbe. A grande importância destes lugares se dá por permitir um ambiente de descontração e relaxamento, muito semelhante ao de uma moradia, mas ainda assim incentivar a conexão entre indivíduos, alimentando uma necessidade social inerente ao ser humano. Oldenburg propõe então o termo being space, que seria uma espécie de “terceiro espaço”, aquele entre o lar e o trabalho, e que poderia cumprir, temporariamente, o papel dos dois outros espaços, se necessário. Percebe-se que, independentemente de como a cidade se estrutura, há uma necessidade intrínseca ao ser humano de interagir com o outro. A definição dos being spaces se encaixaria entre os conceitos dos nãolugares e dos “lugares antropológicos” que Augé propõe – que privilegiam as dimensões identitárias, históricas e relacionais (AUGÉ apud SÁ, 2012). Não são espaços com funções fixas, mas possuem autenticidade e permitem interações além da superficialidade. Paralelo a este movimento, as transformações das cidades causavam preocupação e pediam soluções que acompanhassem o ritmo de seu desenvolvimento. Ao perceber as necessidades da cidade moderna, norteada pelo avanço da tecnologia, Charles Landry (LANDRY, 2008) propõe uma nova maneira de pensar as cidades. O autor afirma que as cidades do futuro em nada se parecem com o que vinha se desenvolvendo até o momento e que é necessário pensar o espaço urbano não só em termos físicos, mas também em termos psicológicos. A motriz das cidades do século XXI são as pessoas e
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sua capacidade de inovação e criatividade, por isso torna-se necessário planejar espaços que aprimorem a experiência dos indivíduos e incentive a comunicação e troca entre eles. A cidade criativa de Landry encoraja a imaginação, cultura e globalização e promove os being spaces – aqui ele acrescenta significados ao termo, afirmando que estes espaços possuem um apelo estético e tecnológico afim de estimular a capacidade criativa do ser humano. Também são cidades onde surgem novas noções éticas, atentas aos problemas ecológicos, sensíveis a outras culturas... ou seja, cidades conectadas não apenas com questões materiais, mas também mais essenciais. São cidades que incentivam o desenvolvimento tecnológico e a diversidade, visto que comunidades abertas para o contato entre diferentes povos estão suscetíveis a diferentes tipos de relações e, consequentemente, a um desenvolvimento mais criativo. Este ideal de cidade, no entanto, possui controvérsias. Sabe-se que essa nova era é marcada, ainda, pelo capital e pelo interesse de grandes indústrias, também fortalecidas com a globalização. Como afirma o economista Robert Lucas, as grandes cidades atraem as pessoas despistando todas as desvantagens de viver em uma metrópole densamente lotada, barulhenta e cara, por causa do desejo dos seres humanos de se cercarem. E ainda que se saiba que as cidades sempre estiveram associadas a relações monetárias e de poder, atualmente elas mesmas são geridas e consumidas como mercadorias, o que sustenta o conceito da cidade empreendimento de Peter Hall (HALL apud ARANTES, 2002). Este baseia-se em teorias como a de Molotch ou a do supracitado Lewis Mumford, teses sobre uma cidade-fábrica em que o suposto uso do lugar para seus habitantes torna-se moeda para aqueles interessados em extrair dele um benefício econômico qualquer. É a classe rentista, associada às entidades de seu interesse, como mídia, políticos, comércio, que rege e manipula as regras da urbe, colocando seu interesse acima de qualquer planejamento social. Observa-se a perda de um olhar para a relação entre espaço e indivíduo, onde o principal usuário da cidade torna-se um coadjuvante com necessidades ignoradas; o pensamento racional toma a direção do planejamento urbano, desconsiderando dimensões mais sensíveis de uma escala sócio-antropológica. O próprio espaço incentiva uma individualização e a perda de qualquer espontaneidade, o ser humano se torna parte de um sistema mecânico que delimita com perfeição o que é espaço público ou privado e como se deve agir em cada um deles. Em meio a tantas divergências teóricas e um panorama caótico da situação urbana, Limena (LIMENA, 2001) ratifica Castells (CASTELLS, 2005),
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ao discutir como a cidade do século XXI mostra-se como uma estrutura cada vez mais complexa, com princípios completamente novos em relação à cidade de antigamente; já não é possível dividi-la em funções em zonas independentes, pois tudo está conectado. Mas como Ferrara (FERRARA et al, 2014) coloca, o espaço público tem retomado sua identidade ao passo que se desliga de um regime que normatiza seu uso. Contradições da modernidade: ao mesmo tempo em que se torna impessoal, a dimensão pública da urbe está por todas as partes, dando voz à multidão e suas particularidades, sendo espaço de democracia. O espaço público é, atualmente, a expressão mais genuinamente comunicativa da cidade (FERRARA et al, 2014: p.48). Pensar o espaço urbano atual e de um futuro próximo requer então uma sensibilidade para com os novos conceitos e necessidades da sociedade pós-moderna. É necessário desvincular este processo do poder de poucos em prol de estratégias que fortaleçam a cidade como uma propriedade plural. As crises urbanas, neste contexto, não podem ser pensadas como resultado de um processo linear, mas como um processo complexo que requer uma visão macroscópica.
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BRAND SPACES No contexto da cidade atual, marcado pelo avanço da tecnologia e pelo supracitado afastamento do ser humano do espaço urbano, percebeu-se uma mudança entre o sistema da moda e a sociedade. Com o aumento considerável de compras on-line nos últimos anos, a relação do consumidor com as marcas – de qualquer objeto, mas principalmente de moda – tornou-se algo efêmero e impessoal. A publicidade, sempre presente, tornava-se ainda mais imprescindível para sustentar esta relação, porém antiquada para a cenário da sociedade moderna. O movimento dos being spaces despertou a atenção deste universo do empreendedorismo e das marcas, que perceberam neste vínculo entre indivíduo e espaço, uma solução para reafirmarem sua identidade e retomarem a ideia da experiência de compra como algo especial e particular. Surgem, assim, os brand spaces, espaços arquitetônicos ou urbanos que, fugindo da ideia de “loja”, oferecem não apenas um produto, mas experiências relacionadas à identidade daquela marca. A compra será, então, apenas uma consequência das sensações que aquele ambiente despertará no consumidor – ele compra porque quer fazer parte daquele momento, daquele estilo de vida. É importante frisar que, como visto anteriormente, o branding não está resumido ao consumo direto ou a marcas de produtos; consome-se uma ideia, um estilo, uma ideologia. Por isso os brand spaces não devem ser confundidos com um novo tipo de loja – este é apenas um de seus formatos – mas como um espaço que oferece uma experiência relacionada a diversos temas. Leo Shawn, em seu artigo A Taxonomy of Urban Branded Spaces (SHAWN, 2017), expõe três classificações para os brand spaces: o novo espaço de compra, espaços de incubação de valores e os espetáculos de cultura. Os novos espaços de compra envolvem lojas que fogem de seu significado tradicional. Com o avanço do comércio virtual, essa nova linguagem de loja tem o objetivo de conquistar consumidores “offline” e traduzir seu conteúdo digital para a realidade material. Atualmente tornou-se popular, por exemplo, a pop-up store, tipo de loja que abre subitamente e existe por um curto período, fechando após algumas semanas ou meses. Já outras lojas oferecem atrativos que vão além de seus produtos, como happy hours ou noites de karaokê. A Story, por exemplo,
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é uma loja de Nova York que desde 2011 tem chamado atenção por trazer um conceito completamente novo: de mês em mês, ou a cada dois meses, a loja muda sua temática por inteiro – desde a arquitetura até os produtos vendidos – e com isso oferece eventos públicos, como palestras, workshops e festas, de acordo com o tema da vez. Já os espaços de incubação de valores estão mais relacionados a setores que não vendem um produto diretamente; sua função é oferecer uma estrutura que alimente a indústria criativa em troca de publicidade para a marca que a financia. A ideia é que estes espaços funcionem como o youtube ou instagram, por exemplo, funcionam no universo digital: plataformas gratuitas que permitem a um usuário divulgar seu trabalho. Alguns exemplos deste tipo de brand space seriam o Red Bull Studios, em Nova York, e o Adicolor Studios, na Alemanha; o primeiro oferece um estúdio para gravação de álbuns de músicos emergentes, enquanto o segundo, patrocinado pela Adidas, oferece um espaço para artistas e designer desenvolverem seus projetos ao longo de dois meses, com uma exposição final.
Figura 3 Adicolor Studios, um espaço gratuito para artistas patrocinado pela Adidas. Fonte: BORGES, S.; KLANTEN, R.; EHMANN, S. Brand Spaces: Branded Architecture and the Future of Retail Design. Berlim: Gestalten, 2013.
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Por fim, a terceira categoria de brand space, e talvez a mais importante para o estudo aqui desenvolvido, os espetáculos de cultura. Neste caso, a construção de identidade de uma marca será através de um universo cultural ocupado por visitantes; são as festas, exibições, feiras ou qualquer outro evento que ofereça experiências relacionadas ao nome de tal marca que a patrocine. Entre diversos exemplos deste grupo, temos a pool party oferecida pela marca Algeu ou o parque interativo oferecido pela marca COS, ambos durante as edições de 2015 e 2017 da Art Basel, a maior feira de arte da atualidade – a própria feira já oferece diversas atividades além das exposições e, dentro dela, é possível encontrar alguns espaços ligados ao nome de marcas. Os brand spaces tornaram-se um dos principais veículos de marketing da moda atual justamente por explorarem dimensões humanas essenciais para a construção do sistema-moda: a necessidade de interação e o amor pela frivolidade e entretenimento. A intenção publicitária por trás destes espaços não fica implícita, porém cria-se uma relação de afeto entre marca e consumidor em um processo de retroalimentação. Leo Shawn (SHAWN, 2017) chama atenção, inclusive, para o fato destes espaços tornarem-se palco para os momentos de mídia social encenados para campanhas continuas de “branding pessoal”, ou seja, a autopromoção – herança social da eclosão da moda. Muitas marcas aproveitam desta estratégia, inclusive, para fazerem parcerias com ONGs e instituições beneficentes, gerando uma função mais social para estas ações. É comum surgirem lojas motivadas por uma causa, como foi o caso da loja H&M em uma praia na Holanda; a pop-up que funcionou por apenas dois dias surgiu em parceria com uma ONG que se dedica ao fornecimento de água limpa e tratada às comunidades mais carentes. Vendendo apenas roupas de banho e outras peças coerentes com o clima de praia, 25% das vendas eram direcionadas ao projeto. Já no caso da pop-up “The Street Store”, a marca nasceu da iniciativa de uma agência de publicidade junto a uma organização de ajuda aos moradores de rua de Cape Town, na África; como uma loja feita com caixas de papelão, o espaço convida pessoas a doarem roupas que já não usam mais, e em uma disposição de espaço parecida com a de lojas, os moradores de rua se sentem valorizados por poderem escolher o que realmente querem vestir. A pop-up já se espalhou por diversos países e seu conceito tem ganhado interessantes adaptações – a Loja Vazia, criada recentemente no Brasil, consiste na montagem de uma loja de vidro com prateleiras e araras vazias, onde o público deposita roupas e acessórios em perfeito estado para serem doados. Segundo os idealizadores do projeto, o objetivo é estimular a sociedade a exercitar a solidariedade por meio da inversão do consumo.
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Figura 4 Uma instalação ou “playground” interativo oferecido pela marca COS durante a Art Basel de 2015. Fonte:https://www.forbes.com/sites/abinlot/2017/12/08/cos-and-studio-swine-make-magic-with-bubbles-during-art-basel/#1f10aa0330d8
Figura 5 Loja pop-up da marca H&M em parceria com a ONG Wateraid. Fonte: BORGES, S.; KLANTEN, R.; EHMANN, S. Brand Spaces: Branded Architecture and the Future of Retail Design. Berlim: Gestalten, 2013.
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Figura 6 Loja pop-up The Street Store. Fonte: https://popupcity.netsidewalk-pop-up-store-offers-free-clothes-to-the-homeless/
Alguns equipamentos e espaços urbanos também são afetados pelo branding, configurando experiências que vão além das classificações citadas acima. Neste caso, nem sempre a atuação da marca será efêmera. A marca esportiva Nike, uma das precursoras neste conceito, já foi responsável por diversos brand spaces durantes eventos mundiais como as Olimpíadas. No entanto, ultimamente o projeto que mais tem chamado a atenção da mídia é a quadra esportiva revitalizada pela marca em Paris. Localizada no bairro boêmio de Pigalle, entre dois edifícios residenciais, a quadra de basquete já havia sido transformada em 2009 pela Nike e, em 2015, foi renovada com uma estética inspirada no basquete dos anos 90, gerando uma enorme repercussão. O bairro, que anteriormente era mais conhecido por sua vida noturna, agora ganhou turistas e usuários durante qualquer período do dia. Os brand spaces se tornaram uma das ferramentas favoritas da publicidade, sendo capazes de serem moldados de acordo com a função, usuário ou lugar. A criatividade é o norte deste novo conceito, gerando espaços lúdicos que ofereçam realidades completamente diferentes, condizentes com a sociedade tecnológica atual. A partir deste panorama nasce, então, a dúvida: será este festival de frivolidades capaz de trazer benefícios ao sistema citadino ou apenas alimentar, ainda mais, uma cultura de artificialismo?
