12 minute read

Milho: cadeia produtiva na velocidade 5.0 - Dr. Adriano Olnei Mallmann e outros

04 TECNOLOGIA Milho: cadeia produtiva na velocidade 5.0

MSc. Cristina Tonial Simões – LAMIC/UFSM Zootecnista, MSc. Juliano Kobs Vidal – LAMIC/UFSM Médico Veterinário, Prof. Dr. Carlos Augusto Mallmann – LAMIC/UFSM

Advertisement

Dr. Adriano Olnei Mallmann Pegasus Science

adriano.mallmann@pegasusscience.com

MSc. Denize Tyska Pegasus Science

Não há dúvidas de que estamos vivendo a Era da informação, também conhecida como revolução digital ou terceira revolução industrial, que tem como um dos seus grandes marcos o acesso rápido e fácil à informação. Um aspecto muito importante dentro dessa nova realidade, e que exerce grande influência sobre o mercado atual, é o nível de exigência do consumidor em relação ao produto que chega à sua mesa. Há uma crescente preocupação quanto à segurança do alimento consumido, além da busca por itens produzidos a partir de animais oriundos de um sistema de criação sustentável, sob normas adequadas de bem-estar e livres da ingestão de toxinas e antibióticos. A exigência é de que tudo isso possa ser oferecido e sustentado pela cadeia produtiva, na qual um ingrediente é a base de tudo: o milho.

A evolução no rendimento (produtividade) de grãos de milho levou o Brasil ao topo da cadeia exportadora; na safra 2019/20, a produção superou 100 milhões de toneladas. O país é o terceiro maior produtor mundial desse grão, atrás apenas dos Estados Unidos da América e da China. As exportações brasileiras de milho giram em torno de 35% anuais, o que coloca o país no Top 3 dos maiores exportadores. Mais de 90% do milho utilizado no consumo doméstico é destinado à nutrição animal, principalmente de aves e suínos. O Brasil também é um dos líderes mundiais na produção de proteína animal; ocupa a terceira posição no ranking dos produtores e a primeira dentre os exportadores de aves, e é o quarto

maior produtor e exportador de suínos.

O mercado disponibiliza anualmente dezenas de híbridos de milho com diferentes caraterísticas e propósitos. Na safra 2019/20, 196 tipos foram ofertados. Conforme publicado pela Embrapa Milho e Sorgo, as empresas produtoras de sementes reportaram os seguintes dados para essa safra: 86,4% híbridos simples, 5,8% híbridos triplos, 3,9% híbridos duplos e 2,6% híbridos intervarietais. O levantamento também abordou o ciclo dessas cultivares, sendo 66% precoces, 25% superprecoces, 5% semiprecoces, 3% hiperprecoces e 1% de ciclo médio. Dos 196 híbridos apresentados, 90% não possui informação quanto à resistência à Fusariose, doença que pode culminar em contaminação micotoxicológica causada por fungos do gênero Fusarium. Isso reflete no fato de que cerca de 85% dos lotes brasileiros de milho apresenta fumonisinas, principal grupo de micotoxinas produzidas por esse grupo fúngico. Além de afetar a qualidade nutricional e física dos grãos, esses metabólitos geram um impacto negativo na produção animal por de-

Figura 1. Variabilidade da produção de milho por hectare (kg) e respectivo custo (R$) da tonelada de ração para frangos de corte na fase inicial para diferentes híbridos de milho avaliados.

Figura 2. Fluxo de colheita de milho na segunda safra de 2020.

mandar aumento no custo da ração, referente à inclusão de aditivos e nutrientes sintéticos, e por interferir na sanidade e desempenho zootécnico dos animais.

