CABO DELGADO À espera do petroleo

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Cabo Delgado em foco Maputo, 19 de Outubro de 2012 Ano XIX Edição Nº 980

Suplemento

À espera do petróleo


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Cabo Delgado em foco

A estrada para o “El Dorado” Tal como a maior parte das infra-estruturas, as estradas são um calcanhar de Aquiles em Cabo Delgado, se excluirmos a “pista” Pemba-Montepuez. Para se percorrer o trilho a caminho do novo “El Dorado” da província, é um quebra-cabeças de 400 quilómetros. Há no entanto, luz ao fundo do túnel. O “El Dorado” de Cabo Delgado deixaram de ser as praias de águas quentes e areia fina, as ilhas com “resorts” exclusivos para estrelas de cinema e heróis das revistas cor de rosa, para se centrarem nas explorações de gás e petróleo off-shore, ou seja na costa norte da província onde estão situadas as concessões dos blocos 1 e 4, a cargo da americana Anadarko e da italiana Eni. Por isso, a importância súbita de localidades como Mocímboa da Praia e Palma, no extremo norte, a 50 quilómetros do rio Rovuma, onde se continuam a processar a maior parte das transacções interfronteiriças, a despeito de uma ponte que ninguém usa, 200 quilómetros para oeste. De Pemba a Mocímboa são 345 km. com o “inferno” de Macomia a Oasse pelo meio, 103 quilómetros que rebentam com as suspensões dos camionistas mais ousados. Oasse é o entron-

Carreira diária Pemba-Mocimboa da Praia na paragem do Willy em Macomia

camento que liga Chai a sul, Mueda a oeste e Mocímboa na costa. Antes das confusões económicas na Europa, parecia fácil a resolução do problema, depois da promessa dos mil milhões de euros feita pelo ex-primeiro ministro português José Sócrates. Em Portugal mudou o governo e

o país é um dos países mais endividados da Europa. Os projectos em Moçambique são agora escolhidos a dedo e têm a inevitável presença das empresas lusas. Macomia-Oasse tem como parceiro da Ceta de Celso Correia, a portuguesa Conduril. No terreno trabalha-se a meio gás e o encarregado de obras, que

não quer dar o nome, diz que as obras vão conhecer um novo ritmo pois há notícias de uma nova injecção de 150 milhões de meticais. A Conduril, apesar de desculpas várias, tem sido muito maltratada na imprensa moçambicana, nomeadamente pelo seu desempenho na reabilitação da estrada Maxixe-Massinga e no

resselamento das ruas de Quelimane. O troço entre Oasse e o rio Rovuma, formalmente um projecto de 181 quilómetros parece em melhor andamento. Os financiamentos de fundo também estão a cargo de Portugal e a empreitada foi entregue à Zagope que pertence ao grupo brasileiro Andrade Gutier-

rez. Há muito mais máquinas dispostas no terreno e foi feito um trabalho básico de terraplanagem mesmo até ao rio Rovuma. As suspensões dos veículos sofrem muito menos e as actuais subidas são enfrentadas com o lançamento de uma mistura de cimento, uma improvisação, dizem, dos tempos de Lázaro Mathe, um governador com intensos sentimentos de amoródio em Cabo Delgado. O troço Macomia-Oasse estava inicialmente orçado em 883 milhões de meticais e já devia ter terminado em Maio. O troço completo Mueda-Namoto, passando por Oasse, Mocímboa e Palma estava orçado em 2520 milhões de meticais e deveria terminar em Dezembro. Está a decorrer uma reavaliação dos orçamentos e os preços iniciais podem disparar para o dobro, qualquer coisa como 750/850 mil dólares US/ quilómetro de estrada asfaltada. Mesmo assim, os fiscais das obras consideram, que se os desembolsos da componente externa continuarem de acordo com a “reengenharia” feita, grande parte do trabalho estará concluído em 2013. Pela primeira vez, na história da província, haverá uma estrada de alcatrão que liga o cruzamento de Silva Macua(Sunate) até o rio Rovuma, um percurso que acompanha praticamente toda a costa de Cabo Delgado, rumo ao “El Dorado” do gás e do petróleo..

