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Marcos da Viticultura no Norte de Portugal António Barros Cardoso
António Barros Cardoso Natural do Peso da Régua, cidade carismática da Região Demarcada do Douro desde tempos anteriores à criação da sua Demarcação. Doutorado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tem dedicado grande parte da investigação e ensino, muito provavelmente pelas suas origens, à história do vinho e em particular ao papel que a cidade do Porto sempre teve no seu comércio, quer dos vinhos oriundos do Alto Douro, quer dos criados na Região dos Vinhos Verdes, cidade onde eram consumidos e exportados para os quatro cantos do Mundo. Devido ao seu vasto conhecimento nesta matéria, seria pois a personalidade indicada para elaborar uma resenha histórica de duas regiões que se cruzaram no Douro e no Porto, desde a implantação dos Monges de Cister na Alta Idade Média, até aos finais do século passado, quando uma nova era se iniciou, e que justificou o conteúdo e objectivos desta obra em que Francisco Girão é homenageado.
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Regi達o dos Vinhos Verdes. Quinta de Azevedo, Barcelos
ões vinícolas que têm hoje importância reconhecida, interna e externamente. Falamos da Região dos Vinhos Verdes e da Região do Douro. Foi nestas duas realidades vitícolas que o Dr. Francisco Girão se moveu, na parte da sua existência dedicada à vitivinicultura. Aberto à inovação, praticou-a na sua propriedade de Vilacetinho, localizada na zona intermédia do Entre-Douro-e-Minho, mais concretamente nas freguesias de Alpendurada e Matos, do concelho do Marco de Canavezes, actual Sub-Região de Amarante. Esta terra integrou, até à implantação definitiva do liberalismo (1834), o antigo couto de Alpendurada e serviu de balão de ensaio a Francisco Girão para a sua incursão na produção de vinhos verdes. De facto, no índice geral dos prazos do Mosteiro de Alpendurada, consta o casal de “Vila Cetinho”, então inserido na freguesia de “Pendorada”, cujo primeiro prazo – feito, em 1579, a João Fernandes e mulher, Lucrécia Gonçalves – rendia, ao mosteiro, 220 réis, um alqueire e duas galinhas1. Contudo, em 1679, quando a mesma terra é emprazada a Mário Vieira da Mota e mulher, a renda já integra 9 canadas de vinho cozido2, quantidade que aumenta para “um almude e meio e um quartilho de vinho cozido e 20 canadas e 1 quartilho de vinho mole”, quando o emprazamento destas terras é feito, em 1767, a Luís Mendes de Vasconcellos Cyrne e mulher, Dona Marianna Angelica de Azevedo3, sinal de que, de terra de pão, passou a integrar também o vinho como cultura. Foi aí que, nos meados do século passado, Francisco Girão soube aperfeiçoar o seu vinho e guindá-lo às melhores mesas, já que o Vilacetinho foi servido nos banquetes realizados por ocasião da visita, a Portugal, da Rainha Isabel II de Inglaterra, em 1957. Foi aqui que efectuou os primeiros ensaios de vinificação, a partir de algumas castas existentes que seleccionou com o objectivo de obter um vinho de altíssima qualidade. O sucesso do vinho “Casa de Vilacetinho” transformou-o num dos primeiros vinhos verdes do produtor, engarrafado e etiquetado. A procura interna e externa para este vinho não parou de crescer. Actualmente, a vinha ocupa uma área de cerca de 30 hectares, disposta a meia-encosta, adoptando, como forma de condução, o cordão simples. As castas que a povoam são as recomendadas para a zona, Arinto, Avesso, Azal e Loureiro. A quinta possui instalações de vinificação, engarrafamento e armazenamento próprias, apetrechadas com moderno equipamento. Contudo, respeita ainda, em boa medida, os métodos tradicionais, seguindo assim a matriz do seu criador, Francisco Girão. Hoje, esta propriedade está enquadrada na Região dos Vinhos Verdes, que abrange uma área geográfica vasta do Norte de Portugal, correspondente a boa parte da antiga província do Entre-Douro-e-Minho, descrita desde o século XVII4 como terra muito fértil, cujos frutos eram transportados, através dos grandes rios que nela correm, para o Brasil e para as conquistas de Portugal5. Um autor setecentista classifica, mesmo, esta província como a mais agradável, amena, e industriosa do Reino. Separada, a norte, da Galiza pelo rio Minho e, das Beiras, pelo rio Douro, a antiga pro-
Da antiga província do Entre-Douro-e-Minho à Região dos Vinhos Verdes
víncia do Entre-Douro-e-Minho tinha por limites, nas alturas, as serras da Freita, da Arada e Montemuro, que desenham uma área que, face à influência do relevo, apresenta a mesma paisagem agrícola constante. A oeste, o limite é o Oceano Atlântico e, mais a nascente, as montanhas da Peneda, do Gerês, da Cabreira e do Marão. Constitui, assim, um vasto anfiteatro sobre o Atlântico, que originou algumas das principais cidades e viu
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O Norte de Portugal foi palco, ao longo de séculos, da construção de duas grandes regi-
A região dos Vinhos Verdes
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Sub-região de Monção
nascer, igualmente, algumas das mais formosas vilas do reino. Por isso é, desde muito cedo, a província mais povoada de Portugal. As suas vastas riquezas naturais a isso ajudaram. Desde logo, a abundância em águas que correm nos muitos e caudalosos rios e ribeiras banham a região, atravessados pelas duzentas e vinte pontes de pedra em finais do século XVIII6. A par, o prodigioso número de vinte e seis mil fontes públicas, para além de outras tantas particulares e dos muitos poços de água pura que, no dizer de Rebelo da Costa, ajudavam a fixar à terra o trabalho dos lavradores7. Esta abundância aquífera remete, igualmente, para a riqueza piscícola da “região dos Verdes”, em quantidade e com a variedade que ainda hoje fazem a riqueza gastronómica regional. Muito apreciados pelo seu gosto particular eram, e ainda o são hoje, as lampreias, os sáveis, os salmões, as trutas, as tainhas, os robalos, os solhos e os barbos. O Entre-Douro-e-Minho conta, ainda, com um sem-número de pequenos rios que, mesmo em meses de Verão, apresentam um caudal significativo. Esta vasta região foi sempre servida de bons portos: o de Caminha, Viana, Esposende, Vila do Conde, Matosinhos e o do Porto. Destes, o de Viana, foi de grande importância para o escoamento dos muitos vinhos verdes que desciam o vale do Lima e saíam pela barra respectiva. Veremos mais adiante que estes vinhos entravam na cidade do Porto sob a designação de “vinhos
dade. A importância do porto de Viana mantém-se, pelo menos, até 1740, altura em que, por assoreamento da barra e pelo aumento da mercancia no Porto, esta cidade acaba por absorver boa parte do comércio da barra limiana. Importante era, também, a quantidade de lanchas pesqueiras que saíam ao mar destes portos, recolhendo o pescado fresco que alimentava toda a província. Da caça, parece não haver míngua. Nos finais do século XVIII, às cabras “bravíssimas” que livremente corriam nas serras e montes juntavam-se muitas águias reais, corças, falcões e javalis8. Já a cobertura arbórea, sobretudo nas partes altas, era riquíssima e proporcionava grossas madeiras para diversas finalidades e árvores decorativas que, em finais de setecentos, eram replantadas no Jardim do Rei, no Passeio Público de Lisboa e em muitos jardins particulares9. A descrição que seguimos refere, ainda, que os vales amenos do Entre-Douro-e-Minho produziam tudo o que era necessário à subsistência dos homens, e citamos: “A quantidade de pão e vinho, que é o seu fruto mais copioso”. O vinho é já citado como a produção mais importante na segunda metade do século XVIII, nos domínios da actual região dos Vinhos Verdes, a par das culturas tradicionais, como os cereais e outras que se produziam em abundância: “Dizem haver nogueira que dá cinqüenta alqueires de nozes; castanheiro, que dá um moio de castanhas; laranjeira, que dá seis carros de laranjas; pé de vide enroscada em carvalho, que dá pipa de vinho; oliveira, que dá mais de trinta alqueires de azeitonas; carvalheira, que dá mais de quarenta alqueires”10. A tão abundantes colheitas deve juntar-se a cultura e transformação do linho e do cânhamo, com reflexos directos na criação, em finais do século XVIII, da “Sociedade Económica dos Bons Patriotas, Amigos do Bem Público”, na vila de Ponte do Lima, tendo em vista emparceirar a região – diríamos hoje, em termos de tecnologia e inovação, para a época – com outras regiões prósperas da Europa, congregando o trabalho de lavradores e industriais coevos. Mas a riqueza do Entre-Douro-e-Minho abrangia, igualmente, a pecuária, a mineração de ouro e prata ou pedras preciosas, esta última conhecida em Barcelos desde o século XIII11, nomeadamente safiras que se vendiam em Paris, por bom preço, ainda em 163612. O cobre, estanho e ferro também se exploravam nos arredores de Penafiel e em São Vicente de Caldelas13. Braga era “quase toda uma fábrica de chapéus, ferragens, caixas, tinteiros, copos, e outras obras, que se fazem das pontas do gado vacum”. Em Guimarães, cutileiros e tecelões eram em tal número, que poderiam abastecer o reino e os espaços ultramarinos, e mesmo nos múltiplos lugares e aldeias que já emprestavam à província uma paisagem de habitat disperso se fabricavam de todo o género, chegando a produzir-se, no EntreDouro-e-Minho, baetas cuja qualidade rivalizava com os panos de França e da Inglaterra, tão finas como as afamadas holandilhas14. À bondade do seu clima e dos seus ares atribui-se a boa conservação da saúde dos seus povos. De facto, as pestes rarearam nestas terras; Rebelo da Costa fala de “Primavera perpétua” com verões amenos que não molestavam os auctóctones ou os estrangeiros que viajavam pelos caminhos da região, ladeados de frondosas árvores que o Sol escassamente penetrava. Por isso mesmo, muitas famílias do Reino viajavam, no século XVIII, pelo Entre-Douro-e-Minho, beneficiando do seu clima que conservava a longevi-
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de Viana”, para aí serem parcialmente consumidos e reexportados através da barra da ci-
dade de homens e mulheres, e a fertilidade destas15. Gente robusta e trabalhadora, na
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lavoura, começavam aos primeiros alvores da manhã e só paravam ao cair da noite, não largavam as mãos dos arados, dos machados e das enxadas. As mulheres também cavavam, aravam e faziam todo o trabalho da lavoura, tal como os homens que, na guerra, se mostravam igualmente valentes. Neste território apresenta-se, desde cedo, a nobreza mais antiga do reino, já que aos ascendentes de muitas famílias aqui firmadas ficaram devedores, os primeiros reis de Portugal, das conquistas para sul e do aumento da monarquia. Por isso, o território do Entre-Douro-e-Minho, encontra-se ponteado de solares e casas nobres, algumas com longa tradição na produção dos vinhos verdes. Veremos, adiante, que nestas terras a fé, a par da marca eclesiástica, semearam por todo o território monumentos religiosos: No terceiro quartel do século XVIII: Mosteiros e conventos eram cento e cinquenta; colegiadas, cinco; as ermidas e santuários passavam de três mil. Dos santuários, os mais frequentados eram o da Senhora do Porto, em Braga; o da Senhora do Pilar, em Lanhoso; e o da Senhora da Abadia. Mas também o da Senhora do Bom Despacho; o da Senhora das Necessidades, perto da vila de Fão; o do Senhor Jesus, na vila de Barcelos; o do Senhor de Bouças, em Matosinhos; e o de São Gonçalo de Amarante. Mas, sobrepunha-se a todos estes o santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga. Foi neste “mundo” onde sobressaíam três cidades: Braga, Porto e Penafiel, composto por vinte e seis vilas, quarenta e seis concelhos e doze honras e julgados com autonomia de governo, onde viviam, nos finais do século XVIII, mais de setecentas e cinquenta mil almas –, que ajudaram a forjar a actual Região dos Vinhos Verdes. Os territórios que sucintamente acabamos de descrever foram e são palco da produção
Os Vinhos Verdes. Uma história e um património para o futuro
dos Vinhos Verdes que, no século XIX, eram conhecidos, em terras brasileiras, por “vinhos frescos”. Por detrás deles, está o saber acumulado de muitas gerações de produtores e consumidores. É para uma viagem a esse passado que convidamos o leitor. A área da Região Demarcada dos Vinhos Verdes abrange, hoje, uma vasta extensão territorial que compreende boa parte do Norte de Portugal, subdividida em nove parcelas que integram vários municípios. Têm direito à denominação de origem controlada «Vinho Verde» as seguintes sub-regiões: Monção, que integra os municípios de Melgaço e Monção; a Sub-Região de Lima, da qual fazem parte os municípios de Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Viana do Castelo; a Sub-Região do Cávado, da qual fazem parte os municípios de Terras do Bouro, Amares, Vila Verde, Barcelos, Braga e Esposende; a Sub-Região do Ave, que integra Vieira do Minho, Póvoa de Lanhoso, Fafe, Guimarães, Santo Tirso, Vila Nova de Famalicão, Trofa, Póvoa de Varzim e Vila do Conde; a Sub-Região de Basto, com os municípios de Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Ribeira de Pena e Mondim de Basto; a Sub-Região do Sousa, integradora dos municípios de Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira, Paredes e Penafiel; a Sub-Região de Amarante, na qual se contam os municípios de Amarante e Marco de Canavezes; a Sub-Região Baião, que integra os municípios de Baião, Resende e Cinfães; e a Sub-Região de Paiva, que integra as terras do município de Castelo de Paiva. Trata-se de uma vasta área, à qual está associada, desde os primórdios da nacionalidade, uma forte densidade populacional. Por isso, aqui se desenvolveu uma paisagem agrária de
marcos da viticultura no norte de portugal
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A presença cisterciense fez-se sentir também na Região dos Vinhos Verdes. Os mosteiros de Santa Maria de Fiães, em Melgaço e o Mosteiro de Santa Maria do Bouro, em Amares, são disso exemplo
minifúndio. A cultura da vinha é conhecida nestes territórios, pelo menos, desde o século XII e, em consonância com o que aconteceu um pouco por toda a Europa, foram também as corporações religiosas quem primeiro se interessou por esta cultura no “País dos Verdes”. Quando falamos de vinho e de corporações religiosas, os monges de Cister são sempre citados, pelo papel disseminador da vinha, um pouco por todo o lado, desde que o seu fundador, São Bernardo, se afastou da riqueza e da opulência da abadia francesa de Cluny, para fundar pequenos mosteiros. Cîteaux, Clairvaux, onde São Bernardo foi o primeiro abade, tiveram neste processo um papel determinante, ao propor um novo ideal monástico baseado na solidão (mosteiros construídos longe do quotidiano dos homens) onde a abstinência rigorosa fosse regra, restaurando uma imagem positiva do monge. Nesta altura, os monges fazem-se viticultores e espalham, por toda a Europa, o seu conhecimento de castas e vinhos, bem como as técnicas para os obter. A abadia de Clos Vougeaut, na Borgonha, podia guardar nos seus armazéns 2000 pipas de vinho. As estatísticas dão, hoje, nota desta realidade longínqua: Em França existem 109 denominações de vinhos referenciados como tendo origem monástica, 45 na Alemanha, 27 na Áustria, 17 na Itália, 12 na Suíça, 9 em Portugal, 7 em Espanha, 5 na Grécia e 4 na Grã-bretanha, o que mostra o papel das organizações monásticas enquanto difusoras da cultura da vinha em toda a Europa16. Alguns desses cenóbios também pontuaram as terras da região produtora dos vinhos verdes. Muitos dos que aqui seguiam a regra beneditina acabaram convertidos à rigidez da regra de São Bernardo. Os monges brancos, como também ficaram conhecidos os Cistercienses –por causa do
Os monges e os vinhos verdes
traje que claramente os distinguia dos monges de São Bento, dos quais eram dissidentes –, tinham enraizado nas suas práticas o cultivo da vinha. Foi, em boa parte, nesta cultura que os mosteiros por eles fundados ancoraram a sua implantação. Na Região dos Vinhos Verdes, a sua presença também se fez sentir em vários locais. Por exemplo, o mosteiro de Santa Maria de Fiães, cuja fundação parece remontar ao século IX, está documentado como cenóbio beneditino desde 1142 e terá adoptado a reforma cisterciense por volta de 1194. A sua comunidade não era numerosa, mas con-
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seguiu ganhar riqueza e sequente notoriedade, face ao seu vasto património fundiário
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e urbano, distribuído pelo Alto Minho e Galiza. O mosteiro de Santa Maria do Bouro, em Amares, fundado em 1162, também como casa seguidora da regra beneditina constitui outro exemplo. A sua filiação em Cister é de 1195 e a abadia, localizada em terras muito férteis, prosperou rapidamente. De fundação um pouco mais antiga é o mosteiro beneditino de Santa Maria das Júnias, que remonta ao século IX, abraçando, no século XIII, as directrizes de São Bernardo. Santa Maria de Ermelo, em Arcos de Valdevez, foi, também inicialmente, mosteiro beneditino da Região dos Vinhos Verdes. Fundado por Dona Teresa em São Pedro de Arcos, passou, em finais do século XIII, a adoptar a filosofia cisterciense, filiando-se no de Santa Maria de Fiães. Ora, as bacias de três importantes cursos de água da região produtora dos Vinhos Verdes foram dominadas por estas casas cistercienses: o rio Minho, pela abadia de Santa Maria de Fiães; o Lima, pela abadia de Santa Maria de Ermelo; e o Cávado, por Santa Maria das Júnias e Santa Maria do Bouro. Mas há outros testemunhos igualmente importantes para se avaliar a antiguidade do plantio do bacelo nas terras do Verde. Que testemunhos são? Documentos do século IX e princípios do século X falam da cultura da vinha no território de Portucale. O mais antigo data de 30 de Abril de 870 e pertenceu ao cartório de Pendorada (Alpendurada). É uma carta de doação de um casal que compreendia soutos (floresta de castanheiros), pomares, vinhas e uma leira, onde se alude a cubas, sinal de que se fazia vinho e se armazenava. Uma carta de venda, datada de 900, refere-se a uma Villa Viscili, transcrita no cartulário Liber Fidei, aludindo à reserva de uma certa porção de um pomar e de uma vinha. Cingindo-nos ao Vale do Ave, uma carta de dote, com data de 946, pertencente ao Mosteiro de Moreira da Maia, menciona vários bens móveis e várias vilas com as suas casas, vinhas e pomares, sem esquecer as cubas. Uma carta de doação transcrita no Livro de D. Mumadona, datada de 949, refere-se a uma herdade cercada de vinha que identifica a tradicional forma de implantação do vinhedo no Entre-Douro-e-Minho. Se até ao século XII se pode falar de uma incipiente cultura da vinha no “País dos Verdes”, a frequência das referências, na documentação, à vinha e ao vinho mostram que o produto, a partir dessa época, passa a ser fonte de rendimento das populações e valiosa moeda de troca nos mercados locais. Sabemo-lo através da documentação dos cartórios das corporações religiosas, detentoras de boa parte das terras cultivadas em todo o Norte de Portugal. Relevam neste caso as notícias conhecidas a partir da documentação dos mosteiros de Moreira da Maia, Santo Tirso, Vairão, Fiães ou São Salvador do Souto (Guimarães). D. Afonso Henriques, ao conceder o foral a Bouças (Matosinhos), em 1172, recomenda aos moradores que plantassem vinha, isentando-os de qualquer foro nos cinco anos seguintes à plantação, passando depois o foro a uma sexta parte do vinho colhido17. Mais tarde, as Ordenações e Inquirições do reino (1220-1258) mencionam a existência de vinha no Minho, conduzida de forma alta e baixa18. Poucos anos volvidos (1295), há notícia de que a Inglaterra terá pago 3 libras por uma pipa de vinho saído pela barra de Página anterior S. Bento de Ermelo, Arcos de Valdevez Página seguinte Ramadas e uveiras — Formas tradicionais de plantio da vinha na Região dos Vinhos Verdes —Paisagem agrária de Terras de Basto
Viana19 e, no reinado de Afonso IV (1353), pela mesma barra saíam já vinhos de Monção, trocados por bacalhau20. Igualmente elucidativas sobre a produção de vinho na actual região dos Vinhos Verdes são as queixas apresentadas nas Cortes do Porto de 1372, pela gente de ribadouro, contra os carpinteiros que cortavam árvores sem se importarem com as videiras que por elas trepavam “ainda que dessem muito vinho…”21.