A cadeia produtiva tem início no aporte oferecido pelas casas de genética. O melhoramento genético do milho é realizado para que uma matéria-prima de alta produtividade seja ofertada, considerando em alguns casos tratos culturais, como o uso de defensivos agrícolas (doses e frequências) ou o ciclo de cultura. A partir da genética, utilizada em associação às Boas Práticas Agrícolas (BPAs) e condições climáticas, é gerada a pedra basilar da qualidade e produtividade a campo. Infelizmente, uma possível bonificação pela qualidade nutricional e micotoxicológica dos grãos ainda esbarra na impossibilidade de segregação do material na indústria; contudo, a qualificação pode ser realizada após o armazenamento, o que favorece a tomada de decisão. Dessa forma, a pressão por médias nutricionais maiores, que não são exclusivamente determinadas pela genética, tende a aumentar.

O milho ainda é tratado como uma commodity, ou seja, os critérios de classificação são simplificados, não permitindo uma correlação precisa com os nutrientes presentes no grão. No cenário atual, almeja-se que a seleção genética produza híbridos que, além da produtividade, possibilitem a formulação de ração a um custo menor. Assim, os trabalhos com híbridos de milho iniciados em 2013 começam a ganhar corpo e a abranger outras variáveis, como o local de plantio, o uso de diferentes manejos, a resistência a patógenos e insetos e a qualidade nutricional. Inicialmente objetivou-se selecionar um material resistente às micotoxinas, mas outros fatores também se mostraram intimamente atrelados ao custo da formulação de ração, indicando que a seleção genética não envolverá parâmetros únicos, mas sim um conjunto deles. Assim, os parâmetros genéticos avaliados nos híbridos de milho foram produtividade (em kg/hectare), percentual de grãos avariados, energia metabolizável, proteína bruta, aminoácidos digestíveis e presença de micotoxinas (aflatoxinas, fumonisinas, desoxinivalenol e

zearalenona) (Figura 1). As interações podem ser feitas correlacionando-se variáveis como ciclo, época de plantio, tipos de transgenia, textura, resistência a fungicidas e acamamento.

“Nem sempre o híbrido mais produtivo é o que apresenta o menor custo de formulação”.

Da lavoura ao armazenamento, a colheita do milho é uma das fases chave para a qualidade do ativo em questão. Cerca de 70% da colheita de milho na safrinha de 2020 ocorreu em um período de 60 dias (Figura 2). Considerando esse cenário, a recepção dos grãos ocorre em um período muito concentrado, no qual, por vezes, há perda nos processos de estabilização nutricional e micotoxicológica, levando à degradação da matéria-prima.

O recebimento pós-colheita é um processo que não tem a capacidade de melhorar o valor nutricional do produto, havendo apenas a preservação do mesmo. A participação do produtor de grãos é encerrada a partir desse momento. Essa é a primeira oportunidade para que o material, que já está homogeneizado, seja qualificado econômica e nutricionalmente para conexão com o processo de formulação de precisão. É também nessa fase que ocorre a segregação e o direcionamento inteligente da matéria-prima, pois o uso dessa informação na nutrição torna-se mais eficiente e com múltiplas possibilidades de decisões econômicas, tais como a destinação do produto para a espécie animal específica, fases, sexo, genética ou até mesmo a comercialização onde o valor de mercado é mais apropriado. Dessa forma, a cadeia se torna mais transparente e eficaz. Além disso, sabe-se que a grande maioria dos processos de secagem não consegue desempenhar essa tarefa de forma rápida e uniforme em todo o volume de grãos; isso faz com que ocorram alterações termo-hídricas dentro dos silos, as quais são evitáveis com o uso da aeração forçada. Contudo, mesmo atingindo a estabilidade térmica e atendendo às BPAs, muitas vezes não é possível evitar a produção de micotoxinas.

