Zona Fractal

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ANDAIME FRACTAL [Danielle Spadotto e Felipe Ribeiro]


Planialtimetria Tudo no texto é abstrato e duvidoso, estruturas linguísticas sobre a cidade de nus, apresentados ânimos para pesquisa, nós em nossos vãos e ofíciios, afectos que geram modificações estruturais no corpo urbano. Performance poético-arquitetônica onde os processos mentais tornam-se criação para a produção de outra ala na Biblioteca da Babilônia. Grande entulho conceitual onde talvez se possa reciclar uma viga ou outra pra erguer um barraco. Prática arquitetônica (acústica sonora): Planialtimetria (audiometria), programa (programação), criação (transcriação), partido (orquestra), projeto (partitura), aprovação (crítica), executivo (soação), cronograma (ensaios), construção (gravação), ação (performance), azimutes (tons), coordenadas (escalas), cotas (arranjo), desejos (escutas), necessidades (ruídos), sensível (som), cognição (melodia), organograma (harmonia), fluxograma (progressões harmônicas), orientação (leitmotiv), antropologia (musicologia), percepção (audição), proporção (radiação e propagação), harmonia (estocástica), ritmo (pulso), função (música), forma (transmetria), escala (ponto de escuta), desenho (paisagem sonora), aprovação (duração). Náusea primeira: a espera (a pausa). Desenvolvimento (pesquisa), impressão (allure), cópias (fractais), burocracias (métodos). Segunda náusea: as restrições (limites do audível). Alvarás (estilos) e etapas (modas). Terceira náusea: a coreografia do possível (a dança sem coreografia). Maestria (aura), equipes (redes), previsão (devir), duração (improviso), terceirização (samples e citações), limpeza (decupagem), canteiro (entrescuta), gerenciamento (cibernética), ponto zero (silêncio), estacas (axiomas), infra-estruturas (harmonias contextuais), estruturas (nanoharmonias espectrais), lajes (ressonâncias espectrais), vedação (reverberação). Náusea quarta: o atraso (delay). Aberturas (barulhos inesperados), elétrica (estática), hidráulica (paixões musicais), caixilharia (fonomia, o nome do som), piso (cultura aural do público), pintura (fonótica), louças (modulações), metais (conexões com outros sons), acabamentos (libretos e videos), paisagens sociais (audível), ocup.ação (bioeco em interferência).


Marca de Estacas “O espaço não é o ambiente (real ou lógico) em que as coisas se dispõem, mas o meio pelo qual a posição das coisas se torna possível. Devemos pensá-lo como a potência universal de suas conexões.” Maurice Merleau Ponty O construtor africano de casas de adobe, intitulado curador de espaços (ambientalista strictu sensu), queria que os espaços se tornem ao invés de nós os ocuparmos: espaços espacializantes de eventos instantâneos. Espaço conectado ao tempo por suas tramas de temporalidades. Espaço sonoro em mídias molhadas onde a informação se sobrepõe à realidade dos eventos numa velocidade em crescimento exponencial. Espaço-convivência com todas as suas incoveniências. De modo semelhante, os fluxos sonoros dos ruídos de Merzbow aderem à arquitetura acústica dos espaços que antes já haviam vertido as formas a-rítmicas da Mersbau de Kurt Schwitters. O espaço sonoro (o audível), como já o notava Mcluhan, gera esta modificação de vivência planificada dos espaços úteis à afetivação em ambientes de imersão. Além de maquineísmos de interconexão estruturante da fenomenologia das percepções abstratificadas, quais os aromas locais? Era um balcão de bar de fórmica vermelha. Labores, trincheiras e as revoltas das saúdes, as posturas erigidas pelos desígnios da forma, onde termina o espaço e começa sua ambientação dos sentidos? Quais as sinestesias impostas pelos estriamentos do movimento. A escolha dos ângulos dos cômodos projetam os movimentos [os planos, reverberações sinuosas de correntes sísmicas de sensações e sentidos] e tal como as maiores árvores fazem a curva da trilha [acumulam história em superfícies perplexas] e com o temporal caem sobre os automóveis mais brilhantes.


