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Tratores
Configuração adequada
Fotos Charles Echer
A adequação do trator ao trabalho para diferentes operações agrícolas é fundamental e requer atenção às diversas configurações específicas para cada atividade
Ao longo dos anos, os avanços tecnológicos e a modernização da indústria de máquinas agrícolas proporcionaram o desenvolvimento de diversos modelos de tratores, com diferentes faixas de potência e especificações técnicas. As novas tecnologias resultaram em tratores mais leves e, consequentemente, versáteis, motores mais eficientes e menores (downsizing), além de sistemas de transmissão mais modernos, alterando significativamente suas características dimensionais. As atividades desempenhadas nas propriedades rurais e o esforço de tração requerido pelas máquinas e implementos agrícolas também mudaram, exigindo a adequação dos tratores quanto à operação a ser realizada.
Considerando o trabalho em campo, um dos itens mais importantes na seleção do trator agrícola tem sido a capacidade em desenvolver força para tracionar os mais diversos implementos agrícolas. O esforço em tração é a força que o trator desenvolve ao tracionar uma carga, sendo o resultado da força tangencial do torque produzido no motor e transmitido até as rodas motrizes. Este esforço é dependente da interação entre o rodado e o solo, e diretamente influenciado por um conjunto de fatores, que vão desde as características do solo, como teor de argila, umidade, compactação, cobertura vegetal e tipo de sistema de cultivo adotado, até as características inerentes ao trator, como o tipo de rodado e pneu, patinamento, distância entre eixos, relação massa/potência e transferência dinâmica de massa.
As interações estabelecidas entre esses fatores incorrem em perdas que podem atingir níveis comprometedores e afetar a eficiência operacional da atividade. Por isso, faz-se necessário conhecer as três “potências”, a potência produzida pelo motor, a que realmente chega nos rodados e a potência que chega efetivamente no implemento. Logo, a adequação do trator ao trabalho visa maximizar a eficiência operacional, por meio da observação de alguns fatores que influenciam na força de tração, a fim de aumentar a capacidade de trabalho, reduzir o consumo de combustível e as perdas de transmissão de potência.
COEFICIENTE DINÂMICO DE TRAÇÃO
A massa ou o peso de um trator agrícola tem papel importante na sua capacidade de tração. Neste sentido, a relação entre a carga vertical que incide sobre os rodados e a força horizontal máxima que se pretende transmitir na barra de tração é definida como coeficiente dinâmico de tração, ou seja, em outras palavras significa o quanto da massa do trator ele consegue “transformar/converter” em força de tração.
Esta capacidade de transformar peso em força de tração varia em função das propriedades do solo como textura, umidade e cobertura vegetal, dos tipos e configurações de pneus, e da distribuição de massa sobre os rodados. Estima-se que, entre 50% e 60% da massa de um trator agrícola possa ser convertida em força de tração, considerando as condições da superfície de trabalho.
PATINAMENTO DAS RODAS MOTRIZES
O desempenho de um trator agrícola é influenciado negativamente pelo patinamento das rodas motrizes, pois diminui a força na barra de tração e aumenta o consumo horário e específico de combustível. De forma prática, o aumento do patinamento reduz a velocidade de trabalho do trator, pela diminuição da distância percorrida no tempo, refletindo na redução do rendimento global da transformação da potência produzida pelo motor em potência de tração. Potência e força de tração não são sinônimos, potência de tração é a força de tração multiplicada pela velocidade de trabalho.
A literatura clássica destaca que, para se obter a máxima eficiência em tração, o patinamento médio das rodas motrizes do trator deve ser de aproximadamente 9% para solos sem nenhum tipo de mobilização, 12% para solos que apresentem algum grau de mobilização e de 15% a 16% para solos tipicamente arenosos.
