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As Regras do Amor e da Magia

Tradução

Denise de Carvalho Rocha

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Título do original: The Rules of Magic

Copyright © 2017 Alice Hoffman

Publicado mediante acordo com Simon & Schuster Inc.

Copyright da edição brasileira © 2019 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.

Texto de acordo com as novas regras ortográficas da língua portuguesa.

1a edição 2019.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.

A Editora Jangada não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.

Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens, organizações e acontecimentos retratados neste romance são produtos da imaginação do autor e usados de modo fictício.

Não pode ser exportado para Portugal.

Editor: Adilson Silva Ramachandra

Editora de texto: Denise de Carvalho Rocha

Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz

Produção editorial: Indiara Faria Kayo

Auxiliar de produção editorial: Daniel Lima

Editoração eletrônica: Join Bureau

Revisão: Vivian Miwa Matsushita

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hoffman, Alice As Regras do amor e da magia / Alice Hoffman; tradução Denise de Carvalho Rocha. – São Paulo: Jangada, 2019.

Título original: The rules of magic. ISBN 978-85-5539-128-6

1. Ficção de fantasia 2. Ficção norte-americana I. Título.

18-22217

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura norte-americana 813 Iolanda Rodrigues Biode – Bibliotecária – CRB-8/10014

Jangada é um selo editorial da Pensamento-Cultrix Ltda.

Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a propriedade literária desta tradução.

Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP

Fone: (11) 2066-9000 — Fax: (11) 2066-9008 http://www.editorajangada.com.br

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Não há remédio para o amor a não ser amar ainda mais.

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Parte Um

Intuição

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Houve uma época, antes que o mundo todo se transformasse, em que era possível fugir de casa, esconder quem você realmente era e entrar para a alta sociedade. A mãe das crianças tinha feito exatamente isso. Susanna era uma Owens, uma família tão antiga de Boston que a Sociedade Geral dos Descendentes de Mayflower e as Filhas da Revolução Americana não tiveram coragem de lhe negar acesso às suas organizações exclusivas, apesar de preferirem fechar as portas para essa família, passando duas voltas na chave.

A ancestral original, Maria Owens, que aportara nos Estados Unidos em 1680, permaneceu um mistério até para a própria família. Ninguém sabia quem era o pai da sua filha ou entendia como ela tinha conseguido construir uma casa tão boa mesmo sendo uma mulher sozinha, aparentemente sem nenhum meio de sustento. A linhagem dos seus descendentes era igualmente duvidosa. Maridos sumiam sem deixar vestígios. As mulheres quase só geravam filhas. Crianças desapareciam e nunca mais eram vistas.

Em cada geração, havia aqueles que fugiam de Massachusetts, e Susanna Owens foi um deles. Fugira para Paris quando jovem, depois se casara e se estabelecera em Nova York. Para o próprio bem dos filhos, negou-lhes qualquer conhecimento da sua herança de sangue. Isso os deixou com incômodas suspeitas sobre quem eram. Ficou

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evidente, desde o início, que não eram como as outras crianças, por isso Susanna sentiu que não tinha escolha a não ser estabelecer regras.

Nada de andar ao luar, usar o tabuleiro Ouija, acender velas, calçar sapatos vermelhos ou vestir roupas pretas; nada de andar descalço, usar amuletos, cultivar flores que desabrocham à noite, ler livros de magia, criar gatos e corvos ou se aventurar muito além da esquina de casa. Mas não importava quanto Susanna fosse firme com as crianças, elas continuavam a contrariá-la. Insistiam em ser diferentes das outras.

Frances, a mais velha, tinha a pele branca como leite e o cabelo ruivo, de um tom vermelho-sangue; desde pequena confabulava com os pássaros, que pousavam na sua janela como se tivessem sido chamados por aquele bebê ainda em seu berço.

Então chegou Bridget, que recebeu o apelido de Jet* por causa dos cabelos negros como azeviche, uma garota tão tímida quanto bela, que parecia ler os pensamentos das pessoas. O último a chegar foi Vincent, o adorado caçula, uma surpresa em todos os sentidos, o primeiro e único menino a nascer na família, um músico talentoso que assobiava antes mesmo de aprender a falar, tão carismático e destemido que a mãe, preocupada, às vezes o mantinha preso, quando pequeno, para impedi-lo de fugir.

As crianças cresceram depressa nos últimos anos da década de 1950, e o estranho comportamento delas com o tempo só se acentuou.

Não gostavam de brincar com as outras crianças nem demonstravam interesse por elas no parquinho. Depois que os pais iam para a cama, esgueiravam-se pelas janelas da deteriorada casa da família, na 89th Street, área nobre do Upper East Side, em Nova York, pulando e dançando no telhado, descendo rápido pelas escadas de incêndio e, com o passar do tempo, vagando pelo Central Park a qualquer hora. Escreviam com tinta preta nas paredes da sala, liam os pensamentos uns dos

* Azeviche, em inglês. (N.T.)

