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EDIÇÃO

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LEETRA Anos Iniciais Material de Apoio do Laboratório de Linguagens LEETRA Universidade Federal de São Carlos - SP - Brasil Edição 04 Editora Maria Sílvia Cintra Martins Design e Diagramação Eld Johonny Revisão Carolina Faber Calarga Carolina Casarin Albuquerque Joanna Raiza Rosa Larissa de Paula Ferreira Capa Pedro Alberto Ribeiro Pinto

LEETRA Anos Iniciais. n.4, v. 1, 2015 - São Carlos: SP: Universidade Federal de São Carlos, Laboratório de Linguagens LEETRA. Periodicidade semestral - Edição Especial ISSN: 2446-6913 1. Educação 2. Linguística Aplicada 3. Letramento


Apresentação O Projeto Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa do Núcleo UFSCar (PNAIC/UFSCar), sediado no Departamento de Letras da UFSCar, envolve Curso de Extensão em nossa universidade com vistas à formação continuada de professores alfabetizadores, e faz parte das várias ações desenvolvidas pelos Grupo de Pesquisa LEETRA (CNPq) no qual se abrigam diferentes linhas de pesquisa: “Alfabetização e letramento nos anos iniciais”, “Ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa”, “Estudos de Tradução”, “Letramento digital”, “Línguas indígenas” e “Letramento e Comunicação Intercultural”. Com a publicação da Série Linguagens em Diálogo, no ano de 2014, a partir do volume inicial dedicado aos Letramentos em Língua Materna e Matemática, buscamos dar visibilidade às diversas produções que vinham sendo construídas na interação entre Formadores e Orientadores de Estudo no ambiente virtual (Plataforma Moodle), assim como propiciar um lugar de reflexão a respeito dos diferentes desafios que hoje envolvem o trabalho interdisciplinar particularmente nos anos iniciais, cujos reflexos, conforme acreditamos, possam se fazer sentir em momentos posteriores da escolaridade. Já a Revista LEETRA Anos Iniciais, com os cinco primeiros números dedicados aos Letramentos em Língua Materna e Matemática, envolve outra abordagem, ou seja, aquela de dialogar com os professores alfabetizadores oferecendo-lhes propostas de atividades relativamente simples, que podem ser desenvolvidas em sala de aula. Em seus cinco primeiros volumes, a Revista LEETRA Anos Iniciais comporta propostas elaboradas por quatro formadores do PNAIC/ UFSCar, e vale notar que a revista será voltada a explorar, neste ano de 2015, as temáticas de Matemática, Linguagens, Artes, Ciências Humanas e Ciências da Natureza.



MODELAGEM MATEMÁTICA? O que é isso?

Maria Carolina Machado Magnus Ademir Donizeti Caldeira

Nosso objetivo neste livro é mostrar, a partir de um diálogo fictício entre uma professora e seus alunos, o que temos entendido por Modelagem Matemática e como é possível trabalhar com essa tendência, em uma sala de aula dos anos iniciais na perspectiva do letramento.


Afinal, o que é Modelagem Matemática? Professora Helena: Olá pessoal, bom dia? Todos – Bom dia professora. Professora Helena: Hoje eu vou mostrar pra vocês um jeito diferente de trabalhar com a Matemática. Nós vamos tentar fazer uma aula sobre Modelagem Matemática. Pedrinho: - Professora, o que é Modelagem Matemática? Professora Helena: - Olha, isto não é muito simples não. Na minha época já tinha ouvido falar um pouco sobre isso, mas as coisas começaram a acontecer mesmo muito recentemente, na minha época não se falava sobre isso nos cursos de magistério.... Pedrinho: - Sim professora, mas o que é? Professora Helena: - De uma maneira bastante simplificada poderíamos dizer que é uma nova concepção de educação para ensinar matemática levando-se em consideração aspectos da realidade... Aninha: - Realidade? Professora Helena: - É. Aspectos da nossa vida fora da escola. Joãozinho: - Como assim, professora? Professora Helena: - Sabe, desde a antiguidade... Pedrinho: - Professora? Professora Helena: - O quê, Pedrinho?! Pedrinho: - A senhora não vai querer explicar o que é Modelagem Matemática desde a antiguidade né? Professora Helena: - Não, eu só estava querendo dizer que a Matemática sempre foi assim. Nós aprendemos matemática para compreender melhor as coisas da nossa realidade que se mostra fora da escola, lá na nossa vida cotidiana. Pedrinho: - Pô professora, mas isso não tem nada de novo. Professora Helena: Como assim... nada de novo?! Pedrinho: - É. A escola sempre foi assim. A escola existe para ensinar a gente coisas que a gente vê lá fora da escola. Professora Helena: - Parece né Pedrinho, mas não é bem assim. Pedrinho: - Como não é bem assim (admirado). Professora Helena: - Você aprendeu que em um triângulo retângulo qualquer, a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa. Pedrinho: - É aprendi sim. É o Teorema de Pitágoras. Professora Helena: - Sim Pedrinho e onde você usa o Teorema de Pitágoras? Pedrinho: - Bom...É....quer dizer...(pensativo)..Daria para a senhora dar um outro exemplo? Professora Helena: - Sim claro. Você conhece essa expressão: ax2 + bx + c = 0? Pedrinho: - Conheço sim, professora. Essa é uma equação do segundo grau. 6


Professora Helena: - Tô vendo que você estudou mesmo, Pedrinho. E o que são o a, o b, e o c? Pedrinho: - Ah! Professora são as constantes. Professora Helena: - Muito bem. E o que é o x? Pedrinho: - É a variável. Professora Helena: - Muito bem. E o que essa variável pode estar indicando para essas constantes? Pedrinho: - Ah! Professora aí já ta meio difícil. Professora Helena: - Vou melhorar, então! Como se calcula o valor dessa variável? Pedrinho: - É aplicando a fórmula de Baskara: y é igual a menos bê mais ou menos raiz quadrada de delta sobre dois a. E o delta é b ao quadrado menos quatro a vezes c. Professora Helena: - Muito bem. Onde você já usou esta expressão na sua vida fora da escola? Pedrinho: - Bom...É....quer dizer...(pensativo)..Daria para a senhora dar um outro exemplo? Professora Helena: Ta vendo Pedrinho. Era isso que eu queria dizer pra você quando comecei a falar desde a antiguidade. Pedrinho: - Como assim? Professora Helena: - Muitas vezes, a Matemática ensinada nas nossas escolas, desde a antiguidade, foi assim, a gente sabe o que é, sabe resolver, mas não sabe pra que serve na vida fora da escola. Por isso que eu falei pra vocês sobre a Modelagem Matemática. Pedrinho: - Quer dizer que a Modelagem Matemática é um jeito de aprender matemática que além da gente aprender o que é e de como resolver, serve também pra gente entender onde a gente pode aplicá-la fora da escola? Professora Helena: - Isto mesmo. Aninha: Mas isto é um método, prô? Professora Helena: Muitos estudiosos da Educação Matemática acham que sim. Eu acho que é um pouco diferente. Joãozinho: - O que a senhora acha que é, então? Professora Helena: - Eu acho que é uma nova concepção de aprender e ensinar Matemática na escola. Pedrinho: - Bem legal. Professora Helena: - É. É bem legal sim. Pedrinho: - E nós vamos aprender Matemática daqui pra frente assim? Professora Helena: - Vou tentar. Pedrinho: - Bom fessora, legal. Aninha: - Também gostei, prô! Professora Helena: - Isto vai depender muito de vocês. 7


Joãozinho: - Como de nós. A professora aqui não é a senhora? Logo vi que estava muito legal, mesmo. Professora Helena: - É né Joãozinho, mas na Modelagem a aprendizagem de vocês não depende só de mim. Joãozinho: - Mas, não é a senhora que estudou um monte pra vim aqui e dar aula pra gente? Professora Helena: - Foi, claro, mas é que nesta nova concepção vocês terão que trabalhar bastante também. Pedrinho: - Ih! Professora eu já trabalho o dia todo. Professora Helena: - Eu sei que vocês trabalham, eu quis dizer que vocês terão que participar mais da aula. Joãozinho: - Tudo bem professora. A senhora coloca as perguntas aí que nós vamos tentar responder. Professora Helena: Não é bem assim Joãozinho, nesta nova forma de aprender matemática, vocês é que vão fazer as perguntas e nós, eu e vocês vamos tentar encontrar uma possível solução para estas perguntas. Pedrinho: - Ih! Professora o negócio está invertido mesmo. O capim tá comendo a vaca. Professora Helena: Calma Pedrinho. Eu explico. Existem algumas variações sobre a maneira como a Modelagem Matemática é feita na prática, ou seja, na sala de aula... Roberto: - E dá pra fazer Modelagem Matemática em todas as séries professora? Professora Helena: - Dá. Dá sim. Desde o ensino básico até na Universidade. Roberto: - Dá pra fazer também na Universidade? E por que a senhora falou que quando a senhora estudou não falaram isso pra senhora? Professora Helena: Calma Roberto, vamos por parte. Roberto: - Ta bom. Professora Helena: Alguns autores que escrevem sobre isso no Brasil gostam de chegar num modelo... Pedrinho: - Modelo? O que é isso? Professora Helena: - Também aí é bastante controverso. Alguns... Pedrinho: - Pô professora esses caras não se entendem mesmo. Professora Helena: - É, Pedrinho, quando se faz Ciência é importante que haja controvérsias para que as pessoas possam dialogar e chegar.... Pedrinho: - Professora Ciência ou Matemática? Professora Helena: Matemática, quer dizer.... Educação Matemática. Por favor, Pedrinho, me deixe acabar o raciocínio aqui se não eu me perco nas ideias. Pedrinho: - Desculpe, mas a senhora falou que a gente iria ter que participar mais das aulas. Eu to participando uai. Professora Helena: - Eu estava dizendo que apesar de muitas pessoas acharem 8