Diretamente relacionado à massa do trator, o patinamento pode ser corrigido ou adequado por meio da lastragem, considerando o tipo de solo e as condições de manejo, bem como a constituição e as configurações dos pneus e rodados. Cabe ressaltar que a operação de lastragem consiste na adequação da massa do trator, por meio da adição ou remoção de lastro metálico e/ou líquido, de acordo com critérios específicos como, por exemplo, a potência do motor. Além disso, patinamentos abaixo dos anteriormente mencionados, decorrentes do excesso de lastro, devem ser evitados, uma vez que resultam no aumento da resistência ao rolamento das rodas motrizes, demandando maior potência do motor e refletindo diretamente no aumento do consumo de combustível.
De maneira prática, o patinamento das rodas motrizes pode ser determinado de modo simples. Realiza-se uma marca no pneu traseiro do trator e, com a tração dianteira auxiliar acionada, percorre-se uma distância, em linha reta, compreendida por dez voltas da roda motriz, com o implemento suspenso, determinando-se a distância percorrida sem carga (d0). Em seguida, em trabalho com o implemento acionado, em condição de trabalho, percorrem-se as mesmas dez voltas da roda motriz, procedendo-se a medição da distância percorrida, que é considerada a distância com carga (d1). Para o cálculo, substituem-se os valores medidos na equação abaixo obtendo-se o patinamento percentual. Lembre-se que esta medição deve ser feita em campo, em condição de trabalho (Equação 1).
VELOCIDADE CRÍTICA
E MASSA TOTAL
Independentemente da operação a ser realizada, os tratores agrícolas apresentam uma velocidade crítica, a qual é definida pela literatura como a velocidade mínima de trabalho para que o trator possa utilizar a máxima potência produzida pelo motor em relação à sua massa. Para a determinação da velocidade crítica, consideram-se a potência do motor, o rendimento da transmissão e o coeficiente dinâmico de tração, o qual está relacionado às condições de solo e superfície de trabalho (Márquez, 2012) (Equação 2).
Com uma pequena transformação desta equação, pode-se calcular a massa total que o trator deverá ter, para utilizar 75% da potência do motor, em uma determinada velocidade de trabalho. Este limite de 75% é a potência líquida do motor e serve como reserva para eventuais sobrecargas (Equação 3).
Cabe ressaltar que operações realizadas com velocidades inferiores à velocidade crítica exigirão lastro adicional, do mesmo modo que velocidades superiores demandarão a retirada de lastro. Além disso, é importante destacar que a massa total do trator não deve ultrapassar o limite máximo definido pelo fabricante, visto que pode ocasionar o desgaste prematuro dos elementos mecânicos e a perda de garantia da máquina.
RELAÇÃO
MASSA/POTÊNCIA
Ao analisarmos os modelos de tratores ofertados no mercado brasileiro, atualmente, do ponto de vista da relação massa/potência, esta deverá variar de acordo com a força de tração requerida pelos implementos e o tipo de solo. Desta forma, um mesmo trator, mantendo-se constante a potência disponível no motor, irá necessitar de mais ou menos massa à medida que aumenta ou diminui a velocidade de trabalho. Por outro lado, tratores com diferentes motorizações poderão exigir diferentes massas para realizar o mesmo trabalho. Assim, tratores utilizados em trabalhos com elevada
Um conjunto bem dimensionado significa maior eficiência e menor consumo de combustível
Condição do solo Solo firme com cobertura vegetal Solo lavrado seco Solo lavrado úmido Solo solto Coeficiente dinâmico de tração 0,60 0,57 0,52 0,48
Coeficientes dinâmicos de tração em função das condições de solos. Adaptado de Márquez, 2012. Patinamento típico (%) 4 - 8 8 - 10 11 - 13 14 - 16
exigência de tração requerem maiores relações massa/potência e, por sua vez, menores velocidades de trabalho.
Pesquisas apontam que tratores agrícolas pertencentes à Classe II de potência (68cv a 204cv) apresentam melhor relação massa/potência, consequentemente, maior versatilidade durante a realização da maioria das operações agrícolas. Observa-se o decréscimo desta relação com o aumento da potência dos motores, tornando os tratores de maior potência mais dependentes de lastragem.
