PROCESSOS ELEITORAIS “Tanto a CNE como o Conselho Constitucional optaram sistematicamente por uma aplicação bastante restritiva, constrangedora, parcial e desigual da lei”
Quinta-feira, 24 de Maio de 2012 | Ano VII, n.º 1292 | Preço: 15,00 MT | Director: Jeremias Langa | e-mail: opais@soico.co.mz | www.opais.co.mz | Propriedade da Soico Imprensa
JUIZ CONSELHEIRO, JOSÉ NORBERTO CARRILHO, CÁUSTICO:
SOCIEDADE
“Há juízes sem preparação técnica nos tribunais superiores e escolhidos por critérios políticos”
Aires Ali reconhece a impaciência dos moçambicanos com “minerais” O primeiro-ministro moçambicano, Aires Ali, reconheceu, ontem, a impaciência dos moçambicanos em querer melhorar a vida, na sequência das descobertas dos recursos naturais, mas garantiu que o “grande desafio” do Governo é “gerir expectativas” da população. Pág.10
ECONOMIA
AT negoceia taxação da venda da Cove Energy e da Riversdale A Autoridade Tributária de Moçambique está a negociar as modalidades e o valor da taxa em relação à venda das participações da Cove Energy à Shell, anunciou, ontem, o vice-ministro dos Recursos Minerais, Abdul Razak. Pág.14
Este suplemento pertence ao Jornal “O País” e não deve ser vendido em separado
SUPLEMENTO
Sara Tavares
Quinta-feira, 24 de Maio de 2012 | nº 134 | Director Editorial: Jeremias Langa | Chefe da Redacção: José Belmiro | Editora: Edma Macave
Fervor musical que deixa saudades
Direcção Provincial da Saúde da Zambézia ainda sem resultados do caso “material cirúrgico” A Direcção Provincial da Saúde da Zambézia ainda não dispõe de resultados da investigação do caso do desvio de material cirúrgico, neutralizado no último domingo, em Quelimane,
pela corporação. A Polícia da República de Moçambique na Zambézia transferiu ontem para esquadra do Comando Provincial os vários quites de material cirúrgico. Trata-se de mate-
rial cirúrgico que engloba, pelo menos, 15 mil pares de luvas, 599 testes rápidos de malária, 7 600 tubos de colheita de sangue, estimado em pouco mais de 21 mil meticais. Pág.8
2o aniversário da CCMP A Câmara de Comércio Moçambique-Portugal celebrou, na passada sexta-feira, o seu segundo aniversário. Num jantar de gala, a organização juntou mais de 400 convidados.
Flash British American Tobacco procedeu à doação de painéis solares à Assembleia da República
Momento com estrela Não perca, na próxima edição do “Tindzava”, o Momento com a Estrela com o sociólogo Eugénio Brás.
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O País
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Quinta-feira, 24 de Maio de 2012
PANO DE FUNDO
José Norberto Carrilho, juiz conselheiro do Conselho Constitucional, e o q
“Há juízes nos tribunais superiores escolhidos com base em critérios políticos” Norberto Carrilho diz ainda que “é indispensável à independência dos juízes a sua competência técnica. Quanto mais tecnicamente competente for o juiz, mais segura será a sua opinião e mais independente será a sua decisão”
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juiz conselheiro do Conselho Constitucional e magistrado de carreira, José Norberto Carrilho, lançou, ontem, duras críticas à magistratura judicial, sector onde atingiu o topo da carreira e que durante anos exerceu a função de juiz conselheiro do Tribunal Supremo. Intervindo na qualidade de principal orador da XVII reunião do Grupo Africano da União Internacional de Magistrados, que decorre desde ontem, na cidade de Maputo, onde proferiu uma comunicação subordinada ao tema “A Independência dos juízes como garantia do Estado de Direito”, Carrilho foi duro e cáustico na apreciação que fez sobre o estágio do sector, a começar pela competência dos magistrados. | “É indispensável à independência dos juízes a sua competência técnica. Quanto mais tecnicamente for o juiz, mais segura será a sua opinião e mais independente será a sua decisão. Com efeito, magistrado que não tenha o conhecimento adequado do Direito que vai ter de interpretar e não disponha do domínio necessário da técnica para o aplicar, inevitavelmente necessitará de ajuda de terceiros, correndo o risco de comprometer a sua liberdade de decidir”, defende, para em seguida deixar ficar uma constatação perturbadora sobre o tipo de juízes que este país tem: “A deficiente preparação técnica dos juízes, em particular nos tribunais superiores (aqui se incluem os tribunais superiores de recurso e o tribunal supremo) e de composição colegial, escolhidos com base em critérios políticos ou outros que não os do reputado conhe-
Ser íntegro é ser capaz de decidir por si próprio, de ter opinião própria, de não se deixar influenciar por critérios de oportunidade
cimento do Direito e comprovada competência técnica, pode engendrar situações indesejáveis de domínio e de hegemonia entre os próprios magistrados e prejudicar a boa administração da justiça”, denuncia.