A matéria-prima estará pronta para ser amostrada quando temperaturas adequadas de conservação forem atingidas. A amostragem é uma etapa primordial, uma vez que é a partir da amostra coletada que serão gerados os resultados que embasarão a tomada de decisão. As micotoxinas são substâncias detectadas na unidade de partes por bilhão (ppb); sendo assim, configuram umas das substâncias mais difíceis de serem quantificadas com precisão. Buscando-se compreender o quanto 1 ppb representa, pode-se fazer a relação com menos de oito pessoas na população global; isso denota o grau de dificuldade em se estabelecer uma amostragem para micotoxinas. Transferindo isso para a realidade do milho, 1 ppb equivale a 1 grão de milho em 350 t (10 caminhões com 35 t).

“Estudos comprovam que em torno de 80% da precisão de um resultado de micotoxinas está relacionado a uma amostragem correta”.

Além da baixa concentração em ppb, as micotoxinas não se distribuem uniformemente na massa de grãos; suas concentrações podem variar significativamente de um local para outro dentro de um silo ou armazém. Essa distribuição heterogênea tem início ainda na lavoura de milho, onde comumente são produzidas as micotoxinas de campo (fumonisinas, zearalenona e deoxinivalenol) pelos fungos do gênero Fusarium. Isso ocorre devido às diferentes condições de temperatura e umidade favoráveis ao crescimento fúngico e a consequente produção de micotoxinas em diferentes pontos da lavoura. Grãos com concentrações distintas de micotoxinas também podem ocorrer em uma única espiga de milho.

Tal heterogeneidade é transferida durante a colheita para os veículos de transporte de grãos, em seguida para a unidade de recebimento na moega, no secador, no armazenamento, e finalmente para os grãos que serão utilizados para produzir a ração ou destinados para outro fim. Ainda, durante as etapas de recebimento, secagem e armazenamento de grãos, há maior risco de produção das “micotoxinas de armazenamento”, as aflatoxinas, que têm alta toxicidade e são produzidas por fungos do gênero Aspergillus. Durante o armazenamento, podem haver hot spots dentro dos silos, ocasionados principalmente pela presença de umidade excessiva em pontos localizados dentro do sistema de armazenagem, contribuindo também para a heterogeneidade do material.

Portanto, os procedimentos de coleta das amostras devem respeitar o princípio de que cada grão tenha a mesma probabilidade de estar representado na amostra. Somente assim a informação será representativa e ideal para ser utilizada na qualificação do lote amostrado. De forma prática, é necessário utilizar uma sonda pneumática para coletar as amostras de si-

Figura 5. Fluxograma das amostras ilustrando o envio e predição dos espectros através da leitura no equipamento NIR e interpretação dos resultados.

los e armazéns; esta deve ser introduzida na massa de grãos, possibilitando a coleta desde o topo até a base. A quantidade de amostra coletada deve ser em torno de 10 a 20 kg, dependendo da profundidade da instalação. É recomendável que a quantidade de pontos de coleta e a separação de amostras por profundidade siga a demonstração ilustrada nas Figuras 3 e 4, pois depende do tamanho da estrutura armazenadora.

A amostra em grãos apropriadamente coletada para a análise de micotoxinas é também representativa para as demais análises, podendo ser utilizada para avaliar variáveis de classificação física do milho como umidade, impurezas, grãos avariados e carunchados. A seguir, a amostra originada de cada ponto deve ser integralmente triturada, de forma que o número de partículas seja totalmente triturado em um triturador básico equipado com peneira de 3 mm; isso garantirá a fragmentação de cada grão em milhares de partículas e consequentemente uma pré-homogeneização da amostra. O volume gerado deverá ser reduzido através de um quarteamento até o peso aproximado de 500 g.

O passo subsequente é a moagem mais refinada da amostra, utilizando-se moedores específicos de laboratório equipados com peneira de 0,5 ou 1 mm para padronização da granulometria das partículas. Após, é realizado o processo de homogeneização da amostra e leitura no equipamento de espectroscopia no infravermelho proximal - NIR (Near Infrared Spectroscopy) para obtenção do espectro. Ainda, por se tratar de um grande volume de grãos, recomenda-se que também sejam geradas algumas amostras constituídas por alíquotas de amostras de diferentes pontos do silo ou armazém, para análise por meio da metodologia de referência Cromatografia Líquida acoplada a Espectrometria de Massas (LC- MS/MS).

