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O MARKETING ESTÁ MUDANDO –

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COMO OS 4P s ESTÃO EVOLUINDO

O marketing muitas vezes pode ficar obcecado pelo que é brilhante e novo. Isso às vezes é útil, pois ajuda a desafiar nossas suposições, focar na inovação e encontrar novas formas de engajar nossos clientes e conseguir nossos objetivos. Mas pode também atrapalhar, quando ficamos ansiosos para acolher a mais recente moda ou tendência de tecnologia e esquecemos os fundamentos da estratégia e da prática do marketing. As tecnologias digitais revolucionaram múltiplos setores, modelos de negócio, comportamentos dos clientes e rotas ao mercado. Têm causado disrupção nos negócios estabelecidos, rearticulado a forma pela qual mercados inteiros operam e mudado totalmente os ambientes competitivos. Isso empoderou consumidores de formas que eram inimagináveis há 30 anos. Agora, qualquer um com um celular na mão tem a resposta a praticamente qualquer pergunta bem na ponta dos dedos. Mesmo assim, um ótimo marketing ainda é um ótimo marketing. No meio dessa mudança toda, os elementos fundamentais do marketing não mudaram. Segundo o Chartered Institute of Marketing (CIM) do Reino Unido:

Marketing é o processo de gestão, responsável por identificar, antecipar e satisfazer as exigências do cliente de forma lucrativa.1

Vamos examinar essa definição por partes. Como processo, o marketing é uma forma de gerar valor a partir de atividades relacionadas com os clientes e suas necessidades e de como organizá-las. Em seu clássico Administração, Peter Drucker faz uma declaração memorável:

Como o propósito de um negócio é criar um cliente, a empresa tem duas – e apenas duas – funções básicas: marketing e inovação… Marketing e inovação geram resultados; todo o resto são custos. O marketing é a função característica, única, do negócio.2

Esse processo gira em torno de identificar as necessidades do cliente, e isso se baseia em pesquisa, observação e insight. O marketing sempre colocou o cliente no seu cerne, e há muito tempo vem sendo a voz dele no negócio e permitindo que a organização coloque foco em suas atividades para gerar valor ao cliente. O marketing cria na empresa a orientação para o cliente. O marketing também se antecipa e detecta as necessidades do cliente ao identificar oportunidades e lacunas, ou seja, pode ser conduzido pelo cliente e pode conduzi-lo. Também está envolvido em satisfazer as necessidades do cliente, o que significa que tem um propósito claro, focado no cliente, para produtos e serviços e executa esse propósito de formas que atendam às expectativas dele e as superem. A parte final dessa definição é a lucratividade, o que se refere, é claro, a atender às necessidades do negócio. Parafraseando o teórico do marketing americano Richard Bagozzi, o marketing é um sistema organizado de trocas – a empresa obtém receita, lucro ou tem algum outro tipo de ganho na troca pelos benefícios que oferece aos clientes por meio de um produto ou serviço.3 No entanto, o contexto de como entregamos esses elementos essenciais mudou. E mudou radicalmente. De uma fragmentação de canais e touchpoints [pontos de contato] a uma revolução no papel que os dados e a tecnologia desempenham no marketing, a poderosas mudanças nas experiências do cliente, na segmentação e nas métricas. O digital tem mudado a forma de identificar, antecipar e satisfazer as necessidades dos clientes. Mudou a forma pela qual derivamos benefícios e lucro por meio de novos modelos e novas formas de compreender o valor e o retorno da atividade que estamos entregando.

