DIÁRIO DE UM POLICIAL
GABRIELY FARIAS, GIOVANNA PEGORARO E JOÃO SAGÁS
Editores Gabriely Farias, Giovanna Pegoraro e João Sagás
Projeto gráfico e diagramação Gabriely Farias, Giovanna Pegoraro e João Sagás
Revisão Gabriely Farias, Giovanna Pegoraro e João Sagás
Farias, Gabriely. Sagás, João. Pegoraro, Giovanna. Diário de um policial / Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2022.
1. Livro reportagem - biografia. 2. Literatura catarinense - biografia. I.Título. II. Assunto.
Todos os direitos desta edição reservados à:
Gabriely Farias, Giovanna Pegoraro e João Sagás Universidade do Vale do Itajaí
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Itajaí/SC -
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Esta publicação foi desenvolvida para a disciplina de Narrativas Literárias e a inscrição na premiação Foca di Casa da Univali.
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DIÁRIO DE UM POLICIAL
GABRIELY FARIAS, GIOVANNA PEGORARO E JOÃO SAGÁS
Para todos que, sem saber, nos inspiram. Em especial, ao policial Roberto Oliveira e a professora Vera Lúcia Sommer.
LONGE DE CASA
Por: Gabriely Farias
om quase 1,80 metros, o homem negro e corpulento deixa uma primeira impressão de ser bravo e fechado. Roberto Oliveira anda pelo complexo como se conhecesse o lugar há anos, que não é impossível já que são nove anos nesse cargo. A sala da entrevista é uma sala de operações. Há um quadro com a foto de todos os PMs em serviço ali, além de mapas, três mesas computadorizadas e uma longa mesa de pauta. Antes de falar qualquer coisa, Roberto liga o ar condicionado e sala começa a refrescar. Sua pose de bravo vai embora no momento em que a entrevista começa.
O homem gesticula, balança as pernas e tira o boné para coçar a careca. Ele sorri várias vezes, faz algum gesto e mostra seu desejo em mudar a comunidade ao redor. A paixão por sua profissão é algo que fica evidente em cada palavra.
Sua formação em jornalismo foi o início para se apaixonar pelo serviço policial. Roberto de Oliveira se formou em 2011 no curso em sua cidade natal, Cascavel, no Paraná. Ficou alguns poucos anos nessa profissão antes de começar a se interessar pelo serviço policial e o que isso podia lhe oferecer.
- Lembro de uma conversa com meu irmão em que ele dizia "é cara, o nosso futuro é isso aqui mesmo " , e dentro de eu pensava que não, que eu iria muito longe e ainda vou! - relatou Roberto relembrando suas origens humildes.
Com um sorriso largo no rosto, o tataraneto de um escravo hoje conquista seu espaço como homem livre. Apesar de uma família humilde, Roberto sempre lutou para conquistar e seguir seus sonhos, o primeiro deles foi se formar em jornalismo, logo após veio a luta para passar para a Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC).
- Mãe, eu vou para Santa Catarina, passei na Polícia Militar de lá. Provavelmente vou pro litoral, mas ainda não sei ao certo. - Os braços frenéticos gesticulam como se falasse novamente com sua mãe em 2013, ano que passou no concurso para a PMSC.
No começo a saudade era algo que apertava o peito. O regime de trabalho na PMSC era semiinternato quando Roberto entrou, aos finais de semana o PM era liberado e se apresentava para o
trabalho nas segundas-feiras. Toda sexta-feira, Roberto pegava um ônibus, esses de linha rodoviária com várias paradas, a motivação para viajar quase 900 km de distância, de Brusque até Cascavel, era poder rever sua família. A viagem durava basicamente a noite toda, a tão esperada chegada acontecia apenas ao sábado de tarde e os domingos de manhã eram destinadas para as despedidas.
Esse cansativo processo perdurou por um longo tempo, a família Oliveira se revezava entre vir para Santa Catarina e esperar a chegada de Roberto. A frequência desses encontros foi diminuindo conforme o cordão umbilical finalmente era cortado. Roberto não consegue se lembrar exatamente por quanto tempo fez esses cansativos trajetos. Hoje, a reunião familiar acontece a de seis em seis meses.
O policial militar não parece mais ser afetado pela saudade. Seu carinho e admiração pela família ficam evidente no brilho que atravessa seus olhos ao falar deles. Mesmo que sua expressão corporal não sai muito dos braços cruzados, é possível notar que as pernas se mexem inquietas enquanto fala.
Apesar de hoje estar em um lugar que almejou por muito tempo, o desejo de continuar se inovando é algo que parece fazer parte da personalidade de Roberto. O então jornalista, que é
é também PM, se encaminha para sua segunda formação em Direito. Além de uma personalidade falante, o homem se mostra também ambicioso e obstinado por melhorias pessoais.
NA ROTA DO PERIGO
Por: João Sagás
Omedo de não voltar para casa após um longo dia de trabalho sempre passa na cabeça de pessoas que trabalham 24h para manter nossa segurança. O fato de arriscarem suas vidas para zelar pela nossa, já os fazem heróis, e eles nem vestem capas. A agitação dos músculos, o suor e respiração ofegante estão presentes em momentos de adrenalina, não importa o que seja, na maioria das vezes isso já se torna rotina na vida deles.
Um passo em falso, um deslize e uma ação que não foi executada a tempo podem comprometer toda a operação. É preciso estar preparado, é saber que todo dia após vestir a farda e sair de casa, você pode não voltar para sua família.
O perigo os acompanha em seus trabalhos, os policiais o enfrentam diariamente nas ruas apenas para garantir a segurança de todos.
Oliveira em um dia de folga foi acionado junto com sua equipe para realizar a prisão de um traficante no município de Penha. O que era para ser um dia de descanso, foi, na verdade, um dia marcante em sua vida. A operação contou com em torno de 12 policiais, e Oliveira ficou responsável para manter a segurança de área atrás da residência.
O traficante, ao perceber a entrada do tático pela porta da frente, ficou com os nervos à flor da pele e em uma fração de segundos saiu correndo. Já com arma em mãos, viu uma oportunidade de fuga pela janela e decidiu pular através dela, o que o deixou frente a frente com o soldado Oliveira.
Havia apenas três metros de distância quando o policial deu a ordem para o sujeito largar a arma, contudo não obteve sucesso. Foi então que, suando frio, Oliveira rapidamente efetuou um disparo contra o rapaz, resultando em sua queda. Após isso, o soldado deu um suspiro de alívio ao ter neutralizado o indivíduo.
Entretanto, com o suspiro de alívio veio o susto em seguida. A bala quando é disparada "canta", quando o soldado acertou o traficante, o projétil atravessou ele, a parede e o blindex da viatura. Com o barulho do estilhaço, Oliveira ouviu um policial caindo no chão, foi então que seus olhos ficaram arregalados e o ar foi retirado de seus
pulmões por pensar que esse disparo poderia ter acertado algum dos colegas presentes naquela operação. Ao verificar se aconteceu algo de ruim com seus colegas, o policial retomou sua respiração mais calma, mas no fim foi apenas um susto. O criminoso em questão morreu, mas a intenção era levá-lo preso, devido à resistência para escapar da justiça, acabou tendo um final trágico. Essa situação foi a mais marcante e tensa para Oliveira, porque mesmo após algum tempo, ele ainda pensa que se tivesse acontecido com outro colega de equipe, talvez Roberto não serviria mais para ser policial.
Combater o crime não é a única coisa que Roberto faz todos os dias, combater o racismo também é algo que o policial teve que fazer. Por ser negro, Oliveira sempre teve que lidar com olhares tortos direcionados a ele. Às vezes quando anda de moto, por estar de capacete e jaqueta corta-vento, já é um motivo para o atendente da farmácia estranhar e o julgar antecipadamente.
O soldado chama atenção para o racismo e preconceito velado, e conta que já presenciou o racismo dentro do trabalho. Em uma patrulha com a viatura, o colega de trabalho pediu para abordar um cidadão negro às pressas. Roberto ficou incomodado e questionou o porquê da abordagem, e o seu colega não soube responder.
Foi então que Oliveira aproveitou para corrigir a atitude de seu companheiro de equipe e incrementou dizendo que não havia necessidade, pois o rapaz em questão estava vestido com o uniforme da empresa.
Apesar dos problemas de racismo estrutural que estaria presente até mesmo na Polícia Militar, Roberto, com determinação e perseverança, faz sua parte para combater o preconceito velado presente em algumas pessoas ao seu redor. Oliveira sempre busca fazer a justiça e combater o racismo e preconceito em qualquer ambiente, fardado ou não.
Sair de casa e saber que você pode perder a vida em apenas um minuto, segundo ou milésimo é algo preocupante e pesado demais para pensar. Até que ponto as pessoas arriscariam suas vidas para salvar a de outra pessoa? Pelo custo do que elas fariam isso?
Talvez seja o fato da emoção e paixão pela profissão que move o soldado Roberto Oliveira. Pode ser que ele volte para casa orgulhoso em saber que graças a ele uma vida foi salva, a segurança foi mantida e a justiça foi feita. Ele poderia compartilhar essa emoção com as pessoas mais importantes da vida dele.
Mais uma manhã começa, um novo dia, uma nova missão a ser cumprida. Boas experiências podem surgir, assim como os desafios e obstáculos diários. Lá está o policial Oliveira, vestindo sua farda, amarrando seu coturno, saindo de casa mais cedo e se despedindo de quem ama.
Ele sabe que pode não voltar, tem noção dos riscos que corre por escolher defender a população, mas Roberto se orgulha disso. Não é apenas sobre prender criminosos, impedir furtos e crimes e lidar com o tráfico, mas sim de fazer a diferença na vida de cada pessoa. É saber que o cidadão pode contar com o policial militar, não importa a hora e local ou em qualquer situação de risco e vulnerabilidade, eles estarão ao nosso dispor.
