Alunos do 5ยบ Ano Tarde/2020
A Gratidão em Tempos Difíceis Prof.ª Giovana Baggio Schubert
Ninguém discute o fato de 2020 ter sido um ano difícil. Um ano em que todas as certezas da humanidade foram colocadas em xeque. Tudo o que era estável desestabilizou-se frente a um inimigo invisível e cruel: o coronavírus. Para meus alunos de 10 anos, a notícia de ficar em casa, sem aula, soou inicialmente como um presente, um aviso de férias. Com o passar dos dias, até mesmo os mais tranquilos estavam apreensivos diante das incertezas. Despontava em meio ao caos, um hábito ainda mais cruel que o vírus pandêmico: reclamar! Quem não reclamou do governo, do isolamento, da vizinhança, da OMS e do resto do mundo? Até as criança passaram a reclamar de tudo!. Embora o maior desafio da educação tenha sido o de se reinventar, o de encontrar maneiras e estratégias para aprender e ensinar, além de enfrentar as noites mal dormidas dos professores e gestores, a Equipe Escolar do Objetivo Itapetininga teve a sensibilidade de perceber que precisávamos, todos nós, alunos, professores, funcionários e comunidade escolar, olhar para nossas conquistas, ou seja, exercitar a GRATIDÃO. Se é tão fácil, afinal, reclamar, por que é tão difícil agradecer? Iniciamos, entre nós este exercício, como algo íntimo e particular. Sem muita certeza de que faria muita diferença. Quantas são as bênçãos recebidas diariamente? Acordar, estar próximo da família, ter alimento, saúde, amigos, abrigo... A gratidão muda o olhar. Faz enxergar o que fica debaixo da vista. Faz olhar para as bênçãos, ao invés de olhar para os problemas. Faz olhar para as oportunidades, ao invés de olhar para os obstáculos. Faz olhar paras inúmeras coisas que dão certo na nossa rotina, ao invés de olhar para aquela coisinha que não saiu de modo esperado. Foi vivenciando essa palavrinha tão pequena e tão transformadora, que resolvemos, toda a equipe escolar, estimular o olhar de nossas crianças para as graças recebidas durante este período. Exercitar a GRATIDÂO com meus alunos dos dois quintos anos em que leciono me fez mais feliz, mais empática, mais compreensiva. Fez-me valorizar cada sorriso, cada atividade recebida, cada bilhetinho digital, cada coração feito com as mãos diante da tela na aula à distância. Fez-me sentir próxima, muito próxima de cada um de meus alunos. Fez-me menos ansiosa. Ver a gratidão despontada em suas atitudes, me trouxe realização como educadora, pois isso trouxe a eles engajamento, esforço, participação e empenho, mesmo diante dos inúmeros desafios das aulas remotas. Este livro, a força da gratidão, escrito e ilustrado de forma coletiva pelos alunos do 5º Ano Tarde/2020 do Objetivo Itapetininga, é fruto do trabalho desenvolvido ao longo deste ano. Mesmo à distância, os alunos alcançaram excelentes resultados, ganharam habilidades que não teriam no ensino presencial, mas sobretudo, cresceram como seres humanos, conscientes do valor do outro, do valor da família, das amizades, da natureza e sobretudo da saúde e da liberdade.
Através da história e dos desenhos desenvolvidos, as crianças mostraram perceber o poder transformador da gratidão e do caminho que ela aponta para a felicidade. Sim! Este ano, 2020, foi um ano muito, muito difícil, mas foi ainda mais cheio de bênçãos e de superação diária! Minha gratidão a cada um dos meus queridos alunos que, EU SEI, entregaram-me seus corações, às famílias, que foram meu apoio, e a toda Equipe Escolar, que foi minha força. Gratidão! Gratidão! E amor! Muito amor por todos vocês! Giovana Baggio Schubert
Participaram deste projeto os alunos: Arthur Santos Meira Beatriz Araujo do Amaral Carlos Eduardo Vilela van Riemsdijk Catarina Camargo Legaspe Moucachen Daniel Antunes Rinco Santos Diego de Albuquerque Lara Júnior Francisco Paiva Prado Gabriel Moreira da Silva Isabelli Vitoria de Souza Moraes João Pedro Jensen Jorge Henrique Gryczynski Moucachen Kalel Carminatti Nascimento Luciana Alves Iacovella Maria Fernanda Bós Maria Olivia Silveira Melo Otávio Augusto de Carvalho Paulino Rafael Rolim Nunes Cardoso Theo Magaldi Giorgi Bueno Valentina Ramos Nalesso
Meu nome é Geriswanda. Eu tenho 12 anos. Houve uma época em que eu detestava meu nome, vivia raivosa, aborrecida e muito triste. Pra mim, nada estava bom! Eu sempre estava azeda e não fazia questão de me aproximar de ninguém! Era todo mundo muito chato! Eu vivia com um gorro enfiado na cabeça.
Sabe? Parece que o azar me perseguia! Se eu fosse ao McDonald’s, o brinquedo que eu queria estava esgotado.
Se eu derrubasse a torrada, o requeijão caia virado para o chão.
No cinema, sempre tinha um cabeçudo sentado na minha frente!
NĂŁo bastava isso, ainda tinha a eterna zoeira dos colegas...
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Um dia, chegou um aluno novo à minha escola. Todo mundo olhou pra ele meio admirado e sem saber muito o que falar. Foi quando ele parou no meio do pátio e disse:- Oi, pessoal! Vocês não acham que o dia hoje está lindo? – disse ele sorrindo. - Meu... tá maior chuva, brother! - falou um “mano” lá do Colegial.
- Por isso mesmo! A grama vai ficar verdinha, o ar vai ficar fresco, os animais vão tomar banho, matar a sede; os alimentos vão crescer na horta... Isso tudo não é lindo?! Então tá um dia lindo!!! – disse o garoto, entusiasmado. O povo todo ficou “de queixo caído”, até eu. Como um menino com aquele problema podia se mostrar tão otimista?
- Oi! – disse o menino. Eu levei um susto: - Tá falando comigo?! – “Ninguém nunca fala comigo”, pensei. - Claro! Qual é seu nome?
- Hmmm – disse constrangida - meu nome é... é.… é... Ge. - Ge, sabia que você parece ser muito legal? - Ninguém acha isso... - Mas seu nome é Ge... Ge o quê? - Geriswanda – falei revirando os olhos, já esperando a zoeira. - Geriswanda! Que diferente! – disse ele com naturalidade - Você deve ser muito especial! De onde vem esse nome tão exótico? Expliquei que vinha do nome dos meus pais, Gerisvaldo e Wanda, e que eu detestava o meu nome.
- Veja pelo lado bom! Se você ama seus pais, veja a honra que é carregar o nome deles no seu! Até mais! Gostei de você! A aula vai começar!
Fiquei só pensando nisso durante a aula. O garoto era da minha sala, se chamava Paulinho, e o que mais me chamou atenção foi que ele não parou de sorrir um só minuto! Foi muito simpático com todo mundo! Como pode? Se fosse eu, nunca ia querer sair de casa.
No fim da aula, ele me deu um tchauzinho e disse: - Até mais, Ge! Era a primeira vez que eu tinha sido cumprimentada por alguém da escola.
Naquele dia fui embora a pé. Qual não foi minha surpresa quando, duas quadras depois, vejo o Paulinho na rua jogando basquete no meio de uma galera!
“Como assim? Ele joga basquete?!” Até parei pra observar. Ele era muito bom! Mas de repente... Caiu o maior tombo! Todos os garotos começaram a rir! Meu sangue subiu! Corri pra socorrer o Paulinho e não me contive:
- Como vocês podem estar rindo? Isso não tem graça nenhuma! – eu disse furiosa. Quando olho pro Paulinho, ele também estava rachando de rir! Fiquei desconcertada. - Oi, Ge! Você por aqui?! – disse ele caindo na gargalhada. – Você mora por aqui? - Moro aqui perto – eu disse, constrangidíssima. – É... é... Eu quis te ajudar... - Ge, essa aqui é minha galera! Relaxa! Eles estão acostumados com minhas palhaçadas! A turma toda veio me cumprimentar e em seguida ajudaram o Paulinho a se levantar.
- Quer jogar conosco? – me convidaram.
Como eu estava morrendo de vergonha, agradeci e disse que precisava ir pra casa. Aquele dia foi muito maluco... Foi a primeira vez que eu tinha experimentado a sensação de ser aceita.
No outro dia, quando cheguei na classe, o Paulinho veio se sentar ao meu lado. Até trabalhamos em grupo durante a aula. Que menino simpático! Fez até as outras crianças do grupo conversarem comigo! Na hora de ir embora, minha mãe veio me buscar, o Paulinho viu e disse: - Ah, que pena! Pensei que ia ter companhia pra ir embora!
- É que hoje vou lanchar no Mc com minha mãe! - NOSSA, QUE LEGAL! Sabe que só fui no Mc uma vez na vida? No meu niver de 6 anos! - Vamos com a gente! – berrou a minha mãe lá de dentro do carro. - Não posso, não avisei lá em casa! Quando percebi, o Paulinho já tinha passado o telefone, minha mãe já tinha ligado pra casa dele e ele já estava dentro do carro com cadeira e tudo!
Foi o lanche mais legal da minha vida! Nunca vi uma pessoa tão feliz com uma coisa tão banal... ele delirou quando descobriu que junto com o lanche vinha um brinquedo. Na hora de escolher, disse que qualquer um estava ótimo. Eu fiquei com vergonha de falar que não tinha o brinquedo que eu queria. Foi a primeira vez que eu nem liguei pra isso, porque eu nunca tinha visto uma pessoa tão contente com um Mc Lanche Feliz.
O Paulinho contou a história de como parou de andar e eu perguntei como ele podia ser tão alegre em cima de uma cadeira de rodas. Ele explicou o quanto era grato por não ter perdido a vida, o quanto era grato pelo amor da família dele e ainda falou que era grato também porque aquela situação permitiu que ele viesse estudar na minha escola!
- Eu não entendo... O que é gratidão? – Perguntei para a minha mãe à noite, quando estávamos em casa.
- Geris... - disse minha mãe - ... eu acho que conviver mais com o Paulinho vai fazer você entender esse sentimento! Não é algo fácil de explicar, a gente tem que sentir! Uns dias depois, durante a aula, num trabalho em grupo, nem lembro sobre o que foi, mas caí na gargalhada. Foi quando o Paulinho gritou: - Para tudo!!! A Ge está sorrindo!!! – e começou a aplaudir.
- Nossa, Ge! Você fica linda quando sorri! – Disse uma menina da classe.
Virei um pimentĂŁo! De repente, eu percebi que os colegas da classe tinham mudado comigo. E sorri mais ainda... Eu estava gostando de conversar com o pessoal.
Passei a jogar basquete com o Paulinho e sua galera (que tambĂŠm virou minha) depois da aula. Como era bom fazer atividade fĂsica!
Comecei a ir animada para a escola, pensando qual seria o trabalho do dia... Era uma delícia trabalhar junto, falar umas coisas “nada a ver” e dar risada até a doer a barriga. Minha vida estava mudando bastante... Eu estava feliz!
E pensar que tudo começou quando o Paulinho me fez perceber o outro lado do meu estranho nome (talvez um dia eu aprenda gostar dele!) ...
Paulinho me fez perceber que poder ir ao Mc Donald’s é privilégio de poucos, que o brinquedo não importa tanto quando se tem pessoas queridas ao nosso lado. Me fez perceber que o fato do requeijão cair virado pro chão significa que não estou comendo torrada seca, ou melhor, tenho alimento, enquanto tantos não têm. E no cinema? Quando o cabeludo se senta à minha frente, eu posso mudar de lugar, principalmente se o filme for legal! Pra quê me aborrecer com o cabelo ou com o tamanho da cabeça dos outros?
Por falar em cabelo... Sinto que é hora de parar de enterrar esse gorro na minha cabeça! Acho que finalmente entendi o que minha mãe quis dizer quando disse: “pra saber o que é gratidão a gente tem que sentir”...
Sinto gratidĂŁo por ter meus pais, ...
... pela amizade do Paulinho e dos colegas da escola!
Sou grata pela galera do basquete,
... pela minha casa,
e pela minha escola!
Esse sentimento, a gratidão, me fez ser mais feliz!
Ah! Também sou grata por poder contar a minha história, e por VOCÊ, que está aí lendo!
A GRATIDÃO transformou a minha vida! Também pode transformar a sua!