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Agricultura de Precisão
Mais assertivos
É possível melhorar a representatividade dos mapas provenientes de grades amostrais em agricultura de precisão (AP), como os mapas de fertilidade do solo? Sim, seguindo algumas recomendações é possível obter mapas mais assertivos e com menor custo
Os benefícios da amostragem georreferenciada de solo alinhada com a agricultura de precisão (AP) são vantajosos, e essa prática está sendo utilizada em larga escala no Brasil. Muito provavelmente é a técnica de AP mais utilizada no Brasil na atualidade, ordenando a aplicação de insumos em doses variadas, principalmente o calcário. A técnica de mapeamento da fertilidade do solo se baseia no princípio de que há variabilidade espacial de todos os atributos do solo. Portanto, há manchas de solos com maior teor de argila, maior teor de matéria orgânica e, portanto, maior capacidade de troca catiônica (CTC). Há manchas de solo com maior teor de potássio, de fósforo, e por ai vai. Assim como há áreas do talhão com maiores teores desses atributos, há também as regiões com menores teores, onde muito provavelmente uma maior dosagem de fertilizantes e corretivos deveria ser ao menos considerada.
O mapeamento da fertilidade do solo insere-se no ciclo da AP em sua primeira etapa, na coleta de dados e informações do campo. O próximo passo deste ciclo é a interpretação destes dados, gerando-se os mapas com as recomendações e culminando na etapa da interferência, ou seja, na aplicação localizada do fertilizante ou corretivo, com a dosagem adequada. Pelas informações amostrais de solo, é gerado o mapa de fertilidade de um determinado nutriente. Esse mapa irá representar a área através da interpolação dos dados amostrais, apontando os locais que apresentam variabilidades parecidas ou distintas. Desse modo, os solos possuem variabilidade espacial; mas como mapear essa variabilidade? Há algumas técnicas na AP para se direcionar os pontos para a coleta de amostras de solo, mas a técnica mais comum e mais utilizada é a amostragem em grade regular: um grid, como se chama na prática.
Os mapeamentos em grade regular são realizados com distâncias amostrais definidas. Esta grade amostral apresenta pontos nas intersecções de uma malha regular construída com o auxílio de alguma ferramenta de geolocalização, como um tablet e GNSS (Global Navigation Satellite System). Nestes pontos planejados, subamostras do solo são coletadas e homogeneizadas, representando o atributo mapeado naquele ponto geográfico. Porém, não existe uma distância amostral padrão para um determinado atributo para todos os talhões, todos os tipos de solos e todos os relevos. E ainda, a distância amostral adotada afeta o detalhamento da variabilidade espacial do atributo no mapeamento.
A definição da distância entre os pontos amostrais da gra-
Figura 1 - Mapa com a grade original e pontos amostrais adicionais (A), mapa interpolado do teor de argila com o uso somente dos pontos da grade normal (B) e mapa interpolado do teor de argila aplicando a recomendação de adicionar + 10% de pontos adicionais (C)
A B C
de interfere diretamente na elaboração dos mapas, pois ela atua na dependência espacial do atributo mapeado e gera estimativas boas ou ruins (a depender do acerto no “tamanho” da grade) para os locais não amostrados. Simplificando, a análise química do solo vai determinar o teor do nutriente naquele ponto amostrado, e um programa de computador vai “estimar” o valor deste nutriente para todo o campo ou talhão, baseado em um processo matemático chamado “interpolação” do mapa. De tal modo, esta distância não pode ser muito longa ao ponto de superestimar valores e não deve ser muito densa ao ponto de tornar-se o mapeamento inviável economicamente na prática. O número de pontos amostrais por área é um dos maiores desafios para o técnico estimar corretamente a variabilidade dos atributos do solo.
O nível de detalhamento necessário no mapeamento resultante é o principal guia na determinação da distância amostral. Ocorre que muitos artigos acadêmicos indicam uma distância amostral muito pequena para a construção desta grade, como uma grade de 50m x 50m. Os autores desses artigos muitas vezes se baseiam em uma linha de estudo chamada Geoestatística, e utilizam uma ferramenta chamada semivariograma para a determinação teórica dessa grade amostral. Mas é daí que vem o impedimento prático para o uso em larga escala. Em um talhão de 100ha são necessárias 400 amostras de solo ou 400 vezes o custo de uma análise, e, claro, contabilizando somente o custo da análise no laboratório. E ainda tem outro empecilho para a adoção dessa recomendação na prática: o distribuidor (carreta ou autopropelido) não possui capacidade técnica de mudar totalmente a dosagem em um espaço tão curto de 50m, segundo a velocidade que normalmente se aplica para isso - de 12km/h nos tracionados a até 30km/h nos autopropelidos. Assim, por que não na prática então deveria ser feita uma grade, a qual seria tão densa, que depois no momento do uso do mapa não seria possível aproveitar ao todo o detalhamento da variabilidade espacial? Veja um exemplo: se o tempo de resposta do equipamento (refere-se ao tempo necessário para a total e completa mudança da dose aplicada pelo equipamento) for de dez segundos (sendo bem otimista), e operando na velocidade de 20km/h, o equipamento vai percorrer 55 metros até que a nova dose seja aplicada.