UM AMIGO
Por: Giovanna Pegoraroalavras, instantaneamente, nos fazem pensar em sua imagem e significado. Por exemplo, uma maça. A vermelhidão marcada por linhas irregulares e um cabo saindo de um pequeno orifício. Às vezes, o cabo está com uma folhinha.
Mas, será que todos nos imaginamos a mesma fruta? Ora, esta poderia ser verde, amarela, ou até mesmo estragada com moscas a rodopiando.
E a palavra policial? O que lhe remete? Um mero homem fardado? Ou então, um justiceiro?
Um opressor? Para cada um, as palavras possuem um significado único. Para Roberto Oliveira, ele enxerga o policial como um amigo da sociedade, especialmente das crianças. O boné com as escritas "tropa do tatame", que o policial usa, chama a atenção e entrega a sua participação social.
O soldado é faixa roxa no judô. Diversos policiais do 25º Batalhão de Polícia Militar de são lutadores de jiu-jítsu e judô. Além da importância das artes marciais para autodefesa, os policiais encontram um meio de unir arte e aprendizado. Nos dias de folga, nas segundas e quintas-feiras, ele se dedica como professor voluntário do projeto Tropa do Tatame. São 20 alunos em vulnerabilidade social atendidos no próprio batalhão. A ideia da iniciativa, além de ensinar o judô e jiu-jítsu, é criar um vínculo entre a instituição e as crianças. Eles também competem em campeonatos. Tudo é voluntário e gratuito. Os kimonos, bonés, garrafas de água e todos os outros materiais do projeto são disponibilizados pela instituição e por patrocinadores.
A fila de espera pelo projeto é grande. O pequeno espaço do batalhão é o que impede de mais crianças poderem participar, mas o intuito, é
de que ele seja ampliado no próximo ano, para que cada vez mais crianças possam passar as suas tardes, das 13h às 14h, com os pés firmes nos tatames azulados, podendo de fato, aprender que o policial é um amigo.
Este ensinamento também é levado para as escolas pelos policiais navegantinos. O Programa Estudante Cidadão atendeu mais de 200 alunos da rede pública neste ano. Todos os dias, antes das aulas iniciarem, as crianças tinham contato direto com os soldados, incluindo Roberto, convidado para falar sobre o papel do tático policial.
Educar um cidadão requer imensa compaixão. Muitas das crianças não tem uma família. Não possuem a quem contar. Neste meio, o olhar esperançoso e radiante dos pequenos surge ao perceber que na escola encontram uma forma de pensar em um futuro positivo, em que não estarão do lado errado, e que podem contar com um amigo fardado. Roberto tem muito carinho pelas crianças.
Seja nos gestos que demonstra, o sorriso, as mãos expressando alegria, de quem pode segurá-las sem medo.
Laços. Não se tem outra forma de criá-los ao não ser através do amor e respeito. Mesmo diante de um morador de rua, o soldado se demonstra resiliente.
A vida como policial é muito mais do que aprender a manejar uma arma. Requer controle emocional e habilidades necessárias para enfrentar desafios que vão além dos confrontos armados.
A pobreza, fome e violência nutrem gradualmente as atitudes ruins do ser humano. Muitos gostariam de não estar furtando e roubando, mas o espírito de sobrevivência fala mais alto. Diante disso, o papel do policial é lutar pelo correto, mas compreender as necessidades das pessoas. Ninguém nasce assassino, ladrão ou traficante. Infelizmente, por diversos fatores, se torna um. Neste sentido, os projetos educacionais da polícia vêm para mudar este cenário.
Se fossemos comparar o papel policial pelo olhar lúdico, poderíamos dizer que se assemelha a uma macieira, geradora de frutos para toda a vizinhança e suas gerações.
Em meio a correria do dia a dia, Roberto produz conteúdo para o seu canal no YouTube, o "Conversa com Roberto", em que realiza vídeos informativos e podcasts com autoridades policiais. É mais uma forma de se manter na ativa. Em quatro meses, mais de 22 mil pessoas já se inscreveram em seu canal.
O soldado é um pai dedicado. Para sua esposa, Eliane Guilland, Oliveira é uma pessoa trabalhadora, honesta, e é o seu amor e orgulho. O soldado nos faz refletir sobre a atuação do policial, enquanto educador, pai e professor para um lado mais humanizado da profissão. Ser policial, é viver cada dia sabendo que o perigo existe, mas há inúmeras formas de se combatê-lo, e uma delas é amando, educando e criando amigos e parcerias para a vida.
Ser policial se mostra um serviço mais árduo e complexo do que aparenta. É algo mais profundo do que apenas perseguir bandidos.
Natural do Paraná, Roberto atua como soldado há 9 anos em Navegantes, Santa Catarina. Ele conta sobre a paixão pela profissão, os perrengues do dia a dia e nos faz repensar a atuação dos policias nas cidades, principalmente na educação e cidadania.
Um livro-reportagem policial criado pelos alunos de Jornalismo da Univali.