Para já, os caminhos de ferro (CFM), como a maioria dos operadores moçambicanos, têm alguma dificuldade em reagir ao desenvolvimento súbito da ponte de cais, agora ocupada em pelos pequenos barcos

de apoio às plataformas de perfuração sub-contratadas pela Anardarko e pela ENI. A SDV AMI, do grupo francês Bolloré, faz os abastecimentos e as operações de estiva. Porque a ponte de cais não tem guindastes para as operações, duas enormes gruas alugadas à Servitrade, (uma empresa familiar portuguesa com uma notável folha de serviços nos grandes projectos) fazem os embarques: carga geral e material especializada de perfuração a cargo das empresas

Orio Benzane, delegado dos CFM

Schlumberger(francesa) e Halliburton(americana). A Servitrade acaba de ser vendida à fornecedora de serviços Ameco, pertencente aos americanos do Grupo Fluor. De cada vez que a Pemba chega um navio de carga geral, os barcos de apoio às plataformas da Transocean Millenium, Belford Dolphin(Anadarko) e da Saipem (Eni) têm de sair da ponte de cais, o que representa um constrangimento na logística de apoio às plataformas. Um barco de perfuração, tendo em conta as profundidades a que operam em Moçambique, custa entre os 350 e os 500 mil USD/dia. Por isso a SDV AMI tem quase finalizado um cais flutuante alternativo, também para apoio ao trabalho das plataformas, quando se anuncia para o próximo ano o primeiro furo a cargo da empresa norueguesa Statoil, neste momento a montar a sua base em Pemba. Dada a inexistência de

Uma conhecida empresa imobiliária, quando lhe foi perguntado sobre novos investimentos em Maputo, respondeu que as suas atenções estavam agora viradas para Palma e Mocímboa da Praia. Por isso mesmo, por esta altura, os administradores distritais sedeados nestas localidades não têm mãos a medir com o assédio via telemóvel. No sítio onde vão são pequenas estrelas. O negócio na ordem do dia são terrenos. Mocímboa da Praia sempre foi a “capital” do norte de Cabo Delgado. A partir dali começavam as “terras do fim do mundo”. Agora há também Palma, roteiro incontornável dos diários da guerra colonial, incontornável agora pelo seu potencial como o novo “Qatar moçambicano”, o local onde deverá ser instalada a base de produção do gás natural liquefeito (GNL). Mocímboa já tem estatuto de município e politicamente tem sido notícia pela forte presença da oposição numa província que vota tradicionalmente Frelimo. A guerra e as dificuldades de acesso

para sul fazem da cidade de Mtwara, na Tanzania a “grande capital” para as populações de Mocímboa, Palma e Nangade, outra capital, mas da castanha de caju. A população expressa-se facilmente em swahili e é de lá que vêm as novidades e a maior parte das mercadorias. Até “t-shirts” de Messi e Ronaldo e bandeirinhas para as motorizadas com os símbolos do Real Madrid, do Barcelona e do Chelsea. O posto fronteiriço de Namoto, a seis quilómetros das margens do rio Rovuma, não é Ressano Garcia, mas é certamente um dos postos mais movimentados do país, por oposição a Negomano, servido por uma ponte que ninguém usa. Em Namoto, uma pequena ilha com edifícios recentes, tudo o resto é mato, incluindo os elefantes que fazem incursões habituais às machambas dos funcionários da Migração, “para se ocuparem nas horas vagas”. A Zagope ainda não alcatroou a estrada, mas a niveladora já fez trabalho quase até aos bancos do Rovuma. O resto é matope até aos barquinhos a motor que fazem o vai e vem diário, do nascer ao pôr-do-sol. No rio não há controle. BI e passaporte só em Namoto. Controle de mercadorias e

