LEETRA Anos Iniciais - diversidade cultural

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Di v er s i da deCul t ur a l



anos iniciais

EDIÇÃO

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Universidade Federal de São Carlos Reitor Prof. Dr. Targino de Araújo Filho Vice-Reitor Prof. Dr. Adilson Jesus Aparecido de Oliveira Universidade federal de São Carlos - Campus São Carlos Rod. Washington Luiíz, km. 235 - Departamento de Letras - Sala 07 CEP: 13.565-905 - São Carlos - SP Telefone: (16) 3306-6510 www.leetra.ufscar.br | grupo.leetra@gmail.com

LEETRA Anos Iniciais. n.6, v. 1, 2015 - São Carlos: SP: Universidade Federal de São Carlos, Laboratório de Linguagens LEETRA. Periodicidade semestral - Edição Especial ISSN: 2446-6913 1. Educação 2. Linguística Aplicada 3. Letramento


Apresentação O Projeto Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa do Núcleo UFSCar (PNAIC/UFSCar), sediado no Departamento de Letras da UFSCar, envolve Curso de Extensão em nossa universidade com vistas à formação continuada de professores alfabetizadores, e faz parte das várias ações desenvolvidas pelos Grupo de Pesquisa LEETRA (CNPq) no qual se abrigam diferentes linhas de pesquisa: “Alfabetização e letramento nos anos iniciais”, “Ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa”, “Estudos de Tradução”, “Letramento digital”, “Línguas indígenas” e “Letramento e Comunicação Intercultural”. Com a publicação da Série Linguagens em Diálogo, no ano de 2014, a partir do volume inicial dedicado aos Letramentos em Língua Materna e Matemática, buscamos dar visibilidade às diversas produções que vinham sendo construídas na interação entre Formadores e Orientadores de Estudo no ambiente virtual (Plataforma Moodle), assim como propiciar um lugar de reflexão a respeito dos diferentes desafios que hoje envolvem o trabalho interdisciplinar particularmente nos anos iniciais, cujos reflexos, conforme acreditamos, possam se fazer sentir em momentos posteriores da escolaridade. Já a Revista LEETRA Anos Iniciais, com os cinco primeiros números dedicados aos Letramentos em Língua Materna e Matemática, envolve outra abordagem, ou seja, aquela de dialogar com os professores alfabetizadores oferecendo-lhes propostas de atividades relativamente simples, que podem ser desenvolvidas em sala de aula. Estes volumes comportam propostas elaboradas formadores do PNAIC/UFSCar, e vale notar que a revista será voltada a explorar, neste ano de 2015, as temáticas de Matemática, Linguagens, Artes, Ciências Humanas e Ciências da Natureza. O volume seis - Diversidade Cultural - trata do trabalho em sala de aula com a temática de Africanidades, na busca de contemplar a Lei 11.645/08.


LEETRA Anos Iniciais Material de Apoio do Laboratório de Linguagens LEETRA Universidade Federal de São Carlos - SP - Brasil Número 06, volume 01 Editora Maria Sílvia Cintra Martins Design e Diagramação Eld Johonny Revisão Maria Silvia Cintra Martins Capa Pedro Alberto Ribeiro Pinto

Endereço para correspondências

Universidade Federal de São Carlos | Laboratório de Linguagens LEETRA

Rod. Washington Luís, km. 235 - Departamento de Letras - Sala 07 CEP: 15.566-905 - São Carlos - SP | Telefone: (16) 3306-6510 Pedido de assinaturas em grupo.leetra@gmail.com Material disponível em formato digital em: www.leetra.ufscar.br


ISSN 2446-6913 NĂşmero 06 - Volume 01 - 2015

anos iniciais


AFRICANIDADES

Winnie Damas


Linhagem Eu sou descendente de Zumbi Zumbi é meu pai e meu guia Me envia mensagens do orum Meus dentes brilham na noite escura Afiados como o agadá de Ogum Eu sou descendente de Zumbi Sou bravo valente sou nobre Os gritos aflitos do negro Os gritos aflitos do pobre Os gritos aflitos de todos Os povos sofridos do mundo No meu peito desabrocham Em força em revolta Me empurram pra luta me comovem Eu sou descendente de Zumbi Zumbi é meu pai e meu guia Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim Eu trago os duros punhos cerrados Cerrados como rochas Floridos como jardins