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outros e se escondiam no porão, onde a mãe nunca conseguia encontrá-los. Como se cumprissem um dever, eles quebravam as regras, uma a uma. Franny usava preto e cultivava, numa floreira na janela, jasmins que floresciam à noite; Jet lia todas as aventuras mágicas de E.

Nesbit e alimentava gatos de rua nos becos; e Vincent passou a se aventurar pelo centro da cidade assim que completou 10 anos.

Os três tinham os olhos cinzentos pelos quais a família era conhecida, mas as irmãs eram o oposto uma da outra em todos os sentidos.

Frances era carrancuda e desconfiada, Jet era bondosa e tão sensível que um comentário negativo podia fazê-la desenvolver urticária. Ela estava sempre na moda, seguindo o estilo elegante da mãe, mas Frances geralmente estava com a roupa amarrotada e o cabelo despenteado. Ela ficava mais feliz quando estava com as botas enlameadas, de tanto perambular pelo Central Park. Seu dom especial com pássaros silvestres permitia que os atraísse apenas levantando a mão. Quando corria tão rápido que quase voava, de longe ela parecia falar com eles e ser feita mais para o mundo dessas criaturas aladas do que para o das pessoas. Quanto a Vincent, ele tinha um charme tão sobrenatural que, poucas horas após seu nascimento, uma enfermeira da maternidade do Columbia-Presbyterian Hospital o escondeu dentro do casaco, numa tentativa fracassada de raptá-lo. Durante o julgamento, ela disse ao tribunal que era inocente, pois estava enfeitiçada, incapaz de resistir ao menino. Essa se tornou uma queixa cada vez mais comum quando se tratava de Vincent. Ele era mimado, tratado por Jet como se fosse uma boneca e por Frances como se fosse um experimento científico. Se alguém o beliscasse, Frances se perguntava, será que ele iria chorar? Se lhe oferecessem um pacote de biscoitos, ele ficaria doente se comesse todos? Sim, ele chorava e, sim, para a segunda pergunta também. Quando Vincent se comportava mal, o que era frequente, Frances inventava histórias cheias de castigos para garotinhos que não obedeciam, mas seus contos de advertência não detinham o irmão. Mesmo

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assim, ela era sua maior protetora e assim permaneceu mesmo quando ele ficou bem mais alto do que ela.

A escola que frequentavam era desprezada pelos três, embora Susanna Owens tivesse se esforçado muito para que fossem aceitos, oferecendo coquetéis para o Conselho da Starling School na casa da família. Embora a casa em que moravam estivesse praticamente em ruínas por falta de recursos (o pai deles, um psiquiatra, insistia em não cobrar a consulta de muitos dos seus pacientes), o lugar nunca deixava de impressionar. Susanna decorava a sala de estar para as reuniões do Conselho com bandejas de prata e almofadas de seda, compradas na Tiffany exclusivamente para o evento e devolvidas à loja no dia seguinte.

A Starling School era uma instituição esnobe e seleta que mantinha um segurança na porta da frente. Todos os alunos tinham de usar uniforme, embora Franny normalmente encurtasse a saia cinza e enrolasse as meias grossas, deixando as pernas sardentas à mostra. Seu cabelo ruivo encaracolava quando o tempo estava úmido e a pele ardia se ficasse ao sol por mais de quinze minutos. Franny se destacava na multidão, o que a irritava muito. Ela era alta, e continuou a crescer até que, no início do Ensino Médio, alcançou por fim a temida altura de 1,82 metro. Sempre teve braços e pernas longos e desengonçados. Por isso, sua fase de criança desajeitada durou dez anos, desde o triste jardim da infância, em que era mais alta que qualquer um dos meninos, até completar 15 anos. Ela costumava usar botas vermelhas, compradas num brechó. Garota esquisita, escreveram em seus registros de avaliação escolar. Seria necessário um teste psicológico?

Na escola, as irmãs eram consideradas estranhas no ninho, e Jet era um alvo especialmente fácil. Os colegas de classe dela conseguiam fazê-la chorar com um comentário maldoso ou um empurrão bem dado. Quando ela passou a se esconder no banheiro feminino durante a maior parte do dia, Franny intercedeu. Logo os outros alunos aprenderam a não irritar as irmãs Owens, a não ser que quisessem tropeçar nos

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próprios sapatos ou gaguejar quando apresentavam um trabalho diante da classe. Havia algo de perigoso nas irmãs, mesmo quando estavam apenas comendo sanduíches de tomate no refeitório ou procurando romances na biblioteca. Era só passar por elas e você aparecia com gripe ou sarampo. Se você as irritasse, era chamado na sala do diretor, acusado de matar aulas ou colar nas provas. Francamente, era melhor deixar as irmãs Owens em paz.

O único amigo de Franny era Haylin Walker, uns sete centímetros mais alto do que ela e igualmente antissocial. Desde o nascimento, Haylin já podia ser considerado um estudante da Starling. Seus avós haviam doado a ala desportiva, o Walker Hall, apelidado de Hell Hall* por Franny, que desprezava os esportes.