Como reverter o efeito medusa sobre a música [sobre a cidade] , petrificada ao ver-se no espelho? Que encanto dormente é este dos desejos projetados na arquitetura [música-escuta] que impedem o fluxo de possibilidades de atuação sobre a experiência humana? Como deixamos que os centros urbanos [a poesia ruidosa e potente] se tornassem outra forma de arquivo de corpos encarcerados? [de ação desejante e atada]


Espaço e Lugar, Audível e Escuta “A cidade se move sob os pés distraídos do lugar-comum.” Não há mais espaços naturais. O espaço como percepção humana (tal como o audível como limite do sonoro) devido às suas puras abstrações de vértices e axiomas, geram uma impossibilidade de relação não-artifical (a-naturante segundo Espinosa) entre um sujeito e este objeto-espaço. Mesmo a floresta tida como mais densa só permanece assim como um gesto arquitetônico. A amazônia é o jardim do mundo, esta selva de concreto. Já o lugar está imbuído de significação pelo modo de habitação tal qual uma escuta individual o está por seus focos e modos de ouvir, suas memórias afetivas com relação aos sons e às músicas. Um novo lugar no espaço onde a manifestação do pensamento em detrimento das corporeidades nos convidam àquilo que pode ser percebido como real. O espaço acústico é o lugar da escuta, o espaço musical é o lugar do som. Isto pode ser só poesia. As cidades são cemitérios mascarados, como as edificações neo-clássica são forjadas à forma dos mausoléus. A favela e as ruas são valas comuns. O cemitério é um shopping center. Estamos experimentando um mundo de abundância (até mesmo da ausência), um mundo regido por liberdade individual e liberaridade coletiva (calcados no auto e retro controles), pela infinidade de territórios e escolhas. Neste contexto como poderíamos viver de modo a construir novos sentidos com as inúmeras possibilidades disponíveis, tendo em vista o poder das restrições que nos cercam? Como não incorrer na guerrilha por territórios sonoros, mas expandir terrenos de escuta? Qual é esta escuta acústica para além das músicas em busca de novas sonoridades? Como manter a sensibilidade aberta e em contínua abertura, sabendo de nossos preconceitos


musicantes, nossos pontos de escuta? O metrô é uma flauta vertebrada dos fluxos sonoros da cidade. O urbanismo é a gestação deste outro espaço silencioso (mas um silêncio ruidoso que incomoda, não a solitude tácita do que nos cala por sublimação mas o que nos amordaça e entorpece). E qual a diferença entre estes espaços da solitude e da solidão? Qual o espaço do ruído ao gerar uma escuta da transição (entrescuta). Moondog presenteando alguém na rua com uma canção sem dono.


Instante, Tempo e Evento “Pixo como impressão arquitetônica do tempo.” O espaço das locações é, enfim, substituído pelo espaço das linhas de fluxos. Proliferando suas funções, os espaços dão vazão a diversas temporalidades; e a partir disto, os próprios espaços são reconstruídos de forma que permitam fluidez em seu exercício. Uma garagem que é um laboratório, uma pista de dança, uma capela e uma loja. Assim também, um ambiente sonoro entra na escuta separando-se nos sons que so compõem, timbres em entranhamento. Calendários de eras, estações dos anos nas estações de trens, agendas de meses e diários de dias, clepsidras de horas e ampulhetas de minutos do pulso marcando metrônomos. O sino é o primeiro relógio das cidades que vai depois de tempos tornar-se a polifonia e de apitos de fábricas. As atualizações da vivência virtual ocorrendo à taxa de 60Hz dos monitores menos modernos, as tornam hiper-realizadas de experimentações em representação simbólica de vivências. Daí parte da sua hipnose. Outra advém, na população empregável no registro de admissões tais como entrevistas de emprego, editais, licitações; e na mais jovem como treino para o ministério do controle do tempo (também conhecido como mercado de trabalho). Como representar essa descontinuidade dos espaços em suas metamorfoses contínuas? Ninguém parava naquele banco. Como traçá-la? Todos ficavam de pé à beira da rodovia. Superá-la? Bebiam e conversavam de pé, do outro lado da rodovia. É interessante que a continuidade seja superada? Ninguém sentava-se no banco do lado de cá. Ou seja transformada de modo a ser percebida, ser integrada ao cotidiano como prática árquica.


Os trânsitos de acasos que rompem com as estruturas psícofísicas dos corpos nos ambientes, como vislumbrar alguém que decide-se por dançar em pleno horário do rush na avenida central. Este corpo vibrátil gera uma arquitetura experimental (anarquitextura) não só para si, mas também para os encontros que o atravessam. Como pensava Lefebvre, poderíamos acreditar numa territorialidade das possibilidades, do espaço não-construído, lugar inconstruível, tempo autônomo zoneado, de ordenação fluida da complexidade auto-gerida. Onto-latitudes e Onto-longitudes para o trânsito e criação de novas paisagens (alterealidades) multifacetadas, interconectadas e ativas, onde a busca é pelo realizar(-se). Composição do espaço como uma série de linhas de fuga e ritornelos. Dentro dessa pluralidade escalar, novas geologias aurais cognitivas. As camadas de memória sedimentadas grão a grão no culto das formas musicais. Samba na capela. Bach nas marginais. O tempo situando-se entre a paisagem movente e o que é ouvido (percebido, criado) é a apresentação da continuidade fluida da construção acústica e ainda outra transformação do território a operar encaixes das entrescutas no audível. Passa o avião, estrela da manhã. A cidade é a afinação dos intonarrumori. O futuro já passou.


Trânsito e Movimento, Desertos “Não há saídas, só pontes estradas e avenidas.” Itamar Assumpção Podemos pensar hoje, uma nova geografia. Uma geodinâmica de fluxos capitais, informacionais, uma geografia dos movimentos (transgrafia cartogênica) onde se vislumbra um urbanismo dos modos de arquia e textura. Movimentos de fracturas de estruturações prévias da experiência. Varèse ouvindo suas gravações ainda é Varèse e não o puro ruído dos desertos concretos que são as cidades, Cage ouvindo Varèse ainda é Cage sonhando o acaso. Os desertos (the wasteland) como paisagem sonora do ócio. Mas entre nós e este silêncio, uma cidade rumina: paredes em decomposição, encanamentos, circuitos, suores, fezes, máquinas, motores a combustão. O corpo como ressonância no meio das estruturações burocráticas de massificação da cidade: todos como iguais, que tentam manter de pé os circuitos elétricos mal utilizados , os encanamentos hidráulicos, o escoamento dos dejetos sem reciclagem para algum lugar distante, a habitação segregária e nossas posições de poder nos nichos urbanos, e principalmente tentando manter o movimento no meio da impossibilidade que o tráfico de tráfegos gera em tal movimentação. O circo está armado, podem chamar o arado que anda sozinho. O recuo da bateria no sambódromo é a orquestra entrando a tocar no fosso da sala de concertos, como a batida de um coração se deslocando até o centro do córtex e ali esperando o movimento da manda entre as duas orelhas coletivas, os que já viram a procissão e os que ainda não. Joãozinho trinta vestindo Wagner com sacos de lixo. As conchas acústicas e os jogos de búzios dos passatempos que toda cidade média tem? Ficam às moscas, devidamente


policiadas para que não haja nenhuma banda de heavy metal acabando com o sossego dos transeuntes. O transporte público é um terreno baldio rodeado de logomarcas de status por todos os lados, o corpo é um dejeto cruzando entre os fluxos de carros, e o automóvel é forjado à imagem de um templo à solitude individualista, espaço híbrido ícone do deserto. O ronco dos motores e suas metáforas predatórias, cheiro de flores e gasolina. O cluster cacofônico desemboca no drone dos escultores de fragores e a música industrial se miniaturiza no Japão. Teu carro tão caro não se move, tua argos tão muda não se muda, a roda é só outra engrenagem nesta linha de montagem... e eis a maldição de Ford. Depois andar a pé no meio do mato. Onde? No âmbito púbico quem é que dinamiza a cidade, quem é que a transforma, quem a move (além do mito religioso do capital financeiro), que desejos erguem as vigas? Ouço os lugares nômades criados por mendigos, por ambulantes, por ocupações artisticas, artistas de rua, - a significação está no sujeito, na relação criada, não no espaço. É algo que se carrega consigo, é a possibilidade de criação, é a criatividade propositiva entre o sujeito que a dinamiza e o espaço em si. Lugares nômades nos espaços de trânsito, lugares de afeto. Que lugares são esses? El toponômade, com suas nuances imateriais: topografias, sobre-camadas, a rede de cinemas, a rede de coletivos artísticos, as festas, os mritos urbanos, os lugares de contemplação, de manifestações, de vazio e silenciares. Uma escuta que conecta sonoridades, e mais ainda, que conecta outras escutas de maneira quase hidráulica, o ouvido como o coração é, afinal, uma válvula a vapor. Se o corpo humano é mais água que animal, o caracol é mais concha que pérola. Acúmulo de ações significativas, decantações dos fluxos, impregnação dos gestos na crosta. Cruzam o meio da quadra, edifício antigo, cantar na subida do morro é diferente, pátio interno, corredores, arcos ogivais, ante-câmaras, pé-direito, jardim, silêncio. Zom de luz pisca-pisca de natal fora de época. Qual o lugar sensível que a arquitetura física nos leva? Pão de açúcar, praça dos três poderes, memorial da américa latina, porque guinle, parque da luz, ccbb, voodoo, ponto de ônibus, minha casa, o espaço entre o armário do quarto e os portais do louvre, minha roupa arca com os espaços de conexão sensível entre nós, nossas anotações dinamitam todo este texto abaixo e riem de nós, seus desenhos. Abre-fecha, expande-contrai, o que fica disso tudo? Escalas, trânsito entre o público e o privado. O espaço é uma porta e o tempo uma sanfona. Ulysses lembra a Benjamin que já não há espaço ou tempo para flanar.