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Embora não seja possível, até hoje, indicar o momento preciso em que o Vinho Verde As uveiras e as ramadas
entra na dieta dos habitantes do Entre-Douro-e-Minho, devemos apontar para o século
— vinho de camponeses
XII, altura em que se começou a forjar Portugal22. O sucessivo aumento dos rendimentos
e de senhores
senhoriais em vinho nos séculos XII-XIII demonstram já a importância económica do produto na região. De resto, a vinha, face à grande humidade e riqueza dos solos, teve, nos territórios do verde, certamente um considerável crescimento, conduzida através do sistema tradicional da latada (ramos de árvore, sobretudo de castanheiro)23. A vinha acompanhou, depois, a introdução do milho grosso e, graças às medidas agrícolas de Pombal, foi progressivamente remetida para a periferia dos campos de cultura; contudo, Alberto Sampaio sustenta a coexistência da vinha baixa e do enforcado na região, através da toponímia onde permanecem designações como: Campo da Vinha ou Campo do Bacelo. De resto,
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nas inquirições há referências frequentes a vinhas baixas24. No Mosteiro de Cete, os foros em vinho diferiam, consoante se pagavam de vinhas altas (de enforcado) e de vinhas baixas25. Tudo leva a crer que não é possível avaliar a importância do enforcado, ao longo do tempo. Coexistiu, por certo, com outras formas de armação e condução das videiras na região, explicando-se, por vezes de forma exagerada, a perda de importância comercial do vinho verde, na segunda metade do século XVIII, pela introdução do milho grosso, responsável pelo predomínio das uveiras em relação à condução em ramada. Tudo parece indicar que a repartição espacial e a importância relativa das diferentes formas de condução da videira na região, estarão relacionadas com a maior ou menor inclusão das produções nos circuitos de comércio, e não com a opção pelos diversos sistemas de armação, face a custos muito diferentes destes. Serve de exemplo a Abadia de Tibães: vinham poucas rendas ao Mosteiro em vinho, sendo, por isso, consumido pelos produtores que preferiam as uveiras dado requererem um menor investimento, uma vez que era desnecessário adquirir madeiras para efectuar as armações. Só os Mosteiros e os ricos proprietários podiam optar por ramadas26. De resto, não é difícil compreender porque é que, no caso dos rendeiros, estes optavam pelas uveiras. É que, no quadro de uma economia fechada e de subsistência, elas não colidiam com os cereais e com as culturas hortícolas. A lenha dos tutores e a abundante produção de vinho de algumas árvores eram suficientes para o consumo doméstico, e não requeriam grandes cuidados27. Que vinho? Vinho com certeza muito ácido e de difícil conservação28. Um vinho pouco agradável para os padrões contemporâneos de consumo. Servia para o fortalecimento dos homens e mulheres no trabalho agrícola. Poderemos, mesmo, falar de uma marca sociológica do vinho verde desses tempos – vinho do camponês –, porque consumido pelos grupos sociais de menores recursos. Em Tibães, o largo consumo destes vinhos era dos assalariados, criados e jornaleiros. Para consumo próprio dos religiosos da abadia minhota, a preferência ia para os vinhos maduros adquiridos no Porto ou directamente na região do Douro, trazidos pelos almocreves29. O mesmo sucedia no Mosteiro de Bustelo30. Ao que tudo indica, a vinha das uveiras dava origem ao vinho para auto-consumo; a vinha em ramada originava vinhos inseridos já nos circuitos comerciais, ou seja, ao vinho camponês e ao vinho dos senhores31. Entre os últimos, contam-se os senhorios eclesiásticos como os mais interessados na economia vitícola na região dos verdes. Todos os mosteiros de São Bento produziam vinho nas suas cercas e, nos contratos de arrendamento, são constantes as referências às uveiras. Coube-lhes, igualmente, um papel importante na difusão de outros sistemas de cultura, nomeadamente das “latadas”, das quais resultava melhoria da qualidade dos frutos, por maior exposição aos raios solares, melhor arejamento e, sequentemente, melhor maturação. Mas este é um sistema caro para os séculos XVII e até para o XVIII. Requer esteios em pedra e madeira, e, como já apontámos, requer manutenção aturada32. Os monges bentos foram assim bons agentes de difusão da cultura dos verdes, mas não foram, pelo menos na mesma proporção, agentes consumidores. Preferiram quase sempre os maduros, menos ácidos e mais apaladados. Contudo, não há regra sem excepção, mesmo tratando-se dos clérigos que seguiam a regra das regras: por exemplo, algum consumo dos vinhos verdes foi certo em mosteiros situados nas terras de Basto, ou Ganfei33.
um papel relevante no desenvolvimento da vitivinicultura. Nos alvores da época Moderna, já se distinguem, na região, vinhos de qualidade diferenciada, uns inseridos em circuitos de comercialização que, veremos mais à frente, tinham em larga medida a praça do Porto como destino, outros, menos qualificados mas, ainda assim, adaptados às necessidades e ao gosto dos estômagos de quem afinal produzia uns e outros; falamos, é claro, do vinho camponês, alimento quotidiano dos homens das jornas. A uns e a outros corresponderam técnicas de condução da vinha, também elas, diferenciadas pelos custos. Entremos um pouco mais no mundo dos vinhos verdes dos tempos modernos. Nos fi-
A afirmação dos verdes nos mercados interno e externo (séculos XV –XVIII)
nais do século XVI, surge pela primeira vez (1584) a designação de “verde”, na postura da Câmara Municipal do Porto, aos vinhos atavernados. Venderam-se então a 3 réis o quartilho34. Mas, bem o sabemos, o cultivo da vinha era uma realidade em todo o território nacional, em tempos anteriores. Os descobrimentos do século XV e a expansão ultramarina do XVI alargaram mercados e fizeram crescer o consumo interno, já que o contacto de estrangeiros com portos nacionais, em busca de produtos ultramarinos, os levou inevitavelmente a conhecer os vinhos portugueses. Não é de somenos considerar, aqui, a nova clientela nacional em diáspora geográfica por todo o lado: embarcadiços, mercadores e colonos, sem esquecer as armadas reais que vão com regularidade, primeiro ao Oriente e depois às Américas. Nos alvores do século XVI, as produções concentram-se a Sul. Lisboa era a principal cabeça dos negócios e da articulação com os novos espaços do Atlântico. Duarte Nunes de Leão, na sua Descrição do Reino de Portugal (1610), traça um primeiro quadro nacional da implantação de regiões vitícolas que o confirma. Contudo, na parte Norte do reino, nomeia já duas regiões produtoras: a de Cima Douro, onde se produzem os Vinhos de Lamego; e a de Monção, produtora de vinhos já conhecidos nos mercados internos, do Minho a Lisboa, ao mesmo tempo que dá conta de que, por essa altura, se fazia já alguma extracção para fora do reino, nomeadamente para a Galiza e Inglaterra35. No período da união ibérica (1580-1640), os vinhedos da região dos Vinhos Verdes cresceram, como testemunha um contemporâneo da Mitra e Cabido de Braga, quando na fase derradeira deste período se refere a um crescimento notável das rendas “como se fora por milagre: parece que milagrosamente se multiplicavam”36. Não é nada que não aconteça nas outras regiões vitícolas em afirmação, dando corpo à geografia vinhateira nacional na transição do século XVI para o XVII37. Após a recuperação da independência, a valia dos vinhos de Monção, construída em tempos anteriores, separa-os já dos restantes vinhos do Entre-Douro-e-Minho. Sabe-se que os vinhedos de Monção e do seu Termo (área de influência) estão em expansão e, em Cortes, os moradores queixam-se dos malefícios da guerra nas suas terras. As suas lavouras tinham-se concentrado em torno das vinhas e do comércio do vinho, confessando que viviam, sobretudo, desta actividade. Se não estamos ainda perante a monocultura da vinha, não restam dúvidas de que ela assume um papel de grande relevo na economia dos moradores da região, que praticavam a cultura extensiva da vinha e que o minifúndio era preponderante. Senão, vejamos: Em 1641, dizem que não têm outros tratos de que viver senão
113 marcos da viticultura no norte de portugal
Não parece haver dúvidas quanto à antiguidade da produção de vinhos na actual região dos vinhos verdes. Aqui, como noutras áreas vitícolas da Europa, os monges tiveram
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Monção — Centro urbano de uma região produtora de vinhos com nomeada no reino e fora dele, pelo menos desde o século XVI
produzir comprar e revender vinhos.38 Em 1642, lamentam-se das terras abandonadas por causa das hostilidades com Espanha e das perdas nas suas lavouras de vinhos; em 1646, as queixas são agora de que as terras estão a despovoar-se, pela emigração para as terras do Brasil. Monção queixa-se igualmente das levas e alojamento dos soldados que originavam perdas muito significativas, a somar à míngua das novidades em pleno esforço na Guerra da Restauração. Pediam ao rei que, ao menos, deixasse circular os seus vinhos sem encargos, para diminuir as perdas que sentiam39. Nas Cortes de 1653 é bem visível o estrago de 13 anos de guerra, no sector vinícola de Monção. A vinha era o principal recurso agrícola dos povos daquelas terras e por isso queixam-se da destruição da vinha “por ser a agricultura principal, de que resultavam constantes desordens e até mortes”, dificuldades que se mantiveram entre 1661-1662, altura em que a Câmara de Viana, face às devastações provocadas pelo inimigo, pede socorro de pão ao Porto. Esta carência cerealífera parece ser também uma consequência directa do encurtamento das terras de pão em favor dos vinhedos.40 É que estamos perante a primeira região “naturalmente demarcada” no “país dos Verdes”, correspondente a uma das suas actuais nove subregiões. Talvez por isso, não se estranhem as preocupações de a defender através de posturas e medidas municipais, como a de 1635 onde se pode ler, relativamente ao vinho, o seguinte: “acordaram que porquanto havia pessoas que por interessarem e mercanciarem (mandaram ou mandavam) vir de fora deste Termo e o vendiam pelo mesmo preço que o do terra, sendo o dito vinho muito inferior – no que recebe este povo muito prejuízo – acordaram que
marcos da viticultura no norte de portugal
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Viana do Castelo — Uma das portas de saída dos Vinhos Verdes para o mundo
nenhuma pessoa de qualquer calidade que seja possa vender vinho de fora (como sendo de Monção)... sob prisão e multa”. Tais determinações repetiram-se no tempo. Os moradores dos Arcos, em 1669, são acusados de misturar os seus vinhos com os de Monção ”para depois os irem vender fora deste termo dizendo que é daqui”! Por isso, os responsáveis camarários legislaram, várias vezes, no sentido de não haver confusão com outros vinhos da região, que transitavam por ali, estabelecendo a distinção, fixando-lhes preços diferentes e sempre abaixo dos de Monção. Assim aconteceu com os vinhos de S. João de Longos, Bela, Barbeita e Merufe, Pias, Valadares ou Arcos41. Em defesa da marca, ordena-se o registo obrigatório, na Câmara, do vinho de fora que vem para se vender para consumo na vila. O que aqui foi dito para Monção, certamente já aconteceu por outras áreas da actual Região
Os Vinhos Verdes
Demarcada dos Vinhos Verdes. Alicerçamos as nossas suspeitas na avaliação da proveniên-
no século XVIII
cia de vinhos verdes que afluem ao Porto, ao longo da primeira metade do século XVIII42. De resto, quando em 1719 o Juiz de Fora do Porto se queixa, à Corte, de que o Subsídio Militar é insuficiente para fazer face às despesas43, propõe um novo alargamento do tributo e junta-lhe um orçamento pelo qual ficamos a saber que, nessa altura, se consumiam por ano, no Porto, cerca de 1.000 pipas de vinho verde, sugerindo então o lançamento de 600 réis em cada pipa, desde que vindo por terra. Se o caminho fosse o Douro ou o mar, nesses casos pagava a mesma imposição do Subsídio estipulada para o vinho maduro, 1$200 réis por pipa44.
É que os vinhos verdes, para chegarem ao Porto, usavam a via marítima e, outras vezes,
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O transporte
uma via que poderemos considerar mista: até ao porto da foz do Lima, usavam o rio;
dos Vinhos Verdes
a partir daí, a via marítima; outras vezes, usavam sistematicamente a via terrestre. Os meios de transporte foram o carro de bois, nas vias terrestres, e, no caso da via marítima, foi utilizado um variado tipo de embarcações. Os Vinhos de Viana – ou que chegaram ao Porto sob esta denominação de origem que englobava os vinhos verdes produzidos ao longo de todo o vale do Rio Lima, mas também vinhos da região de Valença e de Monção – chegavam, sobretudo, por via marítima, em variados tipos de embarcações, como lanchas, patachos, pinaças e tartanas. As primeiras foram o tipo de barco mais utilizado. Trata-se de uma embarcação versátil, muito usada nas costas portuguesa e galega45, em actividades de pesca, mas também no transporte de mercadorias. Essa versatilidade permitia que navegassem em águas fluviais, chegando a muitos locais produtores de vinhos, ao longo dos rios Lima e Minho. Dos 134 nomes de mestres de lanchas que recenseámos como transportadores, entre 1700 e 1756, doze dedicaram-se a esta actividade com algum afinco. Muitos trabalhavam quase em exclusivo para mercadores da Rua Nova. Citamos, a título de exemplo, António da Lomba, seguramente o mais empenhado dos mestres, já que nos surgiu nos registos, ao longo dos anos, com grande regularidade (1710-1743). Nesse período, efectuou 65 transportes, 73,8% dos quais por conta de firmas britânicas46 exportadoras de vinhos do Porto. De resto, o grande interesse dos ingleses do Porto pelos Vinhos Verdes levou a que muitos vinhos de Viana tenham chegado também à cidade a bordo de navios britânicos47. Boa parte do transporte de vinhos oriundos da Região dos Vinhos Verdes chegava ao Porto por terra. Calculamos que uma percentagem de 35% era transportada em carros de bois. Contamos 15 transportadores regulares deste vinho, mas apenas 8 se destacaram como grandes capatazes. Destacamos, de entre eles, o capataz Francisco João que trabalhou entre 1706 e 1728 no transporte dos vinhos de Viana, efectuando, em média anual, 15 transportes, fazendo chegar à cidade 142,3 pipas de vinho em cada ano. À semelhança dos seus congéneres que labutaram no transporte marítimo, o capataz Francisco João também trabalhou, sobretudo, com firmas britânicas. Em 10 de Setembro de 1756, Pombal criou a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do
A Sociedade Pública
Alto Douro. O modelo agradou também aos produtores de vinho da Região dos Vinhos
d’Agricultura e Comércio
Verdes. Por isso, em 1784, apresentaram à Rainha D. Maria I um projecto que passava pela
da Província do Minho
constituição de uma sociedade por acções, que vigiasse e tomasse “sobre si o Restabelecimento da agricultura”, animasse “os pobres, e aflictos Lavradores”, restaurasse “o decadente comercio” e concorresse para a facilidade da navegação, aumentando a receita fiscal das alfândegas, beneficiando desta forma o bem público48. Em suma, pretendia-se a instituição da Sociedade Pública d’ Agricultura e Comércio da Província do Minho, com o objecto de regular a produção e comércio dos Vinhos Verdes produzidos naquela província. Nos propósitos desta Sociedade, podem ler-se, desde logo, pontos comuns com a instituição pombalina. Atrevemo-nos mesmo a dizer que as suas linhas de acção e as motivações eram comuns aos dois institutos; senão, vejamos:
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Barra do Rio Cávado, Esposende — Assoreada na 2ª metade do século XVIII, impedia o comércio de Vinhos Verdes e outras mercadorias
No que se refere à produção e comércio, o documento relativo à Sociedade minhota destaca a “deploravel decadencia, em que se acha a Agricultura das Vinhas”49, com referências à insuficiência dos lucros da venda dos vinhos para fazer face às despesas de granjeio da vinha, face aos baixos preços praticados50, opinião contrariada pelo parecer da Mesa da Companhia do Douro, à qual a rainha D. Maria pediu conselho, dizendo que no Minho a despesa da viticultura era insignificante51, concretizando” que a poda era a única despesa que se pagava com a Lenha que se tirava das Videiras.
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A Companhia do Minho propõe-se fixar preços mínimos anuais, a pagar aos lavradores. Ora, a Mesa da Companhia do Douro contraria os Homens Bons de Viana, alegando ter pago preços mais altos pelos vinhos do que aqueles que a Sociedade fez constar do projecto apresentado a D. Maria I e, para o comprovar, junta mesmo um documento anexo, do qual constam os “preços a que sahirão os Vinhos, que mandou comprar a Companhia Geral do Alto Douro pelos seus Commisarios na Provincia do Minho para destilar em agoas ardentes nos anos de 1780 a 178452”. É bem provável que os redactores minhotos tivessem deturpado um pouco os valores de forma a fazer parecer mais justa e urgente a sua causa. De facto, os tempos áureos, para Viana do Lima, tinham passado. Se nos inícios do século XVII a cidade contava com uma frota bastante considerável, com a feitoria inglesa e era abundante a presença da nobreza, em finais do século XVIII esse ciclo de prosperidade tinha terminado, sobretudo devido às políticas proteccionistas lançadas pelo Marquês de Pombal, em favor dos vinhos do Douro53. Viana experimentava a decadência, tanto no sector do vinho, como no seu comércio em geral. Às razões já apontadas que justificam a decadência dos Vinhos Verdes, juntamos, pela mesma época, o impedimento das barras de Fão, Esposende e Viana, causado pela acumulação de areias54. Por isso, a Sociedade minhota exprime, entre os seus objectivos, o de melhorar a forma de entrar naquelas barras. Por tudo isto, os homens de Viana propõem a solução pombalina implementada no Douro, ou seja, a formação de uma sociedade por acções sob beneplácito régio, cujos órgãos gestionários – Provedor, ViceProvedor e Deputados –, à semelhança da Companhia do Porto, deveriam ser accionistas de cabedais. Quanto à forma de provimento, as semelhanças com o Instituto duriense são igualmente muitas. Tal como a Companhia do Douro, os órgãos sociais da Sociedade do Minho recairiam em pessoas hábeis, inteligentes e subscritoras de, pelo menos, cinco mil cruzados de acções55. O Intendente tinha a seu cargo a inspecção de todas as fábricas de aguardente56. Quanto a Provedor e Vice-Provedor, o primeiro ficaria responsável pelos armazéns de aguardente existentes na vila de Viana e cabia-lhe ainda vigiar todos os despachos da alfândega respeitantes à Sociedade”57. O segundo seria o responsável pelos armazéns dos vinhos da mesma vila e a sua competência cairia também sobre a venda, transporte e todo o expediente respectivo58. A Sociedade pede a D. Maria I um Juiz Conservador com “a mesma jurisdição e alçada que tinha sido concedida ao Juiz Conservador da Companhia do Alto Douro”59. A Companhia duriense, no seu relatório, não se refere a este aspecto, mas critica abertamente o estatuto remuneratório dos titulares proposto pela Sociedade Minhota que, no caso das comissões, atingia o dobro dos montantes percebidos pelos comissários do Douro. Já quanto ao capital de constituição da Sociedade do Minho, ela arrancaria com um capital social de trezentos mil cruzados, divididos em acções de duzentos mil réis60, a constituir em numerário e em vinhos. Pretendia funcionar igualmente como instituto de crédito, emprestando aos lavradores capitais que resultariam de dívidas que ela própria contrairia junto de irmandades e confrarias61. No caso da Sociedade minhota, que compreendia o território entre os rios Minho e Cávado62, estipulava-se que, no período de Outubro até onze de Novembro, os vinhos fossem provados, qualificados e comprados aos produtores pela Sociedade, para “queimar, revender, e transportar”63. Neste caso, não se fala de demarcação, mas, ano por ano,
buídos em três lotes, conforme a sua qualidade. O supremo era vendido a 8 mil réis, o médio a 6 mil réis e o ínfimo – que se destinava somente à queima para aguardente – era vendido a 3 mil e quinhentos réis64. Exceptua-se Monção, onde o terreno produzia vinhos superiores aos de outras terras . A Companhia do Douro, apesar de se admitir a sua superioridade, sempre vai dizen65
do que “representavam uma parcela pequena entre todos os vinhos produzidos naqueles territórios.”66 Ainda assim, o lote supremo ficava estipulado em 10 mil réis a pipa e, o médio, a 8 mil réis. Os restantes vinhos, não adquiridos pela Sociedade, poderiam ser vendidos livremente pelos lavradores, desde que o preço fosse igual ou superior ao estabelecido no bilhete de qualificação, para evitar concorrência com a Sociedade, vigiandose e aplicando penas aos incumpridores67. Quem não podia estar de acordo era a Junta da Companhia do Douro que alega, junto de D. Maria I, que os preços que a Sociedade se propõe pagar aos lavradores minhotos são muito mais baixos do que aqueles que ela própria pratica naquela região, relativamente ao vinho de inferior qualidade, com o fim de produzir aguardente. Afirma por isso que, em geral, aos lavradores da Província do Minho, era mais conveniente continuarem a vender-lhe estes vinhos. Em suma, na opinião do organismo pombalino, nenhum interesse económico resultava “à Lavoura em geral com este novo Estabelecimento Politico”, como lhe chamaram68, bem pelo contrário, a Companhia do Douro defende, mesmo, que a Sociedade minhota trazia prejuízo aos lavradores. Percebe-se, no projecto de criação da Sociedade do Minho, que os lavradores eram incitados a fabricar vinhos que não diferissem, na qualidade, dos de França, nomeadamente de Bordéus, chamados claret69. Pretende-se, mesmo, que os vinhos produzidos no Minho pudessem fazer-lhes concorrência noutros países europeus. Como incentivo para o fabrico deste tipo de vinhos, estava previsto gratificar os lavradores que produzissem em quantidade. Quem não esteve de acordo foi, mais uma vez, a Companhia do Douro. Porquê? Porque diz que, à sua custa, tinha enviado a França o seu destilador Manoel Francisco Medina, “para que aprendesse o método de fabricar os vinhos, e os transformar em aguardentes.”70 Após o seu regresso das terras gaulesas, foi o mesmo enviado para o perímetro que engloba a Sociedade minhota, nos anos de 1782 e 1783, a fim de ensinar os lavradores a fabricar os seus vinhos, de acordo com os métodos de Bordéus e de outras terras de França71, pelos quais lhes assegurava 12$000 réis por pipa. Ora, no mesmo ano, a Junta da Companhia adquiriu vinhos deste tipo aos lavradores, e por eles pagou um preço médio que ascendia aos 16$152 réis. Em 1784, a instituição pombalina ofereceu 12$000 réis por cada pipa de vinho feito ao modo bordalês”72, e 9$000 pelo vinho feito pelo método antigo73, mas os lavradores minhotos não quiseram aceitar. Pergunta então a Mesa da Companhia duriense: qual seria o proveito da instituição da Sociedade, se também ela pretendia comprar os vinhos, feitos ao modo dos franceses, por 12$000 réis? Percebia-se, no entanto, que os promotores da ideia de criação da Companhia do Minho tinham a noção de que o bom vinho começava na vinha e no tratamento da vide. De resto, demonstram uma grande preocupação no bom cultivo das vinhas e na escolha dos terrenos apropriados para a sua plantação, evitando que nos terrenos de lavradio se plantassem vinhas74. Percebe-se, no teor da proposta, que só em Monção, em Melgaço e em
119 marcos da viticultura no norte de portugal
procedia-se à prova e qualificação dos vinhos dentro desta área e os preços eram distri-
algumas partes da Ribeira de Lima havia vinhas “a que chamão de cepa” e que, na maior
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parte do território, os campos eram circuitados “d’arvores, as quaes se encosta a vide” e adianta-se que a produção de tais campos era geralmente de milho75. Ou seja, pode ler-se aqui o propósito de reconversão dos vinhedos na região. O controlo dos vinhos atavernados emerge, também, da proposta minhota, e assim nela se lembra que nas vilas de Viana, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Valença havia uma menor quantidade de vinhos. Por esse motivo, os taberneiros viam-se na necessidade de transportar o vinho de lugares distantes e, por essa razão, optavam por comprar vinhos de preços inferiores que, passado pouco tempo, se deterioravam, com prejuízo para a saúde dos povos76. Assim, para a qualidade dos vinhos ser satisfatória nas tabernas, a Sociedade comprometia-se a acordar com as Câmaras destas vilas “o preço do Vinho bom que se hade vender a Ramo no anno seguinte”77, reivindicando o direito exclusivo de venda do vinho aquartilhado nas referidas vilas e em “huã legoa ao redor”78, e a punir os desobedientes. Outra categoria importante no Minho era a dos vinhos que só serviam para queimar. Como sabemos, pelo alvará de 16 de Dezembro de 1760, a Companhia do Douro tinha o exclusivo da produção e venda das aguardentes, tanto no Minho, como em Trásos-Montes e na Beira. Portanto, a Sociedade dos homens de Viana do Lima pretendia retirar este monopólio, no Minho, à Companhia de Pombal, reservando para si o exclusivo do trato das aguardentes, género que só aquela poderia fazer e vender no seu distrito79, comprometendo-se a utilizar os lucros desta actividade em “fertilizar a Província, reputar os seus Vinhos, e augmentar o Comercio”80. Comprometia-se, no entanto, a pagar à Companhia do Douro as fábricas que ela tivesse no distrito, para a confecção de aguardente, por um preço justo81. Julgamos que este foi um dos motivos que maior oposição gerou, por parte da Mesa da Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, ao projecto minhoto, já que lhe poderiam faltar aguardentes para beneficiar os vinhos do Porto82, vendo-se, nesse caso, obrigada a adquiri-las à Sociedade do Minho. Por isso, a Companhia do Douro considera que esta passagem de privilégio para a Sociedade minhota traria total desordem no comércio de vinhos na cidade do Porto, que se traduziria em enormes prejuízos para o Estado83, e alertava para a dependência das aguardentes da Província do Minho para continuar o seu comércio. Além do que já foi dito, a Sociedade do Minho reivindicava todos os privilégios e mercês concedidos por Pombal ao Douro84 e apresenta à rainha a lista dos seus primeiros membros, que reproduzimos: Provedor – Joaquim Pereira da Silva Bezerra. Deputados – António Pereira da Cunha, Manoel Coelho de Castro, Fernão Lobo de Vilas Boas, Manoel Gachineiro, Duarte Guilherme Allen e José Leandro Bitancur. Propõe-se igualmente cuidar das barras de Fão, Espozende e Viana85, reservando para isso uma parte das suas receitas. Também aqui enfrentou a oposição da Companhia do Porto, à qual tais trabalhos não interessavam, já que, em 1780, tinha feito obras na barra do Porto, que queria ver rentabilizadas. Ora, o choque de interesses entre a poderosa Companhia do Douro e os homens de negócio de Viana fez com que a Sociedade Pública d’Agricultura Página seguinte Quinta da Aveleda, Penafiel
e Comércio da Província do Minho nunca tivesse sido constituída.