No sexto ano, Hay tinha encenado um famigerado protesto, algemando-se ao carrinho de sobremesas para exigir melhores salários para os funcionários do refeitório. Franny admirou sua coragem apesar de os outros alunos simplesmente assistirem a tudo de olhos arregalados, recusando-se a acompanhá-lo quando Haylin começou a gritar “Igualdade para todos!”. Depois que o zelador da escola cortou as algemas com uma serra, Haylin teve uma boa conversa com o diretor, que o mandou escrever uma redação sobre os direitos dos trabalhadores, o que o garoto considerou um privilégio e não um castigo. Hay tinha que escrever dez páginas, mas entregou quase cinquenta, com notas de rodapé citando Thomas Paine e Franklin Delano Roosevelt. Ele mal podia esperar pela década seguinte. Segundo dizia a Franny, tudo seria diferente nos anos 1960. E, se tivessem sorte, eles seriam livres.

Haylin desprezava seu histórico familiar de riqueza e privilégio e usava roupas gastas e botas tão velhas que tinham buracos nas solas. Tudo o que ele queria era um cachorro e permissão para frequentar a escola pública. Seus pais lhe negaram os dois. O pai era o maior

* Hall do Inferno, em inglês. (N.T.)

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acionista de um banco internacional sediado em Manhattan desde 1824, o que era motivo de grande vergonha para Hay. Na época em que estavam no Ensino Médio, ele cogitou mudar seu sobrenome, em cartório, para Jones ou Smith, de modo que ninguém pudesse ligá-lo à infame ganância da família.

Uma das razões que o levava a confiar em Franny era o fato de ela não se deixar impressionar pelas aparências. Ela não estava nem aí para o fato de a família dele morar numa cobertura na 5th Avenue ou ter um mordomo que usava casaca e era formado em Oxford. Mas que frescura!, dizia Franny.

O mais importante é que ambos tinham interesse pela ciência. Haylin estudava os efeitos da cannabis na sua ingestão de calorias. Ele tinha ganhado dois quilos em menos de um mês, tornando-se viciado, não em maconha, mas em donuts com recheio de geleia. Parecia um garoto tranquilo, exceto quando falava sobre biologia e injustiças sociais, ou quando o assunto era sua dedicação a Franny. Ele a seguia por todo lado e não parecia se importar se fizesse papel de tolo. Quando estavam juntos, tinha um brilho tão intenso no olhar que Franny ficava desconcertada. Era como se uma parte dele, um eu oculto, fosse abastecida por emoções que nem ele nem Franny estavam prontos para confrontar.

– Me fale tudo sobre você – Haylin costumava pedir a ela.

– Você já me conhece – respondia Franny. Ele a conhecia melhor do que qualquer outra pessoa. Melhor, ela temia às vezes, do que ela mesma.

Ao contrário de Franny e Jet, Vincent cumpria sua rotina escolar sem nenhuma dificuldade. Aprendeu a tocar violão, e em pouco tempo tinha superado o professor. Bandos de garotas apaixonadas o seguiam pelos corredores. Seu interesse em magia começou cedo. Tirava moedas da orelha dos colegas e acendia fósforos com um sopro. Com o tempo, seus talentos aumentaram. Com um único olhar, ele conseguia interferir na

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energia elétrica da casa dos Owens; fazia as luzes piscarem, depois apagarem totalmente. Quando estava por perto, portas trancadas eram destrancadas, as janelas abriam e fechavam. Franny perguntava como ele fazia essas coisas, mas ele se recusava a divulgar seus métodos.

– Descubra por si mesma! – dizia ele, com um sorrisinho.

Vincent tinha pregado uma placa na porta do seu quarto, “ENTRE POR SUA PRÓPRIA CONTA E RISCO”. Quando Franny entrou, querendo vasculhar o lugar, não encontrou nada de interessante nas gavetas da escrivaninha ou no armário, mas, debaixo da cama do irmão, além de teias de aranha, encontrou um manual de ocultismo chamado O Mago.

Franny conhecia a história do livro, pois ele estava na lista de proibições da mãe. Tinha sido tão popular em 1801, quando foi publicado, que havia centenas de histórias sobre ele. Pessoas o roubavam pelo simples desejo de possuí-lo e muitos devotos o mantinham escondido sob as tábuas do assoalho. A edição desgastada de Vincent continuava tão poderosa como sempre fora. Cheirava a enxofre e, assim que Franny a viu, teve um ataque de espirros. Ela tinha quase certeza de que era alérgica àquela coisa.

O manual estava tão quente que Franny queimou os dedos quando o tirou do esconderijo. Não era o tipo de coisa que uma pessoa pegaria só por diversão. Era preciso que ela soubesse o que estava procurando e tivesse coragem para manuseá-lo.

Franny jogou o manual na mesa da cozinha enquanto Vincent almoçava. Lá se foram a salada de batatas e a de repolho, que se espalharam pela mesa. A lombada do livro, preta e dourada, estava gasta pelos anos de uso. Quando bateu na mesa, o livro emitiu um ruído semelhante a um gemido.

– De onde veio isso? – perguntou ela.

Vincent olhou para a irmã e não vacilou.

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