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Editorial
Editorial Por Prof. José Abreu
1 de Fevereiro é o dia mundial da leitura em voz alta, permitam-me que vos conte uma pequena história sobre o prazer de ler para os outros, uma história que se passou comigo e que pode começar, como tantas outras histórias, assim: Há muitos e muitos anos, um jovem aluno do Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, cumpria religiosamente a sua missão de duas vezes por semana, após o final das aulas, se deslocar ao 3º esq.º do nº 43, na Avenida da Liberdade, para ler para uma senhora idosa e invisual, a Sr.ª D. Maria. O trajeto era sempre o mesmo: descia a Av. Pedro Álvares Cabral, no meio do bulício de mais um final de dia, acelerava o passo junto ao salão de jogos do Jardim Cinema, não fosse ceder à tentação de mais um jogo de matraquilhos, passava à sempre animada sede do MRPP e desembocava no Largo do Rato, que atravessava por entre o trânsito, em passada firme e segura, à boa maneira lisboeta. Seguia pela rua Braancamp, com os seus cafés e esplanadas e, finalmente, chegava ao meu destino, o n.º 43 da Avenida da Liberdade. Subia num velho e belo ascensor, daqueles cheios de arabescos em ferro forjado, com a porta de correr em madeira, tocava e era conduzido pela Sr.ª D. Berta, empregada da casa, até à sala de estar, onde a Sr.ª D. Maria me esperava, sentada junto a uma mesa de camilha, com um livro em cima. Depois dos cumprimentos da praxe começava a ler para aquela Sr.ª que me tinha contratado para duas vezes por semana, durante cerca de 1h30m, lhe ler um livro por ela escolhido. Lembro-me que ao longo deste meu pequeno emprego, de três horas semanais, lhe li dois livros, «A Relíquia», de Eça de Queiroz e «Memórias de Adriano», de Marguerite Yourcenar, dois autores que me têm acompanhado ao longo da vida, daqueles que queremos ler todos os livros. Devo-vos dizer que desempenhava a minha tarefa com uma real satisfação, não só porque o salário era chorudo, 15$00 (0,75€) por sessão, o que, para quem tinha 20$00 (0,10€) de semanada, mais que duplicava o meu pecúlio. Mas, sobretudo, pelo prazer que sentia em descobrir e levar as palavras de dois magníficos escritores àquela senhora que me ouvia, ora com um sorriso, ora com uma expressão pensativa. Lembro-me, com imenso prazer, das pequenas conversas que tínhamos sobre as palavras, sobre as ideias, sobre os sentidos e os sentimentos das obras. Muitos anos depois voltei a ler, com regularidade, em voz alta, para os meus filhos, quando estes eram pequenos. Foram momentos inesquecíveis de diversão e ternura. Hoje, são também eles, que por vezes leem em voz alta, dando voz às palavras de outros que eles gostaram e que querem que sejam de todos. Ler e ouvir ler é formidável, é como escutar duas pessoas, aquele que escreveu e aquele que o escolheu. Experimentem! Só me resta desejar-vos, a todos, boas leituras, também em voz alta.
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