A Educação Rural Reprovada (Pátio Ensino Fundamental)

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reportagem // Marcos giesteira

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Um estudo inédito revela a precariedade e o esquecimento em que vivem os cerca de 18,6 milhões de crianças e adolescentes que frequentam o ensino fundamental no campo

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nquanto um projeto de lei que prevê a instalação de banda larga em todas as escolas brasileiras é discutido na Câmara dos Deputados, 66% dos colégios espalhados pelo interior do país não possuem sequer computador e 92% não têm internet. Antes de se preocupar com a velocidade de conexão à rede, um grande número de estabelecimentos escolares ainda precisa resolver assuntos bem mais básicos, como um banheiro decente, apenas 32% têm sanitários adequados, ou a substituição do mimeógrafo, utilizado até hoje em 76% das instituições de ensino. O alerta da precariedade e do esquecimento a que estão submetidos os cerca de 18,6 milhões de crianças e adolescentes que frequentam o ensino fundamental na zona rural foi apresentado recentemente em um estudo inédito promovido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (CNA/Senar) e realizado pelo Ibope. Os dados são alarmantes: 70% dos prédios não têm biblioteca, 74% não têm máquina copiadora, 58% não têm rede de esgoto, 82% não têm telefone e 56% não têm televisão. Em 22% dos colégios pesquisados, falta o mínimo necessário para uma unidade pedagógica: quadro-negro, giz e lousa.

Para o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Carlos Eduardo Sanches, os resultados apontados pela pesquisa não surpreendem e são consequência do descaso com a educação a partir da priorização das unidades urbanas. “Na década de 1990, a aprendizagem no campo foi pensada de maneira equivocada. Priorizou-se o transporte dessas crianças para a cidade e muitas escolas foram fechadas. Hoje, esses recursos poderiam ser investidos em capacitação de professores, equipamentos e infraestrutura”, analisa. O cenário desolador vai além das condições físicas dos prédios, envolvendo também a situação do corpo docente, os índices de rendimento e as baixas expectativas dos alunos. O emprego no magistério garante para 66% dos professores, no máximo, dois salários mínimos mensais. Em 50% dos colégios, não há diretor presente e, em 48% dos casos, não há coordenador, supervisor ou orientador pedagógico. A pesquisa envolveu 10 estados brasileiros: Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins. Em cada uma das cinco regiões do Brasil foram escolhidos dois estados: aquele com o melhor resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o de pior colocação. Durante a

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Para Marcelo Garcia, da CNA, a má qualidade da educação é um dos pilares da pobreza no Brasil É preciso investir em polítcas públicas para a educação no campo, defende Mônica Molina, da UnB

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Turmas multisseriadas Outro problema grave refere-se aos estudantes, que frequentam classes multisseriadas, ou seja, educandos de diferentes idades são matriculados em uma mesma turma, aprendendo conteúdos distintos de acordo com a série em que estão. O levantamento também identificou que, muitas vezes, o professor é obrigado a desempenhar múltiplas tarefas: além de ensinar, tem de limpar a sala e preparar a merenda. “Nas escolas do campo, há diferentes formas de organização do trabalho pedagógico, considerando a diversidade existente no espaço rural. Temos períodos de alternância, ensino modular, turmas multisseriadas e outros”, justifica a coordenadora geral de Educação no Campo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação (MEC), Wanessa Zavaresi Sechim. Segundo a coordenadora da Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília (UnB), Mônica Castagna Molina, as políticas de transporte e nucleação nas cidades caminham no sentido inverso das demandas do movimento da educação nessas áreas. Prova disso é

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avaliação, foi aplicada a Prova Brasil em 50 colégios. A média das notas ficou 10 pontos abaixo da média nacional em língua portuguesa e 34 pontos abaixo em matemática. Quanto mais pobre a família, pior é o resultado nesse critério. “A má qualidade da educação é um dos pilares da pobreza do país. E, para acabar com a pobreza, é preciso ter um projeto nacional que coloque a escola na posição de ponto de partida para o desenvolvimento sustentável. A falta de informações oficiais sobre o aprendizado no interior é a primeira barreira a ser superada nesse processo”, afirma o secretário-executivo do Instituto CNA, Marcelo Garcia.

