MEMO RIAS DE CABO DELGADO COLONIAL LEMBRANDO OS ÚLTIMOS ANOS DA ADMINISTRAÇÃO PORTUGUESA NO CONCELHO DO IBO (1969-1974) Por Carlos Lopes Bento ano de 1970
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MEMÓRIAS DE CABO DELGADO COLONIAL LEMBRANDO OS ÚLTIMOS ANOS DA ADMINISTRAÇÃO PORTUGUESA NO CONCELHO DO IBO (1969-1974) Carlos Lopes Bento
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De dimensão imensurável, os factos sociais- demográficos, económicos, religiosos, políticos, culturais, ... , que, ao longo de séculos, tiveram como espaço o território de Moçambique e lugar no tempo da administração colonial portuguesa, que fazendo parte da História comum de Moçambique, hoje soberano e independente e de Portugal, continuam a ser, por parte da população mais jovem, de ambos os Países, desconhecidos, parcialmente conhecidos e até, muitas vezes, deturpados, por razões de natureza políticoideológica. Na minha opinião, julgo ser tempo de divulgar os factos dessa história comum, indivisível e inseparável, sejam eles quais forem, às novas gerações de moçambicanos e de portugueses, para que conheçam, no seu contexto próprio, as realidades sociopolíticas, económicas e religiosas, construídas, sentidas e vividas, tanto em situação de cooperação e interajuda, como de inimizade e conflito, por gerações anteriores às suas. Foram elas, quer queiramos, quer não, que ajudaram a construir o espaço geográfico próprio e a realidade sociocultural que hoje se chama Moçambique. Ao fazê-lo, estaremos a ajudar a construir/reconstruir a história de Moçambique e a conhecer como foi possível, durante séculos, uma vivência, em comunidade, de milhares de pessoas, tanta vez, com interesses socioculturais e económicos antagónicos e contraditórios e objectivos tão diferenciados. A documentação produzida em Moçambique, de diversificada origem(relatos, descrições, diários, narrativas, cartas e demais informações, de exploradores, militares, juízes, missionários, médicos, governadores, oficiais e sargentos dos forças armadas, administradores de concelho, chefes dos postos militares, directores de alfândega, de fazenda, de obras públicas e outros funcionários da administração pública colonial, autoridades tradicionais, paisanos, comerciantes), não só constitui um manancial informativo de relevante utilidade e pertinência para o efeito, como também reflecte, no seu conteúdo, a perspetiva étic de alguém exterior à cultura dos colonizados, que fornece, quase sempre, a sua própria explicação sobre as realidades documentadas. Raramente, essas fontes documentais tiveram em atenção e reflectem a perspetiva émic da maioria dos colonizados, geralmente, sem escrita, a qual nos dará, directamente, conta, de como os seus anseios, problemas, reivindicações, sofrimentos, valores e símbolos foram, por eles próprios, encarados, vividos e sentidos. Embora haja muito material documental que, apenas, tenha servido para justificar e valorizar as suas acções governativas e divulgar a história dos colonizadores, encontramos, também, nesses dados, valiosas informações ligadas à participação, funcional e disfuncional, dos colonizados, que é necessário saber aproveitar, reler e reinterpretar, dando às fontes significados novos. Daí, que as recolhas, os relatos, os escritos e as descrições chegadas, intatas, até aos nossos dias, com base, em documentação escrita, devem ser considerados factos sociais importantes e pertinentes, que, depois de avaliados e criticados, poderão dar um largo contributo para a elaboração de 1
-Doutorado em História dos Factos Socias pelo ISCSP, da UTLisboa. Antigo presidente da CM do Ibo. Antropólogo. Tesoureiro da SG de Lisboa.