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Embora, como vimos, em finais do século XVIII tivesse sido esboçada a primeira demar-
A demarcação dos Verdes no Século XX
cação da Região dos Vinhos Verdes, ela só viria a concretizar-se já no século XX (1908). O Decreto-Lei n.º 16684, de 22 de Março de 1929, confere à Região Demarcada dos Vinhos Verdes estatuto próprio e define os seus limites. É criado simultaneamente um organismo que tutela a região, a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, hoje um organismo interprofissional que representa os interesses das profissões envolvidas na produção e comércio do vinho verde, tendo a seu cargo a defesa do património regional e nacional que constitui a sua denominação de origem, revestindo a forma jurídica de uma associação regional, pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública.
Entre 1930 e 1965, esta foi a única região do país autorizada a plantar vinha nova, ape-
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nas com a reserva de as plantações não terem a feição de vinha contínua, ou seja, a licença respeitava apenas a vinha de ramada ou bordadura. De resto, ainda em 1951, um dos mais reputados técnicos da região produtora dos vinhos verdes defendia que a melhor forma de expansão da vinha nesta região, em substituição da vinha armada em enforcado ou arjões, era a ramada, preferível aos bardos, ou seja, a vinha descontínua. A Denominação de Origem «Vinho Verde», solicitada ao OIV – Office International de la Vigne et du Vin, em Paris (1949), e posteriormente reconhecida e tendo obtido o registo internacional daquela Denominação de Origem pela OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em Genebra (1973), constituiu momento importante da afirmação do Vinho Verde, nos mercados internacionais, como vinho com características ímpares, resultantes da conjugação dos factores naturais e humanos da região. Em 1959, foi criado o selo de garantia «Vinho Verde» e em 1960 é publicado o respectivo regulamento (Decreto n.º 43.067, de 12 de Julho). Na região dos Vinhos Verdes produzem-se ainda aguardentes de excelente qualidade, as mesmas que impediram a edificação da já referida Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho. Às aguardentes vínicas e bagaceiras da região dos Vinhos Verdes só foi reconhecido estatuto próprio em Fevereiro de 1984 (Decreto-Lei n.º 39/84), diversificando-se assim o leque de produtos vínicos de qualidade produzidos na região. Após a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, é promulgada, logo em 1985, a Lei-Quadro das Regiões Demarcadas, que conduziu à reformulação da estrutura orgânica da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Mais recentemente, em 1992, foi aprovado o novo estatuto da CVRVV (Decreto-Lei nº 10/92, de 3 de Fevereiro), actualizado pelo Decreto-Lei nº 263/99, de 14 de Julho, nomeadamente nas disposições relativas à produção e ao comércio da denominação de origem “Vinho Verde”. O Porto funcionou, pelo menos nos séculos XVI a XVIII, como pólo de atracção dos Vin-
Vinho e património na Região do Vinho Verde
hos Verdes. Contudo, esta atractividade movida pelo seu comércio estimulou, e muito, a produção, deixando nas cidades e vilas que cresceram também à sombra do rendimento dos Vinhos Verdes, um legado patrimonial visível ainda nas vastas propriedades, umas de origem senhorial, outras de raíz vernacular. Na Sub-região de Monção e de Melgaço singulariza-se o Palácio da Brejoeira, na freguesia de Pinheiros, sustentado pela produção do “Alvarinho”. Trata-se de um exemplar de traça neo-clássica com decoração barroca, preservado pela economia do vinho. Edificado em finais do século XVIII sobre um solar do século XVI, originalmente detentor de vastos domínios territoriais. A sua conclusão só foi possível em 1830. Cabeça de um domínio com cerca de 40 hectares, 18 dos quais estão, desde 1963, plantados com a casta Alvarinho. Estamos perante uma das propriedades mais emblemáticas do Vinho Verde, que nos atesta também a importância da emigração para o Brasil na região, já que quem o mandou construir foi Luís Velho Pereira Moscoso, emigrante na antiga colónia, que nele aplicou boa parte da sua fortuna. Hoje o “Alvarinho – Palácio da Brejoeira” resulta de uvas aí produzidas e vinificadas em instalações modernas na própria quinta que, no decurso do século XIX, foi palco de festas com a presença da Corte portuguesa.
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Palácio da Brejoeira, Monção
A antiga Arrifana de Sousa, hoje Penafiel, é cabeça da Sub-região do Sousa. Os testemunhos arqueológicos permitem sustentar que as terras que circundam a cidade eram já povoadas nos períodos castrejo e romano (séculos I a. C. a III d. C.); contudo, a sua fundação remonta ao século IX, altura em que os Muçulmanos ocuparam a região. Em tempos medievais, a actual freguesia de São Martinho de Penafiel chamava-se São Martinho de Moazares. O rei D. João I doou o julgado de Penafiel de Sousa à cidade do Porto (1384), a fim de engrandecer a sua área de influência, situação que se mantém até 1723, mas, agora como Vila, contudo Penafiel só em 1741 consegue libertar-se totalmente da jurisdição do Porto. Foi o Marquês de Pombal quem lhe conferiu o estatuto de cidade, dotando-a de um novo termo, mais amplo, e fazendo dela efémera sede de bispado. Pe-
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1/2. Casa de Cabanelas, Penafiel 3. Casa de Sezim, Guimarães 4. Villa Beatriz, Póvoa de Lanhoso 5. Casa de Vila Verde, Lousada 6. Paço d’Anha, Viana do Castelo
til praticada nas terras do seu termo. Mostra-o o património religioso edificado na cidade, as casas, palacetes e ainda algumas das mais belas quintas do Vinho Verde. A casa de Cabanelas é uma das mais antigas e nobres de Penafiel. Pertenceu a Rodrigo Pereira Sotto Mayor, fidalgo da Casa Real. Ali se produzem vinhos equilibrados, secos, leves e delicados, a partir das castas Loureiro, Trajadura, Pedernã e Azal. A Casa de Vilaverde, em Caíde de Rei – Lousada, cujas origens remontam ao século XVI, época da qual resta a velha torre granítica à qual foi acrescentado o corpo central da casa no século XVIII, sofreu obras de acrescentamento no século XIX. Uma capela setecentista, dedicada a São Sebastião, completa o conjunto. A quinta possui 20 hectares de vinha e algumas vinhas em latada bordejando campos e caminhos, onde predominam as castas Azal branco, Trajadura, Pedernã e Loureiro. Sem abandonar terras de Penafiel, importa uma alusão, ainda que breve, à Quinta da Aveleda. Na sua terra, produz-se vinhos há mais de três séculos. Hoje é líder de mercado no sector dos vinhos verdes e a sociedade, constituída desde 1947 – Aveleda, Sociedade Agrícola e Comercial da Quinta da Aveleda, S. A. –, produz também a famosa aguardente Adega Velha e, entre outros vinhos, o afamado Casal Garcia. Tradição e modernização parecem ter sido o segredo do sucesso desta empresa familiar, várias vezes premiada, como em 1888, ano da Exposição Universal de Berlim. Na Sub-Região do Cávado, a mais extensa da Região dos Vinhos Verdes, assinalamos a Casa de Sezim, cujo domínio compreende 20 hectares de vinha. O vinho verde branco feito a partir das uvas dos vinhedos desta casa remonta a tempos medievais (1390). Desde 1376 que está nas mãos da família do seu actual proprietário. Receberam-na por doação de Maria Mendes Serrazinha a Afonso Martins de Freitas, descendente de D. João de Freitas, companheiro de armas de D. Afonso Henriques e neto de Martim de Freitas, o Alcaide-Mor do castelo de Coimbra. A casa da quinta Villa Beatriz, em Vila Seca, Santo Emilião, concelho de Póvoa de Lanhoso, é um exemplar arquitectónico de rara beleza, que se aproxima da grandeza dos chateaux bordaleses. Trata-se, como sucede com outras casas da região dos verdes, de uma moradia mandada edificar por um “brasileiro”, Francisco Antunes Guimarães. A quinta, com 70 hectares, produz cerca de 150 mil garrafas de Vinho Verde branco, vinificado em adega própria. Uma nota para os jardins que circundam a propriedade e para os seus valiosos interiores, que constituem património de grande importância, conservado pelas receitas do Vinho Verde que a propriedade produz. Ainda na Sub-Região do Cávado, em Amares, encontramos os vinhedos que se espraiam pela margem direita do rio e envolvem o Solar das Bouças. Uma propriedade com 35 hectares, 30 dos quais são de vinha totalmente reestruturada a partir de 1973, plantando-se nos seus terrenos, sobretudo, as castas Loureiro e Trajadura, embora esta última em percentagem mais reduzida. O solar, do século XVIII, deu nome à quinta. Já a Sub-Região Tâmega acompanha o vale do rio. A cidade de Amarante parece de tal modo pequena, perdida entre os verdes entremeados da floresta, dos campos de cereal e das
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nafiel começa, por isso, a desenvolver-se no século XVIII, à custa de uma agricultura fér-
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vinhas plantadas na base do maciço do Marão, que, à primeira vista, o visitante se sente num
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ambiente totalmente rural. Aqui destacamos a Casa de Vila Boa, na freguesia de Vila Boa de Quires, do concelho do Marco de Canavezes, uma propriedade explorada desde 1722, cuja origem é bem mais remota (século XIV). Nos limites deste domínio, existe a fachada de um solar setecentista (1740) que nunca chegou a ser construído. Sem sair do Marco de Canavezes, a agro-indústria do Vinho Verde sustenta, desde o Século XVIII, o Solar do Ribeiro, em S. Lourenço do Douro, de onde se desfruta belíssima paisagem sobre o rio das muitas tormentas do Douro. De sublinhar a capela dedicada, em 1702, a Santo António, ornada de belíssima talha dourada, e a beleza dos jardins decorados com azulejaria. À semelhança do Médoc, são de excelente qualidade os vinhos verdes que nascem dos frutos das videiras plantadas nas vinhas da Sub-Região do Lima. O Paço d’Anha, em Viana do Castelo, produz o vinho com a mesma denominação de origem. Em 1580, o desenrolar da crise dinástica obrigou D. António Prior do Crato, já depois de aclamado rei em Santarém, a refugiar-se no Norte de Portugal. A quinta de Anha dos Agorretas escondeu-o durante 20 dias, ganhando assim a quinta a designação de Paço. O vinho desta propriedade é conhecido, há séculos, pela sua qualidade, mas só em 1973 ali se plantou a primeira vinha em extensão. As castas nobres, Loureiro, Trajadura e Pedernã permitem produzir vinhos frutados e uma aguardente aromática, saborosa e macia. De entre as propriedades da Sub-Região do Lima, merece destaque o Paço de Calheiros. Trata-se de um solar dos finais do século XVII, implantado em terrenos da antiga Quinta do Paço que também se chamou do Pinheiro, propriedade situada na freguesia de Santa Eufémia de Calheiros, concelho de Ponte de Lima. A origem da casa estriba-se na Honra de Calheiros, concedida a Martim Martins Calheiro por D. Dinis e confirmada por D. Afonso IV, em 5 de Fevereiro de 1336. Mais tarde, D. Sebastião, em 1566, rectificou a demarcação do domínio de Calheiros e os respectivos direitos a Diogo Lopes de Calheiros, autor do conhecido “Memorial de Calheiros”, documento precioso para o estudo da genealogia da região do Minho e da Nobreza portuguesa. Autor dotado de qualidades raras para a escrita, deixou-nos um retrato das rivalidades entre famílias e do aproveitamento que sempre acontece quando sucede a desunião entre pares. O domínio de Calheiros compreendeu o Solar de Calheiros (reedificado em 1450), as Terras de Santo Estevão de Geraz, Beiral do Lima e Reguengo de Castelo (1424), as Terras de Burral e o Almoxarifado de Ponte de Lima (1453), Devezas de Ponte de Lima (1454), recebendo os seus detentores, em finais do século XIX, o título de Condes de Calheiros (1890)86. Implantado num cenário dos mais belos que se pode conseguir vislumbrar, de um só golpe de vista, na Região dos Vinhos Verdes, esta casa foi centro de um vasto domínio a que a produção vinícola não foi estranha. O actual Conde de Calheiros, Francisco da Silva Calheiros e Menezes, acalenta o sonho de produzir vinhos verdes de qualidade, com marca própria, restaurando desta forma uma tradição familiar, associando a beleza patrimonial de que Página anterior “Casa do Fidalgo”, Vila Boa de Quires, Marco de Canavezes
a casa é depositária aos vinhos que, para além da sua qualidade, se venderão também com o historial do Paço de Calheiros.
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Paรงo de Calheiros, Ponte de Lima
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Quando falamos de vinhos do Norte de Portugal, o Porto surge de forma quase imediata,
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Porto de chegada dos vinhos verdes e maduros do Norte de Portugal
no nosso pensamento, já que a cidade foi centro de consumo e do comércio interno e externo dos vinhos produzidos numa vasta região, da qual, desde cedo, se foi afirmando como cabeça. Esta porta aberta sobre o mar, com uma barra dificílima, mas ainda hoje esculpida de forma a tornar-se mais dócil aos interesses do desenvolvimento económico da região que serve, converteu o porto do Porto no principal do país, depois de Lisboa. Na realidade, de entre as actividades económicas historicamente desenvolvidas pelos homens da urbe, a que lhe emprestou mais importância e lhe imprimiu carácter foi o comércio com o exterior, como o demonstra o facto de ter sido um portuense, Afonso Martins Alho, quem, em 1353, representou Portugal no primeiro tratado de comércio luso-britânico. A designação “Vinho do Porto” é actualmente aplicada somente aos vinhos generosos do Douro, conhecidos ainda hoje por “Vinhos Finos”, expressão bem anterior ao século XVIII, época de afirmação destes vinhos nos mercados internacionais, com destaque para o inglês. De facto, pelo menos desde 1371, a exportação de vinhos, por mar e por terra, interessava mercadores do Porto87, e é conhecido o nome de alguns deles88. Também se sabe que era negócio de monta, ao ponto de, em 1392, já existir, na Porta da Ribeira, um Guarda dos vinhos, pago a expensas do município, com a finalidade de controlar as licenças de entrada89. Outro sinal da importância económica do vinho na cidade é-nos dado por uma acta da edilidade, datada de 1393, segundo a qual Abades, Priores e outras pessoas «vizinhas» da urbe, mas nela não residentes, traziam e nela vendiam grandes quantidades de vinhos. Por isso, impôs-se-lhes que emprestassem dinheiro destinado ao financiamento de uma missão oficial que dois Procuradores da Câmara deviam cumprir na Corte.90 Por essa altura, chegavam já à cidade vinhos verdes e maduros, brancos e tintos91. Os brancos valiam o dobro dos vermelhos92. Nos banquetes camarários servia-se sempre vinho branco93, costume que se altera nos séculos XVI e XVII, época em que os vinhos finos maduros, brancos e vermelhos, passam a ser tabelados ao mesmo preço, nas vendas a retalho. Contudo, sempre que se verificavam diferenças, eram normalmente a favor dos brancos94. No século XVIII, a preferência dos consumidores ia para os maduros, uma vez que, em 80 das 95 tabernas administradas pela Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, vendia-se exclusivamente aqueles vinhos. Aos verdes reservaram-se apenas 15 estabelecimentos95. Não resta hoje dúvida é de que a cidade do Porto era porto de vinhos, verdes e maduros, brancos e tintos, finos e menos finos, que procediam quase sempre do Minho e do Alto Douro96. Em pequenas notícias – como a que consta das actas do Senado (1719), altura em que se discutia o orçamento para lançar o Subsídio Militar, a fim de fazer face aos encargos da manutenção do Regimento da Cidade –, uma estimativa diz-nos que eram então consumidas anualmente, no Porto, 8.000 pipas de vinho “...vindas pelo Rio douro abaixo e da parte de Vila Nova dos limites de Sam Miguel do Outeiro, Anadia e outras partes...”97 e que do verde
Página anterior Cidade do Porto — Centro de consumo e de comércio interno e externo de vinho verde e maduro, desde tempos medievais
se consumiam cerca de 1.000 pipas.98. Sabemos, por fontes bem mais seguras, que, em média anual, se consumiram na cidade do Porto, entre 1700 e 1756, em média anual, cerca de 11.000 pipas de vinho verde e maduro99.