Misantropia Urbanística, Florescentismo, Descartografia e Cryptoflorestania “A cidade é o romance da pedra.” Por conta do confinamento dos corpos, do aumento do controlo de fluxo dos trânsitos, a maisvalia dos avatares em detrimento das subjetividades, vemos uma crescente do processo de individuação egoística. Os jardins fechados, as praças engradadas, os campos cercados, o sítios privados, o loteamento e a loteria da Babilônia. É proibido morar na rua, é foda morar na periferia sem acesso a bens culturais, não há mais bens naturais que não sejam tratados como atração turístico-comercial, não há mais espaços de convivência gratuita (o prazer como commodity), e a especulação imobiliária impossibilita a habitação. E quando todos quiserem conhecer o santuário, quem vai recolher as garrafas de refrigerantes? Como a arquitetura pode promover espaços e tempos de percepção do agora e do aqui despojada de uma obrigatoriedade programática prévia? Arquitetura fluida, assim como o humano? Como pode a sonorizaçao promover a escuta sem a obrigatoriedade das hierarquias de fala ou da partitura? Musicalidade fluida, que aceita o ruído como parte da evolução natural do sistema acústico? Quais as bases de uma atuação submidiática no campo da vivência cotidiana? Juntar pessoas que nunca se conheceram numa cidade à qual nenhum deles pertença. Alugar uma casa em ruínas. Reformá-la e habitá-la por um período fechado de tempo. Gerar atividades que sirvam de disparador para a cultura local. Deixar um ponto de cultura com este encontro como base da mitologia poética dali. Faróis, vermelho, verde, a coreografia urbana cotidiana, insana, finais de semana, como orquestrar depois do ensaio felliniano do caos industriante? Cidadecaos, como subverter seus


códigos? Calçada, lugar de trânsito, esquina, espera, encruzilhadas, praças calçadas, a gente não fica, a gente passa. Dança! Quebra-corpo, quebra-copos, cadeiras. O que pode ocupar a rua e acessar seu corpo subjetivo? Penso agora no carnaval, virada cultura o que resta do gesto? O mágico em frente ao metrô, o canto do camelô.


Favela, o Cristal e da Cidade "Quando a cidade será um grande centro de pesquisas para descobrir as coisas do universo e da vida, para conhecer a alma humana?" Flávio de Carvalho Há uma favela no sonho desperto da sambista na mesa do bar (talvez a chamássemos cavela), espaço cristalizado pelos hábitos de gente, relação de vizinhança e intimidades desabrochadas à praça pública. Nesta, a transparência do cristal derrubou as paredes entre os cômodos. Organização afetiva dos lugares através de mecanismos de fluidez. Uma das qualidades mais interessantes dos cristais é sua habilidade de encapsular partículas estranhas, espaço geofágico. Cristais são exemplo ancestral, nas mais diversas culturas (tal como crystalpunk), de organização simétrica fractal tanto visível quanto molecular. Formalmente, a favela não denota tal simetria, mas suas estruturas psicogeonâmicas (relações de micro-poder atuante e nanopotência religiosa) se embasam nesta cristalinidade. Atlan fala da vida entre o cristal e a