Aplicação de fertilizantes a taxas variáveis requer sincronia dos mapas amostrais com os de aplicação, levando em conta o tempo de resposta do distribuidor
Assim, qual o sentido em usar uma grade no mapa de recomendação que seja menor do que 100 metros de lado? Há uma ressalva nesse ponto do texto: ele está direcionado para a aplicação prática, e não acadêmica do método de mapeamento da fertilidade do solo.
Neste contexto, a distância amostral para o mapeamento da fertilidade do solo não deveria ser menor do que a distância relativa ao tempo de resposta do equipamento aplicador ou do distribuidor de calcário, decorrente da mudança de dose do sistema VRT (aplicação em doses variáveis).
A diminuição do esforço amostral pela minimização do número de amostra é altamente desejável, uma vez que diminui os custos envolvidos no mapeamento (custo da análise e tempo de coleta pelo técnico). É comum, na prática, a aplicação de uma grade amostral com células variando de 2ha a 5ha, com distâncias menores em situações de maior declividade, principalmente naquelas situações em que há maior variação do teor de argila em relação ao sentido da declividade. No outro extremo, em situações de homogeneidade elevada do talhão, como chapadões, apresentando declividade inferior a 2%, ou menos. São áreas que apresentam geralmente um mesmo tipo de solo em sua totalidade, sem problemas localizados, como em solos manchados. Neste caso, poderia ser adotada uma grade de 5ha, principalmente nas condições em que o agricultor dispõe de menos recursos para essa tarefa.
Foi apresentado, anteriormente, que a diminuição da grade amostral (pontos amostrais mais próximos) aumenta o detalhamento do atributo mapeado, relativo à fertilidade do solo. Assim, em contraponto, o aumento da grade diminui o detalhamento do mapa resultante. Portanto, a descrição da variabilidade espacial do atributo mapeado pode ser comprometida se a distância na curta escala não permitir a modelagem dessa variabilidade. Ou seja, se não apresentarmos ao software que vai interpolar (principalmente pelo método da krigagem), dados dos atributos mapeados em distância amos-
Tabela 1 - Análise geoestatística do teor de argila mapeado pelos pontos amostrais originais e com o aumento de 10% de pontos aleatórios na grade
Normal +10% Variograma Gaussiano Gaussiano
Co 1552,9 760,5 Co+C 12450,5 2259,8 A (m) 6420,3 645,1 RMS 38,4 33,3 EMP 40,8 32,7 RMS-EMP 2,4 0,6
Co: efeito pepita; Co+C: patamar; A: alcance do semivariograma; RMS: raiz quadrada média da validação cruzada; EMP: erro médio padrão da validação cruzada; RMS-EMP: diferença entre a raiz quadrada média e o erro médio padrão.
tral inferior à dimensão da grade, o programa não tem como “prever” ou inferir com maior qualidade os valores calculados deste atributo para distâncias menores que as da grade amostral.
Assim, a partir do número amostral determinado pela grade quadrática regular, recomenda-se aumentar em 10% o número de amostras ou pontos com distâncias amostrais inferiores à grade e em pontos aleatorizados. Na teoria, essa técnica aumenta o número de pares de valores na curta escala do semivariograma experimental modelado pela geoestatística e auxilia no ajuste de um melhor modelo teórico, trazendo mais detalhamento ao mapa interpolado.
A Figura 1 apresenta o resultado dessa recomendação na prática, ilustrando a variabilidade do mapeamento do teor de argila. Esse talhão é da região do Sul do estado de Goiás, e possui 340ha. Foi estabelecida uma grade regular com distâncias amostrais de 179 metros, ou seja, uma amostra a cada 4ha (pouca declividade, sem manchas de solo). Observa-se na Figura 1A que os pontos próximos à bordadura foram “trazidos” para o interior do talhão, dentro de uma faixa mínima de 30 metros da borda (evitar problemas possíveis da bordadura e carreadores). Os pontos em azul foram adicionados, aumentando-se de 83 para 92 pontos amostrais. Portanto, assim, pouca influência sobre o custo total do trabalho, mas incrivelmente elevando o detalhamento da variabilidade espacial do teor de argila mapeado (Figura 1C).
Estudando uma abordagem mais acadêmica e teórica para a recomendação apresentada sobre o aumento em 10% do número de pontos amostrais na grade regular, a Tabela 1 apresenta a análise geoestatística para ambas as grades dos mapas da Figura 1 (grade regular normal e grade adicionando-se 10% dos pontos).
Os resultados demonstram que o aumento desses pontos diminuiu os erros de mapeamento relativos à curta escala (diminuição do valor Co), assim como trouxe o valor do alcance para mais próximo da realidade do talhão, de acordo com as máximas distâncias sobre os pontos da grade mapeada. Mas o ponto definitivo para se afirmar que o aumento do número de pontos amostrais traz vantagem, além do já ilustrado na Figura 1C, é a diminuição dos erros de interpolação, segundo a análise da validação cruzada, apresentado pela menor diferença entre a raiz quadrada média e o erro médio padrão. Portanto, a aplicação da técnica é vantajosa do ponto de vista teórico e com pouco impacto sobre a elevação dos custos amostrais, melhorando a eficiência e contribuindo para o aumento no lucro dos produtores. .M
Fábio H. R. Baio, Danilo C. Neves, Danieli Alixame, Paulo E. Teodoro, Cassiano G. Roque e Job T. Oliveira, UFMS
Danilo Neves
O nível de detalhamento necessário no mapeamento resultante é o principal guia na determinação da distância amostral