pagamentos aduaneiros só em Palma, 45 Km. mais a sul, com energia eléctrica, telefonia celular mas sem banco para apoiar o que é, provavelmente, o maior entreposto comercial mais a norte de Moçambique. Mocímboa da Praia, também roteiro da guerra colonial, tem pista de aviação com 2000 metros, onde já aterraram os “Boeing” da LAM e os “Fiat” da Força Aérea Portuguesa. Um relatório de 2005, elaborado para o Ministério da Administração Estatal, referia que havia um voo por mês que levava dali peixe e crustáceos. Agora, a aerogare transfigurou-se. Está pintada e asseada. As casas de banho, um índice importante de avaliação da gestão de infra-estruturas públicas, podem ser comparadas às do aeroporto de Singapura, provavelmente o topo mundial em matéria de higiene e limpeza. Não há voo mensal. Há todos os dias, e há serviço de migração para os jactos que vêm directos da África do Sul. Uma das bases logísticas da Anadarko está montada mesmo ao lado da aerogare e controla os transbordos dos aviões para os helicópteros que aterram nas plataformas de prospecção ao largo da costa. Os trabalhadores

cabotagem em Moçambique, parte das cargas gerais provenientes da África do Sul chegam a Pemba vindas de Nampula e Maputo por via rodoviária, fazendo a última parte do trajecto por via marítima. A zona de Muxara, nos arredores de Pemba, tem grandes espaços ocupados pelas operadoras petrolíferas e pelas empresas subcontratadas de apoio logístico. Pequenos barcos de pesca com tripulações militares moçambicanas fazem a escolta dos navios de abastecimento, permanecendo ao lago um vaso de guerra sulafricano, elemento dissuasor de potenciais ataques piratas às plataformas. Informação avulsa, não confirmada por fontes especializadas, indica que são gastos USD 400.000,00/dia em operações de segurança aos dois projectos de perfuração na bacia do Rovuma. Estância turística de Faruk Jamal em Messano, Mucojo

das plataformas trabalham 28 dias ininterruptos, em turnos de 12 horas – uma dor de cabeça para os burocratas do Mitrab e os sindicatos da preguiça – e descansam depois igual número de dias. Os técnicos internacionais vão directos para o estrangeiro. Os moçambicanos – e há muitos – apanham até Pemba os autocarros da “Maningue Nice”, da “Nagi Investimentos” ou da “TV Está na Moda”. Em Cabo Delgado, ao contrário de outras províncias, o longo curso é feito por autocarros (carroçarias montadas na Tanzânia) e o “chapa” é claramente secundarizado pela população. A rua principal de Mocímboa, sem lixo, tem as bordas dos passeios pintados de branco. O presidente do município e o administrador estão em Pemba, em mais uma “reunião de coordenação” do governo provincial. Em pouco mais de 100 metros há três bancos(BIM, BCI, Standard) e três bombas de gasolina. Mais afastado, o antigo Austral continua com nome de Barclays e o Moza balança entre abrir aqui ou em Palma. Mueda só tem um banco, Macomia nenhum, um evidente TPC para o vice-governador do banco central Pinto

Abreu. Abdul Ali, 29 anos, o sub-gerente do BCI, está entusiasmado com o movimento. Vem pessoal de Mueda, Sagal e Diaca para abrir contas e saber das condições do crédito. Vazia, silenciosa mas bem conservada está a ponte de cais e o armazém de apoio. Claramente à espera do retorno aos dias de glória com a cabotagem e as cargas do gás e do petróleo. Mais a norte, 90 quilómetros passados a niveladora, fica mais um entreposto “mwani”, Palma. É aqui onde está mais acesa a febre dos terrenos. É aqui onde já há um armazém logístico da Anadarko, mesmo ao lado do acampamento da desminagem, uma grande fonte de emprego para quem não vive da pesca e da agricultura. É para aqui que está planeado aeroporto, porto e a fábrica de gás natural liquefeito (GNL). O projecto do gás, com duas linhas de produção, está orçado em 15 mil milhões de USD e poderá começar em 2014. A Anadarko, a empresa americana que tem a licença de exploração do bloco 1, fez já um contrato FEED (Front end engineering and design) com as empresas KBR e Technip para a elaboração do projecto que compreende os pipeline a partir dos poços para a costa, duas

linhas de produção, tanques reservatórios para o gás e condensado e pontão flutuante para o carregamento de navios. O cronograma implica para 2013 o FID(Decisão Final de Investimento) e o EPC(Engineering, procurement and construction). Dado que está provado que as reservas do Bloco1 e do Bloco 4 estão interligadas e têm um potencial estimado de 100 triliões de pés cúbicos de gás, a Anadarko e a italiana Eni estão em conversações para o lançamento conjunto do projecto de GNL virado essencialmente para os mercados asiáticos. A Palma buliçosa do comércio inter fronteiriço e da pesca prepara-se para conhecer os novos desafios do gás e do petróleo, mesmo ao virar da esquina.

Abdul Ali, Sub-gerente do BCI

Exploração petrolífera em novo ciclo Quando se está prestes a atingir o ponto de viragem na prospecção de gás e petróleo na bacia do Rovuma, aumentam as mudanças nas estruturas accionistas de operadores e investidores nos seis blocos concessionados pelo governo moçambicano em 2005.

O porto acordou Foi tudo de repente. O portinho que exportava madeira e algodão e umas tantas estórias de novos piratas, entre generais moçambicanos e aventureiros chineses, de repente está a rebentar pelas costuras. Paredes meias, os armazéns da maior algodoeira da província foram cedidos a uma multinacional italiana dos petróleos e tudo porque há três plataformas de perfuração ao largo da costa de Cabo Delgado e a ponte da cais é uma das bases para as operações “off shore”.

Os oásis de Palma e Mocímboa

O ano de 2012 tem sido fértil em transacções na bacia do Rovuma, a área que depois de Pande e Temane, parece reunir os resultados mais positivos de existência de gás, apesar do marketing das empresas e do governo continuar a insistir nas boas indicações que vêm da foz do Zambeze e da área do Búzi, em Sofala. A mais mediática das transacções ocorreu em Agosto com a venda da irlandesa Cove Energy, incluindo as participações no Bloco “onshore” (10%) e no Bloco 1(8,5%) do Rovuma à PTT EP da Tailândia pela quantia declarada de 1,9 mil milhões de USD. Na

Plataforma de perfuração da Enn

única cobrança conhecida de impostos sobre maisvalias, a AT (Autoridade Tributária de Moçambique) declarou ter recebido 175 milhões de USD, equivalente a 40% da taxa geral de 32%. Para se ter uma ideia da valorização das participações na bacia do Rovuma,

em 2009, antes das grandes descobertas de gás, a canadiana Artumas desfez-se de grande parte da sua participação nos mesmos blocos, a favor da Maurel & Prom e da Cove. A imprensa situou a transacção nos 12 milhões de USD. Também em Agosto deste ano, a norueguesa

Statoil, com licença de operadora para os Blocos 2 e 5, situados sensivelmente entre o Parque das Quirimbas e a baía de Pemba, cedia 25% da sua participação aos irlandeses da Tullow Oil, também com participações na Tanzania, Gana e Uganda. A ENH (Hidrocarbonetos de Moçambique) tem 10% nestes blocos, com uma área 7800 km2 e profundidades no mar entre os 300 e os 2400 metros. O primeiro furo deveria ocorrer em Novembro mas foi adiado para 2013. Não se conhece o valor da transacção da Tullow. Já no final de Setembro, a Petronas da Malásia cedia 40% dos seus 90% no contrato de partilha de produção nos Blocos 3 e 6 a favor da Total francesa. A ENH detém os restantes 10%. Os blocos concessionados situam-se o sul da província de Cabo Delgado e a norte de Nacala, onde a Petronas decidiu instalar a sua base logística. O primeiro furo também vai ocorrer em 2013 numa área de 15200 km2 e em profundidades até aos 2500 metros. Depois de falhar a entrada no Bloco 1 por via da compra da Cove, a Shell mantém em aberto a compra potencial de 35% da