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uma verdadeira e nova historiografia moçambicana, isenta de etnoeurocentrismos, de ideias preconceituosas e de ideologias, nem sempre coincidentes com a realidade dos factos sociais gerados no seio da situação colonial imposta. Nesse sentido, entendi, ser útil trazer, hoje, a público, alguns dos factos relacionados com os últimos anos da administração portuguesa no concelho(hoje distrito) do Ibo, distrito( hoje província) de Cabo Delgado e que constam dos Jornais Diário e Notícias, de Lourenço Marques(hoje Maputo), escritos em 1970, 1971, 1972 e 1973, para comemorar o Dia do Ibo(24 de junho) ou outros acontecimentos de relevância para o concelho. A sua leitura ajuda-nos a conhecer, não só, algumas opiniões de Filhos do Ibo sobre alguns dos seus antigos e arreigados costumes e a decadência da sua terra natal, outrora, próspera e cosmopolita e suas perpetivas futuras sobre o seu desenvolvimento, como também a recordar as dificuldades e os esforços das autoridades locais e das populações para resolverem os múltiplos problemas que afectavam a vila do Ibo e, particularmente, o seu bairro rururbano e a ajuda financeira dada a algumas classes socioprofissionais para melhorar as suas condições de vida. Ano de 1970 Comecerei por apresentar o que, de mais importante, se escreveu, no ano de 1970, para comemorar o Dia do Ibo. A costumada saudação do presidente da C.M do Ibo.
O delegado em Cabo Delegado, do Diário de Lourenço Marques, o insigne jornalista Jaime Ferraz Gabão, grande amigo do Ibo, com fundadas esperanças, acreditava que o Ibo, com o seu património construído, edificado há séculos, importante fator de atração turística e com o desenvolvimento da
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actividade das pescas e transformação dos seus produtos e da castanha de caju, que, pelo seu porto era escoada, anualmente, poderia, futuramente, sobreviver e prosperar. Justificava-o, em 24.6.1970, em nota redatorial:
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O filho do Ibo, António Baptista Carrilho, lembra o passado histórico da Vila do Ibo e defende, para sua Ilha, o desenvolvimento do turismo.
O tempo parece ter dado razão a este Filho do Ibo, pois, passados mais de 40 anos, o turismo já é uma realidade palpável, não só nas ilhas do distrito do Ibo, como também, em muitas outras do arquipélago das Querimbas.
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Ainda, nesse mesmo ano, o ilustre António Batista Carrilho escrevia sobre algumas “Coisas e Curiosidades do Ibo”. Ao realçar as qualidades do porto do Ibo, recordava, para ensinamento dos mais novos, alguns traços da etnografia relacionados com os ritos de passagem. -nascimento, furar orelhas das raparigas, casamento-, celebrados entre os filhos do Ibo, não esquecendo a típica doçaria e as danças próprias desses tempos especiais.
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O Diário de Moçambique, de 24 de Junho de 1970, realça as principais ações realizadas, na ilha do Ibo, pelo Município e Administração do concelho, entre Junho de 1969 e Junho de 1970.
Entre as ações concretizadas, salienta-se, não só, a transformação dos corálicos arruamentos em ruas transitáveis, obra feita pelas próprias populações do bairro rururbano2, sob a orientação da administração do concelho, como também se dá conta da plantação de mais de um milhar de cafézeiros, tendo em vista a excelente qualidade do café do Ibo e sua importância do futuro turistico do Ibo e demais ilhas de Querimba.
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- Para saber mais sobre a aplicação deste projecto de desenvolvimento comunitário e seus resultados, consultar a Separata do Boletim da S.G.L, série 115, nºs 1-12, Jan.-Dez., de 1997, pp 175.
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Fig I- Coral bem vísivel. CB. 1970
Fig II- Novo arruamento. CB. 1970
O cafezeiro continuava, em 1970 a ser uma planta espontânea, que até se desenvolvia nos solos pedregosos de coral, existentes na parte insular do território. As maiores colheitas faziam-se na Ilha do Ibo, em Criamacoma ou Lumbo, em Fragane, próximo da Quissanga, e em Bringano, a sul da ilha de Querimba. A sua introdução nas Ilhas, deveu-se aos Árabes e Suaílis, que se supõem serem os primeiros povoadores, que o teriam difundido de outros estabelecimentos seus. A sua cultura sistemática não existia e a planta crescia ao ritmo natural, sem quaisquer cuidados do homem. As autoridades portuguesas do Reino, nos finais do século XVIII, procuraram inverter a situação, passar da recolecta à cultura do cafezeiro, de modo a introduzir o café no comércio com Lisboa, facto que acarretaria grandes benefícios, tanto para o Reino, como para as Colónias. De modo a promover e a animar a plantação do café nas Ilhas, uma provisão real de 2/3/1800, determinava que, anualmente, delas fossem remetidas 10 arrobas do melhor café, obrigando-se, para tanto, "cada morador e agricultor a plantar tantas árvores, proporcionalmente ao terreno que possuir, persuadindo-os que isto poderá a vir a ser, em pouco tempo, um ramo de comércio, muito útil aos moradores" Em 1803, foram enviadas, para o Palácio Real de Queluz, 3 arrobas e 18 arráteis de café das Ilhas, remessas que continuariam até 1808, mas que seriam suspensas a partir desta data, devido aos ataques dos Sakalava às Ilhas de Querimba e terras firmes adjacentes.