de logo, no perfil económico da urbe. De facto, foram várias as profissões ligadas ao vinho que conheceram prosperidade no Porto e na sua área de influência mais próxima. Essas profissões tinham representação própria, desde o século XVI, em acontecimentos como a Procissão do Corpo de Deus, onde cada grupo sócio-profissional era precedido pela sua bandeira ou estandarte e apresentava o seu quadro alegórico. Os taberneiros exibiam anualmente um dragão, bem ornamentado e pintado de novo, e ainda ofereciam a dança de uma dama com seu par100. Já os tanoeiros apresentavam um rei e uma dança animada por doze figuras bem trajadas, de boas vozes, com letras de canções cujo teor devia ser de crítica e chacota às situações da época101. Os “mercadores tratantes de vinho”, grupo social muito forte, comprometiam-se a fazer “huma follia muito boa” e a fazer desfilar a figura de Baco, deus romano do vinho. Mas, outros grupos profissionais ligados ao vinho, como os chamados «fragueiros» que preparavam arcos de madeira de sobro para as pipas, deixaram nome na urbe. Os barqueiros, que faziam o transporte vinícola entre as duas margens do rio, deviam organizar, conjuntamente com os mercadores de bacalhau, uma folia ou dança para ir no princípio da procissão do Corpo de Deus102. Nos livros de Acordãos e Posturas municipais (o mais antigo é de 1586), o vinho é recorrentemente mencionado, para se fixar o seu preço de venda ao público. É que – não se deve esquecer –, em tempos mais recuados, os vinhos faziam parte integrante da alimentação quotidiana das gentes, alimento tão comum como o pão, o que o fez entrar obrigatoriamente na história da alimentação portuense, a par da sardinha, da castanha duriense ou do peixe seco. Na cidade do Porto, o vinho atravessava todos os grupos sociais. Desde o século XVII, produtores residentes na urbe, mercadores de grosso trato e retalhistas de todos os grupos profissionais, não sendo taberneiros, mas tendo loja aberta, vendiam o vinho ao quartilho aos seus clientes, acrescentando, dessa forma, um pouco mais aos seus ganhos quotidianos103. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, afirmou-se mesmo, na cidade, uma certa sociedade que ancorou economicamente no vinho. A Junta Administrativa da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro foi uma verdadeira elite na sociedade portuense e desempenhou um importantíssimo papel no desenvolvimento da urbe, de tal forma que, durante as lutas entre liberais e absolutistas (1823-1829), as listas, quer de uma, quer de outra das facções pretendentes à Câmara da cidade, foram subscritas por boa parte dos seus corpos gerentes104. Da mesma maneira, não se deve esquecer o papel de primeiro plano que a Associação Comercial do Porto desempenhou e desempenha na vida da cidade. É bem sabido que, à data da sua fundação (1834) e nos primeiros tempos da sua existência, os negociantes exportadores de vinho tiveram nela um papel dinâmico e relevante105. Graças ao Vinho, o Porto do século XVIII consolidou no seu seio a presença de uma comunidade de estrangeiros que lhe confere um certo ar cosmopolita. Eram os ingleses da Rua
133 marcos da viticultura no norte de portugal
Os vinhos a que acima aludimos foram deixando marcas na cidade, a vários níveis. Des-
A cidade do vinho
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das Flores, mas também alguns castelhanos, flamengos e hamburgueses que habitavam na primitiva baixa do Porto e em Vila Nova, que, apoiados nos seus caixeiros e línguas (tradutores), faziam correr compras e vendas onde os vinhos tiveram papel de primeiro plano106. Além disso, ficou na cidade do Porto toda uma arquitectura sustentada pelo vinho, patente não somente nas caves do Porto e Gaia, mas também noutras áreas da cidade, nomeadamente nos palacetes que estrangeiros e nacionais ligados ao seu comércio foram edificando. Podem ainda ser contemplados na área do Campo Alegre e, de todos, o que mais impressiona é o edifício da Feitoria inglesa. Recordamos que foi o próprio arquitecto da Feitoria, John Whitehead, quem indicou John Carr para elaborar um outro projecto de arquitectura de estilo neopaladiano, o edifício do Hospital de Santo António.
Refira-se também que a chamada revolução urbana conhecida como “almadina”, na segunda
Os vinhos como fonte de receita fiscal
parte do séc. XVIII, foi financiada por um imposto lançado sobre a comercialização do vinho. No edifício onde se encontra actualmente a reitoria da Universidade do Porto funcionou, desde 1762, a Aula de Náutica, também ela financiada pela Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Igualmente a pedido deste organismo e no mesmo local, foi criada, em 1779, uma aula de Debuxo e Desenho, classes que beneficiaram da mesma fonte de financiamento. Pode pois dizer-se que, o embrião do ensino superior na cidade, reforçado a partir de 1803 pela Academia Real da Marinha e do Comércio, que funcionou no edifício desenhado em 1803 por José da Costa Silva, corrigido em 1807 por Carlos Amarante107 viria a albergar mais tarde da Academia Politécnica do Porto. Mesmo os chamados Estudos Menores também beneficiaram largamente de receitas com a mesma origem – o vinho. De facto, os professores de latim e grego colocados nas principais cidades e vilas do reino, na sequência da reforma pombalina dos estudos, foram pagos pelo subsídio literário, imposto que incidia sobre o vinho, a aguardente e o vinagre. Mas a cidade beneficiou de outros tributos sobre o vinho, que muito contribuíram para a sua manutenção e até engrandecimento. Remontam a tempos medievos dois impostos para os cofres municipais (a entrada e a imposição do vinho) e um para o erário régio (a sisa dos vinhos). A imposição dos vinhos destinava-se, em exclusivo, às obras públicas, como abertura ou manutenção das calçadas, ruas e caminhos, cuidar do abastecimento de água potável através das muitas fontes e chafarizes da urbe, bem como reparação e edificação dos cais de acostagem de navios. A primeira Junta das Obras Públicas, criada no Porto em 1763, por iniciativa de João
À esquerda Palácio da Bolsa, Porto — sede da Associação Comercial do Porto, fundada em 1834, em boa parte pela vontade e influência de negociantes exportadores de vinho
de Almada e Melo, foi igualmente financiada pelos rendimentos provenientes da taxa de um real pago por cada quartilho de vinho consumido na cidade. O urbanismo portuense muito ficou a dever ao negócio vinícola gerador das receitas fiscais indispensáveis às principais obras de melhoria do espaço público.
135 marcos da viticultura no norte de portugal
Nova, a quem voltaremos, e nas artérias confinantes eram já os franceses e italianos na Rua
O Douro é um espaço físico que reúne condições, sob o ponto de vista geomorfológico e
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O Vinho do Douro
edafo-climático, muito favoráveis à prática da viticultura: a orientação morfológica dominante, nascente-poente; os declives acentuados que impedem a estagnação da plu-
O “País do Vinho” e os seus marcos históricos
viosidade; os solos xistosos, pobres, mas com abundância de cascalho e fragmentos à superfície que fornecem materiais para a construção dos muros dos socalcos, facilitando o enraizamento das videiras, o escoamento das águas pluviais e a absorção da radiação solar que depois refractam. O clima é de matriz mediterrânica, com Verões quentes e Invernos frios, originando grandes amplitudes térmicas. As cadeias montanhosas cercam a região e formam como que uma cortina de protecção contra os ventos húmidos do Atlântico. Mas o segredo do sucesso da região está na perfeita conjugação do binómio Homem-Natureza, que redundou no melhor aproveitamento de todos estes factores, ao introduzir as necessárias adaptações para tirar o máximo partido da terra108. A viticultura e a produção vinícola no Douro remontam, pelo menos, à Época Romana,
Do vinho romano
altura em que se começa a intensificar a plantação de cepas e se aumentam as produções,
ao vinho de Lamego
como atestam as escavações arqueológicas. As mais recentes têm posto a descoberto novos lagares e vestígios de uma fabricação intensiva de «dolia», por exemplo, na zona de Freixo de Numão, indicando já produções com significado quantitativo abundante. As invasões bárbaras deixaram que a actividade vinícola prosseguisse, logrando crescer em função da expansão do cristianismo, mas tal crescimento encontrou limites durante a dominação muçulmana. Durante a Alta Idade Média, o vinho, para além de passar a entrar nos hábitos alimentares quotidianos, torna-se indispensável aos ritos religiosos cristãos. Por isso, os monges e os lavradores cristãos dedicam à vinha uma atenção especial. No Douro, testemunham o cultivo da vinha os forais de S. João da Pesqueira (1055) e de Freixo de Espada à Cinta (1152). Ao mesmo tempo, vão indicando o vinho como tributo a pagar pelos lavradores. Por sua vez, os mosteiros cistercienses de Salzedas e de Tarouca constituem referências obrigatórias quando se fala de vinho. Incontornável para o séc. XVI é o testemunho de Rui Fernandes (1531) que, ao escrever sobre a cidade de Lamego, dá nota de que nos seus arredores a produção anual atingia 306.700 almudes, sendo «os mais excelentes vinhos e de mais dura que no Reino se podem achar e mais cheirantes… vinhos de 4, 5, 6 annos e de quantos mais annos he, tanto mais excelente e mais cheiroso… E os vinhos cheirosos e de móor contia vão por terra pera muitos Senhores, e pera a corte de castella e assi algus pera a corte de portugal»109. Assinalável foi o crescimento da produção, mais para os finais do séc. XVI. Para isso contribuiu o alargamento de mercados que a união ibérica proporcionou110. Cresceu também o comércio de vinhos, sobretudo para Lisboa e para o Brasil, e, por esta altura, o vinho começa a transformar-se em meio de ascensão social, até de nobilitação. Os mercadores de vinho ascendem ao primeiro lugar nas contribuições pecuniárias impostas pela Câmara em situações de necessidade, e na já referida “montra social” do Porto da época (a procissão de Corpus Christi) ganham lugar destacado. De resto, é ainda no decurso do século XVII que os estrangeiros, com relevo para os ingleses, se interessam de forma mais notória pela exportação dos vinhos do Douro sob o nome Porto, alicerçados nos privilégios de que usufruíam, pelos tratados de 1642, 1654 e 1661. Remonta a 1641
marcos da viticultura no norte de portugal
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À esquerda São João da Pesqueira, Praça da República
a declaração de Roberto Pampeam à Imposição do Vinho de 80 pipas111 e, em 1651, é o
À direita Mosteiro de São João de Tarouca
um arranque das exportações em grande escala, mas os indícios do interesse estrangeiro
inglês Richart Peres (Pevis?) quem envia para Inglaterra 56 pipas. Não se trata, ainda, de pelos vinhos do Douro faz-se já anunciar. A excelência dos vinhos do Douro, aliada aos caminhos seguidos pela diplomacia europeia de então, no quadro da Guerra da Sucessão de Áustria, fez a vitória dos Porto sobre o claret bordalês, nos mercados britânicos. Lê-se esta evolução nos números das exportações que, entre 1678 e 1700, atingiram a média anual de 4.545 pipas. Contudo, a partir de 1692, em vários anos, o total de exportação excedeu as 10.000 pipas, atingindo um pico de 13.011 pipas, em 1693, que só viria a ser novamente conseguido em 1716. Já no decurso da primeira metade do século XVIII, o negócio do vinho do Douro continuou a prosperar, mas a curva das exportações foi muito irregular, estabilizando-se acima das quinze mil pipas apenas no final da segunda década, tendo-se atingido no ano de 1740, o ponto limite de crescimento112. Methuen é sempre lembrado quando se olham os números da exportação. Muito se tem
Do tratado de Methuen (1703)
escrito sobre o seu impacte no crescimento das exportações de vinho do Porto, atribuindo-
à Companhia pombalina (1756)
se-lhe uma importância, a nosso ver, excessiva. Não negamos que as condições do tratado possam ter ajudado a fomentar a cultura da videira, mas esse fomento, como lembrou Borges de Macedo, aconteceu não só no Douro, como em todo o Reino, o que fomentou mesmo a concorrência no mercado exterior ao vinho duriense, por parte dos vinhos de Lisboa, do Algarve e do Dão, a ponto de perder a vanguarda na venda do vinho em Inglaterra e noutros mercados113. As estatísticas parecem confirmá-lo: de facto, entre 1754 e 1757, a exportação de vinho do Porto para Inglaterra desceu114; ao contrário, parece ter subido nesse período a percentagem total dos vinhos portugueses adquiridos pelo mesmo mercado115. Cinquenta anos depois de Methuen, o Douro foi sacudido por uma grave crise de sobre-produção. O facto de, no decurso da primeira metade de Setecentos, a procura ter excedido a oferta levou à tentação de produzir mais e mais, e ao “pecado” de se mistura-
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Alvará de criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, instituida sob o consulado de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal
rem vinhos bons com vinhos de inferior qualidade. Os vinhos generosos do Douro per-
Arquivo da Biblioteca Nacional de Portugal
alertados para o problema por Frei João de Mansilha e por Luís Beleza de Andrade, am-
deram então a excelência e o prestígio angariado junto do consumidor britânico, devido às repetidas e variadas manipulações. O Rei D. José I e Sebastião José de Carvalho e Melo, seu Secretário de Estado, foram bos proprietários de vinhedos em terras do Douro. A resolução da crise levou directamente à instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro que tentou restituir ao vinho do Porto a excelência de outros tempos (1756). A sua acção passou, antes de mais, pela protecção dos vinhos finos de exportação e por manter igualmente a qualidade e o escoamento de todos os vinhos durienses. Assim, a Companhia foi dotada dos meios e privilégios, bem dentro do espírito do proteccionismo económico. Quais foram os principais? Demarcação da área produtora de vinhos de exportação; monopólio de comercialização de vinho, vinagre e aguardente para a colónia do Brasil; exclusividade na venda de vinhos, aguardentes e vinagres, na cidade do Porto e duas léguas em seu redor, e do fabrico e exportação de aguardente nas três Províncias do Norte, Minho, Beira e Trás-os-Montes (alvará de 1760); garantia de preços mínimos, ao lavrador, suficientemente compensadores; os dirigentes da Companhia deveriam obrigatoriamente ser recrutados entre pessoas de grande prestígio social e de capacidade demonstrada, incluindo-se neles «algumas pessoas de distinção da cidade e de sima do Douro». A criação deste organismo, assente em monopólios e privilégios que iam ao arrepio dos interesses estabelecidos, suscitou a oposição de um sem-número de taberneiros excluídos;
Página anterior Rio Douro no Pinhão, Quintas, das Carvalhas, Roeda e Ventozelo
armazenistas que sentiam próximo um poder fiscalizador das contrafacções que elaboravam no interior das suas loges; mercadores e exportadores cujo produto passou a ser alvo de
aplaudiram a Companhia, mas, numa fase mais adiantada, contestaram-na porque ela os obrigava a beber os vinhos que queria que bebessem e a pagar por eles um preço igualmente por ela determinado. Esta oposição à Companhia viria a materializar-se em duas ocasiões. Num motim que causou furor pelas ruas da cidade, ocorrido em Fevereiro de 1757 – o célebre Motim da Companhia, que Arnaldo Gama imortalizou no seu romance histórico “Um motim há cem anos”. Mas, outra forma de protesto, esta bem mais duradoura e difícil de enfrentar pelas autoridades oficiais, foi protagonizada pelos mercadores ingleses do Porto e Gaia, que moveram influência política a partir da capital britânica. Contudo, os ingleses aprenderam a conviver com a Companhia e continuaram a dominar o negócio dos “vinhos de feitoria”, agora produzidos dentro das marcas estabelecidas em terras do Douro. O desafio do poder absoluto de D. José I e do seu temido Secretário de Estado foi julgado pelo poder como crime de lesa-majestade, o que levou vinte e um homens e cinco mulheres à forca, depois de verem confiscados os seus bens e declarada infame a sua memória. Apesar deste percalço, nos finais do século XVIII, as exportações de vinho do Porto atingiram ponto alto em 1798 (saíram 72.496 pipas116), prosperidade de negócios que se prolongou pelos inícios do século XIX. O Porto representava à volta de 75% das exportações de vinhos portugueses117 e cerca de 70% do total das exportações saídas do Porto, em 1791118, números que atingem outra projecção se pensarmos que representam 1/3 do total das exportações do país. O influxo desta prosperidade vem com as Invasões Francesas, com as lutas liberais, com Dos ecos do Liberalismo
o Cerco do Porto, mantendo-se até meados do século XIX. A exportação regista a sua
aos nossos dias
mais notória diminuição em 1825 (51.939 pipas119). Contudo, recupera-se em 1834, depois da vitória do Liberalismo, coincidindo com a derrogação dos privilégios antes outorgados à Companhia120. Pela mesma altura, franqueava-se a barra do Douro a todos os vinhos portugueses. Durou pouco a ausência dos poderes da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro que, passados quatro anos, os recupera parcialmente, incluindo neles a reserva da barra do Douro, para exportação dos néctares durienses121. Entre 1834 e 1838, a média de exportação total anual andou um pouco acima das 33.300 pipas122, mas registaria nova descida na década seguinte. Em meados do século XIX (1854), exportaram-se 39.252 pipas, mas, em 1858, as marcas da exportação registam o número mais baixo do séc. XIX até à filoxera: apenas 16.690 pipas123. Sucedem-se novamente as acusações aos detractores da qualidade e do prestígio do vinho do Porto, ao ponto de se reclamar a queima dos vinhos propostos para exportação, em 1859124. Em 1865, a Associação Comercial do Porto e outros grupos de pressão fazem com que seja reposta a liberdade de comércio, a abolição da demarcação, conseguindo a reabertura da barra do Douro à exportação de todos os vinhos portugueses. Tal medida trouxe, ao que tudo indica, benefício aos accionistas da Companhia na década de setenta, se olharmos aos quantitativos das exportações para o Brasil, mas deixou descontentes algumas câmaras da região do Douro125. Porém, o enxofre em pó, vencedor do oídio que atacara as vinhas do Douro entre 18501852 , era agora impotente no combate à filoxera que grassava, a partir de 1863, nas terras 126
141 marcos da viticultura no norte de portugal
atenta inspecção, pelos oficiais da Companhia; e os consumidores que, numa primeira fase,
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Mortórios — terrenos antes plantados de vinha e abandonados no período filoxérico
de Sabrosa, tornando-se mais grave a partir de 1872, só combatida com eficácia, anos mais tarde, pela introdução de espécies americanas com resistência ao insecto. Ficaram os mortórios que ainda hoje se contemplam em algumas encostas do Douro. A produção vinícola diminuiu cerca de um terço e, a par, surge naturalmente uma actividade intensa em torno da compra e venda da propriedade127. O míldio surgiu em 1893, mas logo foi bem combatido pelo sulfato de cobre em calda bordalesa128. Ou seja, nesta década começam também a dar sinais de recuperação as exportações para Inglaterra e França, havendo até lugar para a criação de novas sociedades, como a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, fun-
laide Ferreira, uma mulher que soube transformar a desgraça em fortaleza. Portugal, nos alvores do século XX, regista um significativo aumento da sua área de produção vinícola. Não lhe corresponde a mesma tendência nas exportações, já que, ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do XX, os mercados estavam habituados a vinhos falsificados130. O Douro estava exposto à concorrência de outros vinhos portugueses e a falsificações do vinho do Porto. Emerge, por isso, a chamada «questão duriense»131. Mais uma vez, está em causa a reafirmação e defesa da marca “Porto”. A Associação Comercial do Porto tem aqui um papel muito influente. João Franco lidera agora o governo central e pugna pela defesa dos interesses da região vinhateira do Douro e pelos que nela vivem e trabalham. Alarga-se a região demarcada e volta a reservar-se a barra do Douro para os vinhos do Porto. É nesta altura que se celebram os tratados de comércio com a Alemanha (1909) e com a Inglaterra (1914), nos quais o vinho do Porto ocupa lugar central. É certo que, com a paralisação comercial decorrente da emergência da 1.ª Guerra Mundial, as exportações para o Norte da Europa diminuíram. É este o quadro que traz a agitação a Lamego em 1915, onde, face às falsificações de vinho de origem obscura e à concorrência perpetrada ao Douro por outras regiões vitícolas nacionais, se reclamam medidas urgentes do Governo. Em 20 de Julho daquele ano, em frente da Câmara daquela cidade, juntaram-se cerca de 5.000 pessoas exprimindo o descontentamento regional. Reprimidos à bomba, muitos caíram feridos e outros ficaram na História do Douro por engrossarem o número dos que pereceram no chamado «domingo sangrento»132. Apesar de tudo, os resultados foram positivos. Entre 1918 e 1919, exportaram-se para Inglaterra quantidades excepcionais de vinho: 70.868 pipas e 74.685 pipas, respectivamente. O veto francês à importação de vinhos portugueses (1924) e a discussão internacional sobre marcas de origem não impediram a prosperidade das exportações que, em 1924-1925, pela primeira vez, ultrapassam as 100.000 pipas. Um pouco mais tarde (1929), a grande depressão, inevitavelmente, atingia o negócio do vinho do Porto. Desta vez, a crise fica até finais da 2.ª Guerra Mundial. Eram elevados os stocks armazenados em Gaia e no Douro. Estimam-se em mais de 300.000 pipas. Em 1945, a exportação não passou das 16.472 pipas. Somente no ano seguinte se começa a sentir o renascer da esperança entre produtores e exportadores, face à consolidação da paz. Contudo, as colheitas abundantes desses anos fazem aumentar os stocks, ainda que se limitem as licenças de benefício. Nos anos sequentes a 1955, aposta-se, por isso, não na exportação dos vinhos finos do Douro sob a marca Porto, mas sim nos vinhos tranquilos. Os generosos do Douro conhecem novo incremento exportador, a partir de 1961. Antes de se atingir 1756, que, vimo-lo, foi ano de crise séria no sector dos vinhos do Douro, Porto e Douro – uma
um longo caminho de complementaridade entre o Douro e a cidade do Porto foi percorrido.
complementaridade intemporal
Na realidade, de entre os vinhos comercializados na cidade, destacaram-se sempre os vinhos
que a Natureza impôs
do Douro, o mais famoso dos quais, o “Vinho do Porto”, transformado em embaixador de Portugal em todo o mundo, pelo menos desde o século XVII.
