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Denise Stoklos – O gesto das palavras

DENISE STOKLOS

O GESTO DAS PALAVRAS

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No destino artístico é possível reunir três forças da natureza. Denise, Elis e Clarice. Corpo, voz e escrita. A existencialidade permanente que jamais morre na alma

Por Gilberto Evangelista e Paula Santana Fotos Lee Kiyoung

Um encontro casual entres três artistas. Denise, Elias Andreato e Wellington Andrade. Da fusão criativa destes mestres da dramaturgia nasceu o mais recente espetáculo da multiartista Denise Stoklos, Abjeto-Sujeito: Clarice Lispector, em turnê pelo Brasil. A intenção desde o início era não classificar Clarice, aquela figura hermética construída ao longo dos anos por entusiastas esmerados em desvendá-la. A tríade queria a transparência, a essência da escritora. Para pontuar a intensidade de suas narrativas, a música de Elis Regina. Duas mulheres vítimas da morte corpórea, mas pertinentes com os dias atuais, cujo efeito em vidas ainda é permanente e existencial. A busca por algo supremo e próximo de nossa alma. “Clarice e Elis sempre serão uma continuidade”, pontua Stoklos. No palco, esta celebração rememora o convite de Fauzi Arap para criar um espetáculo com textos de Clarice Lispector. Stoklos, idealizadora do teatro essencial, entendeu que era chegada a hora de mergulhar na obra clariceana sem amarras como convém a uma artista que nunca fez do palco um lugar de teatralidades superficiais. O resultado é uma investigação de um novo corpo dominado pelo gesto com a densidade da voz. Três mulheres reunidas em corpo, intenção e espírito. Em entrevista à GPS, a atriz discorre sobre etarismo, família, tecnologia, juventude e arte. Inquieta e atlética desde a infância, circundou o mundo, estudou mímica, malabarismo, acrobacia e clown. Fez do corpo o seu instrumento de trabalho em espetáculos solo. Jornalista, socióloga, mãe de dois filhos e avó de duas meninas. Stoklos sempre estará em seu melhor momento.

Paula Santana – Antes de Clarice, você decidiu interpretar Elis Regina, logo após a sua morte. Qual o sentido dessa decisão à época?

Denise – Foi no embalo daquela saudade tão repentina, da falta daquela mulher. Por um acaso, eu quase a conheci pessoalmente. A assistente de direção do espetáculo que eu fazia com o Antônio Abujamra era afilhada dela e disse: “vou te apresentar a Elis”. Combinamos de eu ir até a sua casa, mas não deu tempo. Então eu pensei: ainda tenho um encontro marcado com ela.

PS – Nessa época dos anos 1980, você esteve na África, estabeleceu-se em Londres. Uma das suas filhas estava nascendo, você ascendia profissionalmente, e de repente retorna e encontra um Brasil impactado pela morte da cantora. Foi uma catarse?

Denise – É, eu pensei que a única coisa que faltava naquele momento para Elis era o seu corpo, porque a voz dela estaria aí, eterna. Então eu daria este corpo no espetáculo. E proporcionaria para as pessoas, que diriam: "vou sair de casa para ver o show da Elis".

Gilberto Evangelista – E como foi?

Denise – Eu estava saindo da escola de mímica, então foi um espetáculo extremamente corporal. Coisa que eu fui deixando ao longo do tempo, juntando voz com gesto. E agora estou chegando nesse estágio, em que eu quero alcançar o momento em que eu possa não falar nada, não mexer nada no palco e ainda ser teatro, só pela presença dramática. É uma coisa difícil. Por isso esse espetáculo atual não tem tantos malabarismos de gestos. Existe a presença do texto, do papel, que era o mundo da Clarice (Lispector).

GE – É como se fosse uma relação com o papel. Você o toca de um jeito… seus movimentos são um levantar de sobrancelhas. Denise – É como se eu estivesse acabado de datilografar e estivesse lendo e me revelando a cada frase que eu lia. Tanto que, há um momento em que ela (Clarice) fala de que tem vontade de lamber a barata esmagada. E eu lambo o papel, porque o papel é a barata.

GE – Clarice Lispector e Denise Stoklos são atemporais.