O impacto dessas mudanças de longo prazo é intensificado por ambientes em rápida mudança, de complexidade crescente e alto grau de incerteza. Muitas organizações passam agora por significativas transformações digitais, diante da necessidade de digitalizar rapidamente sua capacidade e se tornarem mais ágeis e reativas a contextos de mudança. A pandemia da covid-19 aumentou muito a exigência de transformação, já que os consumidores passaram rapidamente a canais online e as empresas esforçaram-se para se adaptar a comportamentos do cliente em rápida evolução. Uma pesquisa da empresa de consultoria McKinsey mostrou que entre o início da pandemia, em dezembro de 2019, e julho de 2020 a proporção média de interações de clientes que são digitais cresceu de 36% para 58% globalmente. Isso desencadeou uma rápida aceleração da digitalização, e o número de proposições, produtos e serviços que eram parcial ou totalmente digitais cresceu de 35% para 55% no mesmo período.4 Os que responderam a essa pesquisa tinham uma probabilidade três vezes maior do que antes da crise de afirmar que pelo menos 80% das interações de seus clientes eram de natureza digital. Um levantamento de 21.500 tomadores de decisão em empresas ao redor do mundo, feito por meio da plataforma de comunicações Twilio, detectou que 97% dos respondentes acreditavam que a pandemia havia acelerado a transformação digital de sua empresa e também acelerado a estratégia de comunicações digitais das empresas em seis anos, em média.5 Dados de especialistas digitais, de marketing e e-commerce, como a Econsultancy e a Adobe, revelaram que a maioria dos negócios em suas pesquisas (63% para B2C [business to consumer] e 57% para B2B [business to business]) haviam tido crescimento incomum em clientes digitais, mas também que cerca de metade das empresas tinham visto um comportamento de compras incomum de seus clientes existentes.6 A pesquisa da McKinsey mostrou também que as maiores mudanças (incluindo mudanças nas necessidades e nas exigências dos clientes) eram também as que tinham maior probabilidade de se manterem ao longo do período de recuperação.

Diante de uma mudança tão significativa, tornou-se essencial que os profissionais de marketing reagissem com maior agilidade e adaptabilidade a essas mudanças, tanto no comportamento do cliente quanto em suas expectativas. E, no entanto, apesar de toda essa evolução em expertise, papéis, uso de tecnologia e nos elementos da prática, meu argumento neste livro é que boa parte daquilo que envolve a estrutura, o processo e as mentalidades que os times de marketing aplicam para executar sua estratégia de marketing e realizar objetivos não acompanhou totalmente o ritmo dessa mudança. Este livro não busca desafiar ou rediscutir a teoria clássica do marketing. Em vez disso, é uma visão pragmática sobre como os times de marketing podem aplicar seus princípios-chave e suas práticas-chave a partir de metodologias que cresceram com o digital, a fim de prover maior reatividade e adaptabilidade. É a respeito de como os dados podem ser colocados bem no cerne da prática de marketing para apoiar uma melhor tomada de decisão, uma iteração e otimização contínuas. É sobre a execução de marketing adequada para o propósito de um mundo em rápida mudança.

Mas, primeiro, vamos tratar daquilo que não está mudando.

O que não está mudando

Eu com muita frequência deparo com a questão: “O que irá mudar nos próximos dez anos?” […] Quase nunca deparo com a pergunta: “O que não vai mudar nos próximos dez anos?”. E digo a você que a segunda pergunta é na realidade a mais importante das duas, porque você pode construir uma estratégia de negócios em torno das coisas que são estáveis ao longo do tempo.7

Essa citação de Jeff Bezos fala da importância de prestar atenção às necessidades fundamentais do cliente, que não costumam mudar ao longo do tempo. No caso da Amazon, podem ser os preços baixos, a facilidade de comprar, a entrega rápida e a imensa gama de produtos à escolha. Isso, diz ele, permite que um negócio seja de fato excepcional naquilo que é fundamentalmente importante e ponha foco no sucesso de longo prazo, e não apenas no lucro a curto prazo.

Há muita coisa na teoria clássica e na prática do marketing que não mudou. A importância da estratégia e do posicionamento de marketing, de compreender o mercado, as proposições competitivas e como isso pode mudar os objetivos. A importância do insight em relação às necessidades do cliente, suas motivações e comportamentos e como tudo isso molda nossa segmentação dos clientes, a identificação de quem queremos alcançar e a mensagem que queremos usar. A importância da marca e como isso cria valor desproporcional para as organizações. A necessidade de combinar a construção de marca com a ativação das vendas. O valor que vem da criatividade. A necessidade de integrar, planejar e mensurar a atividade tendo metas claras. A necessidade de otimizar o mix de nossa atividade para assegurar os melhores retornos possíveis. Todas essas coisas são tão importantes agora quanto sempre foram. Levando isso para a comunicação de marketing, o estrategista de marketing e publicidade Tom Roach definiu sete princípios-chave de eficácia que serão sempre verdadeiros, já que estão relacionados aos fundamentos não apenas das comunicações de marketing, mas de como o cérebro humano funciona.8 São um bom lembrete dos princípios essenciais que não mudam:

1 Alcance: Pesquisas têm mostrado de modo consistente que o crescimento da marca é movido por compradores novos e light buyers na categoria. Em seu seminal livro de marketing How Brands Grow, Byron Sharp demonstra que as marcas são bem-sucedidas por meio da construção de uma disponibilidade mental e física e também quando novos clientes são conquistados, o que significa que o alcance é fundamental.9

2 Atenção: O alcance é de pouca utilidade se você não consegue ganhar a atenção dos clientes e prospects. Isso significa que é preciso destacar-se, conquistar a atenção e penetrar em meio a todo o ruído.