Para operações agrícolas consideradas “leves”, como, por exemplo, pulverização, transportes internos e roçada, relações de massa/potência compreendidas entre 30kg/kW e 35kg/kW (22kg/cv e 26kg/cv) são mais adequadas, todavia para as operações consideradas “pesadas”, isto é, em geral, operações onde os órgãos ativos das máquinas ou implementos têm contato com o solo, esta relação deve ser maior, compreendendo relações de 65kg/kW a 70kg/kW (48kg/cv e 52kg/cv), respeitando o limite máximo de massa em relação à potência do motor.
Ressalta-se que a distribuição estática de massa entre os rodados é fundamental, principalmente em relação à estabilidade longitudinal do trator. O desequilíbrio da massa entre os rodados acarreta, em tratores com tração nas quatro rodas, o Power Hop, popularmente conhecido como “galope”, diminuindo a vida útil do sistema de transmissão, bem como a qualidade das operações, além de aumentar a fadiga do operador. Este fenômeno geralmente ocorre quando o trator está tracionando implementos ou máquinas agrícolas conectadas à barra de tração, em solos firmes e operações com médio a elevado esforço de tração.
Em tratores com tração dianteira auxiliar recomenda-se que, na condição estática, se mantenha a distribuição de massa em torno de 55% a 60% sobre o eixo traseiro. Tal recomendação proporcionará, durante a operação agrícola, a distribuição dinâmica de 60% a 65% sobre o eixo traseiro, melhorando a eficiência em tração. Contudo, em operações pesadas, como preparo de solo e semeadura sobre taipas na cultura do arroz irrigado, sugere-se a redução da massa incidente sobre o eixo dianteiro, devido ao esforço excessivo decorrente das particularidades inerentes ao cultivo desta cultura. Na condição estática, recomenda-se 40% e 60% da massa do trator sobre os eixos dianteiro e traseiro, respectivamente, fazendo com que, na condição dinâmica, esta distribuição fique em torno de 30% e 70% para cada um dos eixos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante disso, a adequação do trator ao trabalho, frente à diversidade de operações agrícolas a serem realizadas, torna-se uma tarefa imprescindível, pois tratores de diferentes potências e massa poderão exigir diferentes lastragens para realizar o mesmo trabalho, sempre em busca da máxima eficiência em tração.
Portanto, não basta somente adicionar ou retirar lastro do trator, é preciso observar atentamente os critérios de potência do motor, a velocidade de trabalho e o patinamento das rodas motrizes, bem como a correta distribuição de massa sobre os rodados, sempre respeitando os limites preestabelecidos pelos fabricantes. .M
Alexandre Russini, Unipampa José Fernando Schlosser, Marcelo Silveira de Farias e Daniela Herzog, Agrotec - UFSM
Equação 1
Como calcular o patinamento das rodas do trator
P = d0 - d1 d0 x 100
Onde:
P - Patinamento das rodas motrizes (%); d0 - Distância percorrida sem carga (m); d1 - Distância percorrida com carga (m).
Equação 2
Como determinar a velocidade crítica
Vc = N x nt x 270
M x Ca x 1,0
Onde:
Vc - Velocidade crítica (km/h);
N - Potência bruta do motor (cv); nt - Rendimento da transmissão (varia de 0,87 a 0,93);
M - Massa do trator (kg);
Ca - Coeficiente dinâmico de tração (varia de 0,5 a 0,6).
O valor 1,0 do denominador é usado para tratores com tração integral ou dianteira auxiliar (TDA). Para tratores com tração simples se utiliza o valor de 0,85 (85% da massa aderente na condição dinâmica).
Equação 3
Como calcular a massa total
M = N x 0,75 x nt x 270 V x Ca x 1,0
V = Velocidade recomendada para a operação