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Figura 7 Quadra de basquete revitalizada pela marca Nike em Pigalle, Paris. Fonte: https://www.dezeen. com/2017/06/28/ill-studio-pigalle-nike-update-colourful-basketball-court-rue-duperre-paris-francearchitecture-public-leisure/
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Revitalização urbana e moda Para melhor entendimento deste capítulo e dos argumentos aqui colocados, torna-se necessário o esclarecimento dos termos referentes à intervenção urbana. O conceito de revitalização a ser considerado é o descrito no módulo de Intervenção Patrimonial do curso Reabilita, entendido como a ação de “intervir em um espaço urbano considerado social, cultural, e sobretudo, economicamente morto. Por meio da ação de Revitalização não se pretende, para além da dimensão material, reabilitar um modo de vida já existente, a exemplo da Reabilitação. [...] Tem-se aqui uma estratégia de revitalizar economicamente um bairro, um quarteirão, um espaço urbano qualquer, no sentido de resgatar o seu direito à inserção da vida da cidade a qual pertence, buscando proporcionar uma qualidade de espaço físico adequado a uma prestação de serviço, de comércio e de atividades culturais que permitam o consumo e gerem renda.” Considerando toda a problemática que envolve a sociedade e cidades atuais, muito se fala sobre revitalização urbana e como praticá-la. Retomando os conceitos e autores supracitados, percebemos duas correntes bem opostas em relação ao assunto. Ao falar sobre a cidade criativa, Charles Landry (LANDRY, 2008) ressalta o valor da criatividade como alternativa de recuperação e desenvolvimento da cidade, ajudando no desenvolvimento da identidade e cultura da mesma, o que é essencial para seu progresso - uma pesquisa feita por Landry mostra que a indústria da cultura é responsável por 3 a 5% da mão de obra em grandes cidades como Nova York e Roma. Gerando cultura, gera-se turismo e investimento, impulsionando seu crescimento. Esta perspectiva fundamenta o trabalho de Richard Florida e seu livro Cities and the Creative Class (FLORIDA, 2003), que discute a importância de uma classe criativa na sociedade para o progresso urbano. A “teoria do capital humano”, citada pelo autor e por sua mentora Jane Jacobs, atribui o crescimento econômico à capacidade das cidades de atrair pessoas criativas, que em um sistema cíclico, serão responsáveis pelo desenvolvimento urbano que trará ainda mais profissionais dessa “classe”. A arte e cultura realmente tem um impacto significativo nas cidades do século XXI. Elizabeth Currid, autora do livro The Warhol Economy: How Art Works (CURRID, 2007), exibe alguns dados relevantes para esta pesquisa:
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em Nova York e Los Angeles, por exemplo, o campo da cultura é o 4º maior empregador, enquanto em Londres é o 3º, gerando entre £25 e £29 bilhões para a economia da cidade. Além disso, a variedade de estilos urbanos reflete uma diversidade cultural permitida graças à democratização do espaço. Apenas quando imigrantes, minorias raciais e sexuais se tornaram atores visíveis no espaço público é que foi possível enxergar essa mistura de gostos e estilos. Ou seja, a cultura é igualitária. Vale ressaltar que, apesar da cultura como ideia e prática ser benéfica para a cidade, nem sempre a construção de lugares voltados para essa função o são. Espaços como museus, estádios, casas de show, ganham uma onerosa monumentalidade e se tornam tão restritivos quanto um espaço privado. Além disso, diante da teoria de uma cidade cultural, costuma-se perceber uma produção desenfreada de tais espaços, muitas vezes além da necessidade da comunidade, gerando mais prejuízos do que vantagens para a cidade. Pensando nisso, Evans (EVANS, 2003) reforça como a arquitetura dos novos espaços de cultura devem ser pensadas para reforçar a conexão com a cidade – não são monumentos idealizados, mas sim edifícios acessíveis à rua que geralmente refletem as particularidades de seus meios urbanos. O valor de cultura por trás da moda traz então uma oportunidade para criação de espaços e conexão com a cidade. Além de, por si só, já possuir funções de associação e identificação entre indivíduos, por meio dos brand spaces a moda é capaz de criar uma relação entre indivíduos e espaço urbano – Simmel (SIMMEL apud EVANS, 2003) destaca como o branding fornece um link entre cultura e identidade individual e coletiva, reconectando a localidade com um sentido de “pertencimento” sociocultural, seja para uma cidade, bairro ou nação. É importante perceber que aqui os brand spaces transitam entre dois conceitos sobre intervenção urbana. Com intenções de marketing e afirmação da identidade de uma marca paralelas ao objetivo de melhorias urbanas, estes espaços visam um incentivo econômico do local e não possuem uma participação da comunidade para sua concepção – qualificando esta estratégia como revitalização. No entanto, visto que estas ações podem trazer benefícios posteriores à população, muitas vezes por estarem associadas ao nome de ONGs ou outras instituições com cunho social ou ambiental, é possível relacionar as ações com o conceito de requalificação – este, segundo o documento do Reabilita, prima pela sustentabilidade do patrimônio urbano, via desenvolvimento humano e estratégia de gestão urbana, tendo um viés social somado àquele econômico da revitalização. (LASUS, 2015)
Não é possível ignorar, no entanto, que por trás do discurso e apoio
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cultural das empresas existem grandes interesses mercadológicos que dão lugar à gentrificação dos espaços. Otília Arantes, (ARANTES et al, 2000) destaca o fato de, atualmente, as discussões sobre cidades girarem em torno do termo “requalificação” sem que sejam citadas ações concretas de atuação no espaço urbano. Financiados por indústrias e empresas, os espaços de cultura começaram a ser considerados espaços de lucro e sucesso, tornando-se instrumentos de uma urbanização comercial. Guy Debord (DEBORD apud ARANTES et al, 2000) ressalta como a cultura tornou-se a “mercadoria vedete” do capitalismo, que levaria a alienação humana ao limite; Arantes aponta como tal mecanismo tornou-se parte decisiva do mundo dos negócios, agindo “de acordo com os princípios da eficiência máxima, e prestação de serviços capaz de devolver aos seus moradores algo como uma sensação de cidadania, sabiamente induzida através de atividades culturais que lhe estimulem a criatividade, lhes aumentem a auto-estima, ou os capacitem do ponto de vista técnico e científico”, como uma isca publicitária (ARANTES