O DESAFIO DE FICAR EM MINORIA Para Norberto Carrilho, não menos importante para a independência de um juiz é a sua coragem, isto porque, na sua opinião, “com a crescente mediatização e politização dos processos judiciais os juízes ficam expostos à avaliação pela classe política, pelos governantes e pelos fazedores da opinião pública. Para ser verdadeiramente independente, imparcial, íntegro, coerente e justo, em algumas situações um juiz tem de possuir uma grande dose de coragem”. Para este juiz, em alguns casos “a coragem necessária é mesmo uma coragem física, para se defender das violações à sua integridade. Noutras vezes, a coragem de se requerer é uma coragem ética, uma coragem moral para ficar em minoria, isolado,
José Norberto Carrilho cáustico na sua análise sobre a competência de magistrados
se for inevitável, uma coragem para se manter do lado da razão e da justiça, para estar bem com a sua própria consciência”, aponta, para em seguida citar Hector Luís Odriozola, que diz: “Ninguém é mais independente, nem menos, do que lhe permite a sua consciência. Em todas as profissões há homens e mulheres que debaixo das mais exigentes condições de subordinação mantêm intacta, viva, a flor inviolada do
seu espírito. E, também em todas, há os que tremem com um temor que ninguém lhes infunde...”. Para Carrilho, “é nessa coragem que reside a verdadeira independência dos juízes”.
NÃO TER MEDO DE NÃO RENOVAR O MANDATO “A par da imparcialidade, a integridade é outro requisito subjectivo essencial à independência dos juízes. Ser íntegro é ser
capaz de decidir por si próprio, de ter opinião própria, de não se deixar influenciar por critérios de oportunidade. É ter a capacidade de afirmar a verticalidade e de não abdicar da honestidade intelectual, enfim, é o poder de se autodeterminar na defesa dos valores mais nobres e, se necessário, assumir o dever de desobediência em relação a quem o nomeou e a quem o poder de não lhe renovar o mandato”.n
Quinta-feira, 24 de Maio de 2012 l O País
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PANO DE FUNDO
quadro geral do estágio da justiça no país
Carrilho diz que comportamento de Jorge Khálau não pode passar impune e a PGR deve agir
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inda na sua comunicação, o juiz conselheiro José Norberto Carrilho analisou o recente comportamento da equipa da Polícia da República de Moçambique (PRM), dirigida pelo seu respectivo comandante-geral, Jorge Khálau, de se recusar a cumprir uma decisão judicial que ordenava a restituição à liberdade ao ex-comandante distrital da PRM de Nacala, arguido num processo de suposto tráfico de armas de guerra. “As entidades públicas, nome-
adamente os titulares dos poderes Executivo e Legislativo, as autoridades policiais e militares, devem ser as primeiras a acatar as sentenças dos tribunais e a observar as decisões proferidas pelos juízes, mesmo naqueles casos em que não estejam de acordo com elas. Todavia, nem sempre tal acontece, como tivemos ocasião de constatar em Moçambique (...) apesar da Constituição da República de Moçambique estabelecer que ‘as decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório para todos os cida-
dãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre todas as de outras autoridades’”. Para Norberto Carrilho, a falta do acatamento das decisões dos juízes “mais do que representar uma afronta individual a um magistrado, constitui um desafio à autoridade do Estado no seu todo, é um desrespeito pela Constituição que se traduz, na maior parte dos casos, em violação inadmissível dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos cidadãos”. Segundo este juiz de carreira,
“o incumprimento ilegal das decisões judiciais não pode passar impune, pelo contrário, deve ser objecto de pronta intervenção do Ministério Público, sob pena do desrespeito voltar a repetir-se e a impunidade acabar não só a enfraquecer o poder judicial, mas, sobretudo, gerar no público a percepção de que o Estado de Direito é frágil, é impotente para fazer valer a sua autoridade e não consegue proteger os cidadãos contra as violações de que são vítimas”, defendeu. De resto, Carrilho vem juntar-
se ao coro de críticas contra o comandante-geral da Polícia, Jorge Khálau, depois da Ordem dos Advogados ter exigido ao Chefe do Estado, Armando Guebuza, a reposição da ordem Constitucional violada por Khálau. A Liga dos Direitos Humanos foi mais directa e numa carta aberta ao Presidente da República pediu a exoneração de Jorge Khálau das suas funções, alegadamente por se afigurar um perigo para a existência de um Estado de Direito em Moçambique.n