3 Criatividade: Trabalho realizado pelo Institute of Practitioners in Advertising no Reino Unido e por Peter Field tem mostrado que a criatividade é um poderoso motor de vendas e lucratividade.10 É mais poderosa que a mídia e a segmentação.

4 Singularidades: Ativos singulares de marca podem criar as estruturas de memória que ajudam os clientes a lembrar de sua marca em situações de compra. O executivo de publicidade americano Rosser Reeves fez uma famosa declaração, ainda na década de 1960, ao dizer que a comunicação de marketing devia mostrar uma proposição única (uma USP). Mas uma pesquisa do Ehrenberg Bass Institute for Marketing Science tem mostrado que a singularidade de uma marca (destacar-se com impacto por meio de ativos como nome, cores, mensagem) é um motivador mais eficaz de impacto do que a diferenciação de marca (colocar-se à parte da concorrência). A fim de serem escolhidas, as marcas precisam vir à mente facilmente.11

5 Consist ência : Não basta ser singular. As marcas precisam ser consistentemente singulares. Roach faz referência a uma análise de 1.500 campanhas realizada pela Ebiquity, que concluiu que campanhas de marca singulares de longa duração tiveram retornos 62% mais altos que as demais. A Ebiquity também constatou que segundos e terceiros impactos de campanhas geravam em média ROIs (retornos sobre o investimento) 30% mais altos que o primeiro impacto, já que se acrescentavam aos níveis de reconhecimento de marca inicialmente alcançados.12

6 Emo ção : Múltiplos estudos têm mostrado que a reação emocional de um cliente à comunicação de marketing influencia muito mais sua intenção de comprar um produto do que o conteúdo real dessa comunicação. Como expresso por Roach: “Comunicações que evocam reações emocionais recebem mais atenção, processamento mais profundo do conteúdo e melhor codificação e resgate na memória”.

7 Motiva ção : Prestar atenção e mostrar como a marca pode ajudar os clientes a conseguir algo que eles querem ajuda a fazer com que a conexão e o engajamento se transformem em ação.

Marketing e comunicações de marketing sempre funcionam melhor quando juntam todo o potencial da tecnologia a aspectos humanos como intuição, empatia, criatividade e compreensão.

Voltando à citação de Jeff Bezos que abriu esta seção: além de projetar e criar valor de longo prazo em torno de necessidades fundamentais que não mudam, o fundador da Amazon também falou de como é possível obter vantagem a partir de inovar e entregar em torno dessas necessidades fundamentais de formas excepcionais. Em outras palavras, romper normas da categoria e surpreender e deleitar clientes com novas propostas que atendam a essas necessidades de formas inéditas (Amazon Prime Now é um bom exemplo disso). Ou seja, os fundamentos permanecem verdadeiros, mas é a forma com que promovemos a entrega deles que cria uma vantagem real.

Este é agora o potencial que a tecnologia digital trouxe ao marketing. Ao mesmo tempo que os princípios-chave continuam tão importantes quanto sempre foram para construir o alicerce da boa prática de marketing, a forma pela qual o time promove a entrega em torno desses princípios nunca foi tão poderosa para criar vantagem. Transformar boa prática em prática excelente depende cada vez mais de como um time consegue construir em cima do fundamento da estratégia clássica de marketing, pela sua forma de pensar, trabalhar, executar e operar. Os contextos e os ambientes dentro dos quais o marketing opera mudaram radicalmente. Portanto, a forma pela qual os times de marketing trabalham precisa agora acertar o passo com essas mudanças.

O que está mudando

Uma das estruturas clássicas para o marketing é a dos 4Ps: produto, preço, praça e promoção. As origens dos 4Ps vêm de Neil Borden, professor de publicidade da Universidade de Harvard, que primeiro escreveu a respeito do conceito de mix de marketing. Suas ideias foram complementadas por E. Jerome McCarthy, professor de marketing na Michigan State University, que transformou o conceito de mix de marketing nos 4Ps como os conhecemos hoje.13

Levando em conta os novos contextos de marketing criados pelas tecnologias digitais, vamos considerar como esses 4Ps estão mudando.