143 marcos da viticultura no norte de portugal
dada em 1888129. Foi também este o tempo do destaque para figuras como D. Antónia Ade-
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Não restam hoje dúvidas de que, na base deste processo de afirmação dos vinhos do Douro no Mundo, está a complementaridade intemporal entre o Douro e o Porto, imposta pela própria Natureza. O Porto, cidade construída sobre massas graníticas, nunca teve grandes propensões para a agricultura. Tal complementaridade tem raiz económica e é fundada nos frutos da terra, produzidos no Douro, que a cidade consome, comercializa e exporta para a sua galáxia de contactos133. Do Douro, o Porto recebia fruta excelente, algum vinho, o mel, o azeite, as madeiras e o sumagre. Neste último caso, trata-se um produto muito importante na economia portuense, nos séculos XVI a XIX. O sumagre era obtido através da secagem e posterior moagem das folhas da sumagreira (planta que se dá muito bem na região do Douro), obtendo-se dessa forma um pó fino, depois humedecido e armazenado em forma de pequenas bolas acondicionadas em sacos. Chegava aos cais ribeirinhos do Porto em grande quantidade. Uma parte era consumida pelos surradores (curtidores de peles e couros) da cidade; a maior porção deste produto era reexportada para o Norte da Europa, onde era aplicado não apenas na preparação dos couros e moscóvias, mas igualmente utilizado na tinturaria. Desde os inícios do século XVI que os vinhos do Douro eram exportados para Castela . Contudo, verificou-se, a partir dos finais desta centúria, um grande incremento à 134
produção, coincidente com o governo de Filipe II e, sobretudo, nos finais do século XVII, quando se transformaram em fazenda de grande exportação para a Inglaterra e Irlanda. Por essa altura, para além dos vinhos, a complementaridade Douro-Porto assentava num conjunto de produtos que Manoel Pereira de Novais elencou no seu Anacrisis Historial: Quanto aos vinhos, este monge que viveu no Mosteiro de San Martin Pinário, em Santiago de Compostela, testemunha a sua qualidade comparando-os aos de Toro, Ribadávia, Castela e Andaluzia, concluindo que nem mesmo o vinho de Orense, na Galiza “... se puede comparar en ninguna Manera, com lo precioso y fino del Vino de todas las riberas del Duero, despues que Riega los Campos de Portugal...”135. Ao mesmo tempo, deixa notícia de muitos outros frutos das arribas do rio, como os finos azeites, as uvas doces e passas de diferentes qualidades, as peras, as maçãs, os marmelos, os pêssegos e os citrinos, tais como limões e limas, e as apreciadas laranjas da China. Não se esqueceu de referir outros, como as castanhas, nozes, figos, pinhões, o já citado sumagre, e deu nota das madeiras nobres durienses utilizadas no mobiliário que adornava as melhores casas do Porto136. Esta circulação de mercadorias é igualmente responsável pelo fluxo de pessoas. Desde aqueles tempos aos nossos dias, mercadores de vinho residentes no Porto possuem no Douro a sua segunda casa, e o contrário também se verifica. Muitos durienses afluem à cidade para trabalhar, para casar e sustentar família, para estudar ou para tratar das suas maleitas137. Mesmo alguns ingleses começaram a viajar pela região do Douro, em busca do melhor negócio138, e, embora em número reduzido, lá se foram instalando. Lembramos que um dos grandes peritos conhecedores das vinhas e dos sítios do Douro, indicado por Lisboa para assessorar as tarefas de demarcação em 1757, foi Diogo Archibold, dono da Quinta Roriz139. Também temos notícias de que muitos, embora não fossem proprietários da raiz das terras produtoras, alugaram produções e propriedades, ao longo de toda a primeira metade de setecentos140.
to. Por isso, o Porto é, ainda hoje, mais reconhecido no mundo pela silhueta estilizada de um rabelo, do que pelas suas armas. Este rio possuía barcos com individualidade, em boa medida, construída pela especificidade da navegação do rio e pela especialização a que foram sujeitos – o transporte de vinhos. Apesar da variedade de embarcações que navegaram as águas dos vários patamares do Douro, o rabelo é tido como “o barco do Douro”. Em 1942, ainda eram úteis naquela que foi a sua e mais importante tarefa desde finais do século XVII, a de transportarem os vinhos de Cima Douro com destino a Gaia e ao Porto, muito embora nessa altura a sua prestação se quedasse em apenas 6% do tráfego de tão importante mercadoria. Os restantes 94% cabiam já aos caminhos-de-ferro. Em 1961, circulavam apenas cinco destes ícones de um passado ligado ao desenvolvimento da agro-indústria do Vinho do Porto. Sabemos da sua antiguidade, Estrabão já se lhes refere como “magnis scaphis”. Rafael Bluteau (séc. XVII) fala de uma “Barcaça familiar do Douro que tem por leme um remo grande a que chamam espadela e que tem mais dois remos de cada banda com que se governa”, que apelida de “Azurracha”, nome com origem no termo medieval azora (qualidade de vinho), em relação lógica com o principal produto que transportava. Este é o termo que continua a ser usado pelo beneditino Manoel Pereira de Novaes (1690), para se referir aos barcos que faziam o transporte de vinhos entre São João da Pesqueira e o Porto, deixando igualmente notícia do seu grande número, em trânsito diário no rio. Adaptaram-se progressivamente às exigências da navegação e ao transporte dos cascos atestados de vinho. Por isso, foram perdendo os bicos de proa. O pano do velame deixou de ser marcado com as figuras terríficas a que os escudos laterais de protecção que lhes emprestavam a característica de barco de guerra, desaparecendo no século XVIII para dar lugar a tábuas longitudinais (bordados – tábuas laterais para aumento de carga) quando, quase exclusivamente, os rabelos são usados no transporte vinícola. Para aproveitar os ventos encanados (ventos da barra), a experiência fez diminuir o velame. Desapareceu a quilha, para facilitar o deslizar do barco sobre as rochas e baixios, e o grande leme aumentou de tamanho para melhor manobrar da embarcação. O aparecimento das apègadas (posto de comando do barco rabelo), onde se instalava o manobrador da espadela, resulta do seu maior peso e tamanho, mas resultou igualmente da adaptação do barco ao transporte de cargas cada vez mais altas. Estes barcos do vinho eram de construção fácil e rápida. Os próprios “marinheiros do rio” foram os seus arquitectos e os respectivos estaleiros podiam encontrar-se em qualquer local propício das margens. A sua duração podia ser efémera, ou prolongar-se por muitos anos, já que os acidentes do rio, as enchentes rápidas ou as cheias de duração mais prolongada causavam danos frequentes, por vezes irreparáveis, nas embarcações. Um barco versátil que se moldava às características da zona do rio onde navegava e de acordo com as diferentes condições atmosféricas. Num rio sem qualquer sinalética, os rabelos deslizavam silenciosos, de sol a sol, silêncio quebrado apenas para anunciarem a sua aproximação a ou-
Barco Rabelo
tras embarcações, pelo toque de um búzio, nos meandros mais angulosos do rio.
145 marcos da viticultura no norte de portugal
O rio e os rabelos facilitaram as comunicações entre a região produtora e a cidade do PorO Douro dos rabelos
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Marcos das demarcações das terras do Douro que podiam produzir vinhos de feitoria
Ao longo da primeira metade do século XVIII, a sua capacidade situava-se entre as 35 e 45 pipas de vinho. A partir de 1762, aumentaram significativamente as exportações de vinhos do Porto, crescimento igualmente seguido por um aumento da tonelagem dos rabelos que, pelos perigos que comportava, chegou a ser limitada, pela referida Companhia, a não mais de cinquenta pipas de vinho. Terminaram a sua saga, ao serviço dos vinhos do Douro e Porto, na década de sessenta do século XX, paulatinamente substituídos pelo caminho-de-ferro e pelo transporte rodoviário. Contudo, permanecem na memória das gentes do vale do Douro. A demarcação dos territórios onde se produz o Vinho do Porto foi decretada, pela pri-
Dos marcos pombalinos
meira vez, por alvará de 10 de Setembro de 1756, o mesmo que instituiu a Companhia
à marca de João Franco
Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Contudo, no terreno, a demarcação só teve início no ano seguinte e o processo arrastou-se por 1758 e 1761. Quanto à regulação, aquela Companhia foi mandatada para a levar a efeito, recebendo do Estado privilégios e direitos exclusivos, nomeadamente o da exportação do vinho de feitoria ou de embarque pela barra do Douro. Com esta demarcação, nascia aquela que é, historicamente, a região demarcada e regulamentada mais antiga do mundo. A marca inicial atrás designada por pombalina abrangia uma área de cerca de 40.000 hectares. Contudo, foi aumentada ao longo dos tempos. Entre 1788 e 1793, no reinado de Dona Maria I, o aumento da procura de vinhos de qualidade conduziu à abertura da área inicialmente demarcada, processo que ficou conhecido por «demarcações marianas». As terras
marcos da viticultura no norte de portugal
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D. Maria I — No seu reinado, as terras que podiam produzir vinhos de embarque, ou de feitoria passaram a abranger uma área de cerca de 80 000 hectares Palácio Nacional de Queluz, autor desconhecido, séc.XVIII, fotografia de Paulo Cintra e Laura Castro Caldas, Divisão de Documentação Fotográfica — Instituto dos Museus e da Conservação, I.P.
que podiam produzir vinhos de embarque, ou de feitoria, passaram a atingir cerca de 80.000 hectares, ou seja, dobraram relativamente à primitiva marca, entrando nela, sobretudo, um grande número de vinhedos do Cima-Corgo141. No século XIX, o país viveu balanceado entre o absolutismo e o liberalismo. Por isso, os privilégios da Companhia viram-se limitados, primeiro, e depois abolidos. De facto, entre 1865 e 1907, a demarcação e a regulação foram revogadas, dando lugar à liberdade de comércio. Contudo, em 1906, sente-se novamente a necessidade de revitalizar as normativas que Pombal aprovara em 1756, com ligeiras adaptações. Através do decreto governamental de 1907, 10 de Maio, os exportadores vêm satisfeita a pretensão de vigorar, de novo, o conceito de região demarcada e a reivindicação de que vinho do Porto é apenas o vinho produzido na região do Douro e exportado a partir do Porto. O governo de então, liderado por João Franco, através do mesmo diploma, alarga a demarcação da região vinhateira para o Douro Superior, até à fronteira com Espanha. A área de produção passa, agora, para cerca de 600.000 hectares. No ano seguinte, a marca foi reduzida para os 250.000 hectares, o que se aproxima mais da área actual. Contudo, hoje, apenas 32.000 hectares estão autorizados a produzir vinho do Porto142. Ainda assim, uma região demarcada que não se apresenta como um contínuo. Território heterogéneo e de contrastes, o Douro subdivide-se, hoje, em três sub-regiões distintas, no plano físico e de ocupação humana. O Baixo-Corgo, corresponde à área mais ocidental e de relevo menos acidentado. O seu epicentro é a cidade da Régua, Cidade Internacional da Vinha e do Vinho, núcleo histórico da RDD. Aqui, a cultura da vinha é a mais antiga.
Os seus solos xistosos apresentam elevada percentagem de argila, bem férteis, com clima
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marcado por temperaturas médias anuais moderadas, mas com picos no Verão, e por um substancial grau de humidade e índices demográficos igualmente favoráveis. No Cima Corgo, entre a foz do Corgo e o Cachão da Valeira, as margens do Douro mostram acentuados declives. Os solos xistosos são ainda mais favoráveis à optimização do cultivo da vinha. Aqui se situa boa parte das quintas que granjearam nomeada no Vinho do Porto. O Douro Superior compreende toda a área entre a Valeira e a fronteira com Espanha. Terras que, no passado, foram de pão e onde a viticultura só ganhou projecção após a destruição do Cachão da Valeira (1792). Beneficiaria, também, das ligações ferroviárias construídas ao longo de todo o vale do Douro, entre 1873 e 1887. Trata-se de uma área de menores recursos hídricos e de maiores amplitudes térmicas. De densidade populacional mais fraca, só no século XX foi incluída na região demarcada143. É hoje inquestionável que os ingleses foram os primeiros a interessar-se pelos vinhos do A feitoria inglesa do vinho
Douro como produto de exportação em larga escala, e que, por isso, os divulgaram, primeiro pelo Norte da Europa e depois por todo o Mundo. Por isso, aos historiadores não restam dúvidas de que os britânicos influenciaram os processos de fixação das características de cor, de sabor e do teor alcoólico do vinho do Porto. Afinal, o vinho do Porto era o seu produto de exportação mais importante em território português e deveria, por isso, agradar ao gosto do consumidor a quem o destinavam. De resto, olhando à experiência adquirida pelos ingleses nas diversas regiões produtoras de vinho, na Europa, às quais estiveram ligados, fica claro que deram contributos importantes na arte de fazer bons vinhos, de os armazenar e conservar do modo mais adequado. Coube-lhes, certamente, uma importante quota-parte na caminhada experimental que conduziu aos “Vinhos do Porto”. Ademais, bem o sabemos, o interesse da Inglaterra pelo vinho remonta ao período da ocupação romana da Bretanha, datando já da segunda metade do século XV notícias sobre o conhecimento dos vinhos do Douro, nas Ilhas Britânicas. Foi o checo Rozmital (1460) que deles falou, ao relatar que no sopé das montanhas do Douro havia vinha, amendoeiras e figueiras, e que o vinho aí produzido era então designado “Vinho de Grécia”, obtendo-se esmagando uvas tintas maduras como passas. Certo é que, no século XVI, os ingleses mantinham preferência pelos vinhos de Bordéus, mas, mais para finais desta centúria, os vinhos húngaros e austríacos não escapavam aos apreciadores britânicos; referimo-nos aos Tokay e aos Riboldi, denominação de origem fixada, na Inglaterra do século XIX, através da expressão Rybole. O mesmo sucedia com os vinhos espanhóis do Jerez, onde já havia companhias comerciais inglesas instaladas, nomeadamente em Porto de Santa Maria e Sanlucar de Barrameda. Com segurança, não se pode afirmar que teriam sido eles a criar o método de envelhecimento e da adição de aguardente vínica ao vinho duriense, muito menos a ensinar aos portugueses a arte da tanoaria. É que, quanto a esta última, deve referir-se que, na cidade, já se exerce este ofício desde os finais do século XIV. Foram os tanoeiros a assinar, primeiro, o livro de registo de marcas no Porto. Da mesma maneira, não devemos menosprezar a sabedoria enológica acumulada, durante séculos, nos mosteiros da região produtora. O testemunho de Rui Fernandes (1531-32) dá, já, particular ênfase à variedade de castas, à idade e ao aroma dos vinhos durienses e, nos primórdios do séc. XVII, os Jesuítas falam da excelência dos vinhos finos que produziam na sua quinta da Régua – Quinta da Vacaria.
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De entre os britânicos que se dedicaram ao Douro e ao Porto, para além do já referido DioOs cabouqueiros
go Archibold, merece destaque o escocês Joseph James Forrester, o autor de várias obras
de um negócio próspero
cartográficas sobre a região e o rio que marcou a sua história e onde viria a perecer. Trata-se de um dos mais notáveis protagonistas da saga histórica do Vinho do Porto.144 Também ele proprietário de vinhas, conhecia muito bem a região do Douro145 e bateu-se pela manutenção da excelência dos seus vinhos. Por outro lado, o seu legado escrito e artístico sobre o Douro é notável. Mas, quando se fala de história do Vinho do Porto, não podemos limitar-nos aos ingleses. É que, na realidade, a fase mais importante do arranque para a nomeada mundial alcançada, no século XVIII, por estes vinhos contou, para além do mer-
Biblioteca da Feitoria Inglesa, Porto
cado inglês, com outros mercados e com outros protagonistas. Alguns eram alemães de
150
Hamburgo que também se estabeleceram no Porto e negociaram com vinhos, como André Henrique Severim que, nos anos da sua actividade na cidade, comprou, em média, 107 pipas de vinho por ano, exportadas para Hamburgo, por troca com aduelas, linho e ferro. O mesmo sucedeu com alguns flamengos, como os constituintes da firma Isaac Lostaw & C.ª, que comprava 441 pipas de vinho por ano, vinhos que exportava maioritariamente para o Norte da Europa, de onde fazia chegar ao Porto aduelas, ferro e holandilhas, mercadorias oriundas de Amesterdão e Baiona de França. Já entre os franceses, merece destaque Bernard Clamouse & C.ª, que chegou a manter negócios de grosso trato na cidade do Porto. Começou, em 1720, por mercadejar algum vinho do Douro; os seus descendentes chegaram a proprietários de uma fábrica de chitas no Campo Alegre, sob a firma Clamouse Browne, dotada de grande quantidade de teares, empreendimento da dimensão da Cordoaria Nova de Lisboa. Desta família viria a destacar-se, na fase derradeira do século XVIII, Francisco Clamouse Browne, vice-cônsul dos Estados Unidos no Porto. Também alguns italianos se interessaram pelos vinhos do Porto. A título de exemplo, referimos Leonardo José Moreira Salvatici, morador na Rua da Bainharia (1735), fundador da firma Salvatici e Betanni & C.ª (1737), com sede na mesma rua. Apesar destes exemplos ilustrativos de estrangeiros de outras nacionalidades que também olharam com algum interesse o negócio vinícola do Porto, devemos reconhecer que coube aos ingleses o papel preponderante. Eram eles quem fazia entrar na cidade a maior quantidade de vinhos, sobretudo oriundos do Douro, mas também com origem noutras áreas de produção vinícola nacionais. As suas casas comerciais dominavam a exportação e animaram, com os excedentes, a venda de vinho nas tabernas da cidade. O negócio dos vinhos, no Porto, era um dos vectores mais importantes da economia da cidade, já no primeiro quartel do século XVII. Por isso, tornou-se muito atractivo para os estrangeiros. A ascendência inglesa, no Porto moderno, deve ser enquadrada, pois, à luz dos benefícios que os britânicos progressivamente vão adquirindo para operar na economia portuguesa, sobretudo, findo o domínio Filipino (1640). O tratado de 1654 beneficiou muito a actividade comercial dos ingleses no nosso país, ao conceder-lhes a abertura dos nossos portos coloniais ao comércio de certas mercadorias. Em 1661, as circunstâncias favoráveis à fixação dos ingleses, entre nós, são ainda favorecidas pelo casamento de Catarina de Bragança com Carlos Stuart. O Porto toma, então, a dianteira como mais importante centro de negócios britânico no nosso país, forjado pelos laços históricos que remontam ao casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre (1387). A proximidade dos portos ingleses e a maior pressão demográfica na região Norte favoreceram a fixação, na cidade do Porto, dos homens e dos capitais ingleses. Até final do século XVII, verifica-se um progressivo enraizamento dos ingleses na cidade e, em 1659, Cromwell nomeia Walter Maynard vice-cônsul da nação britânica no Porto, gesto que correspondeu à instituição oficial da Feitoria Inglesa. Em 1682, o Reverendo Samuel Barton é indicado para, como capelão, cuidar do acompanhamento religioso da comunidade britânica do Porto, sinal inequívoco do seu crescimento146. Apesar de tudo, foi necessário esperar pela década de setenta do século XVII, para ver avolumar o interesse inglês pelos vinhos do Douro. É que, até 1642, os ingleses do Porto tinham no açúcar e nos tabacos do Brasil os produtos que ancoravam os seus negócios
marcos da viticultura no norte de portugal
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À Esquerda Barão de Forrester
na cidade. Contudo, a partir dessa altura, os preços que a praça do Porto praticava deixa-
Pintura de Auguste Roquemont. Colecção do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, IP
ram de ser competitivos com os preços de iguais mercadorias produzidas nas colónias inglesas da América do Norte. Por isso, a presença de firmas inglesas na cidade regrediu
À direita Rua dos Ingleses, Porto
em poucos anos. Estima-se que, entre 1642 e 1672, essa redução tenha sido de um terço,
Gravura a partir de pintura original de Barão de Forrester
o que levou os mercadores portugueses e os mercadores londrinos a elaborarem um memorial, que submeteram ao Parlamento inglês, sobre a situação dos negócios entre os dois países. Auscultado o adido comercial inglês em Portugal sobre o assunto, escreveu para Londres, a salientar que o comércio dos vinhos, por parte dos mercadores do Porto, era uma excelente alternativa para o agora pouco lucrativo negócio do tabaco e do açúcar brasileiros. Explicou ainda que o vinho era um produto que Portugal poderia trocar com as manufacturas inglesas, e que isso poderia manter a colónia britânica do Porto. Pela mesma altura, a subida do preço dos vinhos de França ajudou a esta estratégia comercial. Por isso, muito antes de celebrado o Tratado de Methuen (1703), já a carga fiscal diferenciada favorecia os vinhos do Porto, relativamente aos de França e de Espanha. Guilherme III, em 1693, aumentou os direitos sobre todos os vinhos, passando os originários de França a ser onerados em 22 libras por pipa, os do Reno em 19 libras, ao passo que os vinhos provenientes da Península Ibérica pagavam 17 libras por pipa, impostos que subiram em 1697 para, respectivamente, 47 libras, 26 libras e 21 libras por pipa147. Estas taxas alfandegárias favoreciam os vinhos peninsulares, onde se incluíam os portugueses, em plano privilegiado na concorrência com os vinhos de França, que pagavam mais do dobro dos direitos para chegar à mesa do consumidor britânico. Estes condicionalismos contribuíram, sem dúvida alguma, para o evoluir favorável das exportações de vinhos
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espanhóis e de vinhos portugueses para Inglaterra, nos últimos anos do século XVII e inícios do século XVIII, evolução apenas perturbada pelos acontecimentos de carácter político-militar que envolveram a Europa até finais de 1712, altura em que se encetaram as negociações com vista à paz entre Portugal, França e Espanha. Estes acontecimentos tiveram reflexos muito positivos na afirmação do vinho do Porto no mercado inglês. A estabilidade dos fornecimentos, associada à qualidade, ajudou à derrota dos Claret bordaleses pelos vinhos do Douro, particularmente entre 1697 e 1715148. É este o contexto de afirmação da feitoria inglesa do Porto. Uma feitoria com características marcadamente diferentes das que a presença inglesa nos diversos países e colónias ajudou a fundar, já que se trata da “Feitoria Inglesa do Vinho”. Fundada em 1659, em 1711 possuía, já, meios financeiros próprios para adquirir edifícios na rua principal da Cidade, a Rua Nova, onde, como já foi referido, o Cônsul arquitecto John Whitehead viria a edificar uma das marcas mais importantes da presença britânica na cidade. Os ingleses transformaram-se, ao longo da primeira metade do século XVIII, na primeira força económica do Porto. Nesse período, operaram no mercado portuense 153 ingleses, ora em nome individual, ora cedendo o seu nome às firmas que foram constituindo para o trato dos vinhos. Segundo os livros da Imposição do Vinho da Câmara do Porto, em média anual, entre 1700 e 1756, os ingleses meteram na cidade 17.470 pipas de vinho e exportaram 16.414. Tal volume de negócios fez com que o peso do vinho do Porto, entrado nas docas de Londres e noutros portos das Ilhas Britânicas, com excepção dos da Irlanda, tenha oscilado, no mesmo período, entre os 59,4%, valor mínimo registado em 1702, e os 90,91%, valor máximo da expressão dos vinhos do Porto, nas exportações portuguesas para Inglaterra, registado no ano de 1742. De assinalar que, de 1710 em diante, o volume dos vinhos do Porto exportados atingiu sempre valores percentuais, relativamente à totalidade das exportações portuguesas para as Ilhas britânicas, acima dos 80%, excepto nos anos de 1717, 1722, 1729 e 1744149. Dos nomes dos protagonistas da fase de arranque dos vinhos do Porto para o mundo, entre 1700 e 1756, muitos permanecem, hoje, como designação de firmas ou de marcas de vinho do Porto, merecendo referência: Peter Dowker (1691-1756) que fundou a firma precursora da casa Croft (1607-1756); os Jackson (1710-1756), cônsules ingleses no Porto, função que recaía invariavelmente sobre mercadores de vinhos. Referência justa aos Clarck, fundadores da casa Warre (1718-1756), aos Taylor’s (1720-1756), aos fundadores da Offley (17191756), aos pioneiros da Noble & Murat (1700-1756), à sociedade Caulet, Clarmont & Vincent (1723-1756), aos Allen (1726-1756), à firma Prust & Swarbreck (1733-1756), bem como às companhias Tidswell, Fryer & Helmes (1746-1756) e de Thomas Dawsão (1752-1756). São estes os principais nomes ingleses que se guardam nos registos da Imposição do Vinho no Porto. Nos tempos pioneiros do negócio, estas firmas apresentam, já, uma dimensão comercial à escala multinacional e quase todas se envolveram no trato de vinhos de outras regiões vinícolas nacionais. Os vinhos de Viana prenderam o interesse das casas mais antigas fundadas na cidade, Peter Dowker, Benjamin Thilden e Richard Thompson, da Croft, e ainda os cônsules David e Robert Jackson. Os fundadores da Offley compraram, sobretudo, vinhos de Lisboa e da Covilhã, que chegavam à cidade sob a designação “Serra da Estrela”. O mesmo sucedeu com a firma Caulet, Clarmont & Vincent. Simão Nutte (1710-1756), Jonh Stevenson (1702-1734), George Bullimore (1710-1735), William Pawson & C.ª (1731-1756), Samuel Withe & C.ª (1729-1750), Raimundo Ritte & C.ª
1717), William Montegomery (1706-1724), Francis Milner e Simão Cleeve (1722-1739), William Smith (1734-1753), George Hammond & C.ª (1710-1726), Adam Sandert & C.ª (17381756), Duncalf & Foster (1708-1719), Daniel Richard (1730-1743), o já citado Diogo Archibald (1742-1756) e Diogo Archer (1718-1733) figuram, também, na estrutura comercial dos primórdios da História do Vinho do Porto150. A casa de morada destes protagonistas e a sede da maioria das suas firmas foi a Rua Nova (hoje Rua Infante D. Henrique), centro de negócios do Porto da época que, pela marca da presença britânica, foi chamada “Rua Nova dos Ingleses” ou, mais simplesmente, “Rua dos Ingleses”. O vinho do Porto é, hoje, um vinho licoroso natural, obtido a partir de uvas provenienPorto – Um vinho gerado
tes da região demarcada do Douro, que, pela sua qualidade, mereceram o privilégio do
pelo saber secular
«benefício». É um vinho natural, mas fortificado, ou seja, a sua fermentação é travada, algum tempo depois de iniciada (dois ou três dias), através da adição de aguardente vínica, em quantidade proporcionada151 e com um teor alcoólico de 77 graus. Por conseguinte, produto natural de excelência, para obtenção do qual concorrem, tanto a Natureza, como a acção e a sabedoria dos homens. Mas o vinho do Porto que hoje se faz é igual ao que se fazia no século XVIII? Não. Embora fosse um tipo de vinho produzido em zonas bem determinadas do Alto Douro, proveniente de castas seleccionadas, enriquecido já com a adição de aguardente vínica, não era idêntico ao vinho setecentista. A expressão «wine port» é utilizada, no século XVII, pelos ingleses, nomeadamente nos documentos alfandegários de importação, conservados no Public Record Office de Londres152. A mesma expressão, em português, aparece antes, nos capítulos gerais do Terceiro Estado, aprovados nas Cortes de Lisboa de 1619, nos quais se pretendia obter, do rei, medidas de protecção para o comércio dos vinhos «do Algarve, Lamego, Porto, Viana, Monção, e Ilha da Madeira», contra os vinhos das Canárias que entravam livremente no Reino. Aí, também pela primeira vez, se distinguem os vinhos de Lamego (expressão pela qual foram conhecidos os vinhos do Douro), dos vinhos do Porto. De facto, quer na documentação quinhentista, ou mesmo anterior, o vinho do Douro é chamado vinho de Lamego ou vinho de Cima do Douro ou de Riba do Douro e, nos alvores do século XVII, a documentação arquivística do Porto (1607) utiliza outro adjectivo para designar os melhores vinhos do Douro: vinho fino153. Mas, com toda a certeza, esta linguagem é bem mais antiga, já que, num processo judicial de 1604, alguns vinicultores reivindicam, dos Vereadores da Câmara do Porto, melhores preços do que os fixados pelos almotacés, visto que os seus vinhos eram «muito finos e maduros e dos melhores»154. No século XVIII, é conhecida uma referência da Alfândega de Aveiro à exportação de vinho «da marca do Porto»155. Contudo, os vinhos de melhor qualidade e próprios para exportação, no Porto como no Douro, tomaram a designação oficial de vinhos de feitoria ou vinhos de embarque. Por outro lado, a marca Vinho do Porto, hoje conhecida no mundo inteiro, não corresponde a um tipo homogéneo de vinho. Na realidade, há algumas categorias e tipos muito diferenciados. Assim, quanto a características organolépticas, perceptíveis pelos sentidos, há que ter em conta a cor, o sabor, o aroma, o teor alcoólico. Se as cores são o tinto e o
153 marcos da viticultura no norte de portugal
(1702-1727), William Young & C.ª (1729-1753), Richard Aylward e Pedro Arcediago (1700-
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ro. Já os brancos podem ser branco pálido, branco palha ou branco dourado, conforme as técnicas de produção aplicadas. No que se refere à doçura, esta pode ser controlada no momento da interrupção da fermentação, originando vinhos do Porto muito doces, doces, meio-secos e secos. O Porto branco, quando envelhecido em casco, em virtude de oxidação natural, tende, com o tempo, a ganhar uma cor tipo âmbar. Ao contrário, os tintos muito velhos tendem a ficar mais claros. No que se refere ao teor alcoólico, o vinho do Porto anda entre os 19 e os 22% de volume. Há hoje, por isso, diversas categorias em que se encontram arrumados os vinhos do Porto: Os brancos – podem ser jovens, ou submetidos a períodos de envelhecimento mais ou menos prolongados, em balseiros de madeira, com diferentes graus de doçura; Os ruby – como o nome indica, são vinhos de lotação, retintos, de cor vermelha/escura, engarrafados jovens para manter a cor intensa, os aromas e os paladares frutados; Os tawny – são vinhos tintos, lotados (colheitas de diversos e de grau de maturação variável) e envelhecidos em casco, durante alguns anos, antes de ser engarrafados. Tomam aromas a lembrar frutos secos. Há ainda os tawny com indicação de idade (10, 20, 30 ou 40 anos). A idade anunciada no rótulo corresponde à média de idade dos diferentes vinhos, sugerindo algumas notas relativas a sabor e aroma, de acordo com o tempo de envelhecimento. Dentro das categorias especiais, há que considerar os Vintage – vinhos de uma só colheita, de anos excepcionalmente bons, engarrafados no segundo ano após a colheita e que envelhecem na garrafa. Há notícia de que a origem dos vintage remonta ao último terço do séc. XVIII, quando apareceram as garrafas cilíndricas que, pela sua forma, possibilitaram o envelhecimento em garrafa deitada156. Os LBV (Late Bottled Vintage) – são vinhos de uma só colheita, que estagiaram em casco durante quatro anos, sendo depois engarrafados. Quanto aos Reserva – são feitos a partir de uvas de excelente qualidade, brancas ou tintas, e que envelhecem em casco durante um período de sete anos, sendo depois engarrafados. Os Colheita – são vinhos provenientes de uma só colheita, que estagiam em madeira durante um período de tempo variável, mas nunca inferior a sete anos. Assumem aromas frutados jovens e evoluem para aromas de torrefacção, frutos secos e especiarias157. É hoje uma realidade a importância económica que atinge nos mercados o vinho do Douro, Outros vinhos do Douro
comercializado sem a denominação Porto. Os avanços enológicos e a percepção de que as terras durienses podem produzir vinhos de mesa de altíssima qualidade levam a que boa percentagem de vinho do Douro não seja, hoje, convertida em vinho do Porto. Entre 2001 a 2005, 46,9 % da colheita (727.559 pipas de 550 litros) não foi beneficiada. O que significa que esse vinho entrou no mercado como «vinho de qualidade produzido em região determinada» (VPQRD), como «vinho com denominação de origem controlada» (DOC) ou, ainda, como vinhos regionais (Terras Durienses), com indicação da origem geográfica. Uma parte destes vinhos é usada na produção de espumante, vinhos moscatéis ou aguardentes. Os Douro DOC são vinhos de qualidade controlada pelo IVDP – Instituto dos Vinhos do Douro e Porto. Podem ser brancos e tintos, sendo que os primeiros são, regra geral, frescos, com aromas intensos, destinando-se ao consumo próximo. Contudo, também se encontram brancos com potencial de envelhecimento. Os tintos são geralmente encorpados, de cor púrpura forte, podem ser consumidos jovens, mas grande parte deles foi preparada
155 marcos da viticultura no norte de portugal
branco, os primeiros podem apresentar-se numa gama que vai do retinto ao aloirado cla-
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para poder envelhecer. Os vinhos regionais, brancos e tintos, com indicação geográfica de procedência, obedecem também a certos requisitos de cultivo e vinificação, estando igualmente sujeitos ao sistema de certificação. Em 2001, a UNESCO classificou o Douro Vinhateiro como património da humanidade, Douro – um património
premiando todos os que, com o seu suor e esforço, foram construindo os “jardins sus-
para o Mundo
pensos”, plantados nos socalcos xistosos da região, criando uma paisagem ímpar que sulca, de forma profunda, os espíritos dos que os contemplam pela primeira vez. Fica sempre a promessa de os rever e de os dar a conhecer. Mas o Douro vinhateiro não é só vinhedos, é também as suas gentes e o património intangível constituído pelo casario das suas quintas. Acresce o património classificado ou vernacular, que relata muito de perto uma história secular de sacrifício, mas também de alguma prosperidade. Neste âmbito, merecem referência as aldeias históricas do Douro que recentemente têm beneficiado de um plano de reconstrução e melhoramento: falamos de Ucanha e Salzedas, em Tarouca; Barcos, em Tabuaço; Provesende, em Sabrosa; Favaios, em Alijó; e Trevões, em São João da Pesqueira. São conjuntos patrimoniais onde se mistura um edificado já
Alto Douro Vinhateiro — Paisagem evolutiva viva, inscrita pela UNESCO, em 2001, na lista do património mundial da humanidade. Quinta de Vale Meão, Vila Nova de Foz Côa
classificado de interesse público, com outro de origem vernacular cuja correlação funcional, muitas vezes, nos aproxima da essência da vida dos homens no tempo, objecto primeiro para a compreensão da história regional.
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Ucanha e Salzedas são aldeias que nos remetem aos tempos medievos, em que o terAldeias vinhateiras
ritório duriense recebeu a contribuição dos institutos religiosos cistercienses. Na sua estrutura viária, que remonta ao período Clássico, percebe-se a importância estratégica dos lugares. A forte presença judaica convive, em tempos medievos, com a afirmação da cristandade plasmada na edificação das abadias, velha e nova, de Salzedas, demonstrando a importância económica da terra e da sua mais vasta área de influência, que chegava às margens do Douro. A Quinta da Pacheca possui registos que a identificam como propriedade do Mosteiro de Salzedas (1551). Esta quinta caracteriza-se por estar implantada em aprazíveis terrenos de baixa altitude, sobranceiros ao rio Douro, que dispensam, mesmo, a arrumação em socalcos. As suas vinhas estão plantadas com velhas castas indígenas. Adquirida pela família Serpa Pimentel à família Pacheco Pereira, em 1903, a Quinta da Pacheca produz vinho do Porto e vinhos de mesa, brancos e tintos, que coloca no mercado, com marca própria. Da época cisterciense, pouco resta; mas a designação “Pacheca” lê-se, pela primeira vez, num documento datado de 17 de Abril de 1738, por ser sua proprietária D. Mariana Pacheco Pereira. Imponentes são as suas casas de vinificação, equipadas com amplos lagares de granito. Provesende, no Concelho de Sabrosa, faz-nos viajar no tempo, pois a sua longa existência está documentada desde o reinado de Afonso VI de Leão (século XI) e, lembramos, manteve-se como sede de concelho até 1835. O velho pelourinho no largo principal, que
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Ponte e Torre de Ucanha, Tarouca
integra, ainda, o solar brasonado mais antigo de Provesende, a Casa da Praça do século XV, são testemunhos mais visíveis dessa velha existência. Mas solares e casas solarengas é o que não falta em Provesende. A maioria é do século XVIII, a mostrar a importância das gentes e dos cabedais que o plantio da vinha e a produção vinícola lhes proporcionou: a Casa do Santo remonta ao século XIII; a Casa da Calçada, embora construída no século XVII, foi reconstruída no século XVIII. Construídas de raiz, nesta centúria, foram a Casa do Vale, a Casa do Campo, a Casa dos Belezas, a Casa do Terreiro, a Casa do Cimo da Vila, a Casa dos Cunhas do Amaral ou de Santa Catarina, e a casa de Fundo da Vila. Esta concentração solarenga ficou, em parte, a dever-se à exigência pombalina de acabar com os proprietários absentistas, aproximando-os das terras que lhes proporcionavam a riqueza. Riqueza que se materializou em pão (cultivo dos cereais) que, no século XVIII, foi dando lugar à vinha. Trevões, situada no concelho da Pesqueira, foi inicialmente propriedade do Mosteiro de Guimarães e, após a sua extinção, ficou em posse da Coroa. Posteriormente, foi cedida aos senhores da Estremadura, da linhagem dos Braganções, facto comprovado pelas inquirições de D. Afonso III. Inicialmente integrada na arquidiocese bracarense, já nos meados do século XII Trevões passa a pertencer à Sé de Lamego, transformandose em couto episcopal. Era do bispo de Lamego o privilégio de, juntamente com o seu cabido, nomear as justiças para estas terras. Apesar disso, eram os moradores de Trevões
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Quinta da Pacheca, Lamego
que escolhiam dois juízes, e eram eles quem nomeava o alcaide, o mordomo e o comendador. A jurisdição eclesiástica de Trevões gerou muitos conflitos com os monarcas, que procuraram que ela revertesse a seu favor. Ao tempo de D. Dinis, apurou-se, através de inquirições, a quem pertenciam as terras, concluindo-se que, desde os Braganções, pertenciam ao bispo, não entrando aí mordomo do rei. D. Dinis veio, assim, conceder carta de mercê da jurisdição de Trevões ao bispo lamecense, perpetuando a situação que já se vivia. Ao tempo de D. Afonso IV, acontece nova demanda, exigindo-se ao bispo a apresentação de documentos comprovativos da sua efectiva jurisdição sobre a localidade. O bispo de Lamego argumenta com a carta concedida por D. Dinis, pedindo que D. Afonso IV lha confirme. O rei acede ao pedido, mas, posteriormente, recua na sua posição e, em nova demanda, retira a jurisdição à Igreja de Lamego, passando-a para a Coroa, argumentando que o bispo não possuía documentos a confirmar a posse de Trevões. Foi já D. Pedro quem respondeu favoravelmente ao prelado e cabido lamecences, mandando que «o juiz dos feitos criminaaes, o qual seja enleiudo pellos moradores», ratificado pelo próprio rei e que o bispo «ponha hi taballiaão», sem embargo das rendas e sentenças que D. Afonso IV, seu pai, havia ganho sobre a sua jurisdição. Por isso, apesar de continuar a pertencer ao bispo, o rei detém alguma autoridade sobre o território. Mais tarde, sabe-se que o bispo de Lamego recebia, de Trevões, géneros agrícolas e de ganadaria e a pensão do tabelião.