que na estrutura da nossa escola não comporta o trabalho com Modelagem Matemática é possível trabalhar sim desta maneira. Aninha: - Mas, como professora? Professora Helena: - Eu vou dar um exemplo para vocês de como o professor Emerson Tortola fez modelagem com os alunos dele. Entenderam? Todos os alunos: Entendemos professora (em coro) Professora Helena: O professor Emerson fez uma atividade de modelagem com seus alunos do 4º ano em uma escola lá no Norte do Paraná1. Eu vou mostrar o exemplo dele e depois nós fazemos o nosso aqui. E começou sua explicação assim; Professora Helena: Pelo que estudei, para iniciar o trabalho com modelagem, existem pelos quatro etapas importantes: a primeira é a etapa da formulação do problema; a segunda etapa é a de resolução do problema, a terceira a de validação do problema e a quarta etapa é a tomada de decisão. Então vamos por partes: Na etapa de formulação do problema temos o primeiro passo que é escolher um tema. Os alunos do professor Emerson escolheram trabalhar a água como tema. Essa escolha nem sempre é fácil para o professor e também para os alunos, porque uns querem uma coisa, outros querem outra, é sempre uma bagunça no bom sentido. Mas aí já começa a diferença da modelagem de outras tendências. Fica a cargo do professor e dos alunos como eles preferem fazer esta escolha. No caso da atividade do professor Emerson eu não sei como foi mas os alunos foram pesquisar sobre o tema na internet e mudaram um pouquinho o tema escolhido, eles decidiram trabalhar com a caixa d’água residencial, claro tem tudo a ver com o tema sobre a água. Joãozinho: Que legal, professora, eles foram ao laboratório de informática? Professora Helena: Foram sim, Joãozinho. Depois da escolha do tema, os alunos precisavam pensar em um problema, que é o segundo passo na etapa de formulação da modelagem. Pedrinho: Problema? Aí complica né fessora. Professora Helena: Não, Pedrinho, não complica. Os alunos e o professor Emerson conversaram sobre o tema, caixa d’água, e chegaram ao seguinte problema: quantos litros de água precisa ter na caixa d’água da minha casa? Pedrinho: - Mas, esse problema não tem números, como eles resolveram? Professora Helena: - Exatamente, Pedrinho, esse problema não tem números. Mas como vocês podem perceber, já houve um avanço do primeiro para o segundo passo, antes o professor Emerson só tinha um tema, agora ele já tem um problema. Dizemos que esse é um problema aberto. Cada aluno precisou pensar na sua realidade para resolver o problema. 1 A atividade de modelagem faz parte da pesquisa de mestrado de Emerson Tortola (2012). Ver a referência na seção “para saber mais”.

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Aninha: - Hum. Diferente esse jeito. Professora Helena: - Sim, é diferente. Mas, veja como eles resolveram. Primeiro, eles foram cercando o problema para ele ficar mais fácil de ser resolvido. Na modelagem eles chamam isso de “simplificação do problema”, assim eles definiram duas hipóteses iniciais que eles chamaram de H1 e H2: H1: o consumo de água por pessoa ao dia é de 150 litros. H2: a água dos reservatórios deve ser suficiente para suprir dois dias de consumo.