Produto: De que forma nosso produto atende às necessidades do cliente. O crescimento de soluções do tipo “as-a-service” (em forma de serviço), do design e da inovação em serviços, e de proposições direct-to-consumer (diretas-ao-consumidor) significa que um número cada vez maior de produtos se torna serviço digitalizado. Antes, uma escova de dentes era apenas uma escova de dentes, mas agora é um dispositivo conectado que rastreia sua escovação e também um app que lhe fornece recomendações e notificações. Antes, inovar em lâminas de barbear era acrescentar outra lâmina, mas agora é prover um serviço de assinatura que conhece suas preferências e hábitos ao se barbear. Antes, um carro era uma caixa de metal sobre rodas, e agora é um dispositivo conectado que oferece múltiplas opções personalizadas. À medida que proliferam o design de serviço e a inovação, as linhas entre produto e serviço vão ficando menos definidas. Com softwares integrados a um crescente número de produtos, as linhas entre produto e marketing também ficam indefinidas. Experiências do cliente exigem soluções modulares, personalizadas, integradas, sob demanda, escaláveis, em rede, adaptáveis, que atendam às expectativas do cliente e que as superem. Isso traz mudanças no papel do conteúdo, em como compreendemos as necessidades e as intenções do cliente, no relacionamento que as marcas têm com os clientes e no valor que é criado pelos dados. Isso oferece oportunidades para incorporar o marketing a produtos, integrar a interação e o uso do produto com comunicações de marketing de formas mais contínuas, compreender o ciclo de vida e o uso do produto para configurar estratégias e alcançar objetivos de marketing, como aquisição e engajamento de clientes, e introduzir dados de uma gama muito maior de fontes no cerne da tomada de decisão. Trata-se ao mesmo tempo de um desafio e de uma oportunidade para o marketing, mas está mudando radicalmente o contexto que o produto traz para a disciplina.

Praça: É onde os clientes procuram e compram nosso produto. O digital aumentou muito as potenciais rotas ao mercado dos produtos, as proposições direto-ao-consumidor a uma proliferação de varejistas especializados, fez crescer as praças de mercado, o marketing de afiliados por meio de influenciadores, criadores e divulgadores de conteúdo e aumentou o streaming ao vivo e o social commerce.

Preço: É o que os clientes pagam e o valor do produto. A digitalização do preço trouxe maior visibilidade e transparência por meio de agregadores e comparações de preços. Catalisou a capacidade de obter dados a respeito de preços de formas fundamentalmente novas. Propiciou uma precificação dinâmica (precificação que reage em tempo real a picos de demanda, precificação competitiva ou dinâmica, baseada em tempo). Isso também modifica as estratégias que os profissionais de marketing podem adotar para criar o valor real e o percebido na mente do cliente. Permite o surgimento de novos modelos (como a assinatura) que podem ser precificados de formas inteligentes para gerar um valor ao cliente de prazo mais longo.

Promo ção : De que forma escolhemos promover, fazer publicidade e diferenciar nosso produto. O volume de promoção e de oportunidades de mercado abertas aos profissionais de marketing teve crescimento explosivo em razão do digital. Os dados transformaram como identificamos e antecipamos as necessidades do cliente, como segmentamos os clientes e nos dirigimos a eles com mensagens relevantes. A experiência do cliente é agora um fenômeno complexo, em constante mudança, que envolve vários pontos de contato, sinais de dados e oportunidades de engajamento. A publicidade é agora cada vez mais comprada de modo programático e automatizado. A fragmentação de canais traz formas cada vez mais nuançadas de chegar aos clientes. Monitoramento em tempo real nos dão uma transparência bem maior em relação ao desempenho de campanhas e à capacidade de adaptar e otimizar.

Esses novos contextos podem não ter mudado os princípios-chave sobre os quais se assenta uma boa estratégia de marketing, mas têm estruturado uma imensa mudança no ambiente em que o marketing atua. É uma mudança que requer diferentes formas de operar, trabalhar e entregar essas convenções tão importantes. Este livro é sobre como os profissionais de marketing precisam evoluir em termos de prática e execução para realmente estarem aptos aos propósitos do mundo empoderado digitalmente.

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