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Coluna Agronegócios
Agronegócio: a alavanca para a recuperação da crise
Em seu cenário base de abril de 2020, o mais otimista, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia mundial contrairá 3% neste ano. Já o cenário mais pessimista prevê uma extensão da pandemia para além de 2020, com a queda da atividade econômica podendo atingir 11%. Três meses antes, o FMI previa avanço de 3,3% para a economia mundial.
O FMI também prevê queda de 11% no comércio mundial neste ano. Algumas commodities, como minérios e petróleo, terão forte queda nas cotações, podendo ultrapassar 40% no caso do petróleo.
Ainda de acordo com o FMI, a recessão será maior que a crise de 2008/2009, podendo superar a Grande Depressão de 1929. Entrementes, o impacto será diferenciado no mundo. A Zona do Euro terá a maior queda (7,5%), seguida por EUA (5,9%), América Latina e Caribe (5,3%), Oriente Médio e Ásia Central (2,8%) e África Subsaariana (1,6%). A única região do mundo onde o FMI prevê crescimento positivo é no conjunto de países emergentes e em desenvolvimento da Ásia (+1%). Em valores absolutos, o FMI prevê redução do PIB mundial em torno de 9 trilhões de dólares, cerca de 40% do PIB dos EUA em 2019. Em direção oposta, para China e Índia são projetados, respectivamente, crescimentos de 1,2% e 1,9%.
O Brasil deverá apresentar uma recessão de 5,3%, inferior aos países europeus (Itália -9,1%; Espanha -8%. França -7,2%, Alemanha -7%) e similar ao Japão (-5,2%). Já para 2021, o FMI prevê um crescimento de 5,8% da economia mundial, comandada pelo crescimento da China (9,2%), da Índia (7,4%) e da Alemanha (5,2%).
Embora a recessão afete a economia como um todo, alguns setores serão mais atingidos que outros, sendo o mercado internacional de alimentos um dos menos prejudicados. O agronegócio reúne todas as condições para ser a mola mestra do alavancamento da economia brasileira pós-pandemia, devendo esta oportunidade ser trabalhada com especial afinco pelos formuladores de políticas públicas e pela sociedade. E nossa melhor oportunidade está nos parceiros asiáticos, em especial a China.
ASPECTOS A CONSIDERAR a) Como regra geral, quando a renda per capita aumenta, a primeira renda adicional vai para alimentação; quando a renda diminui, o último corte é da alimentação; b) Internamente serão menos afetados setores com mandatos, caso do biodiesel. Serão prejudicados setores concorrenciais, como o do bioetanol (apesar do mandato de mistura na gasolina) e o da bioeletricidade, pela queda no consumo de energia e de seus preços; c) O entendimento da dimensão e distribuição geográfica da demanda mundial pós-pandemia, categorizada por produtos e setorizada por países, regiões e blocos econômicos, é crucial neste momento; d) A princípio, a China assume importância ainda maior do que já possui, pela projeção de que venha a manter um crescimento positivo do PIB, aspecto que será crucial para que as perspectivas pré- -pandemia, de crescimento na demanda por produtos agropecuários, sejam mantidas. Entre estes produtos estão as carnes, em virtude de restrições internas de abastecimento, ressaltando a necessidade da recomposição de rebanho de suínos, por sua vez, deve manter aquecida a demanda por grãos, como soja e milho;
e) Mesmo com queda no PIB, a renda per capita na zona do euro é suficientemente elevada para não afetar com intensidade as despesas com alimentação, mas sua produção será atingida; f) Produtos agrícolas não essenciais serão mais prejudicados. Exemplo característico serão flores e plantas ornamentais.
Em relação aos grandes produtos de exportação do Brasil (carnes, soja e milho), será fundamental o cotejo do abastecimento interno x demanda internacional, em função da valorização cambial (que deve persistir, no mínimo, até 2021), com eventuais elevações de cotações, caso outros países produtores tenham problemas para atender seus clientes. A logística interna e internacional é um dos fatores-chave para o abastecimento mundial, assim como a operação dos portos é fundamental, tanto para o escoamento da safra quanto para o ingresso de insumos.
UM OLHAR PARA A CONCORRÊNCIA
Atenção especial deve ser dada no levantamento de informações e análise das intenções de plantio e de comercialização dos concorrentes. Em particular, é fundamental dispor de informações sempre atualizadas sobre o desenrolar da implantação das culturas de soja e milho nos EUA e o avanço das intenções de produtores tradicionais (exemplo: Argentina) ou de novos (exemplo: Ucrânia). Acompanhamento dos estoques mundiais também é muito importante para atualização do cenário.
Em maio, a estimativa do USDA para a produção de soja norte- -americana da safra 2020/2021 foi de 114,17Mt (96,84Mt em 2019), em uma área de 34,4Mha. Os estoques finais estarão no patamar mínimo de quatro anos (8,71Mt), o que indica sustentação de cotações na CBOT. O USDA estima exportações de 55,79Mt e esmagamento interno de 57,97Mt. A produção de milho dos EUA foi estimada em 392,71Mt (347,79Mt em 2019), frustrando expectativas do mercado (que previa 397,07Mt). Isto indicava, em fevereiro, cotações mais elevadas, o que pode não ocorrer, seja pela redução da demanda mundial ou pelos estoques elevados (67Mt). O USDA aponta a destinação de 138,44Mt de milho para etanol, com exportações de 53,34Mt, retomando o patamar histórico do market share dos EUA. Enfatiza-se que, em ambos os casos, deve haver uma revisão dos números, pois, até a última semana de maio, os agricultores tinham conseguido semear apenas 29% do total esperado.
A ALAVANCA
Até o início de junho, o agronegócio foi o setor da economia menos prejudicado pela pandemia de Covid-19, e os prognósticos apontam que a sua recuperação será mais intensa e mais rápida de toda a economia, desde que saibamos aproveitar as oportunidades, em especial estreitando os laços com parceiros estratégicos como a China e outros países asiáticos, além de evitarmos possíveis barreiras comerciais. Uma vez mais os brasileiros terão motivos para agradecer ao agronegócio brasileiro.
Decio Luiz Gazzoni O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja