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O Canal 27
O
pessoal que trabalhava na recepção da TV‑Olimpo, Canal 27, a mais popular televisora da América Latina, que contava com a maior equipe de artistas do mundo ocidental — e portanto do globo terrestre — vinha, desde muitas semanas, sendo atormentado pela visita quase diária daquele gigante. Estavam todos habituados a atender centenas de visitantes por dia. Trabalhar no Canal 27 era o sonho de milhões de jovens em todo o país. Atores, cantores, locutores, maduros e juvenis, empregados e desempregados, já famosos ou ainda por aparecer, disputavam a glória de brilhar no Canal 27, que tinha, em média, 85% da audiência em todos os horários. Aparecer no Canal 27 era ser conhecido, automaticamente, por milhões em todo o país. E o Canal 27 era tão próspero e pagava tão bem, transmitindo em cadeia com mais de 100 emissoras do país e até do estrangeiro, que mesmo artistas já famosos em Paris, Londres, Tóquio e Nova York enviavam seus agentes ao Canal 27. Havia alguns que chegavam a propor trabalho gratuito e exclusivo... Porque a renda dos discos dos cantores do Canal 27 enriquecia músicos, letristas, intér‑ pretes e gravadoras. — Mesmo de graça é negócio! — diziam centenas de artistas já consagrados em todo o mundo. Claro que o Canal 27 não aceitava trabalho grátis. Não achava correto. E não era mesmo. Quem trabalha tem direito a remuneração. Mas isso dava bem ideia do prestígio da grande emissora. E por aí se podia imaginar o trabalho da imensa equipe de recepção, cuja tarefa 9
constava de selecionar, barrar ou encaminhar, a multidão de candida‑ tos nacionais e estrangeiros, realizados ou por se realizar, que sonha‑ vam com a suprema consagração da TV‑Olimpo. Eram tantos os candidatos que havia uma comissão de triagem. Não bastava apresentar o nome para ser recebido ou ultrapassar a barreira. Examinavam‑se as cartas de apresentação, os recortes de jor‑ nal que muitos traziam, os discos possivelmente já gravados por cada um, os dados biográficos. — Ah, já cantou na BBC? Vamos examinar sua voz... Já tivemos que barrar mais de vinte nas mesmas condições... É que o Canal 27 só podia contar com 24 horas por dia para os seus programas e já tinha um elenco simplesmente fantástico, incluin‑ do não só os artistas normais, mas até equipes de animais amestrados, campeões de luta livre ou de boxe e toda espécie de gente ou de bicho desejosa da consagração popular. Alguns tinham o privilégio supremo de transpor a barreira. Os outros eram recusados sumariamente. — Sinto muito, meu caro... Houve quem morresse de desgosto. Outros sumiam para sem‑ pre no anonimato. Alguns, mais animosos, iam cuidar de aperfeiçoar ‑se, para uma nova tentativa, muito tempo depois. Só aquele gigante de musculatura brutal, longos cabelos encara‑ colados, olhar de fulminar multidões, voltava sempre. A recepção se encolhia de medo, ao vê‑lo aparecer. Chegou até a pedir reforço policial, para se proteger. Porque o gigante, além daquela musculatura monstruosa, tinha outra coisa que inspirava pavor. — Esse cara só pode ser maluco — dizia o chefe da recepção, batendo o queixo.
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