fumaça, ordem paralizante e evanescência gasosa. O tráfico é a fumaça no sonho dela, todos os tráficos. Principalmente o tráfico de tráficos. Cristais são grandes produtores vibracionais de ruído. Ruído este que move a primeira engrenagem dos relógios sob a precisão do quartzo. Quais ressonâncias e proteções acústicas devemos pensar para uma cidade de cavelas sem incorrermos no higienismo próprio da arquitetura contemporânea? Quando o arquiteto pergunta, a sambista ri e taca o relógio no chão. Dança com sua cintura de ampulheta e canta em alto brado uma ciranda sobre os trabalhos e o dia. A favela, como exemplo de auto-gestão e organização é um modelo catalizador. Para a construção de Brasília, foi necessário um acampamento periferial de casas de saco de cimento (Sacolândia). O que está implicito nesta afirmação é a escala, a escala de aproximação e distanciamento, sinestesias de calango sob o Sol a projetar o macrochip processador de uma nação sobre os mitos do quartzo que subjaz a capital. A árvore que brinquei a duas semanas atrás é a mesma que agora brinca o garoto. O banco onde sentei me perguntou como nos aproximamos, que tom usamos, como acessamos? Qual é esta arquitextura literante? O policial bate no artista de rua, proibido de atuar, mero camelô de afetos. O onibus aumenta, pedágio do movimento no centro implodido. A higiene quer aumentar o preço da muamba e expulsar a eletrecidade da luz. Santa If, o garoto de joelhos pede, se puder mantenha o churrasco grego.


Maquineísmos da Moradia “Muito mais comodidade para o sua vida e a de sua família! Áreas Verdes, playground, churrasqueira e tudo o que sua família precisa!” A planta livre, a abertura de espaços privados e as incontáveis formas de vigilância dos territórios, das geografias dos recursos arquitetônicos e de suas identidades (feudos, Brasília, favelas, etc...), o centro e suas infra-estruturas, as periferias dormitórios, espaços públicos e suas ressonâncias. O sonho do último morador: ao levantar-se o espelho está à sua frente, senta-se e a cadeira já está lá, a mesa surge com a comida, levanta-se e é vestido, senta-se e o escritório já o põe em ofício. Sem pausas, sem tempo, sem espaço, só habitação da vida pela função. Caracolgirassol numa toca repleta de ninhos que fica dentro de um ovo, numa colméia onde girinos fundem constelações. O trem no túnel, o motor elétrico, a reverberação de menos de 0,1 segundo convoluindo o metro como sendo arrastado submerso por uma onda, as vibrações subterrâneas da cidade, radiações da televisão emudecida do vagão, rumores de quinze tocadores de som aos ouvidos dos calados, ninguém ousa palavra, você ri. Cozinhar é um luxo. As áreas comerciais fantasmas de Brasília e os jardins suspensos do aterro do Flamengo. O toque de recolher de São Paulo. Como abrir os condomínios fechados, estes novos muros de Tijuana, Gaza ou Berlin? O fim do horário de trabalho e a produção onírica de espacialidades surreais.


Escuta Ubíqüa, Música e Arquitetura da Informação "Um mapa do mundo que não inclua utopias, não merece nem mesmo uma espiada.” Oscar Wilde Com o crescimento exponencial da utilização dos enredamentos sociais virtuais, como os espaços públicos urbanos de encontro vêem suas arquiteturas abandonadas. A arquitetura física ainda é necessária, mas não pode mais se limitar pelas condições estáticas de um local definido, mas como arquitetura de dados no espaço. Somando a isto a crescente virtualização dos encontros, é necessário pensarmos uma arquitetura dos encontros em um favorecimento espacial ao encontro físico entre pessoas. A transarquitetura da Argos para se adaptar às situações e a travessia do navio a vapor por sobre o morro puxado pelos índios contratados para fazer o filme, no qual Fitzcarraldo vence sua aposta. Acesso à área reformada de acordo com a especulação vigente, movimento de commodities acomodados na cadeira sob cada cidadão. O da poltrona levanta e vai até a lavanderia (som de dutos de ar quente - bafo escaldante) casa das máquinas, manutenção do gerador, encanametos e conduítes elétricos. A escuta fágica dos filamentos moleculares das harmonias intracontextuais, o modo como comemos os gárgulas e as dobras rococó com os olhos. Fila


para a saída, faixa de pedestres. Fluxo da água e de pessoas, o fluxo da energia e o fluxo do trabalho. Log-a-ritmo, cartão de ponto, ponto nenhum (trabalho incessável), som, céu, sino. Às vezes tenho a impressão de que há mais automóveis que gente aqui. Máquinas em pseudo moto-perpetuo. Se um certo tipo de música consegue reunir tanta gente num espaço público, consumo de prazer que se tornou, que arquitetura molda os modos deste encontro para a realização deste cabresto acústico? Qual é a sala de concerto da contemporaneidade? É possível ainda uma música na contemporaneidade? Não chegamos à saturação do código musical assim como a arquitetura chegou a um limite material e geométrico das formas e o urbanismo se deparou com o fim espacial do mundo? Como seria produzida uma escuta popular complexa o bastante para aceitar os ruídos como forma de composição musical dos espaços aurais e das acústicas subjetivas? Relações de densidade e harmonia, construção e composição, altura e timbre, entrada de sol no ambiente urbano e das músicas estrangeiras num sistema fechado, espaços abertos e sistemas integrados, espaços fechados e hierarquias simpáticas (criação nepotística das máfias), meios de quadras. Escadlas do público privado.


Espaços Lacônicos, Vão Sinestésico entre Desertos “A Grécia é o único lugar do mundo onde os turistas vão para visitar terrenos baldios.” Henry Miller Mas não bastam ser conectados os conceitos como os monumentos arquitetônicos (ruínas incluídas), eles devem também se articular, devem se afetar, sensibilizar mutuamente, a si e aos outros. Nem a sala de concerto nem os templos inspiram mais a devoção do silêncio, automóveis estupram seu espaço aural. Pensar cantando, andar sonhando, raciocinando imagens em movimentos. Pequenas brechas acausais de rompimento das estruturas da arquestratégia do uso temporal. Ritualizar e emprenhar a cidade de poesia. Dar-se tempo. Moldar vazios necessários, lembrar-se pernas que o caminhar faz caminhos. . O organismo urbano como organismo humano (orgaurbehumano?), possui um imenso desconhecido, abandonado, o espaço não percebido, o terreno vazio convive com a melencolia e seu mistério, a desconfiguração do tecido e suas descontinuidades. As I sit... In a four cornered room... E se derrubássemos os muros? E se derrubassemos os muros para fora e para o vizinho, se abrissemos um quintal comum, se deixássemos que essas quadras se tornassem semi-


permeáveis, multiplicando os espaços de interação de cada uma delas. Se cada vizinho quebrar as barreiras de seus lotes, criando mini vizinhanças a cada quadra, ele teria ainda assim a propriedade, porém ele partilharia do espaço comum dinamizado. Polifonia das formações subjetivas e arquiteturas escalares. Kaspar Hauser sonha antes da morte, ele vê uma caravana liderada por um velho cego. Eles param no meio do deserto perante uma montanha e se acreditam perdidos. O velho cego diz que a montanha é uma ilusão e que devem seguir através dela. Hias escuta seu coração de cristal ressoar, pessoas subirão à montanha e se entreolhando elas paralizarão e se converterão numa floresta de pedra. Sem rubis, orelhas tolhidas por ratos, uns não confiando nos outros nem, para sentarem-se no mesmo banco de uma praça. Quem arca com os sonhos da cidade para reformarmos as fossas todas das relações deste canteiro de obras? Construir não passa de uma viagem em um barco rio acima rumo à materialização de um desejo inicial sempre frustrado nas partes de seu fluxo que negam a gravidade do caso. Eis o edifício erguido, quem habitará este texto? O programa em arquitetura é a manifestação do desejo do outro. O partido, a racionalização da criação a partir do programa. Sincrotetura das arquicrônicas. Artequietura nauseante de quem sonha a cidade em si, ruído delicado no tempo da terra, silêncio frágil na temporalidade das esperas, avesso ao instantâneo fotográfico e ao fluxo musical.


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