Pedrinho: Ah, agora tem números. Professora Helena: Sim, agora tem números. Esses números não podem ser inventados do nada, no caso os alunos estavam trabalhando com situações da realidade deles então nada mais justo que esses números se aproximem da realidade deles, também. Neste caso esses números foram encontrados através de pesquisas na internet. Não estava no problema inicial. Na modelagem trabalhamos assim. Pedrinho: Entendi. Professora Helena: - Depois que os alunos definiram essas hipóteses já era possível pensar em uma resolução para o problema, que é o começo da segunda etapa da modelagem. Primeiro, os alunos tiveram que perceber a relação entre os 150 litros de água e o número de pessoas na residência. Vou mostrar aqui no datashow para vocês um pouquinho da conversa entre o professor Emerson e os seus alunos, para vocês perceberem como eles pensaram na resolução do problema.

A9: A gente fez 150 vezes o número de pessoas da nossa casa, pegando... Prof: De quem é essa casa? ...que tem 4 pessoas. A9, A16, A35: Minha... [falam um após o outro]. Prof: [...] então essa conta serve para a casa deles, eles fizeram 150... A9, A16: Vezes 4 [falam antes do professor]. A16: que é o número de pessoas que tem na nossa casa [explica]. Prof: então tá, então... quanto deu 4 vezes 150? A9: 600. Aí a gente pegou o 600 e fizemos vezes 2. Prof: Para dar para dois dias... e quanto que deu? A9: 1200. (TORTOLA, ALMEIDA, 2014, p. 72).

Professora Helena: Os alunos, então, fizeram esses cálculos que representa o modelo matemático deste problema.

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Figura 1: cálculos utilizados pelos alunos e resposta para o problema. Fonte: TORTOLA, ALMEIDA, 2014, p. 72. Roberto: Nossa professora, que legal, achei que fosse bem mais difícil. Professora Helena: Não é difícil, mas é preciso pensar na realidade. Pois, veja só, os alunos chegaram a conclusão de que para uma casa com 4 pessoas seria necessário uma caixa d’água com capacidade para 1200 litros. Pedrinho: É, né, fessora, mas você não vai ter uma caixa dágua só para dois dias. Professora Helena: Pois é Pedrinho, tem uma ultima etapa da Modelagem que considero a mais importante. Pedrinho: Qual fessora? Professora Helena: É a etapa de tomada de decisão. Pedrinho: Como assim, fessora? Professora Helena: Que decisão sobre o problema os alunos irão tomar, depois que a matemática informou a eles uma boa aproximação do problema que eles queriam resolver? Pedrinho: É... isso é importante mesmo. Não adianta nada né fessora a gente ficar resolvendo um monte de problema aqui na escola e lá fora da escola a gente não tomar as decisões que são planejadas aqui né? Professora Helena: Isso mesmo Pedrinho. Depois que os alunos do professor Emerson chegaram a conclusão de que precisavam de uma caixa de 1.200 litros para suprir a necessidade de dois dias numa casa de quatro pessoas, eles realizaram uma pesquisa em sites de lojas que vendem caixa d’água e chegaram a conclusão de teriam que comprar uma caixa de 1.500 litros porque não existe no mercado uma de 1.200 litros. Vou mostrar outro slide da conversa que o professor Emerson teve com seus alunos: Prof: [...] então na casa de vocês precisa de uma caixa de que capacidade? A9, A16: 1500 [um fala após o outro]. Porque não se vende de 1200. Prof: Pesquisaram caixas d’agua de 1200? A16: Sim, mas não existe, não vendem. Prof: Será que não vendem? [...] Depois tem que pesquisar direitinho para ver se não vendem [...]. Se não vender de 1200 litros, eles vão usar então a caixa de... 1500. [...] Uma de 1000 litros não dava? Alunos: não. (TORTOLA, ALMEIDA, 2014, p. 75). 11


Professora Helena: Viu? A resposta final não era 1200 litros. Ao fazer modelagem precisamos pensar na realidade e não, apenas, na resolução das continhas. Aninha: - Nossa, prô! Agora entendi o que a senhora queria falar com “ensinar matemática levando-se em consideração aspectos da realidade”. Muito legal trabalhar com modelagem. Professora Helena: É, Aninha, nem se trata de ser legal ou não, é apenas um outro jeito que encontraram de mostrar um lado da matemática mais humana e menos somente do mundo das ideias. Só isso, simples assim.

Analisando a situação

Neste exemplo podemos perceber como a Modelagem contribui para uma discussão matemática na perspectiva do letramento. Ou seja, os alunos precisaram analisar o resultado final (1200 litros) e concluíram, através de outra pesquisa, que a caixa d’água deveria ser de 1500 litros, pois não se vende de 1200. Evidentemente que este modelo é um modelo simplificado, pois nele não foi considerado a reposição da água na caixa. Geralmente, não utilizamos o total de água em uma caixa d’agua para depois enchê-la novamente. A ideia principal foi fazer com que os alunos pudessem perceber que é sempre o processo o mais importante. No caso relatado aqui, a professora mostrou a importância de se trabalhar com os conteúdos de multiplicação, divisão, comparação, volume, tratamento da informação, dentre outros, sem que esses conteúdos pudessem ser apresentados de formas separadas e linearmente. Além disso, nestes tipos de atividades, os alunos são capazes de utilizar a matemática para resolver problemas de outras áreas do conhecimento e encontrar um resultado que seja satisfatório e não apenas fazerem cálculos matemáticos desvinculados da realidade. Em outra perspectiva, o resultado de 1200 seria o esperado. Mas, ao pensar a Modelagem como uma forma de utilizar a Matemática em situações reais, o resultado de 1200 foi uma quantificação decorrente do levantamento de hipóteses e dos dados para a resolução do problema, neste caso, serviu como estimativa para a resolução caso alguém se interessasse em comprar uma caixa d’água para satisfazer as necessidades de uma casa “real”. Percebam que, no diálogo dos alunos com o professor Emerson, um deles quis saber de quem era a casa, quando isso ocorre nós estamos transportando esse aluno “de volta” para sua realidade fora da escola. Não é uma casa qualquer, é a casa de alguém especificamente. Não se trata de uma casa cuja média seria de quatro pessoas. Quando buscamos a média de número de pessoas estamos somente na matemática da escola. Não existe media fora da escola. Ou ela é de quatro, ou é de cinco ou de duas pessoas, por exemplo. Isto não significa que não podemos trabalhar com a média, mostra apenas que quando só falamos de média ficamos somente na realidade da escola e não nos transportamos para a vida fora dela. 12


Outro aspecto de fundamental importância na Modelagem é em relação às pesquisas. Percebam também que os alunos não tinham nada pronto no inicio do processo. Eles, junto com a professora tiveram que construir tudo. Pesquisaram o tema, pesquisaram sobre a quantidade de água que se gasta diariamente por habitantes, pesquisaram sobre o número de pessoas de uma determinada casa e, finalmente, a capacidade de uma caixa d’água vendida no mercado. E, por fim, pesquisaram que “ferramentas” matemáticas foram necessárias para resolver o problema. Aqui entra o trabalho do professor, as regras e as convenções estabelecidas pela matemática escolar e como usá-las, o professor é o principal representante. Se eu preciso “multiplicar” o número de litros de água pela quantidade de pessoas de uma casa o oferecimento aos alunos do conceito de multiplicação é papel do professor. Ele detém esse conhecimento e poderá fazê-lo da maneira que ele achar melhor. Não existem regras e nem receitas metodológicas melhores ou piores. Trata-se de mostrar aos alunos que, para compreendermos uma situação da realidade, se faz necessário que ele aprenda tais conceitos que são determinados por regras. Temos as regras da multiplicação, da adição, da subtração por exemplo. Temos as regras das porcentagens, das comparações, dos volumes, das áreas, das medidas de comprimento por exemplo. Temos as regras das probabilidades e da estatística por exemplo. Queremos dizer com tudo isso que, o processo de Modelagem serve para oferecer ao aluno e ao professor a possibilidade de aplicar tais regras em contextos da realidade de ambos. Que os “conteúdos” da Matemática escolar já estão prontos. Eles funcionam como uma caixa de ferramentas em que o aluno e o professor irão se servir para determinados fins, que vai depender fundamentalmente do que se quer saber sobre os temas escolhidos. Em algumas situações iremos usar porcentagem, noutras regra de três, noutras probabilidades e assim por diante. Conceituando o campo Durante o diálogo entre a professora e o Pedrinho pudemos perceber, principalmente, quatro etapas importantes para o desenvolvimento de uma atividade de modelagem, passamos a conceituá-las: formulação, resolução, validação e tomada de decisão. Na etapa da Formulação temos a escolha do tema, as simplificações e o problema matemático do tema. O tema pode ser escolhido pelo professor ou pelos alunos ou por ambos. No exemplo dado, a escolha foi feita pelos alunos. Nós acreditamos que os alunos, ao escolherem o tema, a partir de seus interesses, sintam-se mais motivados para o desenvolvimento da atividade. Mas, isso não é regra! Há pesquisas sobre modelagem que mostram que alguns alunos não se 13