et al, 2000). O discurso de integração e reforço da identidade local também pode se tornar mentiroso a partir do momento em que apenas uma pequena parte da população é convidada a participar das discussões junto aos realizadores dos planos de requalificação. Segundo Smith (SMITH apud RANGEL, 2015), os temos “renovação” ou “requalificação” são utilizados com o intuito de mascarar as mudanças urbanas com a ideia de algo democrático, pensado para toda a população, e procurando esconder os processos de gentrificação – que, segundo David Harvey (HARVEY apud RANGEL, 2015), não envolve apenas uma mudança social, mas uma combinação de higienização e reabilitação de um espaço físico para o uso de classes mais altas. As políticas de intervenção, pautadas muitas vezes em evidências empíricas, acabam sendo submetidas a um plano de negócios e não possuem objetivos claros que possam atuar no cerne dos problemas de uma cidade. Elas agem em pontos estratégicos do espaço urbano, que não necessariamente são analisados visando uma melhoria das condições de todo o contexto citadino. Gotham (GOTHAM apud WELLER, 2012) destaca este problema ao criticar o fato de muitos eventos públicos não olharem além de sua própria produção, ignorando todo o cenário político e de planejamento em torno de um local. Por isso, afirma que ao analisar um espetáculo urbano, é importante que haja uma análise de como os eventos retrabalham as narrativas históricas, revisam as memórias coletivas, alteram a significação das práticas culturais e reavaliam o capital simbólico da cidade (WELLER, 2012). Também é necessário que exista uma explicação de como tais eventos são capazes de contribuir a curto
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e longo prazo para a economia local e para quem. Konstantinos Gourzis ainda ressalta (GOURZIS, 2014) o processo de gentrificação causado pela moda na cidade de Arnhem, nos Países Baixos. O empenho de colocar a cidade no circuito fashion criou quarteirões voltados para lojas e ateliês e trouxe diversos eventos para o espaço público, estetizando a cena urbana de acordo com a necessidade para alcançar tal objetivo - essa estetização, de acordo com Zukin (ZUKIN apud GOURZIS, 2014), está associada a um abandono coletivo dos moradores de rua e à exasperação com a administração pública sobre o espaço público. Muitas vezes os lugares escolhidos como cenário para eventos e espaços de moda já são áreas em processo de gentrificação, o que reforça um problema ao invés de resolvê-lo. Além disso, sendo parte relevante da economia, o sistema por trás da moda acaba dando menos atenção ao produto em si do que na construção de uma imagem da mesma. Por outro lado, Arantes afirma que “cultura não se faz sem dinheiro e ponto” (ARANTES et al, 2000), o que é contestado por Currid; a autora afirma que cultura é sobre gosto, não sobre performance e, bem diferente de um carro ou computador, não existe um método para avaliar seu sucesso - consumimos músicas ou obras de arte não pela forma como elas funcionam, mas simplesmente porque gostamos delas (CURRID, 2007: P.04). Ao voltarmos à origem do sistema da moda, percebe-se que esta afirmação é ratificada. Muito antes de ser fruto do consumo, a moda nasceu relacionada aos gostos e ideologias pessoais, o que foi fortalecido ao longo dos séculos e que reforça seu caráter muito mais social do que econômico – como Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009) afirma, hoje a moda exprime muito mais um gosto estético do que uma posição social. Este fato pode ter efeitos opostos; se por um lado, seu sistema sempre se coordena de acordo com a estética de classes mais altas, o que pode reforçar a tendência à gentrificação, por outro lado, pode ser capaz de aproximar indivíduos não pela renda, mas sim pelo gosto. Sendo assim, sem um intenso controle mercantil, espaços de moda não seriam capazes de reforçar, de fato, o vínculo democrático entre sociedade e cidade? Segundo Kearns e Philo (KEARNS, PHILO apud EVANS, 2003), as novas práticas de consumo estão mais ligadas a tipos particulares de configuração urbana do que à produção e consumo de massa propriamente; eventos culturais e espaços de entretenimento estão trazendo de volta o flaneur de Walter Benjamin, incentivando as pessoas a utilizarem o espaço público. É certo, inclusive, que eventos culturais – desde grandes eventos realizados pela indústria, como pequenas feiras locais ou apresentações de músicos de rua - são responsáveis, por exemplo, por uma vida noturna mais presente nas cidades, o
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que além de movimentar a economia local, gera a ocupação do espaço urbano em períodos não tão dinâmicos. Através dos brand spaces, a moda é capaz de gerar espaços mais inclusivos; ao invés de uma arquitetura isolada e seletiva como os shoppings, lugares que vão além do consumo e oferecem atividades que agreguem algo à comunidade. É necessário, neste momento, questionar o papel que essa nova tipologia de espaço desempenha para a sociedade. Por um lado, seu caráter econômico direciona sua criação com intenções de marketing e um embelezamento da paisagem urbana como argumento para a melhoria dos espaços da urbe. Por outro lado, o incentivo à interação, criatividade e utilização do espaço público são características positivas que merecem atenção por resgatarem um senso do coletivo que já estava se perdendo. Negar o interesse que a fantasia, o lúdico e o entretenimento despertam na sociedade é negar um amor pela frivolidade que é intrínseco ao ser humano. Referindo-se ao plano de usos de uma cidade, Rogério Leite (LEITE apud RANGEL, 2007) cita o termo “contra-uso” para lembrar-nos de um detalhe intrínseco ao planejamento dos espaços urbanos: a cidade é dinâmica e “construída em seu cotidiano pelos atores que atuam nela”, sendo importante compreender que o planejamento de uma cidade não significa que tudo acontecerá como previsto. Como Evans (EVANS, 2003) ressalta, estando baseado em algo simbólico ou até mesmo metafísico como a cultura, o branding da cidade comercial e competitiva pode promover resultados muito imprevisíveis. Como a morfologia de uma cidade é algo extremamente mutável, é importante questionar sobre a diversidade e mescla cultural. Torna-se necessário recuperar a dimensão antropológica da cidade, destinando um olhar consciente para o usuário e para as necessidades do mesmo. Mas em um contexto de uma cultura de shoppings centers, condomínios fechados e uma sociedade cada vez mais isolada em seus universos particulares, perceber o interesse de retomada do espaço público pode ser bem promissor.
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Parte 3
29 ROOMS
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METODOLOGIA DE ESTUDO Para análise do evento 29Rooms e seus possíveis impactos na sociedade nova-iorquina e no meio urbano, utilizou-se como principal suporte de pesquisa as reportagens sobre o evento, publicadas na própria Refinery29 e em outros veículos de informação, como o jornal The New York Times, os sites norte-americanos Bizbash e TimeOut, entre outros. Tal análise foi estruturada na busca de textos que mostraram não apenas as instalações do evento em si, mas qualquer efeito que elas tenham causado na cidade, como o número de visitantes, mudanças que possam ter ocorrido na vizinhança ou indícios de uma relação do evento com o meio urbano. Palavras-chave como “bairro”, “social”, “vizinhança”, “local” ou “intervenção” direcionaram a pesquisa. A presença do 29Rooms entre as pautas de importantes veículos de comunicação já é um dado importante sobre como o evento chamou a atenção dentro do cenário urbano. O site TimeOut, por exemplo, é um guia virtual de grandes cidades do mundo, como Nova York, Londres, Sydney, entre outras; suas reportagens falam sobre tudo que tem acontecido nestes centros, desde “os melhores parques para se visitar” até uma grande peça de teatro que acontecerá na próxima semana, tornando-se uma fonte confiável e muito procurada por qualquer um que queira aproveitar o que a cidade oferece – o site publicou reportagens sobre o 29Rooms em 2016 e 2017, o que denota um valor local para o evento. Uma informação importante pesquisada foi a quantidade de visitantes que o evento recebeu em cada uma de suas edições. Segundo o site TimeOut, a primeira edição, ocorrida em 2015 no bairro de Bushwick, recebeu cerca de 5.000 visitantes em um período de três dias; já a terceira edição, segundo o site BizBash, recebeu mais de 20.000 visitantes vindos de 47 estados e 24 países. Apesar de não terem sido disponibilizados dados sobre os visitantes da segunda edição, em uma entrevista o diretor criativo do evento, Alexander Hueston, afirma que foi necessário um novo e maior local para o evento de 2016, um galpão de 8.000 m². Estes dados indicam um crescimento crescente de visitantes ao longo dos anos. O site do canal de tv norte-americano CNBC também forneceu algumas informações importantes sobre os visitantes da edição de 2017. Segundo
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pesquisas da fonte, mais de metade dos ingressos foram comprados por jovens entre 18 e 35 anos, sendo 65% mulheres. Algumas reportagens não escondem o caráter publicitário do evento. O portal da CNBC, por exemplo, ressalta como o 29Rooms pode ser “uma oportunidade de destaque para marcas focadas no público feminino jovem, já que fotos dos espaços são divulgadas rapidamente nas redes sociais, como propagandas gratuitas”. Já outra entrevista com Alexander Hueston, desta vez no site Bizbash, mostra a relação de interesse com as marcas ao afirmar que “trabalhamos de perto com cada marca para co-criar uma experiência que imerge os convidados dentro da pulsação da marca. Ajudamos a alinhálos a movimentos e tendências culturais relevantes, transformando-os em experiências memoráveis e compartilháveis. 29Rooms não é apenas um evento; é um momento que permite às marcas contar sua história por meio de uma lente imaginativa e imersiva e se envolver com cada convidado em um nível profundamente emocional ”. A matéria feita pela Forbes trata do assunto com um tom ácido. Segundo o jornalista Seth Porges, o 29Rooms não passa de uma “fábrica do Instagram”, ou seja, um espaço inteiramente pensado para promover fotos bonitas e bem produzidas. Duas colocações chamaram muita atenção: o fato de todo o evento ocorrer dentro do armazém, o que restringe sua ação no espaço urbano, e a cobrança de ingressos na edição de 2017 para evitar filas enormes nas ruas. Segundo a vice-presidente de marketing experimental da Refinery29, Kelly Markus, os consumidores tornam-se mais comprometidos a visitar o evento quando eles pagam por isso. Estas duas observações mostram que o evento tornou-se menos inclusivo do que sua proposta inicial; se antes as filas poderiam sinalizar o evento e despertar a curiosidade de qualquer indivíduo que estivesse na região, agora o espaço é restrito a um público mais específico, que já acompanha o trabalho das marcas e artistas. Por outro lado, muitas reportagens fazem questão de exibir a face sóciopolítica do evento. O site Bizbash, por exemplo, apresenta a chamada “Como o 29Rooms da Refinery29 criou espaço para política, marcas e instagram”, o que mostra como na sociedade contemporânea, estes três universos tão distintos podem se interligar. Já o site Bizbash menciona que parte do dinheiro arrecadado com os ingressos é doada para as instituições sem fins lucrativos que fazem parte do evento – sendo que todas tem uma atuação direta no bairro e na cidade. Foi possível encontrar também, através de palavras como “vizinhança”, um cuidado por parte do evento em dialogar com o contexto local e tornar o 29Rooms, mesmo que como uma estrutura efêmera, parte integrante do bairro.
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O site ArtNet, um dos maiores veículos online sobre arte, afirmou que com o intuito de manter o visual de arte urbana própria do bairro de Buschwick, os organizadores do evento convidaram um artista local para pintar o mural no exterior do armazém. Também foi levantado pelo TimeOut que, na edição de 2016, o evento fez diversas parcerias com bares e restaurantes locais, onde caso algum consumidor citasse a Refinery29 e o 29Rooms, eles ganhariam descontos e surpresas especiais – vale ressaltar que a própria revista criou um aplicativo para o evento, onde há indicação de diversos restaurantes, lojas e outros acontecimentos sociais do bairro. As palavras-chave foram encontradas também em reportagens sobre a relação do 29Rooms com questões sustentáveis da cidade de Nova York. O TimeOut, ao falar sobre a edição de 2017, frisa o fato de alguns estúdios de design do Brooklyn terem sido contratados para criar o mobiliário do evento a partir de móveis descartados, material industrial e lixo de seus próprios trabalhos. O The New York Times, por outro lado, destacou diretamente o quarto Ocean of Creativity, patrocinado pela artista Jee Young Lee na edição de 2017; a artista coletou 4.500 garrafas, 1.500 rolhas e muito mais lixo das ruas de Nova York, para chamar atenção para a poluição presente no espaço urbano. Através deste material e da pesquisa de apoio deste Ensaio Teórico, foi possível estruturar a análise sobre o brand space 29Rooms e chegar a algumas conclusões sobre sua atuação nos bairros em que se situou e na cidade de Nova York, como será visto nos tópicos a seguir.
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O EVENTO O objeto de estudo em questão é o evento chamado 29Rooms, que ocorre anualmente em Nova York. Idealizado pela revista digital Refinery29, o evento 29Rooms é uma exibição de arte e instalações interativas que reúne ideias criativas de dezenas de artistas e marcas. A fim de contextualizar o evento, é importante entender um pouco sobre sua criadora, a Refinery29 e o nome por trás da marca, Piera Gelardi. Refinery29 é uma plataforma de mídia digital voltada para o público feminino em geral, com pautas de inspiração e empoderamento baseadas principalmente no universo da moda; seu surgimento tinha como objetivo a celebração de um estilo independente, da moda como expressão e cultura. Sua atuação atual não se dá apenas por matérias sobre moda, beleza, política e estilo de vida, mas também por vídeos e documentários próprios e uma loja virtual que revende produtos de outras marcas associadas a ela. Piera Gelardi, cofundadora da R29, é uma empreendedora e líder criativa, que acredita no que ela mesma denomina de “criatividade corajosa” – a coragem de usar a imaginação a serviço da integridade para criar um mundo mais inclusivo, sincero e belo para todos. O evento 29Rooms nasceu em 2015 como forma de comemorar os 10 anos da marca, onde o intuito era realizar alguma intervenção que mostrasse quais eram seus valores – inclusão e celebração da individualidade, imaginação e auto expressão. O evento ocorre sempre durante a Semana de Moda de Nova York, uma das mais importantes do mundo da moda, e teve esta data escolhida por um motivo: buscar tornar este momento da moda mais inclusivo, visto que é uma semana que interfere em toda a cidade, mas que convida apenas um seleto grupo a participar. Como afirma Piera Gelardi, “arte e moda podem intimidar as pessoas; nós as encorajamos a brincar neste espaço e serem livres”. A exibição consiste em 29 espaços – ou quartos – dentro de um galpão localizado antes no bairro Bushwick e atualmente em Williamsburg, ambos na região do Brooklyn. Estes espaços são patrocinados por marcas de moda, além de artistas e personalidades da cultura pop, trazendo espaços lúdicos e sensoriais completamente diferentes. Baseados em um tema geral, cada quarto possui um subtema de acordo com quem o patrocina, dando origem a experiências estéticas que podem, ou não, envolver questões políticas, sociais ou ambientais.
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O primeiro questionamento a ser feito é sobre o evento ser ou não, de fato, um brand space de moda. Apesar de estar inserido em um contexto próprio deste universo – durante a Semana de Moda – e ter sido criado por uma revista sobre tal conteúdo, o que o difere de qualquer outro evento do tema, como festivais ou feiras que são igualmente patrocinados por marcas? É necessário, primeiramente, notar o caráter lúdico destes espaços de marketing, ricos em sensações e criatividade, como Sofia Borges (BORGES et al, 2013) caracteriza os brand spaces; é importante ressaltar que essas propriedades estão intrínsecas a este conceito, porém não são exclusivas a ele. Mas mais do que isso, o que realmente faz o evento 29Rooms se encaixar na categoria de brand space é o fato dele querer transmitir, através de experiências sensoriais, a identidade e as ideias da marca que o idealizou. Além disso, sendo a proposta do evento criar espaços patrocinados pelas marcas, cada um dos 29 quartos também se caracteriza como brand spaces, visto que, mesmo inseridos em um tema geral, eles transmitem mensagens e experiências de acordo com a identidade de suas marcas patrocinadoras. Ao retomar as definições colocadas por Leo Shawn (SHAWN, 2017) para diferenciar os vários tipos de brand spaces, é possível classificar o 29Rooms como um espetáculo de cultura graças ao seu caráter de universo cultural – além da exposição própria de cada quarto, o espaço oferece festas ao longo dos dias, trazendo ainda mais usos para o lugar.
Figura 8 Através de um olho mágico, o brand space da marca Nordstrom. Fonte: https://www.refinery29. com/29rooms-fashion-week-refinery29-party-pictures
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A primeira edição do evento, ocorrida em 2015, limitou-se apenas aos dias 9 e 11 de setembro, foi totalmente gratuita. Ainda sem um tema definido, a ideia era que o evento fosse um playground de ideias, recebendo espaços com temas políticos, psicológicos ou de puro marketing. O quarto criado pela marca Nordstrom, por exemplo, trouxe uma experiência lúdica e unicamente voltada para o marketing. Várias portas coloridas convidavam os usuários a olharem através do olho mágico, onde se deparariam com pequenos universos inspirados na história de Alice no País das Maravilhas guardavam joias da coleção de mesmo tema. Por outro lado, o quarto Vote Your Values trouxe um importante impulso político. Através de cabines com tablets nas paredes, os visitantes ganhavam voz ao serem incentivados a deixar suas visões sobre um mundo melhor e recados para o prefeito de Nova York. Já o quarto “Fashion Around the Globe” foi patrocinado pelo grupo “Lower Eastside Girls Club”, uma organização responsável por conectar meninas e jovens mulheres com a arte, ciência e empreendedorismo e garantir a elas um futuro melhor. Cada manequim representava o clube em um dos países em que ele se encontra, mostrando como a moda é capaz de unir as pessoas. Já a segunda edição aconteceu entre os dias 9 e 11 de setembro de 2016, também com entrada franca. Com o país em ano de eleição, o tema do evento foi “Powered by People”, ou “Empoderado pelas Pessoas”, com instalações que incentivavam o amor próprio e o fortalecimento dos laços entre indivíduos. O quarto “Gurls Talk” foi o destaque desta edição, patrocinado pela modelo e ativista, Adwoa Aboah. Os telefones pendurados no teto contavam histórias emocionantes de mulheres do outro lado da linha, servindo de inspiração para todas as ouvintes. O quarto Vote Your Values, em parceria, deu a oportunidade de mais uma vez os visitantes deixarem mensagens sobre um futuro que consideram melhor, desta vez relacionadas aos problemas das mulheres na cidade e sociedade. Por fim, a terceira edição, ocorrida entre os dias 7 e 11 de setembro de 2017, foi a primeira a acontecer no bairro de Williamsburg e ter uma cobrança de $19,00 pela entrada. O tema da vez, “Turn It Into Art”, ou “Transforme isto em arte”, surgiu após o polêmico resultado das eleições dos Estados Unidos, com o objetivo de refletir sobre o poder da arte como algo curativo e, ao mesmo tempo, que pode incitar novos conceitos e ser um catalisador para o movimento. Esta foi a edição que recebeu maior participação de instituições sociais relacionadas aos brand spaces.
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Figura 9 Vote Your Values: Quando a moda se torna política. Fonte: https://www.refinery29. com/29rooms-fashion-week-refinery29-party-pictures
Figura 10 Quartos “Gurls Talk” e “Vote Your Values”. Fonte: https://missbish.com/ what-went-down-at-refinery29s-29-rooms-interactive-funhouse/
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O espaço “Hear Your Voice”, por exemplo, foi um dos mais aclamados neste ano. Em parceria com a Marcha das Mulheres, este quarto teve todas as suas superfícies preenchidas com cartazes criados para as marchas que acontecem todos os anos. Além disso, foram disponibilizados cartões postais para serem escritas mensagens para os governantes – a equipe da Refinery29 entregou todos os postais aos seus devidos destinatários após o evento. Já o quarto “Gender Neutral” era, na verdade, um banheiro “sem gênero”, pensado com o intuito de incentivar o debate em torno de questões de sexualidade e identidade de gênero. Por fim, o quarto “Oceans of Creative” trouxe uma instalação feita inteiramente de lixo coletado da cidade de Nova York. A intenção deste espaço era justamente levantar uma discussão sobre a quantidade de lixo gerado e deixado pelas ruas da cidade. Desde a última edição, a Refinery29 também lançou um aplicativo sobre o evento, que oferece não só uma breve explicação sobre cada quarto, como também um guia de turismo pela vizinhança, o que estimula seus visitantes a aproveitarem o que todo o entorno tem a oferecer. O evento tem ganhado cada vez mais repercussão na mídia, não só pelos cenários altamente “fotogênicos”, como pela abordagem de assuntos importantes a serem discutidos na cidade e sociedade.