participação da Anadarko. A companhia de Houston, Texas tem adiado a transacção até ter uma percepção realista das reservas de gás e de petróleo nas duas concessões da bacia do Rovuma e, por outro lado, fixar um acordo potencial com a Eni (e também a ExxonMobil) para a produção de GNL (gás natural liquefeito). As reservas de gás recuperável nos Blocos 1 e 4, segundo os técnicos, permitem a construção de seis linhas de produção de GNL entre 1918 e 2022. O Bloco 1 tem como operador a Anadarko(36,5%) e parceiros a Mitsui (20%), a BPRL e a Videocon da Índia (10% cada), a ENH (15%) e a PTT EP (8,5%). Os investimentos até 2013 estão orçados em 3 mil milhões de USD. Foram noticiados 11 furos e reservas estimadas em 60 triliões de pés cúbicos de gás. Num dos furos também foi referenciada a “ocorrência técnica de petróleo”. O Bloco “onshore”, na parte continental de Cabo Delgado, e também operado pela Anadarko, tem como parceiros a Maurel & Prom (de França), a ENH e a PTT EP. Em 2009 efectuaram um furo em Mecupa, próximo de Mocímboa da Praia, mas

foi abandonado. Está previsto um novo furo em 2013. O Bloco 4, a leste do Bloco 1, é operado pela italiana Eni(70%) e tem como parceiros a Kogas da Coreia do Sul(10%), a Galp de Portugal(10%) e a ENH(10%). Foram anunciados cinco furos numa área de 13235 km2 a profundidades entre 1585 e 2237 metros. As reservas estão estimadas em 40 triliões de pés cúbicos de gás. Os contratos de partilha de produção com o governo moçambicano são variáveis e não são conhecidas todas as cláusulas. O período de exploração e prospecção pode ir até aos oito anos e a concessão para a produção por um período de 30 anos. As mudanças nas estruturas accionistas, segundo os especialistas, indicam que, com a entrada em novas fases de exploração, ou mesmo em início de préprodução, novos investimentos são necessários, daí a entrada nos próximos tempos, no cenário da bacia do Rovuma de “actores de peso” (major players) como a Shell e a ExxonMobil.


19.10.2012 Notas soltas

Governo “off shore” ou “onshore”? Há sensivelmente pouco mais de dois anos, quando se inaugurava a mais emblemática estância turística de Pemba, nuvens negras pairavam sobre o sector que, diziam, vivia à custa das deslocações para as ilhas de circulação restrita, que ninguém conhece nem sabe que proveitos trazem ao país. O hotel cinco estrelas da província não tinha sequer um “café expresso”, passado que tinham sido as ocupações espectaculares dos “conselhos coordenadores” da época Joaquim Chissano. Eis porém que, subitamente, como que por toques de mágica, tudo está a mudar em Pemba e mais a norte, onde estão ou vão ser instalados os projectos do gás e petróleo. O aeroporto voltou a ser pequeno, há voos directos da capital, como em Tete, há voos directos do exterior, da África do Sul, do Quénia e da Tanzania. Cabo Delgado e Pemba estão no mapa, como o estão Mocímboa da Praia e Palma. Só que, no dia a dia, poucos sabem o que está a acontecer, para além os 4x4 com logótipos novos, os parques de máquinas e contentores intensamente iluminados, o porto para onde convergem, todos os dias, os pequenos barcos de apoio às operações das plataformas que estão ao largo da costa. Os oficiais do governo evadem polidamente as interrogações, mas sente-se que estão incomodados por grande parte das operações e da informação que lhes é inerente lhes passar ao lado. Os media, que reportam sobretudo a partir de Maputo, dão as notícias sem a contextualização local, tipo “isto está a acontecer aqui, aqui ao pé de mim”. A tal de Cove, a tal que teve de pagar 175 milhões de dólares em impostos, opera aqui, opera não muito distante dos pescadores de Palma e dos estudantes de Palma que se sentam no chão porque não têm carteira nem a prancha “inventada” pelo ministro Zeferino. A maioria dos projectos está a acontecer “offshore”, mas as autoridades, os tais que se apelidam de “quem de direito”, também estão “offshore”, “offside”na linguagem do futebol, fora de jogo. E isso é mau. Para todos. Para os directores locais que se sentem marionetas, para os locais que são amputados na sua cidadania, para a própria propaganda que torna mais vazia a ideia de uma governação participativa, inclusiva, pondo no bolso o próprio conceito de transparência, pois governo e empresas praticam um terrível secretismo quanto a contratos e suas cláusulas. Ser ambientalista em Cabo Delgado e Tete é mesmo tarefa espinhosa. Atá agora só falei de circulação de informação, a tal que pode ajudar melhor a gerir expectativas, como se defendem os membros do governo quando dizem que o paraíso ainda não chegou. Mas há mais. Os moçambicanos, os moçambicanos que habitam todas estas paragens tocadas pela miragem da prosperidade montada num poço de gás ou de petróleo, devem poder organizar-se para que amanhã, talvez não eles, mas os tal de vientes no novo moçambicanês coloquial, saibam que uma parcela de todos esses contratos que têm siglas convencionadas em todo o mundo, mas não são perceptíveis localmente, que parcela entra, por direito próprio, na educação melhor para filhos e netos, que segurança social melhor para as famílias, que infra-estruturas vêm com a casa melhorada a que devem ter direito. O moçambicano tem que questionar, sem ir à faculdade de Direito ou de Economia, que quinhão lhe cabe nas participações sociais dos novos projectos. Como no carvão, como na HCB que é nossa, como nas companhias que são parte do bem comum e não apenas do pequeno lobby esclarecido que se senta à volta da mesa do rei. Só assim teremos um poder “onshore”(em terra firme), um governo “onshore” e o povo “onboard” (a bordo). De contrário estamos todos condenados a ser atirados pela borda fora. F.L.

Ficha Técnica Concepção editorial, investigação e trabalho de campo: Fernando Lima Grafismo: Hermenegildo Timana Produção: João Diogo Impressão: S-Graphics

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O impacto do gás e do petróleo

“Não me queixo”

- empresário da hotelaria Nurmamade Abdulcarimo(Baboo) O empresário que começou há muitos anos por vender “gelinho” de porta em porta, Nurmamade Abdulcarimo, está satisfeito com a chegada das petrolíferas a Cabo Delgado e acha que, aos poucos, mais e mais empresários se beneficiam das novas oportunidades de negócio. Abdulcarimo, que toda a gente conhece por Baboo, é o dono do mais popular complexo turístico na praia de Wimbe e o restaurante continua embatível na qualidade e diversidade do menu. Há dois anos, quando inaugurou o “Kauri”, não sabia se fazia bem ou mal em continuar a construir. A “febre” do petróleo deu-lhe a resposta. Tem quatro casas e sete “challets” alugados a longo termo para as empresas ligadas à prospecção. Apesar dos avanços, continua crítico da maneira como se fazem os negócios. “Cada um sabe de si”, diz, para considerar que se as associações económicas funcionas-