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LEETRA-Africanidade

Orum é o lugar onde habitavam os orixás, no poema que lemos, Carlos Assumpção cita um orixá que vivia no Orum: Ogum. Ogum é um orixá masculino Ogum é um poderoso Orixá, dono do ferro e do fogo. Ele é um guerreiro, um lutador que defende a lei e a ordem. Este Orixá abre os caminhos e vence as lutas, agindo pelo instinto para defender e proteger os mais fracos. Todas as lutas, as conquistas, as vitórias são presididas por Ogum, a cor que o representa é o azul. Quem foi Zumbi dos Palmares? Zumbi dos Palmares: Nascido no ano de 1655, livre, já no Quilombo que faz alusão ao seu próprio nome (Palmares), Zumbi (que quer dizer o mesmo que fantasma ou espírito, no idioma africano quimbundo, e na concepção brasileira da palavra, guerreiro) foi um dos, senão o principal, ícone da resistência negra ao trabalho escravo no período do Brasil Colônia. Com aproximadamente 6 anos de idade, Zumbi tinha sido capturado em um dos ataques das tropas da colônia ao quilombo, sendo entregue a um missionário português, que o batizou com o nome ‘Francisco’ Zumbi, e educou-o com os sacramentos da igreja católica, em português e latim. Aos 15 anos de idade, Zumbi consegue fugir e retornou aos Palmares, substituindo, mais tarde, devido ao seu grande destaque como estrategista e líder, o seu tio então falecido Ganga Zumba Carlos de Assumpção: Autor do poema Linhagem, nasceu em 23 de maio de 1927 em Tietê/SP. É Advogado militante na Comarca de Franca/SP. Membro da Academia Francana de Letras, tirou o primeiro lugar no concurso da poesia falada, de Araraquara/ SP, em 1982, com o poema Protesto. Em 1958, por ocasião dos 70º aniversário da Abolição, recebeu o título de Personalidade Negra, conferido pela Associação Cultural do Negro, em São Paulo/SP.

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O Brasil que conhecemos hoje, foi construído a partir de uma visão feita por um único povo, ou seja, uma visão eurocêntrica, que consiste numa visão feita apenas pelo olhar do europeu... quem são as personalidades que aparecem nos livros de História quando vamos estudar o continente americano? Onde estão os reis e rainhas africanos? Onde está escrito sobre a sabedoria de líderes étnicos africanos? O período da escravidão que foi entre os séculos XVI e XIX trouxe diversos africanos de diversos povos com costumes, línguas e maneiras comportamentais diferentes entre si. Com uma visão de expansão econômica, a partir da queda dos bens produzidos em zonas rurais das Europa, os europeus viajaram até o continente africano, roubando dele histórias, amores, costumes, e que ao sair de seu lar não mais poderiam ser expressados. Quando esses povos distintos, mas com uma mesma raiz são trazidos à força para o nosso país, muitas histórias foram perdidas, muitos nagôs, bantus, yorubás, e quando esses povos africanos chegaram ao Brasil tornaram-se negros. A cultura peculiar de cada um foi mesclada com outras, inclusive com a de europeus e indígenas, essa troca cultural foi sendo formada a partir de um longo período de escravatura, e esses novos negros tiveram que reelaborar suas manifestações culturais, valorais e de costumes, que integram uma sociedade. O racismo é o preconceito sobre uma raça e que por pensamento preconceituoso desvaloriza e inferioriza um grupo étnico, a discriminação racial é um preconceito que viola e impede as pessoas de terem seus direitos, oportunidades, o direito do negro estudar, por exemplo. Desde o século XIX, foram criados empecilhos e leis, sem fundamento dificultando o acesso. A Lei 10.639 é um reparo sobre a permissiva discriminação racial ocorrida desde os tempos de escravatura brasileira (e consistia em negros trabalhando de sol a sol com péssimas condições de sobrevivência eram alojados nas senzalas onde dormiam acorrentados para evitar fugas e também torturados) , sobre decretos formulados após a abolição como por exemplo o decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, que estabelecia a não admissão de escravos na escola, ou decreto do ano de 1878 de nº 7031-A estabelecendo que os negros só poderiam estudar no período noturno. É em cima de toda essa massa de discriminação, violação de direitos da população negra que em 9 de janeiro de 2003 é sancionada a Lei 10.639, que visa a obrigatoriedade de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Esse reparo é feito á partir da educação visto como um dos principais meios de transformação de um indivíduo ou povo. É nosso dever como educadores nos interessarmos em construir uma luta, a favor 9


de direitos para todos, pois é a partir desta formação continuada inicialmente desde os primeiros anos de vida que poderemos num futuro próximo nos livrarmos desse empecilho e construirmos uma relação de igualdade entre todos. É muito importante ressaltar que toda a formação cultural brasileira é também formada pela cultura negra africana, na união com europeus e povos indígenas, podemos encontrar exemplos na linguagem, música, dança, culinária, religião. Vocês já repararam que a maior parte do conteúdo apresentado em materiais didáticos aborda assuntos referentes ao Ocidente? Alguém já estudou literatura africana ou ouviu uma música africana nas rádios? Sugeriria observar os espaços que você frequenta. Pode ser o trabalho, as ruas, a casa, os outdoors, as revistas em bancas de jornais, anúncios publicitários de internet, jornal ou outro meio de comunicação. Dandara é sonhadora, todos os dias ao chegar da escola assiste seu desenho preferido encantando-se com uma personagem heroína. Dandara sonha em ser essa menina, pede sempre à mãe que compre a roupa da personagem, os sapatos que ela usa, derrotando os inimigos ferozes, e o que mais queria: o cabelo loiro e liso que manda superpoderes. Dandara é filha de pais baianos que vieram pra São Paulo atrás de emprego, não queriam deixar as belezas naturais de lá, mas a fome fez com que Benedito e Nadira procurassem uma vida melhor na cidade grande. Todo dia Dandara chora no colo da mãe pedindo que seu cabelo seja liso e loiro como o de sua heroína favorita. Mas Dandara, seu cabelo crespo é maravilhoso, olha só quantas voltinhas seu cabelo dá em cima de sua cabeça...” Dandara ainda chorando diz que suas coleguinhas de escola riem dela quando seu cabelo está solto, falam que o cabelo é duro e feio. Ela não gosta do seu cabelo. Esse pequeno relato é muito presente na vida de crianças negras, que principalmente no contexto da escola recebem o preconceito racial em relação ao tamanho do seu nariz, a sua boca, o tipo de cabelo...como então explicar para as crianças que esse preconceito machuca e não leva a lugar algum. Acredito que uma das coisas que mais nos afetam em frente aos outros é a questão da identidade. Mas para que consigamos nos enxergar, me sentir alguém preciso ter uma representatividade. O corpo do negro desde a escravatura foi visto e tratado como um objeto, um corpo necessário apenas para o árduo trabalho em fazendas de café, de cana-de-açúcar suportando horas de trabalho em péssimas condições. Se o país avançou uma estrutura de progresso e ascensão dentro dos aspectos da economia, social, cultural foi pelo suor e sofrimento dos povos escravizados, e que ainda hoje sofrem resquícios do racismo. Oportunidades nem para todos. É necessário que eu, mulher negra, tivesse tido representatividade 10


em minha infância para acreditar que o mundo não é apenas para os outros, sentindo-me invisível em qualquer espaço transitável A promulgação da Lei 10.639 corresponde à luta de vários movimentos negros em busca de direitos que só outras pessoas tinham. Mesmo sabendo que a cultura negra ajudou a construir uma cultura brasileira, envolvendo ainda outras, nós a rejeitamos como se não fizesse parte, pessoas do passado fizeram questão de tentar apagá-las. Muitos de nossos costumes como por exemplo jogos, maneiras de falar são oriundos da tradição africana.

Trecho do poema Protesto, de Carlos Assumpção: (...) Irmão tu me desconheces Sou eu aquele que se tornara Vitima dos homens Sou eu aquele que sendo homem Foi vendido pelos homens Em leilões em praça pública Que foi vendido ou trocado Como instrumento qualquer Sou eu aquele que plantara Os canaviais e cafezais E os regou com suor e sangue Aquele que sustentou Sobre os ombros negros e fortes O progresso do País O que sofrera mil torturas O que chorara inutilmente O que dera tudo o que tinha E hoje em dia não tem nada Mas hoje grito não é Pelo que já se passou Que se passou é passado Meu coração já perdoou Hoje grito meu irmão É porque depois de tudo A justiça não chegou (...)

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LEI 10.639

A lei 10.639 vem como uma maneira de resgatar, de reparar os danos causados pelo período escravocrata, empenhar e apresentar dados e contextos histórico culturais afro-brasileiros e africanos. Assegura-se que cidadãos responsáveis pela educação, professores de todo o sistema de ensino, coordenadores e administradores, que de alguma forma tenham participação na formação de um cidadão, cumpram o parecer fornecendo um ensino sobre as relações étnico-raciais, a fim de combater o racismo, a discriminação racial que viola direitos de negros ao acesso sobre sua história e cultura. Construir relações respeitosas entre os grupos, pensando em pontos para problematizar dentro do contexto escolar, e fora dele, levando as para toda a vida. A valorização da tradição oral que faz parte da filosofia e ensinamento africano. É preciso mudar a mentalidade das pessoas em relação ao que elas pensam do negro e de sua cultura, pois enquanto as pessoas reproduzirem o mesmo discurso daquele que colonizou, que escravizou nossos ancestrais e reinventaram uma história sobre eles, o racismo e a discriminação racial não cessarão.

OS GRIÔS E A TRADIÇÃO ORAL

Como citado anteriormente neste texto, os reflexos que a escravidão trouxe aos negros brasileiros e a formação social do nosso país culminou no desaparecimento de tradições africanas a fim de resgatar um pouco dessa história. A tradição oral é um atributo oriental que foi perdido ao longo do tempo. Os negros africanos que aqui foram escravizados, custaram a continuar essa tradição, muitos deles que vieram para cá, quando ainda habitavam suas terras, eram reis, rainhas, artesãos, artistas e griôs. O conhecimento do oriente vem de uma base basicamente oral que valoriza a memória e o conhecimento passado de pessoa a pessoa, é a partir da memória que existem os griôs, pessoas com um vasto conhecimento que domina aspectos da música, a cultura de seu povo. São poetas, contadores de histórias, genealogistas e caçadores. Na música, os griô compõe letras falando da vida de seu povo utilizando esses instrumentos:

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Balafon

N’goni

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Kori É de extrema importância, você educador, nos anos iniciais que trabalha com a educação infantil construir uma relação de afeto com as crianças. É nesta fase de 0 a 6 anos que seus valores e visões de mundo começam a ser construídos. O contato com um outro corpo ajuda que a criança construa a sua identidade e perceba ao redor a diversidade, sempre respeitando a todos. Desde o nascimento a afetividade é um ponto marcante para que a criança tenha um desenvolvimento mais seguro, algo em que possa confiar, podendo assim manter uma relação de segurança com o educador, que tem o papel de pegar a bagagem de conhecimento desse indivíduo e fazê-lo enxergar a sua realidade e a realidade dos outros, possibilitando um respeito e boas relações entre as pessoas. 14


A educadora é a mediadora entre a criança e o mundo, e é por meio das interações que ela constrói uma auto-imagem em relação à beleza, à construção do gênero e aos comportamentos sociais. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais Falar em auto-estima com as crianças é entender a singularidade de cada uma sobre os aspectos culturais, corporais e étnico-raciais, contudo se as abordagens das relações étnico-raciais forem bem pensadas, compreendidas pelo educador e instituição a qual ele pertence, a chance dessas crianças tornarem-se indivíduos respeitosos em relação as singularidades e diversidades será bem maior, do que um educador ou uma instituição que ainda resiste em fazer comemorações a santos católicos, como as festas juninas, ou como por exemplo demonizar apetrechos religiosos ligados a matriz africana como as guias ou turbantes que são usados na cabeça. A páscoa também está totalmente ligada ao cristianismo, que condena as praticas religiosas africanas, temos também o Natal, e fora outros dias considerados feriados. Essa atitude oprime e restringe toda e qualquer manifestação da cultura africana. Nós educadores precisamos ter formação e informação sobre aspectos históricos e culturais para mais uma vez não cairmos em preconceitos e consequentemente agredir moral ou psicologicamente um aluno.

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