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No sentido de ultrapassar todas as dificuldades, uma nova provisão real, de 1810, recomendava todo o interesse das autoridades para incrementar a cultura do cafezeiro e outros produtos agrícolas, que pudessem constituir-se objectos de exportação e compensar-se os de importação. Estas ordens régias não produziram resultados visíveis, pelo menos, até ao advento do liberalismo, para o que contribuíram, significamente, a resistência das populações e as incursões dos ditos Sakalava. As tentativas para introduzir, nas Ilhas, uma agricultura orientada para uma economia de mercado, redundariam em completo fracasso. Mas o afamado café do Ibo não desapareceu. Em 31 de Julho de 1905, o Governador dos Territórios da Companhia do Nyassa, João dos Santos Pires Viegas, escreveu algumas notas sobre o café, do seu distrito, enviado para a Exposição Colonial de Algodão, Borracha, Cacau e Café.(Abril a Maio de 1906), realizada, na sua sala Algarve, pela Sociedade de Geografia de Lisboa: “O café dos Territórios da Companhia do Nyassa, geralmente conhecido por “café do Ibo”, tem qualidades de preferência muito superiores a muitas variedades das nossa colónias, mas quase sempre passa despercebido, atendendo à sua quase nula exportação, e esta devido ao nulo desenvolvimento que os filhos do Ibo e de Querimba, senhores de enormíssimos tratos de terreno no litoral, dão ao cultivo do cafezeiro. ////////////////////////////////// Ainda assim o café da ilha do Ibo é mais saborosos e superior em qualidade a outro qualquer dos Territórios, porque sendo fácil vigiar a propriedade, só é colhido na época própria e algum é seco e arrecadado segundo os preceitos aconselhados. Nestas condições, em terreno próprio, entre altos coqueiros, que pouca sombra lhe dão ou entre acácias e macieiras bravas, que lhes roubam o espaço, os cafezeiros encontram-se em quase todas as circunscrições dos Território aquém do rio Lugenda. /////////////////////////////// É afamado o “café do Ibo”, porém poucas pessoas o conhecem, além daquelas que têm permanecido ou passado pelos Territórios e pelo distrito de Moçambique, e ainda aquelas que no Reino têm relações nesta parte desta nossa África. Nos Territórios da Companhia do Nyassa não tem consumo outro café. Encontra-se café, em quantidade, não só em todo o litoral como nas margens do M´Salo, Naquidunga e Pequeue, no concelho de Mocimboa, nas encostas das serras Muare e M´chibala, serras que formam um garganta onde se acha estabelecida a sede do concelho do Medo, no Mualia. Os Territórios da Companhia do Nyassa concorrem à exposição da Sociedade de Geografia de Lisboa com nove amostras de café: - Quririmisi, Quiriamacoma, Olumbua, Ibo,, do concelho do Ibo. - Tandanhangue, Memba, do concelho de Quissanga. - Naquidunga, do concelho de Mocimboa.” No Catálogo então, editado pela SGL, dá-se conta de uma nova espécie de Café, o Coffea Ibo, de Frohner, assim caracterizado: “ Dos cafés, além dos tipos Coffea Liberica e Coffea Arábica, especializaremos um espécie nova, o Coffea Ibo, de Frohner, apresentado pela Companhia do Nyassa, e que, pela pequenez do seu grão alongado, semelhante mais ao bago do trigo do que o do café ordinário. Cultivado com
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esmero, deve por certo produzir um produto que alcançará boa cotação no mercado, pelas suas qualidades aromáticas.” Relativamente ao CAFÉ, a Companhia do Niassa foi distinguida com o Diploma de medalha de ouro. Sobre o pescado capturado por três empresas estabelecidas no Ibo e pelos pescadores locais, escreveu-se então:
Os dados apresentados permitem-nos conhecer os preços de compra, praticados, nessa data, para os produtos referenciados. No que respeita à castanha de caju deu-se a seguinte notícia:
Era significativa a quantidade de castanha de caju, adquirida nas terras firmes, que saía pelo porto do Ibo. A sugestão apresentada para a montagem de uma fábrica no Ibo, nunca se concretizou. Outra notícia, então, realçada foi a produção de cocos.
Uma das seculares riquezas das Ilhas de Querimba e terras firmes adjacentes foi sempre a produção de cocos, produto de significativa importância na culinária mwani e nas festas mágicoreligiosas. Fruto do coqueiro/palmeira, árvore conhecida há mais de 4000 anos, que tem sido considerada, com justiça, como a raínha de todas as plantas das regiões tropicais, difundida da Ásia, pelos Portugueses, a partir do século XVI, para a Oceania e Américas do Sul e Central. Da sua importância e das suas múltiplas utilizações, nas Ilhas, lembramos os relatos de Frei João dos Santos e, quase, 250 anos depois, de Jerónimo Romero.
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Para o primeiro autor, das palmeiras tiravam-se as seguintes utilidades: Dos lanhos água para beber; do miolo do coco, quando fresco, o leite de coco, quando seco e avelado a copra donde se extrai óleo; das inflorescência líquido denominado sura doce de que se faziam 3 espécies de vinho e açúcar; das folhas tecidas coberturas para casas que duravam 4 ou 5 anos; das cascas de fora o cairo para redes; e dos troncos velhos e duros, tabuado para embarcações. Para o segundo autor referenciado, eram várias as suas aplicações: A palmeira serve para vigamento, tabuado, lenha, cobrir casas, velas de canoas, recinto de quintais, esteiras, chapéus de sol, comida saborosa, excelente água, diferentes doces, azeite, vinagre, amêndoa, sura doce (destilada), sura-azeda (vinho fermentado), sura, urraca vinho), sura nipa (aguardente), mel, jagra (espécie de açúcar), palmito para comer, e conserva, carvão, pó de sapato, pincéis, cabos de cairo, fermento para pão, etc. etc. . A produção de cocos, em 1857, predominava na Arimba(90 000 frutos), na ilha do Ibo (44 000), nas povoações da baía de Pemba (20 000), na ilha de Querimba (10 000) e na Quissanga (6 000). O número de cocos variava, com o decurso do tempo, dependendo de factores como: a destruição de plantas devida às incursões que flagelaram o território, aos temporários, mas violentos ciclones que assolam as Ilhas e a doenças e parasitas que as atacavam; a idade dos coqueiros; a qualidade dos solos; e o tratamento que aqueles recebiam dos seus encarregados, conhecidos por mogamas. No princípio do século XX, Ernesto de Vilhena asseverava que, toda a costa, era apta para a cultura de coqueiros, que se achavam disseminados, em maior ou menor número em todas as povoações: O Ibo e a Querimba estão cobertos deles e em todas as outras ilhas, como Matemo, Macaloé e Quifula, onde os plantaram, nasceram com força e belo aspecto; Mossimboa, Changane, Mucojo, Quirimize, Olumboa, Arimba(/) que dão sura e cocos (...) Sobre as acções a desenvolver para o ano seguinte, 1970-1971, escreveu-se:
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Também o desporto não foi esquecido no Dia do Ibo. Uma excelente entrevista dada ao Jornal Diário de Lourenço Marques, pelo Filho do Ibo e grande desportista Carlos Alberto Soares, cuja temática foi o Clube Desportivo do Ibo:
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Clube Desportivo do Ibo. Bobito. 2010
E, para terminar, a excelente e enriquecedora entrevista de Carlos Alberto Soares, que de entrevistado passou a entrevistador, ao antigo atleta olĂmpico JosĂŠ Eduardo Lopes, a viver na vila do Ibo:
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Saudaçþes de algumas empresas no Dia do Ibo
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(Continua)
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O trabalho continuarรก em breve com os anos de 1971, 1972 e 1973.
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