Baboo e esposa Djamila no restaurante Kauri

sem, poderia haver mais benefícios. Apesar de haver muita importação da África do Sul, uma parte substancial da logística está baseada em Pemba e Nampula, “o que traz dinheiro para economia e dá empregos”. Há agora muito mais jovens empregados, embora nem sempre fazendo aquilo que estudaram. “Mas é bom, dá estabilidade, está a criar uma classe média e dá disciplina a esse pessoal, pois ali quem pisa o risco vai

para a rua”, diz Baboo. O que é bom para o bolso, também tem o seu lado negativo. As ong e o sector privado, onde estava o pessoal mais qualificado, perderam muitos empregados porque não podem competir com os ordenados pagos pelas “petrolíferas” e as empresas sub-contratadas. Em paralelo, há muito gente “a fazer negócio com o aluguer de casas e a cedência de terrenos”. A construção está a aumentar, constata, porque quem alugou a casa tem de construir para si

e para a família. Hotéis, pensões e restaurantes estão sempre cheios. “Ainda precisamos de mais, porque o que há não chega”. O fenómeno do crescimento não é só em Pemba. “Recebo muitos pedidos para arranjar espaços em Palma porque lá é onde se vai crescer mais.” Sobre o papel do governo, não sabe muito bem o que se anda a fazer. “Sei que há de vez em quando umas reuniões, mas não sei o que lá se passa, mas claramente podiam fazer muito mais para integrar os moçambicanos nos negócios”, diz o empresário que também é dono da cadeia de restauração “ Nautilus” em Maputo. Com a “invasão súbita” dos últimos dois anos os preços dispararam. “Vem tudo de camião ou avião, não há cabotagem, apesar de termos porto”. Baboo acha que “Pemba é hoje a cidade mais cara de Moçambique, pior que Tete”.

“Não copiem Angola nem façam uma nova Nigéria”

- Osman Yacob, comerciante grossista em Pemba Provavelmente o maior comerciante de Pemba, Osman Yacob, desde que começou a “febre do petróleo”, passou de 7000 items nos seus estabelecimentos para 28 mil e afiança que ainda pode crescer mais. “O que é preciso é estar preparado para aceitar os desafios e fazer as coisas, não ficar à espera que outros venham fazer, ou ficar nas reuniões a protestar”, diz Yacob da sua secretária, onde comanda os negócios do armazém, o aluguer de casas, a resposta aos e-mails e até os assuntos da família. Com as notícias de discriminação dos negócios a favor de estrangeiros, diz que não se pode queixar. Faz grandes fornecimentos às subcontratadas pela Anadarko e gostava de fazer o mesmo para a Eni. “Os italianos ainda não apa-

Empresário Osman Yacob

receram por cá”. Bom conversador, lá vai dizendo que na nova onda de negócio, “só ficou a dormir quem quis”. Sobre os produtos que poderiam ser feitos lo-

calmente, como frescos, hortícolas, carne, peixe, frutas, “Se nós não fazemos ou não sabemos fazer, porque não deixamos entrar quem sabe fazer?”, questiona

sem complexos, mas vai dizendo que o país e a província bem dispensa os camionistas e os cortadores de madeira importados da China. Sobre o papel do Governo, acha que não deve haver paternalismos e “nada de interferências nas matérias que devem estar a cargo dos empresários”. “O Estado deve ser um facilitador”, defende o empresário que já passou momentos menos bons. Assume que é um apoiante da Frelimo, regressou a Moçambique em 1984, tem ligações com todos os países do Golfo e continua a manter um escritório no Dubai. Sobre o futuro, não quer que nada seja copiado a partir de Angola, nem que Moçambique seja transformado na Nigéria.

Agradecimentos Este suplemento foi possível graças à colaboração e encorajamento de inúmeras entidades e individualidades. Gostaríamos de salientar o apoio prestado pela direcção do MIREM, os directores da ENH e do INP, o responsável provincial do MIREM, o delegado dos CFM em Pemba, o responsável pelos Serviços de Migração em Namoto. Gratos também ao apoio material do programa Agir/Ibis sem o qual não seria possível a produção deste suplemento.


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