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Figura 11 Quarto “Hear Our Voice” em parceria com a Marcha das Mulheres. Fonte: https://www.bizbash. com/inspired-womens-march-washington-room-titled-hear-voice-featured/gallery/208325#.WxiKX0gvzIU
Figura 12 Quarto “Hear Our Voice” em parceria com a Marcha das Mulheres. Fonte: https://www.bizbash. com/inspired-womens-march-washington-room-titled-hear-voice-featured/gallery/208325#.WxiKX0gvzIU
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RESULTADOS
Após a análise de todas as reportagens sobre o evento 29Rooms, foi possível chegar a algumas conclusões sobre sua relação com a cidade de Nova York, e mais especificamente, com os bairros no qual esteve inserido. Inicialmente, é necessário entender como este tipo de brand space se insere dentro de toda a teoria levantada anteriormente. O 29Rooms é um espaço onde marcas e artistas oferecem um novo contato com a arte, mas será que podemos considerar este novo tipo de galeria – um espaço não de conservação, mas sim de exposição e comunicação de obras com valor artístico - uma fonte de cultura? Segundo dados da pesquisa realizada em 2017 pela empresa publicitária LaPlaca Cohen, 34% da população norte-americana afirma que uma atividade cultural ideal é social e 32% acredita que ela seja interativa. Estes dados mostram que a ideia sobre o que é cultura dentro da nossa sociedade tem mudado e nos permite então avançar pela análise de Evans (EVANS, 2003) e “sua cidade cultural”. Além disso, sendo a moda um dispositivo próprio de cultura e sociabilidade, ela é cada vez mais capaz de despertar o interesse do público por este tipo de atividade – segundo uma pesquisa realizada pela Eventbrite, 78% das leitoras da Refinery29 preferem experiências acima de posses materiais. É importante considerar que o 29Rooms busca resgatar em seu espaço, características intrínsecas à essência da moda, como libertação, identificação, comunicação e uma celebração da beleza e da criatividade. Ao afirmar que o evento surgiu com o propósito de tornar o momento da Semana de Moda mais acessível, Piera Gelardi resgata a ideia do universo da moda como algo plural – se retomarmos a história da moda, é possível inclusive traçar um paralelo desse passado com o contexto do 29Rooms, onde o evento da Fashion Week se compara à moda aristocrática e exclusiva, enquanto o evento proporcionado pela Refinery29 retrata os movimentos jovens que traziam um momento mais aberto deste universo. Toda essa abertura e incentivo à arte, ao debate e à criação vai de encontro com a teoria da cidade criativa (LANDRY, 2008; FLORIDA, 2002) e da importância destes fenômenos para o desenvolvimento do espaço urbano
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e sociedade contemporânea. Ao considerar os dados sobre o número de visitantes em cada edição do 29Rooms, percebe-se um crescimento constante e consequente fama que o evento ganha a cada ano. Segundo os dados referentes à terceira edição, 20.000 visitantes frequentaram o espaço em um período de cinco dias, o que significa 4.000 pessoas – de diversos estados e países - por dia indo ao bairro de Williamsburg. Considerando tal sucesso como um brand space cultural capaz de atrair indivíduos de grupos distintos, o evento é capaz de girar a economia local não só através do turismo, como também do incentivo à arte e ao uso de serviços locais. Tais estratégias podem então se qualificar como uma ferramenta para revitalização do espaço urbano. Além disso, o fato do 29Rooms criar parcerias com ONGs e outras instituições ou artistas que atuam diretamente na melhoria da cidade, como é o caso do grupo Lower Eastside Girls Club, seu conceito começa a se aproximar da requalificação urbana. Por outro lado, o caráter efêmero do evento levanta dúvidas sobre sua efetividade como ferramenta de intervenção; funcionando por um período de três a cinco, o impacto deste espaço torna-se mínimo perante a escala da cidade e de seus problemas. Visto que nenhuma reportagem trata do evento após sua ocorrência, foi possível perceber que seus resultados não perduraram por muito tempo. Alguns dados obtidos nas reportagens coletadas mostram, também, mudanças que afetam diretamente este caráter inclusivo. O fato da terceira edição do evento ser paga traz à tona o caráter mercadológico da moda, dando respaldo aos estudos de Arantes (ARANTES et al, 2000) – o ingresso pago torna-se um filtro sobre quem irá frequentar o espaço e, consequentemente, o bairro. As intenções do 29Rooms tornam-se contraditórias: se por um lado há o reforço da identidade local, por outro lado apenas uma pequena parte da população é admitida para fazer uso desta experiência. Essa decisão torna visível a mudança de público entre as edições de 2016 e 2017, explicitada em fotos nas reportagens de seus respectivos anos. Onde antes havia um público plural, de todos os grupos e faixas etárias, posteriormente se percebe apenas pessoas que já pareciam pertencer a um contexto da moda. É importante ressaltar, ainda, o contexto em que o evento está inserido. Em uma breve busca sobre os bairros de Bushwick e Williamsburg, percebe-se que ambos são bairros com um passado de imigrantes e classes mais baixas e hoje são considerados “descolados” ou “a nova morada dos artistas”, o que pode indicar um processo de gentrificação destes lugares. Apesar do 29Rooms não estar atrelado a uma estetização do espaço – o que segundo Gourzis (GOURZIS, 2014) tem relação com o processo de gentrificação – o fato dele ser realizado
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nestes bairros pode significar um reforço destes problemas, e não uma solução para eles. Este brand space também traz alguns detalhes problemáticos que devem ser questionados. Suas instalações, tão lúdicas e interativas, assemelhamse ao que Ferrara (FERRARA et al, 2014) coloca como um espaço público deslocado, em que os “meios eletrônicos de informação geram um espaço público deslocado”, distante da realidade e do pensamento crítico. Apesar de sua abordagem política desprender o conteúdo do evento de um entretenimento de massa – o que também não significa uma alienação coletiva, conforme afirma Lipovetsky (LIPOVETSKY, 2009) – talvez esta nova tipologia de espaço possa redirecionar o público não a uma reocupação da rua, mas sim à criação de um novo formato de “shopping center” adaptado à sociedade contemporânea – lugares que não são voltados para o encontro, mas sim para uma exaltação do ser próprio e de sua autoimagem. Por outro lado, a atenção dada pela equipe da Refinery29 ao entorno do evento merece ser destacada. O fato de valorizarem os artistas e a estética local mostra um cuidado que muitos espaços de moda não tem ao direcionar sua experiência para um público específico. A reportagem do TimeOut sobre a parceria do evento com empreendimentos locais também é importante para mostrar um estímulo ao uso dos serviços oferecidos pelo bairro – e não trazer o público apenas para o evento em si. Este diálogo com a herança cultural local vai de encontro com as colocações de Gotham e Weller (GOTHAM apud WELLER, 2013; WELLER, 2013) sobre uma análise crítica dos espetáculos de cultura, para que estes não estejam resumidos a estratégias publicitárias e econômicas. Seu caráter político também não deve ser esquecido; ações posteriores ao evento, como a entrega de recados para os governantes de Nova York mostram que há uma intenção de interferir no espaço urbano além do período proposto. Apesar de seu caráter efêmero que impede qualquer interferência física que possa ser mantida no cenário urbano, atitudes que visam uma melhoria futura da cidade também devem ser levadas em consideração, necessitando, apenas, de um acompanhamento ao longo do tempo para uma certeza sobre sua efetividade. Retomando a pergunta que deu início a este estudo, “qual o efeito das ações relacionadas à moda na cidade; é possível torná-la uma aliada no desenvolvimento dos espaços urbanos?”, tal resposta aproxima-se um pouco do resultado esperado. Sendo um espaço efêmero que aparece apenas em um curto período anual, considerar o 29Rooms como um instrumento de revitalização urbana pode ser bastante ilusório, ainda mais a partir do rumo mais mercadológico que o evento tem seguido desde o último ano. Estando, na
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maioria das vezes, atrelada ao consumo e à publicidade, torna-se uma tarefa árdua – e até mesmo incerta – desvencilhar a moda e seus espaços de uma intenção econômica. Esta, por sua vez, torna-se responsável por problemas urbanos que destacam ainda mais as diferenças sócio-econômicas de uma cidade. Além disso, não tendo nenhuma evidência de um efeito duradouro no espaço urbano, ou dados que levem a uma melhora turística e econômica no bairro, não é possível atrelar ao brand space 29Rooms a função de revitalizaçãoou requalificação. É necessário considerar, no entanto, que poucos são os espaços de moda que oferecem oportunidades de debate em torno de questões importantes e recorrentes para a cidade contemporânea. Percebe-se uma tentativa de resgatar a identificação e individualização dos indivíduos paralela a uma coletivização em prol de uma melhoria da vida urbana para os cidadãos, o que pode ser o início da retomada da moda como entidade plural e democrática.
