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Odair José: Não conto histórias

Líder nos vetos de música na ditadura militar, o cantor brega dos anos 70 tornase cult aos cinquenta anos de carreira e oitenta milhões de discos vendidos

ODAIR JOSÉ

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“NÃO CONTO HISTÓRIAS, VOU NA FERIDA”

Por Danilo Casaletti

Aos 74 anos de idade e mais de cinquenta de carreira, o goiano Odair José carrega muitos rótulos. O mais cruel: o de brega, dado por intelectuais que torciam o nariz para suas canções românticas que dominavam as paradas de sucesso e faziam dele campeão de venda de discos nos anos 1970.

Com o passar do tempo, foi reconhecido como cult pelo disco O Filho de José e Maria, de 1977, pelo qual foi achincalhado pela crítica, mas redescoberto pelos fãs mais jovens que agora frequentam seus shows. Neste 2022, seu primeiro hit, Vou Tirar Você Desse Lugar, completa cinquenta anos.

Foto: Divulgação

“Eu comecei a observar melhor o meu trabalho depois que esta geração olhou para mim”

Um dos campeões de vetos da censura na ditadura militar, Odair sempre esteve perto do povo. Cantou para prostitutas, mulheres separadas, homossexuais, trabalhadoras domésticas. "É minha forma de participar do mundo como ser humano", diz ele.

Hoje, de vida pacata e tranquila ao lado da mulher, Jane, com quem vive há quarenta anos, tem agenda constante e divide palco e músicas com personas como os cantores e compositores Otto e Arnaldo Antunes.

Com Antunes, Odair compôs seis letras para o longa-metragem Meu Álbum de Amores, dirigido por Rafael Gomes. Nesta trajetória, lançou mais de 40 discos, vendeu oitenta milhões de cópias e escreveu cerca de 400 canções.

A plateia jovem está sempre te descobrindo, não?

Eu comecei a observar melhor o meu trabalho depois que esta geração olhou para mim. Muitos vão pelo disco Filhos de José e Maria. Hoje, vejo qualidade até onde eu não via antes, até no meu primeiro trabalho. São álbuns muito bem gravados.

O que te perturbou mais durante a carreira: a censura moral ou o preconceito intelectual?

A moral, sem dúvida.

Os intelectuais te chamavam de brega...

Um absurdo. É ofensivo. O cara que diz isso é mal-intencionado ou não entendeu nada. Até onde eu sei, brega é algo de mau gosto. Eu pensava: não estão olhando direito para o meu trabalho. Ele pode não ser tão genial, mas também não é ruim. Há muita gente pelo Brasil afora que prefere ouvir Odair a Chico Buarque. Chico faz coisas que eu nunca vou fazer, mas meu trabalho atinge pessoas que o dele não atinge. É preciso respeitar.

Fotos: Uanderson Brittes

O seu estilo romântico sempre foi cheio de mensagens, não?

Sim, é um romântico investigativo. Certa vez, o Caetano disse que meu iê-iê-iê era realístico. Não conto histórias, vou na ferida. Não tem "eu te darei o céu" e sim "essa noite você vai ser minha". Isso, talvez, venha da minha vivência nas boates, no início de carreira.

Mas, e esse olhar humano, de trazer para sua música as prostitutas, mulheres separadas, casais homoafetivos?

É algo meu. Até hoje sou assim. Me sinto bem. É minha forma de participar do mundo. Faço uma reportagem musical. Lembro que, nos anos 1970, eu conversava com o Raul (Seixas) de que forma poderíamos colocar nosso trabalho na boca do povo. Já existia a Bossa Nova, a Tropicália, a Velha Guarda, a Jovem Guarda. O que poderíamos fazer? Achamos nossa maneira.

Há uma máxima lendária de que você e o Evaldo Braga, nos anos 1970, bancavam o pessoal da chamada MPB, que tinha muito prestígio, mas não vendia discos. É isso mesmo?