O NIR é um equipamento que se caracteriza por realizar a leitura espectral da amostra em diferentes comprimentos de onda que variam entre 400 e 2.500 nm. Esses dados espectrais são gerados a partir de uma vibração molecular e são convertidos em níveis de absorbância únicos para cada amostra. Os espectros são selecionados e correlacionados com os resultados obtidos através de análises físico-químicas certificadas. As curvas de calibração são então obtidas através de tratamentos matemáticos, possibilitando tanto análises quantitativas quanto qualitativas das amostras. Os espectros são armazenados para que, havendo novas curvas, essas ainda estejam disponíveis para predição sem a necessidade de guardar a amostra física, permitindo uma análise retrospectiva.

Figura 3. Pontos de amostragem em silos.

“O grande desafio para elaboração das curvas para micotoxinas é a obtenção de um número suficiente de amostras que represente o universo de interesse técnico/prático da informação gerada.”

O fluxo das amostras após o processo de amostragem até a leitura no equipamento NIR é ilustrado na Figura 5. Após a leitura, os espectros são enviados a um programa para a geração das informações sobre os parâmetros solicitados. Em poucos minutos há o retorno da informação para o usuário.

O cenário atual não nos permite a segregação do milho. Dessa forma, a alternativa implementada é a de avaliação das unidades de armazenagem. Uma das maiores vantagens desse processo é a obtenção de todas as informações necessárias para qualificação do milho em alguns instantes. A extração dos dados é feita por um software que abastece as informações gerenciais e possibilita o acompanhamento instantâneo do produto que está sendo utilizado. Todas as informações são apresentadas em tempo real para os principais componentes bromatológicos do milho, além da classificação física e as micotoxinas importantes para a formulação (Figura 6). Esse sistema permite que a decisão seja fundamentada em informações corretas e não realizada empiricamente.

Essa realidade permite selecionar, dentre todas as unidades de armazenamento, aquelas que oferecem o material ideal para a categoria animal desejada. Isso significa poder escolher, dentre todos os silos de uma unidade fabril, aquele que contém o milho com as características desejadas para produzir uma ração pré-inicial para frangos de corte. Ou então, eleger o silo que apresenta menor contaminação pela micotoxina zearalenona para produzir ração de matrizes suínas. Uma das possibilidades está na decisão quanto ao emprego de determinados ingredientes nutricionais ou funcionais como, por exemplo, os aditivos antimicotoxinas; tal decisão é definida com base no conhecimento prévio da matéria-prima armazenada, servindo como subsídio para as políticas de compra desses ingredientes. As possibilidades de gerenciamento através da plataforma são infinitas, já que o sistema permite a seleção daqueles silos que poderão ser armazenados por mais tempo, escolhidos para consumo da empresa ou colocados à disposição do mercado.

Em breve, a compra de cereais será baseada não só na classificação por tipo de produto, mas também por características da matéria-prima para produção de alimentos com fins específicos. As transações relacionadas às commodities seguramente já utilizam esse processo; alguns países estão qualificando e empregando essa tecnologia para agregar valor ao produto exportado ou atender às exigências específicas do comprador, especialmente quanto aos níveis de micotoxinas contidos no material e seu uso na alimentação de uma categoria animal específica. Cada vez mais exigente, o mercado deterá os parâmetros de compra para atendimento das suas características individuais. Além disso, a informação empregada no monitoramento dos silos e armazéns também pode indicar possíveis ações corretivas quando necessárias, como controle de termometria e melhorias na aeração, ou seja, melhorias no sistema de gestão continuado.

“A informação possibilita trabalhar na correta tomada de decisão; a falta dela leva a trabalhar no empirismo.”

This article is from: