Os índios e a civilização

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1. A Amazônia extrativista O delta do Amazonas constitui uma das áreas de mais antiga ocupação europeia no Brasil. Já nos primeiros anos do século XVII ali se instalaram soldados e colonos portugueses, inicialmente para expulsar franceses, ingleses e holandeses que disputavam seu domínio, depois como núcleos de ocupação permanente. Estes núcleos encontrariam uma base econômica na exploração de produtos florestais, como o cacau, o cravo, a canela, a salsaparrilha, a baunilha, a copaíba, que tinham mercado certo na Europa e podiam ser colhidos, elaborados e transportados com o concurso da mão de obra indígena, farta e acessível naqueles primeiros tempos. Estas condições marcariam o desenvolvimento da colonização da Amazô‑ nia dentro dos estreitos limites da economia mercantil extrativista. Embora fossem tentadas grandes lavouras de produtos de exportação, como o cacau, a cana­‑de­ ‑açúcar, que faziam a riqueza de outras regiões da colônia, a monocultura jamais alcançou ali a mesma importância. E acabou sendo completamente sobrepujada pela indústria extrativa, quando a descoberta de novas espécies naturais e o au‑ mento do seu consumo mundial propiciaram a expansão destas atividades. A contingência de sair a esmo em busca dos produtos naturais, onde a na‑ tureza ao acaso os fez crescer, foi o condicionante fundamental de ocupação da Amazônia. Afora o próprio delta, onde se concentra a maior parte da população, o vale só foi devassado linearmente ao longo dos rios, furos, lagos e canais do maior sistema fluvial da Terra, que é, ao mesmo tempo, uma das áreas de mais baixa den‑ sidade demográfica do mundo. Para esta obra de devassamento da floresta tropical e de exploração de seus produtos, os índios foram aliciados desde a primeira hora, através de toda sorte de compulsões, desde a “sujigação” e o descimento para as missões e núcleos coloniais até técnicas mais manhosas, como a de acostumá­‑los ao uso de artigos mercantis cujo fornecimento posterior era condicionado à sua participação nas atividades produtivas como mão de obra para todo serviço. Através de alguns exemplos da história das relações entre índios e civiliza‑ dos em certas áreas da Amazônia, procuraremos retratar as condições em que elas se processaram em toda a região. Para isto selecionamos a região do rio Negro, onde encontramos uma fronteira da civilização que começa a estabilizar­‑se e na qual o conflito aberto entre índios e civilizados deu lugar ao estabelecimento de um modus 35


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