Foto: Bruno Tadashi

Isso é fato. Comecei na CBS (gravadora), que detinha 80% do mercado de discos. Eu vendia cerca de 15, 20 mil discos. O Roberto Carlos vendia 150, 200 mil. Quando eu gravei o compacto com a música Vou Tirar Você Desse Lugar, no primeiro trimestre de 1972, vendeu um milhão de cópias. Eu já não tinha mais contrato. Passei, então, a ser disputado pelas gravadoras. O que eu queria era sair do esquema de som da CBS, que queria algo padronizado em cima do que o Roberto fazia. Queria fazer algo como Neil Young e Cat Stevens. A Philips me ofereceu uma grana boa, um adiantamento que daria para eu comprar um apartamento à vista no Rio e um carro. Eu não quis. Disse que queria fazer meu disco e que ninguém se metesse nele. Eles permitiram. De 1972 a 1976, fui um dos caras que mais venderam discos no Brasil.

No Festival Phono 73, que juntou o elenco da Philips, como Gilberto Gil, Elis Regina, Chico Buarque, Gal Costa, Maria Bethânia, Jorge Ben Jor. Você fez dueto com Caetano e foi vaiado.

Eu sabia do evento, mas pensava que não fosse participar, porque era algo ligado à MPB, e eu era considerado um cara de rádio, popular. Eu nem tinha tempo, fazia trinta shows por mês. O convite partiu do Caetano. Fui me encontrar com ele no interior de São Paulo. Ele me disse que queria cantar só com o violão. Perguntei o que íamos cantar. Ele disse: menos a da pílula (Uma Vida Só). Ele não gostava dessa. Pediu para cantar Vou Tirar Você Desse Lugar. Naquele momento, achei legal, mas confesso que não vi como algo importante na minha carreira. Tanto que o André Midani (presidente da Philips no Brasil), quando soube das vaias, me ligou de Paris. Ele percebeu que eu não estava nem aí para aquilo. Ele me disse: "Odair, isso vai ficar para sempre na sua vida". E ficou.

Como era sua relação com esse pessoal da MPB?

Convivi muito com eles, nos estúdios, nos corredores. Naquela época, todo mundo gostava de jogar bola. Eu tinha um terreno na Barra da Tijuca, onde fiz um sítio com campo de futebol. A gravadora também tinha um campo. Jogava com Chico, Ivan Lins, Gil. Era uma convivência boa. Todos educados. Eu conversava muito com o Tom Jobim, a gente se encontrava em um restaurante lá no Rio.

Falavam sobre música?

Não, raramente. Por conta do sucesso de minhas músicas, às vezes, isso gerava algum tipo de brincadeira. Sempre com respeito. Certa vez, no pátio da gravadora, a Elis estava lá com o filho mais velho (João Marcello Bôscoli). Ela me chamou. Fiquei meio receoso, ela era sempre muito direta. Ela veio até mim, com o filho pendurado na saia, e disse para ele: “você não gosta do cantor da pílula? Olha ele aí”.

Você mandava música para esse pessoal gravar?

Sempre compus para eu cantar. Uma vez, mostrei uma música para a Gal, no início de 1972. Se chamava Eu Gosto Dele. Achava que era a cara dela. No mesmo dia, o Raul Seixas também mostrou uma composição. Ela não gravou nem a minha nem a dele.

O disco Hibernar tem a música chamada Rapaz Caipira. A letra fala de um cara que chega a uma cidade grande e se depara com "uma bandeja de pó e cerveja". Você passou por isso?

Sim. Gosto muito dessa música. Não é uma crítica, e sim um alerta. Eu, quando cheguei de Goiás, não bebia nem fumava. Estava estressado. Comecei a beber muito. De repente, me vi usando drogas. Fumava maconha, cheirava cocaína. No começo, era legal. Depois, foi um grande estrago na minha vida. Não conseguia mais ser respeitado profissionalmente. Foi um período que começou em 1976 e durou uns vinte anos.

Há uma nova geração de artistas de Goiás, muitos no sertanejo pop. Como você vê essa cena?

Sei que eles fazem muito sucesso. Levam multidões por onde vão. Não acompanho. Tentei ver alguma coisa. Confesso que gostaria que fosse um trabalho com mais qualidade no nível de produção. São músicas que daqui a um ano ninguém se lembra mais. Mas é preciso respeitar o gosto do povo.

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