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a diminuição do número de estabelecimentos de ensino básico no interior no período de 2005 a 2007, que passou de 96.557 para 88.386, com uma redução de 8.171 escolas. A relação entra as matrículas nos anos iniciais e finais do nível fundamental é igualmente preocupante. Conforme Mônica Molina, para duas vagas nas primeiras séries fundamentais existe uma nas classes finais. Essa mesma comparação pode ser feita entre ensino fundamental e médio: seis lugares nos anos intermediários correspondem a apenas uma cadeira na última etapa do ensino básico. Essa desproporção na distribuição das matrículas revela um afunilamento na oferta educacional, dificultando o progresso escolar daqueles que almejam continuar os seus estudos em colégios localizados neste território. Na opinião da pesquisadora, a diminuição da taxa de analfabetismo (que na zona rural corresponde a 23,51%, enquanto na urbana é de 7,52%), a baixa escolaridade média da população, o abandono precoce dos estudos e a evasão escolar apenas serão superados se forem criadas condições que possibilitem aos jovens garantir a continuidade de sua trajetória de escolarização. “Temos de promover a construção de políticas públicas articuladas, com continuidade e orçamento independente”, defende Mônica.

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Programas tentam amenizar problemas Investimentos em capacitação de professores, infraestrutura das escolas e transporte para os alunos estão entre as prioridades om base nos dados oficiais, atualmente existem 83.036 escolas fora dos grandes centros. Dessas, 48.875 funcionam com turmas multisseriadas. Dentre os estudantes do ensino fundamental, 3.295.399 (79,3%) estão matriculados nos anos iniciais, em que se concentram as classes com crianças em níveis variados. O diretor de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica do MEC, Carlos Artexes Simões, explica que a pasta tem uma estrutura no âmbito da Secad para pensar as questões do campo. “Não existe uma solução pronta para a educação rural”, afirma. Para ele, o primeiro passo é assumir o “compromisso de chegar ao interior”, e o papel do MEC é o de articulador, garantindo apoio técnico e financeiro às redes de ensino. Wanessa Zavaresi Sechim reconhece problemas como a ausência de formação específica dos educadores, a escassez de material didático e a falta de infraestrutura, mas garante que a partir da criação da Secad, em 2004, foram implementadas ações no sentido de amenizar tais dificuldades. Destacam-se como prioritárias, no que diz respeito à formação continuada e inicial dos docentes que atuam no meio rural, o Programa Escola Ativa e o Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo). O Programa Escola Ativa tem como prioridade a oferta dos cursos de formação para educadores e multiplicadores e o apoio à produção de materiais didáticos específicos. A proposta atende mais de 39 mil escolas multisseriadas e 1,3 milhão de alunos. Para 2011, já foram confirmadas 3.362 inclusões de municípios. O Procampo incentiva a oferta das licenciaturas em Educação do Campo pelas universidades brasileiras, com o objetivo de habilitar profissionais que atuam na modalidade regular do ensino fundamental e médio que ainda não têm nível superior. Segundo Wanessa Sechim, as iniciativas estão sendo implantadas em unidades de todos os estados brasileiros, de acordo com adesão, critérios de inclusão e disponibilidade orçamentária.

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Professores sem graduação De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do total de funções docentes no país, o meio rural detém 16,7%, ou seja, 311.025 professores

em exercício, dos quais 57,1% não têm graduação. Em 2008 e 2009, o Procampo permitiu a inclusão de 32 instituições, oferecendo 3.298 vagas nas faculdades de Licenciatura em Educação do Campo. A meta é formar três mil profissionais até o final de 2010. Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), existe o Projovem Campo — Saberes da Terra. A iniciativa objetiva proporcionar formação integral ao jovem rural na faixa de 18 a 29 anos por meio da elevação da escolaridade aliada à qualificação social e profissional. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2007, existem 835 mil analfabetos com essa idade no campo. O programa teve início em 2008 e atualmente está em 21 estados, com 35.242 jovens em atividade. Com relação à área de infraestrutura, o governo conta com três ações. O Programa Construção de Escola no Campo contabiliza aproximadamente 150 projetos aprovados até o momento. As pequenas reformas estão incluídas no Programa Dinheiro Direto nas Escolas (PDDE Campo), que repassa R$12 mil para colégios multisseriados com até 49 alunos. Este ano, 3.108 estabelecimentos deverão ser beneficiados. O Proinfo Rural promove o uso pedagógico das tecnologias da comunicação e informação. Em 2008, foram instalados 3.750 laboratórios e, em 2009, a previsão era inaugurar mais 7.500 espaços. No que se refere ao transporte escolar, um dos piores problemas relatados pelos alunos (do total dos entrevistados, 44% vão à aula de ônibus e 43% vão a pé), o MEC criou o Programa Caminhos da Escola, que disponibiliza ônibus, barcos e bicicletas. Entre 2008 e 2010, já foram entregues 5.721 ônibus e 3 mil barcos, com a expectativa de licitação de aproximadamente 500 mil bicicletas. Os outros braços da Sedac são a Comissão Nacional de Educação do Campo (Conec), responsável pela articulação entre Governo Federal, movimentos sociais e organizações não governamentais, e o Centro de Referência para o Desenvolvimento da Educação do Campo, que visa ao desenvolvimento dos programas de formação de professores em parceria com o MEC de forma integrada e articulada. Ao todo, 11 universidades federais receberam recursos da ordem de R$3,2 milhões para a instalação dos centros. Elas também integram o Observatório da Educação do Campo, que organiza a difusão dos resultados obtidos nas pesquisas para apoiar as redes de ensino na melhoria da qualidade da aprendizagem e construir orientações curriculares por níveis e modalidades diferentes. Foi o que ocorreu recentemente durante o 3º Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo, realizado no início de agosto, na UnB, em Brasília.