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Na qualidade de abade, recebia ainda uma pensão dada pela igreja matriz, que era de 20
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libras, no século XIV, e de 3 mil cruzados, no século XVIII. Trevões possuía um corpo de besteiros do conto que D. Afonso V privilegiou com isenção de fintas, peitas e talhas, ficando-lhes apenas a obrigação de pagar colheitas, como pagavam os restantes vizinhos. Recebiam pelos serviços militares prestados em caso de guerra e beneficiavam de direitos vários, como o de não verem os seus bens penhorados por dívidas, ou o da isenção ao aboletarem em suas casas qualquer pessoa ou pessoas, de qualquer condição ou estado. Recebeu foral de D. Manuel, em 1512, que actualizou a carta de foro passada à vila por D. Afonso Henriques. Aí, pelos direitos a pagar, percebe-se já uma economia agrária ligada aos cereais (centeio e cevada) e naturalmente ao vinho, já que os moradores que produzissem 40 almudes deveriam dar, de foro, 10 quartilhos. Ao bispo de Lamego cabiam as línguas dos bois e os dízimos dos fornos. Esta autonomia concelhia viria a terminar em 24 de Outubro de 1855, data da entrada em vigor de nova divisão administrativa territorial, e Trevões perde a qualidade de concelho, não sem antes a sua população tentar fazer valer os seus direitos, mas em vão. A sua sustentabilidade assentou numa economia agrária em que, para além dos cereais, existia o vinho e o azeite, produtos cuja presença na aldeia está documentada por lagares que remontam ao século XIV. Às frutas, à criação de gado nos pastos da Serra de São Paio e à caça de coelhos e perdizes na mesma serra, juntava-se o peixe, variado e abundante nas águas do rio Torto. Documentada está, ainda, a produção de linho, na qual Trevões foi abundante. As castanhas para a alimentação humana e as bolotas para alimentar o gado suíno eram extraídas dos soutos e dos sobreiros, abundantes na aldeia, e a presença de pombais e de moinhos, ainda no século XIX, é indicador da actividade transformadora, documentada também pela presença de profissões tradicionais na aldeia, que o museu de Trevões bem documenta: forneiro, cesteiro, latoeiro, etc.. Esta actividade económica alimentou as trocas com o exterior. A feira, em Trevões, remonta ao século XIV e realizava-se na última semana de cada mês, excepto no mês de Agosto, de modo a não entrar em concorrência com a de Trancoso, e durava apenas um dia, beneficiando dos mesmos privilégios que a feira da Pesqueira e a de Ranhados. No século XVIII, com a mesma periodicidade, a feira passou a franca, e a realizar-se na Segundafeira após o 4.º domingo de cada mês, a que se juntava, anualmente, a feira de S. Caetano, igualmente franca, a 7 de Agosto, junto à capela de S. Sebastião. A regularidade destes encontros comerciais só sofreu interregno durante as lutas liberais, devido às desordens e desacatos que nelas aconteceram (1834-1836), sendo retomados pouco depois158. Aldeia rica em tradições, em artesanato, marcada por uma riqueza gastronómica assinalável, pode hoje ler-se, nas suas ruas estreitas e nos seus rossios, uma evolução urbana assente na convivialidade de grupos sociais distintos que materializaram a sua passagem pela aldeia, num riquíssimo edificado, de carácter senhorial e vernacular, que vinca o espírito dos visitantes. Barcos, em Tabuaço, é outra aldeia histórica de referência, no Douro. A Igreja Matriz é de fundação românica tardia, tudo indica que do século XV. No povoado formado em Página anterior Trevões, São João da Pesqueira
torno do templo, sobressai o solar dos Condes de Marialva, o edifício da Casa da Colegiada (séc. XVII-XVIII) e o Cruzeiro dos Centenários. Também foi concelho e a antiga Casa da Câ-
maneirinha. A este edificado junta-se a Casa da Roda dos Expostos. No final de uma antiga via-sacra que termina no Calvário assinalado por três cruzes de pedra, encontra-se a Capela de Santa Bárbara, onde está, meio incorrupto, o corpo da Servinha, designação que o povo deu a uma mulher da aldeia que granjeou fama de santa. O santuário do Sabroso merece, igualmente, uma visita, pela antiguidade da capela e pelo que resta de um povoado castrejo que se pode visitar, nas imediações. Embora sem créditos precisos, conta-se que perto da povoação de Barcos existiu, nos primórdios de Portugal, um castelo medieval construído pelo donatário da terra para defesa das investidas mouriscas. Porém, também se fala de uma antiquíssima paróquia de Santa Maria do Sabroso, anterior à fundação da nacionalidade, que terá dado lugar, nos séculos XIV/XV, à paróquia de Nossa Senhora da Assunção de Barcos, para a qual se terá mudado a sede abacial, que também era colegiada. No entanto, o templo gótico de Barcos, ainda de inspiração românica, deveria já existir desde, pelo menos, o séc. XIII. Santa Maria do Sabroso aparece taxada, aquando do arrolamento paroquial do Reino, de 1321, em 300 libras. Mesmo depois da mudança da sede da Colegiada para Barcos, continuou a Igreja de Santa Maria do Sabroso a servir de sede paroquial de Pinheiros e Carrazedo, até à primeira década de mil e setecentos. Embora incluída no extenso Couto de Leomil, que chegava ao Douro, a povoação de Barcos constituiu-se como concelho extenso. As Inquirições de 1258 referem-no como concelho subordinado ao Couto de Leomil. D. Afonso III concedeu-lhe foral, em 1263. Entre os séculos XVI e XVII, os dízimos da paróquia de Barcos e suas anexas chegaram a render 4.000 cruzados, e foram sustento dos cónegos da Catedral de Tânger, que apresentavam os párocos. Nos inícios do século XVIII (1708), esta vila pertencia à Coroa e era composta por 160 fogos, dispunha de dois Juízes ordinários, três Vereadores, um Procurador do Concelho, Escrivão da Câmara, Juiz dos órfãos e Capitão-mor com duas companhias de Ordenanças (cada uma com seu Capitão). A sua economia assentava no pão, vinho, linho, castanha, algum azeite, possuindo muitos pomares de fruta; assim se mantinha nas informações das memórias paroquiais de 1758. A efémera existência do Distrito de Lamego incluiu este concelho que acabou extinto em Outubro de 1855, a favor de Tabuaço. No lastro patrimonial que ficou em Barcos, de uma existência tão prolongada no tempo, não deve ignorar-se o já referido Castro do Sabroso, o Casal Romano de Vila Chã 1, o Povoado Neolítico/Calcolítico de Vila Chã 2, ou um troço de via romana/medieval, entre Barcos e o Sabroso. A Igreja Matriz de Barcos, classificada como Monumento Nacional desde 1922, dos sécs. XIII/XIV, em estilo românico, beneficiada nos sécs. XVII, XVIII, XIX e XX, conserva elementos arquitectónicos e decorativos dos estilos românico, gótico, maneirista e barroco. Santa Maria do Sabroso, exemplar da arte românica e antiga sede paroquial, merece uma visita atenta, bem como outras edificações ligadas à história da paróquia, nomeadamente a seiscentista Casa da Colegiada. Já no âmbito da arquitectura de equipamento, destaca-se o Fontanário setecentista do Largo do Adro, a Fonte Velha e o antigo Forno do Povo, bem como o majestoso Cruzeiro dos Centenários de Barcos, junto à Matriz. Na arquitectura civil residencial, o Solar dos Cunhas, a Casa Magalhães Coutinho e a Casa dos Aguiar. Na sua área de influência, são visitáveis numerosas quintas agrícolas dedicadas, hoje, à produção vitivinícola159. Cláudio de Claraval, que poucas vezes se refere às culturas das terras por onde ia passando, não deixou de assinalar a extensão e o bom estado das vinhas, apesar de ter pas-
163 marcos da viticultura no norte de portugal
mara está lá, a documentar essa condição que, em tempos, Barcos teve, com a sua sineira
sado no Douro os meses do Inverno de 1548-49. Sobre os vinhedos da margem Norte do
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Douro, e referindo-se às Terras de Vila Real, escreveu: “Há nesta parte de Vila Real muitos e bons vinhos principalmente os que se colhem para a parte de Douro e em Ribas de Pinhão que he hum rio que se mete no Douro, donde se levam para a cidade do Porto”160. João de Barros assinala, igualmente, neste mesmo lado do rio, outras terras que produzem excelentes vinhos, como Penaguião, “terra de bons vinhos”; Meiam-frio, “excelentes vinhos e frutas”; Concelho de Pena, ”muito vinho”; Murça, “terras de muito e bom vinho” (a par de muito pão, azeite e mel); Lamas de Orelhão e Favaios, igualmente “terras de muito vinho”. Por isso, no século XVI, é seguro, a aldeia vinhateira de Favaios já produzia vinhos de excelente qualidade, a par dos de Ribas de Pinhão161, mas é igualmente referida como terra de pão. Esta aldeia vinhateira, cujas origens se perdem igualmente nas brumas do passado, pertenceu às terras de Panóias, vasto território que ia desde o Marão ao Tua, e do rio Douro até Murça. Recebeu o seu primeiro foral em 1270, concedido pelo rei D. Afonso III, confirmado, em 1284, por D. Dinis, mais tarde revogado e substituído por outro, no âmbito da reforma manuelina dos forais, em 1514. Terras tuteladas pelos marqueses de Távora, até 1759, voltaram nesse ano à posse da Coroa. Também foi vila e sede de concelho, desde 1211, por carta de D. Afonso II, assim se mantendo até 1853. Hoje conhecida pelo excelente vinho moscatel que se vinifica na sua adega cooperativa, continua, igualmente, a ser famosa como terra de pão. Nela se coze diariamente o afamado pão de Favaios, ou trigo de quatro cantos, como é também conhecido. O segredo deste pão tão apetecível, procurado em toda a região, está guardado nas padarias artesanais de Favaios, que o fazem chegar a locais gourmet da cidade do Porto. Este pão de trigo, ou centeio, continua a ser fabricado por processos artesanais, cozido em forno de lenha. Famosos são, também, os folares de carne, de sardinha e de ovos, também chamados bolas, cujo fabrico é mais comum em ocasiões festivas. O que é uma quinta? Como se chegou a este conceito, tão variável de região para região? Quintas com História
São questões para as quais não se encontrou, ainda, uma resposta segura. No Entre-Douroe-Minho, quinta é uma propriedade, por vezes de dimensão territorial reduzida, à qual, no Douro Vinhateiro, se dá o nome de “quintal”. Em terras durienses, o qualificativo de quinta é reservado às propriedades vitícolas de dimensão variável, mas abrangentes de territórios de considerável extensão. No Douro, o conceito de quinta implica a presença, na propriedade assim considerada, de edificações para residência do proprietário (casa grande), do caseiro, do feitor e, nalguns casos, de trabalhadores rurais, bem como estruturas vinárias e de armazenamento dos vinhos. O termo “quinta”, de origem medieval, parece estar ligado ao facto de alguns proprietários entregarem, para exploração a colonos, uma determinada parcela fundiária, reservando para si um quinto da respectiva produção162. Nesse tempo, foi grande o papel das ordens monásticas no desenvolvimento da viticultura duriense, e também na definição do espaço territorial de algumas das mais famosas quintas do Douro. Já nos referimos à Quinta da Pacheca, mas não foi caso único; a quinta de Monsul, primeiro, foi propriedade da Coroa, depois, arrendada aos antepassados dos seus actuais proprietários também pelo Mosteiro de Santa Maria de Salzedas que teve ainda, na sua posse, a Quinta dos Frades. A Quinta do Convento de São Pedro das Águias, a Quinta do Mosteiro (inicialmente propriedade dos monges de São João de Tarouca), a Quinta da Igreja (anteriormente a 1543, foi propriedade do Mosteiro da Madre de Deus de Monchique, no
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Quinta do Espinheiro, Tabuaço, e Quinta da Boavista, Sabrosa
Algarve), bem como a Quinta de Valbom são exemplos de quintas durienses com origem monástica163. Outras há, como a Quinta de Vilarinho de São Romão, cujo arrendamento data de 1462, e a Quinta de Ventozelo (arrendada ao Convento de São Pedro das Águias em 1569), a Quinta de Roriz, ou a Quinta da Eira Velha, fundadas igualmente em territórios eclesiásticos. Conhecida é, também, a origem senhorial laica de algumas destas propriedades durienses, como a Quinta do Côtto, ou a do Vesúvio164. Em tempos anteriores ao século XVIII, as quintas de matriz mais antiga não produziam somente vinho. Vimos já que o Douro foi, também, terra de cereais que ocupavam, por isso, parte importante da produção destas explorações agrícolas. As memórias paroquiais de 1758 falam de muito vinho, é certo, mas também aludem à permanência das culturas de
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À esquerda Quinta Vale de Abraão, Lamego
sequeiro na região. Contudo, as demarcações efectuadas a partir de 1757, e principalmente o
À direita Quinta da Casa Amarela, Lamego
alargamento da área demarcada pela rainha D. Maria I, acabaram por definir uma estrutura fundiária assente nas “quintas” vocacionadas, cada vez mais, para a monocultura da vinha, originando a estrutura fundiária que continua a marcar a realidade duriense actual. Numa breve viagem pelas terras do Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior, propomos agora, ao leitor, que nos acompanhe na transposição dos portões que rasgam os muros de algumas das mais emblemáticas Quintas do Douro. Iniciamos este périplo pelo paço de Teixeiró que se situa na fronteira entre as duas regiões responsáveis por fazer da Cidade do Porto uma das capitais mundiais de grandes vinhedos. Situada ainda na região demarcada dos Verdes, nos contrafortes a sul da Serra do Marão, mas virada para o vale do rio Douro, esta é já uma quinta de transição. A casa é um edifício característico do século XIV/XV, mantendo alguns traços muito mais antigos. As suas vinhas foram destruídas pela filoxera, entre 1880 e 1885. Replantados cerca de 12 hectares da sua vinha, a partir de 1978, com as melhores e mais tradicionais variedades, nelas predomina a casta Avesso. A peculiaridade dos seus vinhos está directamente ligada ao solo xistoso, raro nas propriedades produtoras de vinhos verdes. Ajuda o clima moderado e fresco, favorecido pela proximidade da serra, o que confere às vinhas do “Paço de Teixeiró” características únicas, sobretudo, para a produção de vinhos brancos165. O Côtto, sobranceira à velha estrada romana que ligava Lamego a Braga, é considerada uma quinta histórica do Douro, já que consta da documentação referente às primeiras demarcações (1757). Cidadelhe, aldeia do Concelho de Mesão Frio, onde se situam os seus vinhedos e solar, aparece referenciada desde 1326, e a casa grande é uma elegante construção do início do século XVIII, sobreposta a outra, datada do século XV/XVI, da qual ainda podem ser encontrados vestígios. A memória oral ainda nos fala das ruínas medievais da fachada anterior do edifício, quando naquele local se estabeleceu a família Montez, em tempos anteriores à fundação da nacionalidade. Desde o século XVIII, a produção do Côtto passou a centrar-se no Vinho do Porto. As suas vinhas foram atingidas,
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À esquerda Quinta dos Frades, Armamar
no século XIX, pelo oídio e pela filoxera; a recuperação da propriedade acontece, sobretu-
À direita Quinta do Côtto, Mesão Frio
do, a partir de 1932, com ponto alto em 1956, ano da recuperação da adega, conhecendo, daí até aos tempos presentes, melhorias tecnológicas com vista à produção de vinhos do Douro, tintos e brancos, e Porto vintage, elaborados a partir de castas tradicionais. Já aqui nos referimos à Quinta da Pacheca, uma das propriedades emblemáticas do Douro. Perto situa-se a Quinta do Vale de Abraão, na extremidade inferior do grande meandro que o Douro faz, em frente à Régua. Nasceu como propriedade de prazer, destinada a amenizar a existência, e assim continua, com o seu casario hoje transformado em unidade hoteleira, de referência internacional, testemunho do Douro aristocrata. Embora de produção vinícola escassa, a quinta exibe, ainda hoje, um parque florestal onde convivem espécies variadas, como carvalhos americanos, cedros do Líbano, acácias, cocos, fetos arbóreos, etc.. A Quinta da Casa Amarela, também na margem esquerda do Rio Douro, a meio caminho entre as cidades de Lamego e Régua, é uma propriedade tradicional duriense cuja casa grande, sem requintes de sumptuosidade, representa uma arquitectura típica das quintas do Douro. Com vinhas de idade média superior a 45 anos, armadas em terraços suportados por muros de xisto, cujo plantio acompanha as curvas de nível, nela se produzem vinhos premiados, vinificados nos lagares da casa. Boavista é também nome de quinta duriense associada a uma prestigiada marca de vinhos do Porto, a Offley que, em 1719, pertencia à firma Gregory Bymes, Bymes & C.ª, em 1723; Bymes & Hosey, em 1729; Bymes & Talbot, em 1747; Henry Bymes, em 1756; e Stephenson & Searle, em 1771. William Warthon, gerente da casa Offley & C.ª, casou com Francis Stephenson e foi esse o elo de ligação, entre estas firmas da primeira metade do século XVIII e a Casa Offley, Weber and Forrester, que negoceia em vinhos do Porto no século XIX. É em 1831 que Joseph James Forrester, sobrinho do fundador, integra esta firma. Figura incontornável do Douro e do mundo do vinho do Porto, académico e artista, Forrester foi o primeiro a cartografar o Rio Douro e a região. Na viticultura, desenvolveu
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estudos que representaram forte contributo para o desenvolvimento da região produto-
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ra de Vinho do Porto. Muito controversa foi a sua oposição inicial à adição de aguardente vínica ao vinho para travar a fermentação166, mostrando-se, antes, partidário do “método antigo”, em que o produto se adicionava depois de parado o mesmo processo. Ao longo dos anos, esta companhia investiu na produção de vinhos generosos, na plantação de novas vinhas, ou na replantação de vinhas já existentes. Associado à Quinta do Bom Retiro está outro nome grado do Vinho do Porto, que deu contributo decisivo para a demarcação da região produtora. Trata-se de Luís Beleza de Andrade, fundador e primeiro Provedor da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Responsável por grandes benefícios nesta propriedade ainda no século XVIII, a mesma foi adquirida, em 1919, pela firma Adriano Ramos Pinto. Trata-se de uma das mais antigas e típicas quintas da região duriense. Ostenta uma arquitectura original, envolta numa grande riqueza paisagística singular, conferida pelos socalcos íngremes que se contemplam da velha estrada marginal ao rio Torto, que liga Ervedosa do Douro e Bateiras. A paisagem vitícola desta quinta, pela diversidade de formas de implantação da vinha, proporciona, a professores e estudantes de viticultura, uma verdadeira aula prática, já que inclui, no seu património secular, calços pré-filoxéricos hoje replantados e em produção. Ao redor da casa grande, construção do século XVIII, o visitante é surpreendido por um sumptuoso jardim construído de árvores de fruto que se misturam com o exotismo de espécies arbóreas oriundas de vários cantos do Mundo. A dominar uma montanha quase por completo, a Quinta das Carvalhas margina os rios Douro e Torto. Trata-se da maior quinta da Região do Douro e pode considerar-se a “Jóia da Coroa” da Real Companhia Velha, empresa herdeira da memória da intervenção pombalina na região. Ronda 600 hectares de extensão, fruto de um emparcelamento sucessivo. Documentada, desde os princípios do século XVIII, com o nome de Quinta da Deveza, em 1759, quando era seu proprietário Manuel Leme Castro e Sande, este reclama a D. José I que os seus vinhos fossem incluídos na demarcação. Nessa altura já é designada já é designada das Carvalhas. Na foz do rio Pinhão, e por isso denominada “Quinta da Foz”, encontra-se uma propriedade referenciada, já, nas demarcações pombalinas de 1757. Pertença, então, do capitão António Borges Ribeiro, só foi integrada na marca dos vinhos de feitoria em 1761. Também chegou a ser propriedade da família Beleza de Andrade e, em 1885, foi vendida a António Alves Calem que se estabelecera, em 1859, como exportador de Vinhos do Porto. A sua área produtiva tem sido alvo de sucessivos acrescentos, à custa da aquisição de propriedades vizinhas. A casa da quinta foi construída em 1872, e uma boa parte do seu vinhedo foi recentemente reestruturado. É hoje famosa pelas suas lagaradas, nas quais se recriam velhas tradições durienses de vinificar, e por isso muito visitada por turistas, na época das vindimas. A Quinta do Infantado foi a primeira unidade produtiva a fazer exportação directa de Vinho do Porto, a partir do Douro. Está localizada numa área referenciada nas demarcações pombalinas de 1757, 1758 e 1761, tendo sido adquirida, no princípio do século XX, pela família Roseira. Replantada em boa parte da sua área, o Infantado oferece uma magnífica paisagem das modernas vinhas da região. O seu armazém, construído em 1816, possui esPágina anterior Quinta do Noval, Alijó
pantosas cubas e tonéis (o mais antigo data de 1786) que, para além do vinho, guardam a
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Quinta das Carvalhas, São João da Pesqueira
particularidade de ser designados pelo nome de cada um dos membros da família, seguindo o velho costume de baptizar os tonéis, à medida que os filhos iam nascendo167. As terras da Quinta do Porto foram incluídas na demarcação de 1757, mas excluídas na demarcação de 1758 e só classificadas como pertencentes à área produtora de Vinhos de Feitoria, a partir de 1761. A sua casa grande é de traça setecentista. D. Antónia Ferreira, figura mítica do Douro oitocentista, adquiriu a propriedade em 1863. Muito atacada pelo oídio, em 1865 produzia apenas 6 pipas de vinho. Contudo, a tenacidade da “Senhora do Douro” oitocentista fez com que a sua produção atingisse as 52 pipas, em 1873. Em 1878, foi a filoxera que se encarregou de dizimar as vinhas da Quinta do Porto. Só a partir de 1896, as doenças da vinha deixaram de limitar o crescimento da produção desta quinta. Hoje é uma propriedade utilizada pela Casa Ferreira para receber convidados, mantendo-se fiel ao espírito da “Ferreirinha”168. No Noval, alia-se tradição e inovação. Desde 1715 que há registos da existência das vinhas no perímetro do território que esta quinta hoje abrange, incluídas já nas demarcações de 1757, 1758 e 1761. Se, no século XIX, sofreu abandono quase completo, face às doenças da videira, nos finais da centúria e ao longo século XX, conheceu longo processo
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de transformação. De facto, o declive e a fragosidade do terreno não impediram uma profunda reforma no vinhedo do Noval. Foram replantados os socalcos antigos e construídos outros. A construção da casa grande e das estruturas de vinificação da quinta datam de finais do século XIX. Ao mesmo tempo, introduziu a técnica de alargamento dos terraços. O seu rigor na organização da propriedade chegou à identificação, por tabuletas apostas em cada um desses terraços, das castas e respectivas quantidades de cepas. O Noval transformou-se numa “montra do Douro”. Na foz do Tua, os Malvedos são uma designação que mostra as muitas dificuldades de navegação do rio, nos rápidos existentes frente à propriedade, aos quais o povo, antes da construção das barragens, classificava de “malvados”. O silêncio que substitui agora o ruído incessante das águas, de encontro à pedraria, contribuiu para que, nos Verões de 1993 e 1994, esta propriedade tivesse o privilégio de hospedar o antigo Primeiro-ministro inglês, John Major. Quem a plantou foi a família do visconde de Vila Maior, ainda em finais do século XVIII. Desde 1970, o grupo Symington tem dinamizado esta propriedade, valorizandoa como unidade produtora de vinhos de qualidade. Distingue-se, na paisagem, pela beleza dos seus terraços e pela sua casa de habitação, adornada pelas oliveiras que lhe emprestam um certo ar mediterrânico. Dona Antónia Adelaide Ferreira fez da Quinta de Vale do Meão uma propriedade de referência na região do Douro. Primeiro denominada Monte Meão, foi uma das grandes criações da “Senhora do Douro” que, entre 1877 e 1879, comprou os terrenos para a sua implantação à Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa. A área residencial da quinta situa-se logo à entrada do portão principal e é constituída por uma casa de habitação, com capela, e pela casa do caseiro. Conserva, ainda hoje, o mobiliário do fim do século XIX. Na sua construção recorreu, em boa parte, a emigrantes galegos. Nas suas adegas nasceu o famoso vinho Barca Velha, que ganhou fama desde os anos cinquenta do século passado. Em terrenos da quinta, situa-se ainda a capela dedicada a Nossa Senhora do Monte, que D. Antónia Ferreira mandou construir, em 1895, para cumprir uma promessa do seu comissário Claro da Fonseca. Esta propriedade está, ainda hoje, em mãos da família Olazabal, descendentes da família Ferreira. O Vesúvio conta-se, igualmente, entre as quintas mais antigas do Douro (1565), ainda que ligada à produção cerealífera. A sua reconversão em vinha data somente do século XIX, quando foi arrendada ao Conde da Lapa, a título perpétuo, por António Bernardo Ferreira, tio e sogro da Ferreirinha (1823). No seu historial, esta quinta conta com a construção de magníficas infra-estruturas de vinificação, que António Bernardo Ferreira, filho de D. Antónia, mandou edificar em 1827. Celebrizada pelos oito lagares de 25 pipas, existentes no armazém, e pela azenha que serviu para moer a azeitona das mais de 10.000 oliveiras plantadas na propriedade, o Vesúvio manteve-se nas mãos dos descendentes de D. Antónia até 1989, altura em que foi adquirida pelo grupo Symington. Terminamos esta curta viagem pelos patrimónios ligados à viticultura duriense, com uma referência à Quinta da Ervamoira. Localizada numa área isolada do vale do Côa, tem hoje o seu nome associado ao conjunto de gravuras rupestres do Paleolítico, cuja preservação impediu, em 1995, a construção de uma barragem cuja albufeira inundaria
marcos da viticultura no norte de portugal
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À esquerda D.ª Antónia Adelaide Ferreira — A Ferreirinha. Pintura de Manuel António de Moura,1888 Colecção Sogrape, SA
À direita Quinta do Vesúvio, Vila Nova de Foz Côa
boa parte do seu vinhedo. Trata-se de uma propriedade plantada nos anos 70 do século passado. José António Rosas, então presidente da Companhia Ramos Pinto, na busca de um sítio ideal para o plantio de uma nova quinta, encontrou os terrenos na margem esquerda do rio Côa, a cerca de 7 km do seu encontro com as águas do Douro. Tratava-se dos terrenos da Quinta de Santa Maria, mais uma antiga quinta de produção cerealífera, propriedade que não tinha os seus solos esgotados, pelo que pareceu ideal a J. A. Rosas, adquirindo-a em 1974. Depois de pedir autorização a Suzanne Chantal, escritora francesa que havia escrito um romance com o título “Ervamoira” (planta herbácea de flor branca que cresce no Douro), passou a dar-lhe o nome de Quinta da Ervamoira. Hoje, é uma das propriedades do Douro com menores custos de produção e maiores rendimentos, face à mecanização possível de boa parte dos trabalhos agrícolas, para que a terra se transforme em vinho de elevada qualidade, quer Porto, quer DOC Douro. Estamos cientes de que esta breve viagem aos marcos da viticultura no Norte de Portugal está certamente incompleta; contudo, não deixa de chamar a atenção para o património cultural gerado pela cultura da vinha e do vinho nas terras que serviram de berço à nacionalidade. A sua riquíssima história ajudará, por certo, a projectar no Mundo marcas de um passado que encerra, em si, valioso património para o futuro.