Denise – É um espetáculo para este momento, porque ele é profundo, é sobre o eu, é sobre o valor de ser. São coisas que há algum tempo a gente talvez não pudesse fazer, porque seria muito texto, profundo e chato. Mas agora existe o desejo coletivo de refletir sobre nós mesmos. Então dá para arriscar um espetáculo denso.

GE – E como tem sido a turnê?

Denise – Estou elogiadíssima de ter sido chamada para Brasília. Eu considero o Festival Dulcina um ato de resistência. Porque não estão acontecendo eventos assim no Brasil. Há uma dificuldade enorme. E sei que o público de Brasília adora teatro. Eu sempre fui tão bem recebida.

PS – Nesta sua nova fase você traz o silêncio físico e ao mesmo tempo preenche o palco. Como você consegue esse domínio de palco, trabalhando sempre solo, dirigindo, encenando e prendendo a atenção do início ao fim?

Denise – Eu acho que são as transformações estéticas que vão ocorrendo com o artista, onde ele vai se adaptando às suas etapas. O mestre Cunningham dançava até os oitenta e tantos anos, adaptado ao corpo que ele ganhava com a idade. Era magnífico! É interessante porque isso nos mostra que todo ser humano tem sua expressão de corpo, de estilo, de comunicação. O Hélio Pelegrino quando perguntado o que é mais importante na peça, ele diz: "o outro". Porque o outro sou eu, e eu sou o outro.

PS – O seu trabalho, ele tem uma convergência de opostos? Ao mesmo tempo que você precisa da catarse, você também utiliza a técnica.

Denise – É justamente na presença. Entender que o que estou fazendo precisa ter sentido pra cada um que está na platéia e foi ao teatro buscar algo que transformasse a sua vida.

GE – Multiartista que é... como enxerga hoje a produção teatral?

Denise – Acho que atravessamos um período político de dificuldades para colocar teatro em cena. A produção teatral dos jovens está imensa e variadíssima, com diversas propostas estéticas. Nós precisamos dessa diversidade e eu acredito muito nas novas gerações.

PS – O que você aprende com os seus alunos e o que você degusta da sua platéia?

Denise – Eu aprendo muito com os meus alunos pela coragem que eles têm em abordar qualquer tema e dedicar-se a eles com profundidade de entrega. Eu acho que arte é um comportamento que veio de herança da ditadura militar, dos resistentes. E está aí o resultado: essa geração acredita. Tudo isso chega para mim como um presente, um orvalho, um vento gostoso que só me inspira. Eles são muito respeitosos e extremamente afetivos comigo.

GE – As mídias digitais e todo o impacto de conteúdo que ela tem na rotina dos jovens te incomoda?

Denise – Eu acho tudo isso válido, porque mostra a velocidade de comunicação. Logo tudo é superado, assumido, aceito, mas em seguida já vem uma nova fase. E vem outra. Eles estão sempre desenvolvendo técnicas cerebrais. Eu acredito que esse tipo de informação eletrônica tem um alcance bem maior daquilo que a gente só vê na superfície.

PS – Os analógicos têm uma certa dificuldade em encontrar beleza nessa superficialidade. Porque esta geração chamada Z está programada para viver somente o agora. Você não questiona esse modelo?

Denise – Eu acho que eles estão mais inquisitivos. E eles falam tudo “na lata”. Dizem o que quer que seja que estão pensando, sem problemas de autoritarismo. Eles interpelam, solicitam respostas para os seus próprios crescimentos e eu acho isso maravilhoso. Antes havia apenas o respeito. Eu considero isso um avanço.

PS – Com todas as acrobacias ao longo da sua jornada, você sente dor no corpo?

Denise – Ainda não. Sempre fui muito atlética desde cedo. Sou de Irati, Paraná, cidade pequena... fazia barra com os meninos, jogava futebol e vôlei na escola. Nasci com essa vontade.

GE – O etarismo está em voga. Como você lida com a idade e o corpo, que é seu instrumento de trabalho, e suas limitações?

Denise – Sou natureba total. Nunca fiz intervenção estética. Achei que era o melhor jeito de ir convivendo comigo. E esses dias eu ouvi: “esse meu corpo é o corpo que tenho desde neném, então ele é muito meu, todo meu, e ele carrega a minha história”. Isso é lindo. É o que eu faço com as minhas rugas e peles. Elas servem para as minhas netas brincarem com a minha pele.

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