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Exemplos espalhados pelo Brasil Em meio à crise, algumas instituições destacam-se pela excelência

Os alunos do Colégio Estadual São Francisco do Bandeira, em Dois Vizinhos (PR), construíram uma cisterna para armazenar água da chuva

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a Escola Estadual Brigadas Che Guevara, em Monte do Carmo (TO). “A escola deve ser o principal instrumento de desenvolvimento social e comunitário. Há várias possibilidades de novas atividades, como a implantação de turnos integrais e o desenvolvimento de cursos profissionalizantes. Com essa iniciativa, também vamos atender as famílias dos alunos, ocupando os vazios sociais e institucionais que existem”, salienta o secretário-executivo do Instituto CNA, Marcelo Garcia. O projeto Senar Rondon realizará uma seleção de aca­ dê­micos das áreas de Pedagogia, Serviço Social, Agronomia, Veterinária, Enfermagem e Engenharia Civil que atuarão em áreas rurais de 10 unidades da federação. Serão realizados trabalhos em estabelecimentos públicos durante os períodos de férias dos universitários. Todas as propostas terão por objetivo melhorar as condições de desempenho dos alunos, promovendo o acesso ao conhecimento e a interação, com envolvimento dos pais e da comunidade. A mais recente realização da CNA foi o lançamento, em setembro, do Catálogo de Oportunidades, com o intuito de ajudar a promover medidas de fortalecimento do ensino no campo. A publicação é um guia com a relação de 88 entidades — 86 com sede no Brasil e duas no exterior — que apoiam projetos voltados para a aprendizagem no país. O material será encaminhado a secretarias estaduais e municipais do setor e aos diretores de escolas localizadas na zona rural.●

Divulgação/SEED

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eferência em educação rural no Brasil, o Colégio Estadual São Francisco do Bandeira, localizado em Dois Vizinhos (PR), recebe constantes visitas de pessoas de outros estados e até do exterior para conhecer o seu sistema pedagógico. Desde 2005, a instituição oferece conteúdos ligados à agricultura familiar para os 168 alunos dos ensinos fundamental e médio. Eles aprendem a fazer a poda de árvores frutíferas, visitam propriedades da região e até construíram uma cisterna para o armazenamento da água da chuva. “O diferencial é que há uma preparação dos educandos que optam por morar no campo. Existe um trabalho de formação e de aplicação do conhecimento na realidade local”, explica o coordenador, Vítor de Moraes. Um dos seis finalistas do Prêmio Nacional de Referência em Gestão Escolar — Escola Destaque Brasil (ano-base 2009), o Centro de Atenção Integrada à Criança e ao Adolescente (Caic), localizado no município de Russas (CE), é outro modelo a ser seguido. Distante 135 km de Fortaleza, a unidade atende 1.525 alunos do berçário ao 9º ano do ensino fundamental. Para acabar com as dificuldades de aprendizagem, a escola vem implantando uma série de projetos que incluem abrir a sala de aula para os pais, levar professores à praça para praticar ginástica com a comunidade e promover a rádio escolar. “As mudanças são muito notórias. Os índices educacionais só vêm crescendo. Hoje nem 5% dos alunos precisam de provas no nível pré-silábico. Antes, a marca era de 90%. Tínhamos crianças no 6º ano que não sabiam ler”, relata o diretor, Francisco Gleydson de Oliveira, que está pronto para embarcar para os Estados Unidos como parte da premiação. Além de idealizar estudos permanentes sobre a situação educacional brasileira, o Sistema CNA/Senar contribui para a melhoria das condições de ensino no meio rural na prática por meio de iniciativas como Escola Viva — Farol da Cidade e da Família e o Senar Rondon. A primeira ação pretende criar condições para que a família e a comunidade participem do dia a dia das unidades de ensino. Para tanto, já reformou

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