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Quinta de Ervamoira, Vila Nova de Foz C么a
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1 (ADP) Alpendurada – Livro de Prazos, L.º 6, fls. 347. 2 (ADP) Alpendurada – Livro de Prazos, L.º 6, fls. 109. 3 (ADP) Alpendurada – Livro de Prazos, L.º 75, fls. 219. 4 Ver, a este propósito, NOVAES, Manoel Pereira de – Anacrisis Historial, in “Collecção de Manuscriptos Inéditos da Bibliotheca Publica Municipal do Porto”, Porto, 1913. 5 COSTA, Agostinho Rebelo da – Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto, Porto, 1789 (edição fac-similada, Porto, Frenesi, 2001, p. 13). 6 Os mais importantes são o Douro, Minho, Lima, Cávado, Ave, Tâmega, Neiva, Sousa e Leça. 7 Idem, Ibidem, p. 14. 8 Idem, p. 16. 9 Idem. 10 Idem, p. 17. 11 Idem, p. 18. 12 Idem. 13 Idem. 14 Idem, p. 19. 15 Rebelo da Costa diz que se encontravam no Entre-Douro e Minho muitos homens e mulheres de 90 e 100 anos. 16 GARRIER, Guilbert – Histoire Sociale et Culturelle du Vin, Paris, Bordas, Cultures, 1995, p. 43. 17 ESTEVÃO, José e SOTTO-MAYOR, João Paulo – Quintas do Vinho Verde, Lello & Irmão, Editores, p. 13. 18 Idem, Ibidem. 19 Idem.
20 Idem. 21 Idem. 22 MARQUES, Hélder – Região Demarcada dos Vinhos Verdes: ensaio de geografia humana. Dissertação de Mestrado em Geografia Humana apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Porto: Edição do Instituto Nacional de Investigação Científica e da Faculdade de Letras, 1986, p. 9.
35 OLIVEIRA, Aurélio – As Áreas Vinhateiras Nacionais. As demarcações naturais e administrativas, in “Douro Estudos & Documentos”, Porto, GEHVID, Vol. 21, p. 159. 36 Idem, Ibidem. 37 Idem, p. 161. 38 Idem, p. 163. 39 Idem.
23 MARQUES, Hélder – Região Demarcada dos Vinhos Verdes: ensaio de geografia humana…, p. 18.
40 Idem.
24 Idem, Ibidem.
42 CARDOSO, António Barros – Baco & Hermes – O Porto e o Comércio Interno e Externo de Vinhos do Douro (17001756), Porto, GEHVID, 2003, p. 217.
25 Idem, p. 20 (nota 27). 26 Idem, p. 22. 27 Idem. 28 Idem. 29 Idem, p. 23. 30 MAIA, Fernanda Paula Sousa de Oliveira – À mesa com os monges de Bustelo: algumas regras de conduta. In “Humanística e Teologia”, Tomo XIV, Fascículo 13. Porto: Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, 1993, p. 364. 31 MARQUES, Hélder – Região Demarcada dos Vinhos Verdes: ensaio de geografia humana…, p. 24. 32 OLIVEIRA, Aurélio de – Níveis de produção vinícola no Entre Douro e Minho (1629-1822). In “Actas das I Jornadas Norte de PortugalAquitânia”, Porto: CENPA e Universidade do Porto, 1984, p. 328. 33 Idem Ibidem, p. 328. 34 SILVA, Francisco Ribeiro da – O Porto e o seu Termo — os Homens, as Instituições e o Poder (1580 – 1640), Porto, Câmara Municipal do Porto, Vol. I, p. 173.
41 Idem, p. 165
43 Carta de 24 de Junho de 1719. AHMP, L. 10, Próprias, fls. 221. 44 Idem. 45 SILVA, Francisco Ribeiro da e CARDOSO, António M. de Barros – Intercâmbios comerciais entre o norte de Portugal e a Galiza na viragem do séc.XVII para o séc. XVIII, in “Douro, Estudos e Documentos”, vol.II (4), Porto, GEHVID, 2003, p.191. 46 CARDOSO, António Barros – Baco & Hermes, O Porto e o Comércio Interno e Externo dos vinhos do Douro, Porto, GEHVID, 2003, Vol. II, p.594. 47 Idem, Ibidem, p. 598. 48 AN/TT - Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, p. 3. 49 AN/TT - Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, p. 1. 50 Idem, p. 2.
51 AN/TT - Ministério do Reino. Manuscrito do Parecer Negativo da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro acerca do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1785, p. 4.
70 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Parecer Negativo da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro acerca do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1785, p. 4.
52 Idem, p. 25.
71 Idem, Ibidem.
53 CARVALHO, Manuel, 1997: 142.
72 Idem, p. 5.
54 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’ Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, p. 2.
73 Idem, Ibidem.
55 Idem, Ibidem.
74 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, parágrafo 4.
59 Idem, Ibidem.
75 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Parecer Negativo da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro acerca do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1785, p. 17.
60 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, parágrafo 8.
76 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, parágrafo 6.
61 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Parecer Negativo da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro acerca do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1785, p. 21.
77 Idem, Ibidem.
62 Idem, parágrafo 2.
81 Idem, Ibidem.
63 Idem, Ibidem.
82 Como sabemos, a aguardente era um produto utilizado no fabrico dos vinhos de qualidade destinados a embarque. A quantidade utilizada deveria ser estipulada, para que a qualidade do vinho não ficasse danificada nem perdesse a sua essência própria. Mas, sem dúvida que a aguardente era um componente fundamental na confecção do vinho do Porto.
56 Idem, Ibidem. 57 Idem, Ibidem. 58 Idem, Ibidem.
64 Idem, Ibidem. 65 Idem, Ibidem. 66 Idem, Ibidem. 67 Idem, Ibidem. 68 Idem, p. 6. 69 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, parágrafo 4.
78 Idem, Ibidem. 79 Idem, Ibidem. 80 Idem, Ibidem.
83 Idem, Ibidem. 84 Idem, Ibidem.
85 AN/TT – Ministério do Reino. Manuscrito do Projecto para a constituição da Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, 1784, p. 2. 86 CALHEIROS, Diogo Lopes, Memorial de Calheiros, in “Arquivo de Ponte de Lima”, Vol. II, Câmara Municipal de Ponte de Lima, 1987. 87 PERES, Damião, História da Cidade do Porto, II vol, p. 50. 88 BASTO, A. de Magalhães, «Vereaçoens. Anos de 1390-1395», 2.ª ed., Porto, p. 403. 89 Idem, Ibidem, p. 168. 90 Foram os casos do Prior de Ancede e os Abades de Espadanedo, Pedorido, Oliveira, Nespereira, Barqueiros, Sardoura e São Martinho de Sardoura. BASTO, A. de Magalhães, «Vereaçoens. Anos de 1390-1395», 2.ª ed., Porto, p. 209-210. 91 CARDOSO, António Barros; SILVA, Francisco Ribeiro da – Porto do Vinho – Port of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 14. 92 BASTO, A. de Magalhães, op. cit., p. 215. O branco era vendido a 12 soldos o quartilho, o vermelho a seis. Um século depois, continuando o branco a ser mais caro, a diferença de preço diminuíra. GONÇALVES, Iria, As Finanças Municipais do Porto na segunda metade do século XV, Porto,1987, p. 136. 93 Idem, Ibidem, p. 99, nota 245. 94 SILVA, Francisco Ribeiro da, O Porto e o seu Termo (1580-1640). Os homens, as instituições e o poder, II vol., Porto, Câmara Municipal do Porto, 1988, p. 173-177. 95 SILVA, Francisco Ribeiro, Absolutismo Esclarecido e intervenção popular. Os motins do Porto de 1757, Lisboa, INCM, 1990, p.152-153. 96 CARDOSO, António Barros; SILVA, Francisco Ribeiro da – Porto do Vinho – Por of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 15. 97 AHMP. L. 70 Vereações, fls. 272 v.
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98 Idem, Ibidem. 99 CARDOSO, António Barros – Baco & Hermes – O Porto e o Comércio Interno e Externo de Vinhos do Douro (1700-1756), Porto, GEHVID, 2003, 1.º vol., p. 195. 100 COUTO, P.e Luís de Sousa, Origem das Procissões na cidade do Porto, Porto, Câmara Municipal, s/d, p. 23. 101 Idem, Ibidem, p. 24. 102 Idem, Ibidem, p.29. 103 CARDOSO, António Barros – Baco & Hermes – O Porto e o Comércio Interno e Externo de Vinhos do Douro (1700-1756), Porto, GEHVID, 2003, 1º vol., p. 202. 104 CARDOSO, António Barros – Liberais e Absolutistas no Porto (1823-1829), in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Marques”: Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1º Volume, 2006, p. 259-280.
110 CARDOSO, António Barros; SILVA, Francisco Ribeiro da – Porto do Vinho – Por of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 65. 111 AHMP, Imposição do Vinho, Livro n.º 20. 112 CARDOSO, António Barros, Baco & Hermes. O Porto e o comércio interno e externo dos vinhos do Douro (1700-1756), I vol., Porto, GEHVID, 2003, p. 284. 113 MACEDO, Jorges Borges de, A situação económica no tempo de Pombal. Alguns aspectos, 2.ª ed., Lisboa, Moraes Editores, 1982, p. 41. 114 CARDOSO, António Barros, Baco & Hermes…, p. 279. 115 MARTINS, Conceição Andrade, O Tratado de Methuen e o crescimento do comércio vinícola português na primeira metade de setecentos, in “O Tratado de Methuen (1703) — Diplomacia, Guerra, Política, e Economia”, Lisboa, Livros Horizonte, 2003 p. 118, quadro 2.
105 SERÉM, Maria do Carmo, PEREIRA, Gaspar Martins – O Porto Oitocentista in “História do Porto” dir. RAMOS, Luís Oliveira, Porto, Porto Editora, (2ª Ed), 2000, p. 423-424.
116 FERREIRA, J. A. Pinto, A economia do vinho e o crescimento do Porto, nos séculos XVII ao XIX, in “O Vinho na História Portuguesa – séculos XIII-XIX”, Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, 1983, p. 280, Mapa C.
106 CARDOSO, António Barros – Baco & Hermes – O Porto e o Comércio Interno e Externo de Vinhos do Douro (1700-1756), Porto, GEHVID, 2003, 1º vol., p. 178-496.
117 SCHNEIDER, Susan, O Marquês de Pombal e o vinho do Porto, Lisboa, A regra do jogo, 1980, p. 35.
107 PASSOS, Carlos de, Guia Histórica e Artística do Porto, Figueirinhas, 1935, p. 233. 108 PINA, Maria Helena Mesquita, O Alto Douro. Um espaço contrastante em mutação, I vol., Lisboa, INCM, 2007, p. 41-51. 109 FERNANDES, Rui, Descripção do terreno em roda da cidade de Lamego duas léguas, in Collecção de Ineditos de Historia Portugueza publicados por ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo V, Lisboa, 1824, p. 553.
118 SILVA, Francisco Ribeiro da, Tempos Modernos, in “História do Porto”, dir. de RAMOS, Luís A. de Oliveira, Porto, Porto Editora, 1994, p. 287. 119 FERREIRA, J. A. Pinto, A economia do vinho e o crescimento do Porto…, p. 280, mapa C. 120 SOUSA, Fernando de, A Real Companhia Velha. Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, Porto, 2006, p. 487. 121 SOUSA, Fernando de, et alii, A Real Companhia Velha. Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, Porto, 2006, p. 488.
122 FERREIRA, J. A. Pinto, A economia do vinho e o crescimento do Porto…, p. 280, mapa D. 123 SOUSA, Fernando de Sousa, A Real Companhia Velha…, p. 491. 124 SOUSA, Fernando de Sousa, A Real Companhia Velha…, p. 491. 125 SOUSA, Fernando de Sousa, A Real Companhia Velha…, p. 493. 126 PINA, Maria Helena Mesquita, O Alto Douro. Um espaço contrastante em mutação, II vol., Lisboa, INCM, 2007, p. 62-63. 127 PINA, Maria Helena Mesquita, O Alto Douro… II vol., p. 64. 128 FONSECA, A. Moreira da, O Vinho do Porto. Notas sobre a sua história, produção e tecnologia, 4.ª edição, Porto, IVP, 1991, p. 116. 129 SOUSA, Fernando de Sousa, A Real Companhia Velha…, p. 494. Na elaboração do texto que se segue, sobre o panorama do negócio dos vinhos do Porto no decorrer do séc. XX, tivemos, como base de informação, a cronologia aí apresentada (p. 495-508) e também a cronologia de MARTINS, Conceição Andrade, Memória do Vinho do Porto, Lisboa, 1990. 130 Veja-se o caso do mercado brasileiro in CARDOSO, António Barros, O Brasil e os Vinhos Portugueses (1885-1896) in “Perspectivas XXI – Dossier Portugal-Brasil Ano 2000”, Maia, Instituto Superior da Maia (ISMAI), Ano III, n.º 4/5, 2000. 131 SEQUEIRA, Carla, Em defesa da marca «Porto», in «Douro – Estudos & Documentos», Porto, GEHVID, n.º 20, p. 75. 132 Idem, ibidem, p. 77-84.
133 A este propósito, ver SILVA, Francisco Ribeiro da, O Porto e o seu Termo – Os Homens as Instituições e o poder (1580-1640), Porto, Câmara Municipal do Porto, 2 vol., 1988. A Geografia do comércio portuense em finais do século XVIII – Movimento de navios e rumos da marinha mercante, in “O Tripeiro”, 7.ª Série, Ano XIV - N.º 3, Março, Porto, 1995. A Geografia do comércio portuense em finais do século XVIII (II) – Parceiros, Produtos e Capitais, in “O Tripeiro”, 7.ª Série, Ano XIV – N.os 6-7, Março, Porto, 1995.
144 FONSECA, A. Moreira da, et alii, O Vinho do Porto…, p. 69.
134 FERNANDES, Rui, Descrição da cidade de Lamego…, 1531.
148 Idem.
135 NOVAES, Manoel Pereira de, Anacrisis Historial, in “Collecção de Manuscriptos Ineditos da Bibliotheca Publica Municipal do Porto”, IV, Volume II, Porto, 1913, p. 244.
150 Idem, p. 75.
136 Idem, Ibidem. 137 CARDOSO, António Barros; SILVA, Francisco Ribeiro da, Porto do Vinho – Port of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 55. 138 Ver, a este propósito, CARDOSO, António Barros, História do Porto, Porto, QuidNovi, 2010, Vol. 7, p.55-57. 139 SCHNEIDER, Susan, O Marquês de Pombal e o vinho do Porto. Dependência e desenvolvimento em Portugal no século XVIII, Lisboa, A Regra do Jogo, 1980, p. 162. 140 CARDOSO, António Barros, Os Ingleses do Porto e o financiamento da produção vinícola duriense (séc. XVIII), in “Actas do II Seminário Internacional de História do Vinho”, Funchal, 2006, p. 179. 141 FONSECA, Álvaro Baltazar Moreira da, As demarcações marianas do Douro vinhateiro, Porto, Instituto do Vinho do Porto, 1996, 142 Ver www.ivdp.pt (página inicial, viticultura, cultura da vinha). 143 PINA, Maria Helena Mesquita, O Alto Douro. Um espaço contrastante em mutação, I vol., Lisboa, INCM, 2007, p. 47-49.
145 BENNETT, Norman R., Joseph J. Forrester’s viagem para o Douro, in “Douro. Estudos & Documentos”, Porto, GEHVID, n.º 20, p. 211-268. 146 CARDOSO, António Barros; SILVA, Francisco Ribeiro da, Porto do Vinho – Port of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 69. 147 Idem, Ibidem, p. 70.
159 Baseado na informação disponível em http://www.cm tabuaco.pt/cmtab/index. php?option=com_content&task=view&id=152 &Itemid=62. 160 BRONSEAL, Frère Claude de, Peregrinatio Hispanica (1531-33), PUF, Paris, 1970, II. COCHERIL, Dom Mauro, Une description de Portugal au XVI Siècle, in “Arquivos do Centro Cultural Português”, Fundação Gulbenkian, Paris, vol. III, 1971, 76-111. MARCADAL, J. Garcia, Viajes de extranjeros por España y Portugal, Madrid, 1952, p. 272-173.
149 Idem, p. 74.
151 Normalmente, 100 litros de aguardente para 450 litros de mosto. FONSECA, A. Moreira da Fonseca, O Vinho do Porto…, p. 123. 152 A informação foi por nós colhida nos Arquivos londrinos. 153 SILVA, Francisco Ribeiro da, Do Douro ao Porto, O protagonismo do vinho na época moderna, in “Douro Estudos & Documentos”, n.º 2, Porto, GEHVID, 1996, p. 95-96. 154 CARDOSO, António Barros; SILVA, Francisco Ribeiro da, Porto do Vinho – Port of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 58. 155 AMORIM, Inês, Estratégias comerciais do vinho do Porto. A praça de Aveiro no século XVIII (1757-1784), in “Douro. Estudos & Documentos”, n.º 4, Porto, GEHVID, 1997, p. 225. 156 SCHNEIDER, Susan, O Marquês de Pombal e o vinho do Porto, Lisboa, A Regra do Jogo, 1980, p. 35. 157 Ver o sítio do Instituto da Vinha e do vinho (www.ivv.min-agricultura.pt) 158 FRAUVELLE, Natália; SEQUEIRA, Carla, Trevões – História e Património, Beira Douro, Paróquia de Trevões, Associação Cultural de Trevões, Câmara Municipal de São João da Pesqueira, 2001.
161 BARROS, Dr. João de, Geografia d´Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes. “Colecção de Manuscritos Inéditos”, V. B. P. M. do Porto, Porto, 1919, p. 114-115. 162 CARDOSO, António Barros; SILVA, Francisco Ribeiro da, Porto do Vinho – Port of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 100. 163 Idem, Ibidem, p. 102. 164 Idem, Ibidem. 165 Idem, Ibidem, p. 103. 166 CARDOSO, António Barros, Baco & Hermes, O Porto e o Comércio…, Vol. I, p. 342-348. 167 CARDOSO, António Barros, SILVA, Francisco Ribeiro da – Porto do Vinho – Port of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 111. 168 Idem, Ibidem, p.112.
marcos da viticultura no norte de portugal
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