sentem motivados trabalhando assim, preferem o modelo do professor “dar” o conteúdo e eles apenas copiarem da lousa e resolverem os exercícios no final. O problema matemático do tema vem sempre acompanhado das simplificações. Este é o momento da construção do problema. Geralmente, o problema é aberto. Como vimos no exemplo, a partir do problema os alunos delimitaram-no para suas realidades, no caso, cada um pensou na sua própria casa. Podemos também trabalhar com parâmetros médios. No entanto, nestes casos, deixar claro para os alunos que a questão da média é uma generalização. A etapa de Resolução, muitas vezes, é necessária a realização de pesquisas. No exemplo, os alunos precisaram realizar algumas pesquisas para o levantamento das hipóteses iniciais. Em uma atividade de modelagem, também, não teremos um único resultado e uma única forma de resolver um problema. No exemplo apresentado, descrevemos apenas a resolução de um aluno, que em sua casa moravam quatro pessoas, mas ao pensarmos em uma casa com cinco moradores, a resolução e o resultado seriam outros. Parecidos, mas outros. Aqui também é a parte importante em que os alunos irão participar da tentativa de resolução, mas em muitos casos, eles ainda não conhecem os conteúdos (ferramentas) adequados para determinados problemas, podem ficar em dúvida se deverão usar uma ou outra operação por exemplo, e muitas vezes ainda não dominam de forma suficiente as regras dos conteúdos a serem utilizadas, então o professor deverá conduzi-los para onde deverão caminhar. É no processo de modelagem que irá surgir os conteúdos a serem aprendidos pelos alunos e isto dependerá muito do problema que está sendo investigado. A etapa da Validação é a etapa que será feita juntamente com a etapa da resolução. Serve para que o professor possa identificar se as regras dos conteúdos servem para os problemas que estão sendo investigados. Por exemplo: suponhamos que estamos trabalhando com um problema que envolve áreas de figuras planas, e temos uma equação do segundo grau como ferramenta para resolver esse problema e que tenha dado dois números como raízes da equação, uma positiva e outra negativa. Sob o ponto de vista das regras matemáticas ambas são respostas da equação, entretanto, como estamos trabalhando com áreas não existe área negativa, a raiz negativa deve ser descartada para que tenha sentido a resposta do problema. Esses três aspectos fundamentam o processo de Modelagem na sala de aula, mas não são os únicos. Existem também outros que serão percebidos a medida que os professores começarem a realizarem atividades com Modelagem. Existe também, em alguns casos, em que os alunos usarão o resultado do problema para tomarem decisão sobre determinado aspecto do problema, como no exemplo anteriormente descrito. Nestes casos, acrescentamos uma etapa que denominamos de tomada de decisão. Sempre virá acompanhada da pergunta 14


dos alunos: o que vou fazer agora já que as verdades matemáticas me proporcionaram entender melhor está situação que estou investigando? Esses fatores acrescidos desses apontados se constituirão naquilo que temos denominado de uma nova concepção para o ensino e a aprendizagem da matemática da cultura escolar denominada de Modelagem Matemática.

Para saber mais

ALENCAR, E. S. de.; LAUTENSCHLAGER, E.. Modelagem Matemática nos Anos Iniciais. São Paulo: Sucesso, 2014. ALMEIDA, L. M. W. de; ARAÚJO, J. de L.; BISOGNIN, E.. Práticas de Modelagem Matemática na Educação Matemática: relatos de experiências e propostas pedagógicas. Londrina: EDUEL, 2011. BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D., ARAÚJO, J. de L. Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife: SBEM, 2007. BIEMBENGUT, M. S.; HEIN, N.. Modelagem Matemática no Ensino. São Paulo: Contexto, 2007. BRANDT, C. F.; BURAK, D.; KLÜBER, T. E.. Modelagem Matemática: uma perspectiva para a educação básica. Ponta Grossa: UEPG, 2010. MEYER, J. F. da C. de A.; CALDEIRA, A. D.; MALHEIROS, A. P. dos S. Modelagem em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. TORTOLA, E..Os jogos da linguagem em atividades de Modelagem Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 168 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática). Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, 2012.

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