América Latina sob o Fogo Cruzado

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Mary Jo McConahay

AMÉRICA LATINA SOB FOGO CRUZADO A Luta Pelo Controle das Riquezas e Recursos dos Países Latino-Americanos

Durante a Segunda Guerra Mundial

Tradução

Mário Molina

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Título do original: The Tango War. Copyright © 2018 Mary Jo McConahay. Copyright da edição brasileira © 2021 Editora Pensamento-Cultrix Ltda. Publicado mediante acordo com St. Martin’s Press. 1ª edição 2021. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas. A Editora Seoman não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro. Editor: Adilson Silva Ramachandra Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz Preparação de originais: Danilo Di Giorgi Gerente de produção editorial: Indiara Faria Kayo Editoração Eletrônica: S2 Books Revisão: Ana Lucia Gonçalves Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Mcconahay, Mary Jo América Latina sob fogo cruzado : a luta pelo controle das riquezas e recursos dos países latino-americanos durante a Segunda Guerra Mundial / Mary Jo Mcconahay ; tradução Mário Molina. -- São Paulo : Editora Pensamento Cultrix, 2021. Título original: The tango war. ISBN 978-65-87143-02-6 1. América Latina - História 2. América Latina - História -1898-1948 3. Guerra Mundial, 1939-1945 - América Latina I. Título. 20-36524

CDD-980.033

Índices para catálogo sistemático: 1. América Latina : Segunda Guerra Mundial : História 980.033 Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427 Seoman é um selo editorial da Pensamento-Cultrix. Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a propriedade literária desta tradução. Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP – Fone: (11) 2066-9000 http://www.editoraseoman.com.br E-mail: atendimento@editoraseoman.com.br Foi feito o depósito legal.

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Em memória dos meus pais, James Cornelius McConahay e Mary Thérèse Rakowski McConahay, ambos da Marinha dos Estados Unidos. Eles tornaram o mundo um lugar melhor.

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SUMÁRIO Introdução - Temporal à Vista............................................................. 11 PARTE I - As Presas..................................................................................................................................................... 15

1 - A Luta pelos Céus Austrais........................................................ 17 2 - Ouro Negro, Petróleo para Abastecer a Guerra............................ 38 3 - Ouro Branco, a História dos Soldados da Borracha....................... 63 PARTE II - Os Indesejáveis.................................................................................................................................... 93

4 - “Onde Eles Não Podiam Entrar”: A Vida dos Judeus................... 95 5 - Nazistas e Não Nazistas na Terra da Borboleta Branca................124 6 - No País Inca, Capturando “Japoneses”......................................141 7 - Internos, um Caso de Família....................................................161 PARTE III - Os Ilusionistas................................................................................................................................. 179

8 - Sedução...................................................................................181 9 - Espiões, Chefes de Espiões........................................................206 10 - Operação Bolívar, Espionagem Alemã na América do Sul..........234 PARTE IV - Os Guerreiros...................................................................................................................................251

11 - A Batalha do Atlântico: Mares do Sul......................................253 12 - Cobras Fumantes....................................................................274

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PARTE V - O Fim sem um Fim........................................................................................................................... 299

13 - Ratlines.................................................................................301 14 - Conexões, a Guerra Fria..........................................................328 Agradecimentos................................................................................345 Fontes...............................................................................................347 Índice Remissivo...............................................................................366

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Introdução Temporal à Vista Em um café na Tiergartenstrasse, mulheres se reúnem em torno de um bolo Floresta Negra e um Apfelstrudel, planejando uma noite de cinema para sua seção da NS-Frauenschaft, A Liga das Mulheres Nacional-Socialistas (nazistas). Na frente do café, moças em vestidos estilo avental, com tranças louras pulando, e rapazes usando lederhosen* passam diante das janelas amplas, retornando da Neue Deutsche Schule [Nova Escola Alemã]. Alguns jovens erguem os olhos para o céu na esperança de ver “o Zepp”, o dirigível prateado Graf Zeppelin, passando lá no alto. Jornaleiros anunciam o Der Urwaldsbole e o Deutsches Volksblatt, enquanto em um terreno desocupado garotos muito novos, usando suásticas em braçadeiras, praticam ordem unida sob a tutela de adolescentes do Nazi Youth Club and the Gymnastics Society [Clube de Jovens Nazistas e da Sociedade de Ginástica]. O aniversário de Hitler está muito próximo. Haverá desfiles! Os homens do partido marcharão com as camisas dos uniformes, com os braços estendidos diante de si, fazendo a saudação do Führer... Esses momentos em uma “Tiergartenstrasse” poderiam estar se desenrolando na Alemanha dos anos 1930, mas a cena vespertina era comum em várias cidades no sul do Brasil, onde vivia um milhão de pessoas de etnia alemã às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Desde o México até a Argentina, havia também residentes de etnia italiana e japonesa em países da América Latina. Quando a Segunda Guerra Mundial irrompeu na Europa, o maior medo do presidente Franklin Delano Roosevelt era que a subversão fascista – em espe*  Bermudas de couro com alças e meias compridas. (N.T.)

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cial nazista – na América Latina ameaçasse a segurança dos Estados Unidos. Das cem reuniões do Joint Planning Committee of the U. S. State, Navy and War Departments [Comitê de Planejamento Conjunto dos Departamentos de Estado, da Marinha e da Guerra dos Estados Unidos] em 1939 e 1940, todas, com exceção de seis, tiveram a América Latina no topo da agenda. Cobrindo a região por mais de trinta anos como repórter, eu às vezes ouvia histórias da época da Segunda Guerra Mundial. Mas, submetida à pressão de escrever sobre as guerras civis na América Central e outras atuais, não corria atrás delas. Meu pai, oficial da Marinha americana que durante a Segunda Guerra serviu no Pacífico, no Mediterrâneo e na América do Sul, com o passar dos anos tinha deixado escapar intrigantes pedacinhos de histórias sobre o Brasil, o Uruguai e a Argentina. Mencionou que a base americana em Natal, Rio Grande do Norte, que ficava aberta aos domingos para toda a comunidade local; era um dia “para todos”, como era chamado, quando brasileiros e americanos tocavam música uns para os outros. Contou quando mandaram que sua tripulação, durante uma licença noturna de desembarque em Buenos Aires, aparecesse no maior número possível de lugares para dar a impressão de que havia mais americanos na região do que de fato havia – a Argentina era então considerada pró-nazista. No entanto, quando eu finalmente tive tempo para ir atrás de mais detalhes sobre essas histórias, meu pai já se fora e minhas perguntas sobre a guerra ficaram entre as muitas que nunca fiz a ele. Teria de satisfazer sozinha minha curiosidade. Descobri que uma guerra sombria para o hemisfério ocidental repercutiu em todos os países e que a América Latina influenciou a guerra global. Personagens poderosos e glamorosos, mais conhecidos em outros cenários, desempenharam papéis importantes e muito criativos: Roosevelt; Nelson Rockefeller; Walt Disney; Orson Welles; o lendário chefe da espionagem do Reich, almirante Wilhelm Canaris, sua contraparte, o diretor do FBI J. Edgar Hoover; e “Wild Bill” [Bill Selvagem] Donovan, fundador de uma agência de investigações precursora da CIA. O Eixo e os Aliados competiam pelos corações e mentes da população do continente, por suas rotas marítimas e recursos naturais (de petróleo e borracha a tungstênio e diamantes indus-

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triais) para alimentar suas máquinas de guerra. Os espiões operavam em embaixadas, sedes de empresas, bares da orla portuária. Cada lado seguia de perto os passos do outro, como dançarinos durante um tango. Este livro conta a história das pessoas por trás dos acontecimentos que se desenrolaram no continente latino durante o conflito global. Nem todos os nomes são famosos: incluem famílias sequestradas em países latinos e enviadas a campos de concentração nos Estados Unidos para serem usadas como peões em um programa pouco conhecido de troca de prisioneiros; famílias judias que tentavam chegar ao continente para escapar do Holocausto; empresários nascidos na América Latina e líderes de comunidades de imigrantes vítimas do infortúnio de terem raízes alemãs, japonesas ou italianas, o que os tornou vulneráveis a listas negras aliadas que congelavam seus ativos ou a coisas ainda piores. Incluem altos prelados da Igreja Católica Romana que estabeleceram as rotas clandestinas de fuga que levaram criminosos fascistas como Joseph Mengele e Klaus Barbie à segurança na América do Sul. E o livro conta a história de uma força aguerrida, praticamente anônima, de 25 mil brasileiros – a única unidade latino-americana a utilizar armas na Europa –, que lutou pelos Aliados na Itália, e de como a Batalha do Atlântico, a mais longa campanha militar contínua da guerra, teve a participação de navios grandes e pequenos nos mares meridionais. Assim como o tango pode ser dançado depressa ou muito devagar, inclusive com um parceiro ficando parado enquanto o outro se move, o ritmo da competição entre os Aliados e o Eixo variava em cada país. E o território coberto era vasto – uma distância de 10.680 quilômetros da fronteira do Rio Grande, no Texas, à Antártida argentina no sul. Para fazer justiça à sutil complexidade das manobras interligadas dessa contenda mortal, preferi apresentar a complicada história da Segunda Guerra Mundial na América Latina em narrativas conectadas, como azulejos em um mosaico que, visto em conjunto, dá uma imagem do todo. A essa distância no tempo e conhecendo o desfecho da guerra, é difícil imaginar como o Reich era forte antes de 1943, como era séria a ameaça que representava para os Aliados e como todos estavam inseguros acerca do

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caminho que o conflito tomaria. Na preparação para a guerra e durante as hostilidades na Europa e no Pacífico, a região latino-americana estava em disputa. Durante o processo de escrever este livro, passei a admirar a inteligência e a energia daqueles que travaram a guerra em tantas formas diferentes, sem receber medalhas ou mesmo, muitas vezes, sem reconhecimento. Também passei a compreender que a época não foi apenas história, mas raiz primária de problemas que enfrentamos hoje, como a prática da extraordinária capitulação na “guerra ao terror” de Washington – o tipo de captura e reinstalação forçada que famílias como os Naganumas, os Sappers e outras enfrentaram há mais de setenta anos. Foi o início da coleta de informações pelos Estados Unidos e do tipo de operação da CIA que salvou vidas, mas que também serviu para intrometer-se na política de outros países com objetivo de enfraquecer governos inconvenientes para a política americana. E os anos de guerra retratam, com antecipação, penosas discussões que temos agora sobre quem convidamos a entrar no país para ser americano e quem deixamos do lado de fora, bem como as razões para isso. Pessoas de origem latino-americana são, de longe, as que mais impulsionam o crescimento demográfico nos Estados Unidos. Em 2004, latinos com raízes em países cobertos por este livro ultrapassaram o número de brancos não hispânicos no meu estado natal, a Califórnia, o mais populoso da nação. Contudo, as terras que se estendem do Rio Grande à Tierra del Fuego raramente estão em nossas manchetes e notícias. A consagrada suposição de que nada de muito importante acontece nessa vasta região, apesar da sua população de 650 milhões de pessoas, continua presente. Nos Estados Unidos, as terras ao sul da fronteira ainda são encaradas, de uma forma ou de outra, como nosso “quintal”. Está na hora de tornar mais amplamente conhecida a fascinante história de como a Segunda Guerra Mundial se desenvolveu na América Latina.

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