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Coluna Agronegócios
Agricultura: fatos e mitos
Cinquenta anos lidando com o agronegócio renderam muitos causos que vivi, vi ou ouvi. Primeiro, uma história bem antiga, lá dos primórdios. Do tempo em que a soja era uma ilustre desconhecida, suas pragas então, nem se fala. Os primeiros agricultores literalmente se apavoravam com a repentina “invasão” de lagartas na lavoura que, em poucos dias, deixavam a soja “pelada”, nas palavras deles. Alguns até usavam “pó-de-gafanhoto”, que era o inseticida disponível no galpão. Havia quem buscasse ajuda sobrenatural. Alguns procuravam benzedeiras. Outros apelavam ao padre, houve até episódio de procissão para acabar com o ataque de lagartas...
E eis que, assim, num estalar de dedos, de repente todas as lagartas ficavam meio lerdas, morriam, tornavam-se branquinhas da silva. Imediatamente os créditos e os agradecimentos iam para a benzedeira ou para o padre. E que dificuldade que nós, agrônomos, enfrentávamos para que o pessoal entendesse que se tratava de um caso de sucesso de controle biológico, devido ao fungo Metarhizium rileyi, que, à época, se chamava Nomuraea rileyi.
Não menos folclórico foi uma indicação “segura” para controlar percevejos na soja, com alta eficiência. Bastaria urinar em um pano, pendurá-lo em uma estaca na lavoura de soja, e pronto, adeus, percevejos! Esta “indicação segura” foi igual a fogo de morro acima – ou água de morro abaixo: espalhou-se rapidamente. Que dificuldade para provar aos agricultores que não tinha nada a ver com urina, era uma questão de equilíbrio biológico.
Para não parecer que distorções ocorrem apenas no Brasil, vivenciei um episódio interessante nos EUA. Em visita a uma Universidade, fui convidado para almoçar na casa de um professor, no final de semana. Para preparar o almoço, viajamos 35km até um mercado fora da cidade, que vendia produtos orgânicos, porque o professor se dizia “verde” e não aceitava alimentos derivados de transgênicos. Durante a viagem descobri que os pais do professor eram diabéticos, dependentes de insulina. Obtida de bactérias transgênicas! E a viagem de 70km jogou 26kg de CO 2 na atmosfera. É a dualidade de convicção, para conferir qualidade de vida aos pais, a engenharia genética é do bem; mas, para baratear alimentos e torná-los mais acessíveis aos menos favorecidos, é do mal. Assim como agressão à Natureza é só coisa de agricultor, o povo da cidade não polui nada...
FATOS E MITOS
Seguramente todos nós temos histórias parecidas para contar. Os fatos relatados acima eram mais folclóricos do que prejudiciais. Mas existem muitas fake news assacadas contra o agronegócio bra
Lagarta morta pelo ataque de Metharizium rileyi sileiro que dilapidam sua imagem e prejudicam os negócios no exterior. Está indelevelmente gravada na minha memória uma missão oficial em que acompanhei o então ministro da Agricultura, Blairo Maggi, em dezenas de audiências por países europeus. A impressão que ficava ao final da audiência era de que o agricultor brasileiro sequer estava preocupado em produzir, em ser rentável, seus objetivos seriam destruir florestas, poluir águas e expulsar índios de suas terras!
O acumular destes mitos foi o mote que levou três engenheiros agrônomos (Xico Graziano, Maria Thereza Pedroso e eu) a escreverem o livro “Agricultura, Fatos e Mitos”. A missão que nos impusemos foi separar o joio do trigo, os fatos dos mitos. Os fatos são narrados com o máximo possível de fidelidade, lastreados em fontes fidedignas. E os mitos são desconstruídos com o auxílio de fatos e números fundamentados na melhor Ciência.
ALGUNS MITOS
À guisa de ilustração, comentemos o reposicionamento de três mitos, detalhados no livro. O primeiro: 70% dos alimentos da mesa dos brasileiros vêm de pequenos agricultores. Este foi um número que circulou com força de verdade na década passada, era uma heresia contestá-lo, afinal havia sido pronunciado pela primeira vez por um ministro do governo brasileiro, para alardear o sucesso de suas políticas públicas. Porém, um professor da Unicamp demonstrou com números irrefutáveis que a verdade era outra, apenas 25% dos alimentos provinham deste segmento.
O segundo mito é mais recente. Inúmeras cidades brasileiras foram inundadas com outdoors e a mídia divulgava, incessantemente, quantos litros de agroquímico cada cidadão brasileiro consumia por ano. O valor mais alto que eu cataloguei foi de 46 litros por pessoa, por ano, no Mato Grosso. Em um dos capítulos do livro, refizemos as contas, com base em números oficiais e fatos científicos, e chegamos a meros 0,085 litro por pessoa, por ano. Ou menos de 2% dos tais 46 litros!
O terceiro mito é a mudança pura e simples de agricultura brasileira de convencional para orgânica. Foquemos em um aspecto apenas, a substituição de fertilizantes industriais por adubação orgânica. Calculamos a necessidade de esterco em 2,9 bilhões de toneladas ao ano, o que demandaria 195 milhões de cabeças de gado confinadas. Para transportar todo este fertilizante orgânico, precisaríamos de 145 milhões de viagens de caminhão, rodando 75 bilhões de quilômetros. O custo equivaleria a um terço da produção agrícola do País. E, o pior: seriam queimados 15 bilhões de litros de óleo diesel, que emitiriam 39 milhões de toneladas de gás carbônico.
O agronegócio é o grande motor da economia brasileira. Para o bem do Brasil e de seus cidadãos, os mitos contra ele assacados precisam ser desmontados com base na melhor Ciência, com fatos e números irrefutáveis. Parte disso está feita no livro mencionado anteriormente, mas há muito mais a ser feito, e todos temos que ser parte deste esforço.
Decio Luiz Gazzoni O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja