Melhores Contos - António de Alcântara Machado

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Gaetaninho, Ulisses, todos nós

Inaugurando a coluna “Cavaquinho”, no Jornal do Comércio, de São

Paulo, em 30 de outubro de 1926, António de Alcântara Machado passeia pela obra do escritor estadunidense Sherwood Anderson. Para o cronista, o autor de Marching men (1917) e Poor white (1920), nascido em Ohio, em 1876, figura como “o intérprete [...] do profundo eu de sua gente”, logrando exprimir em seus textos ficcionais surpreendente “verdade humana”. Essa literatura impregnada de vivência coletiva constrói­‑se livre “de qualquer arti‑ fício por menor que seja”, como “uma notícia de jornal”, que se lê “facilmen‑ te”, “rapidamente”. O compromisso com o “realismo”, contudo, não estran‑ gula a potencialidade subjetiva de narrativas que transpiravam “lição de humanidade”. A força desses escritos residia na recusa da análise “à maneira europeia” (as filigranas psíquicas); o autor não “descreve” os “estados de espírito ou os episódios corriqueiros da vida de suas personagens”, “isto é: não os reproduz literariamente, nem interpreta, nem colore, nem prepara para melhor percepção do leitor. Aponta­‑os tão simplesmente. Não se preo‑ cupa em torná­‑los compreensíveis. Mesmo porque o mais das vezes isso seria impossível. A enorme subjetividade deles não o permitiria. Ou então a sua extraordinária delicadeza, o seu intenso caráter íntimo, a grande porção de mistério que contêm”.1 Ao apreender, na crônica, as linhas mestras de um ideário estético que ambicionava a superação da experiência local, sem escamoteá­‑la, assim como a fixação da vivência interna das personagens, a expressão artística desprovida de “disfarces” e o forte vínculo de comunicação com o leitor, Alcântara Machado parece explicitar, de modo enviesado, o próprio caminho literário que começava a percorrer. Se, em fevereiro de 1926, tirava do prelo Pathé­‑Baby, crônicas de viagem estampadas na imprensa no ano anterior, algumas das personagens que iriam povoar as páginas de Brás, Bexiga e Barra 1 MACHADO, António de Alcântara. Sherwood Anderson. 30 out. 1926. In: ______. Obras – volume 1: Prosa preparatória & Cavaquinho e saxofone. Direção e colaboração de Francisco de Assis Barbosa; texto e organização de Cecília de Lara. Rio de Janeiro: Civi‑ lização Brasileira/Instituto Nacional do Livro/Fundação Nacional Pró­‑Memória, 1983. p. 187­‑192.

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