Figura 13 Diálogo do 29Rooms (edição 2016) com a vizinhança local, sem a intenção de estetização do espaço. Fonte: https://bushwickdaily.com/bushwick/categories/arts-and-culture/4155-29rooms-opening-day
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A moda sempre será uma peça primordial no entendimento da sociedade humana. Mais do que isso, é perceptível sua relação com o sistema citadino e sua participação na constante construção da dinâmica urbana. Como um sistema complexo, a moda traz benefícios e prejuízos para a cidade, sendo capaz de construir um vínculo entre indivíduos e ao mesmo tempo, uma barreira. A atuação da moda no espaço público através dos brand spaces traz à tona suas duas faces tão opostas; se por um lado estes espaços têm a capacidade de alimentar o gosto pelo novo, pelo belo e pelo entretenimento, por outro lado seu caráter publicitário expressa intenções de pequenos grupos dentro de uma sociedade inteira. Infelizmente, pensar na revitalização ou qualquer outra intervenção urbana na cidade contemporânea é um propósito delicado ao considerarmos o sistema no qual estamos inseridos - como Mumford (MUMFORD apud LIMENA, 2001) já previa, comandados pela indústria e
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capital. Lipovetsky levanta uma questão interessante sobre como a moda se distorce dentro deste sistema, ao afirmar que: Em teoria, a forma moda orienta as sociedades contemporâneas na boa direção histórica; na prática, atola certas nações no imobilismo dos interesses particulares e das vantagens adquiridas, desencadeia um atraso carregado de consequências para a construção do futuro. (LIPOVETSKY, 2009: p. 208) Não devemos, contudo, ignorar o formato no qual a sociedade atual tem se moldado. Sendo a tecnologia a diretriz dos séculos XX e XXI, desconsiderar sua importância ou necessidade torna inviável pensar uma cidade coerente com o ritmo de vida contemporâneo. As novas regras que regem a sociedade precisam ser consideradas no planejamento urbano atual, caso contrário, ainda estaremos criando cidades que não são para as pessoas. Apesar de um caráter utópico se contextualizadas na cidade contemporânea, as teorias de Landry (LANDRY, 2008) e Florida (FLORIDA, 2002) oferecem uma resposta para os não-lugares de Augé (AUGÉ, 1992). A arte, criatividade e cultura são os maiores meios de expressão de um indivíduo, sendo capazes de reunir pessoas de forma democrática. E é a moda, em sua capacidade de identificação, que é capaz de fortalecer laços entre indivíduos e lugar e despertar uma vontade coletiva de auxiliar no desenvolvimento do espaço urbano. O que Arantes (ARANTES et al, 2002) coloca de maneira precisa e que deve ser considerado é a utilização deste caráter criativo como disfarce para ações comerciais que geram exclusão e estetização dos espaços. Ao pensar sobre “quem faz a cidade”, a resposta não deve nunca ser o setor manufatureiro. Por outro lado, o estudo sobre o 29Rooms foi capaz de mostrar que a essência da moda ainda pode ser explorada; voltado inicialmente para um ideal inclusivo, o sucesso crescente do evento expôs o interesse da sociedade em espaços lúdicos que encorajam a criatividade e a interação. O fato dele acontecer durante a Semana de Moda também é significativo: as pessoas se sentem incentivadas a se libertar de padrões estéticos e fazer da rua a sua passarela – como acontece com os fashionistas durante esses importantes eventos culturais. É necessário ressaltar que a moda cumpre seu papel principal como veículo de comunicação, independente de qual seja a mensagem. Como nenhum outro sistema, ela é capaz de unir pessoas e dar-lhes individualidade, liberdade de expressão. E isso é algo essencial para o bom funcionamento de qualquer sociedade. Devido ao caráter deste Ensaio Teórico, um trabalho rápido que demanda limites à pesquisa dentro do período do semestre, muitos pontos
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ainda foram deixados em aberto. Ainda há espaço para muitas outras análises, explorando mais dados sobre a cidade de Nova York e sobre os bairros do Brooklyn, permitindo um levantamento estatístico que possa esclarecer em números o que só obteve-se através de publicações na mídia. O fato do objeto de estudo ser um evento de tão pouca duração também foi um impedimento para uma análise mais profunda do fenômeno da moda e seus brand spaces no espaço urbano. Se inicialmente a intenção era de utilizar um estudo de caso que desassociasse a moda do consumo direito, como os espetáculos de cultura, hoje percebe-se que o impacto desta tipologia é efêmero o suficiente para não permitir uma análise mais profunda do panorama geral. O desenvolvimento deste Ensaio Teórico trouxe dificuldades e muitos dilemas, mas também curiosidade e novas perspectivas. Entender a máquina urbana é um exercício complexo, ainda mais quando existem tantas influências e interesses externos que tornam este estudo tão orgânico. Mesmo dentro de modelos ideais, como é o conceito original da moda, existem fatores que nos fazem questionar a importância ou relevância de tudo aquilo. Mas mais do que isso, mostram-se como estudos extensos que dependem de tantos outros agentes para uma compreensão abrangente de tal mecanismo. Estudar sobre o mundo da moda e sua relação com as cidades é sempre uma experiência fantástica; como Lipovetsky bem falou, a moda é capaz de alimentar as mais deliciosas fantasias e frivolidades, é uma ode ao belo e um mar de contradições. Já a urbe, com sua complexidade e ritmo tão dinâmico, nos faz refletir sobre seu mecanismo tão frágil que deve ser pensado em tantas vertentes diferentes. Estes dois sistemas tão distintos estão intrinsecamente conectados na construção um do outro, mostrando um funcionamento e influência simultâneos; de uma forma ou outra, estão se completando.
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