Círculos sagrados para mulheres contemporâneas (2ª edição)

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CÍRCULOS SAGRADOS PARA MULHERES CONTEMPORÂNEAS

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Mirella Faur

CÍRCULOS SAGRADOS PARA MULHERES CONTEMPORÂNEAS Práticas, rituais e cerimônias para o resgate da sabedoria ancestral e a espiritualidade feminina

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Copyright © 2010 Mirella Faur. Copyright © 2011 Editora Pensamento-Cultrix Ltda. 1a edição 2011. 2a edição 2021. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas. A Editora Pensamento não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro. Editor: Adilson Silva Ramachandra Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz Preparação de originais: Denise de C. Rocha Gerente de produção editorial: Indiara Faria Kayo Editoração eletrônica: Join Bureau Revisão: Adriane Gozzo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Faur, Mirella Círculos sagrados para mulheres contemporâneas: práticas, rituais e cerimônias para o resgate da sabedoria ancestral e a espiritualidade feminina / Mirella Faur. – 2. ed. – São Paulo: Editora Pensamento Cultrix, 2021. Bibliografia ISBN 978-65-87236-96-4 1. Deusas 2. Espiritualidade 3. Mulheres 4. Religião 5. Religião da Deusa 6. Vida espiritual I. Título. 21-64494

CDD-211 Índices para catálogo sistemático: 1. Círculo sagrado para mulheres: Religião 211 Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – CRB-8/7964

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Sumário

Dedicatória .................................................................................................... 11 Agradecimentos ............................................................................................ 13 Apresentação: A minha teia pessoal............................................................ 15 Prefácio .......................................................................................................... 23 Introdução. A espiritualidade feminina ...................................................... A tradição da Deusa ............................................................................ Histórico .............................................................................................. O “declínio” da Deusa ......................................................................... Dualismo ............................................................................................. O culto a Maria ................................................................................... Movimentos feministas ...................................................................... O retorno à Deusa............................................................................... O despertar das mulheres para a Deusa ........................................... A consciência de Gaia .........................................................................

29 29 33 38 43 45 47 48 49 53

PRIMEIRA PARTE O PODER MÁGICO DO CÍRCULO ................................................. 55

I.I

Simbolismo, histórico, finalidades................................................... 56

I.II

Os círculos femininos e suas características ................................... 62 Experiências pessoais com grupos e círculos ................................... 69

I.III Diretrizes básicas para formar, sustentar e preservar um círculo sagrado feminino .................................................................. 81 A. A estrutura do círculo ................................................................. 83 Sacralidade e Tempo-espaço sagrado .......................................... 84 Intenção e compromisso............................................................... 85 5

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B.

C.

D.

E.

F.

Igualdade ....................................................................................... 87 Consciência do coração................................................................. 91 Tipos de liderança ......................................................................... 92 Responsabilidade .......................................................................... 99 Gratidão ......................................................................................... 101 Como criar seu próprio círculo ................................................... 103 Propósito ....................................................................................... 105 Responsabilidade .......................................................................... 106 Admissão ....................................................................................... 106 Local ............................................................................................... 109 Frequência ..................................................................................... 110 Liderança ....................................................................................... 111 Rituais e cerimônias ................................................................... 111 Organização das reuniões ........................................................... 113 Preparação do espaço ................................................................... 115 Altar ............................................................................................... 116 Recepção das participantes .......................................................... 121 Harmonização ............................................................................... 122 Abertura da reunião ..................................................................... 125 A prática do círculo ...................................................................... 126 Fechamento ritualístico................................................................ 127 Confraternização ........................................................................... 128 Realização de rituais .................................................................... 129 Roteiro básico para rituais 1. Intenção: Escolher o objetivo ............................................... 131 2. Transição: Criar tempo-espaço sagrado .............................. 133 3. Conexão: O ritual propriamente dito .................................. 138 Novos rituais ................................................................................. 141 Confirmação do compromisso. Despedida Ritualística ........... 146 Dedicação e consagração .............................................................. 146 Despedida ...................................................................................... 154 Trajetória de um círculo .............................................................. 156 Evolução do círculo....................................................................... 156 Estágios da trajetória de um círculo ........................................... 158 Problemas comuns........................................................................ 160 Projeções ........................................................................................ 161 Sombras ......................................................................................... 162 Dificuldades interpessoais............................................................ 164 Conflitos ........................................................................................ 169

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G. Avaliação do círculo. reformulação. fechamento ..................... 172 Avaliação ....................................................................................... 172 Reformulação ................................................................................ 175 Fechamento ................................................................................... 176 H. Expansão do círculo e sua integração no cotidiano ................. 178

SEGUNDA PARTE ESTUDOS, PRÁTICAS E RITUAIS PARA A CURA E O FORTALECIMENTO DA ESSÊNCIA FEMININA .................... 187

II.I

Cerimônias de transição .................................................................... 188 Vivências pessoais na Senda da Deusa ............................................. 193 A. Jornada iniciática ......................................................................... 198 Brigid, Brighid, Brigit, Brighde, Bhrid, Brigantia ou Bride ....... 200 Procissão e ritual para a Deusa Brigid ........................................ 203 B. Ritual de dedicação no caminho da deusa ................................ 210 C. Rituais para os graus iniciáticos ................................................ 213 Ritual para o primeiro grau: iniciação ........................................ 213 Ritual para o segundo grau: confirmação .................................. 214 Ritual para o terceiro grau: consagração.................................... 216 Palavras finais sobre a iniciação ................................................. 217

II.II Consciência lunar ............................................................................... 219 A. Os mistérios do sangue ............................................................... 226 Honrar o ciclo menstrual ............................................................. 229 O diário da Lua vermelha............................................................. 230 A doação do sangue à Terra. O “jarro vermelho” ....................... 233 Fortalecimento e consagração do ventre .................................... 235 Animais “lunares” de poder ......................................................... 241 Conexão com a deusa regente da fase lunar, menstrual ou natal ..................................................................................... 242 Altar lunar e sacola menstrual .................................................... 245 Escudos protetores ........................................................................ 249 Diário dos sonhos ......................................................................... 250 Práticas menstruais individuais para a cura .............................. 253 B. Ciclos, práticas e arquétipos lunares ......................................... 256 Ciclos e fases lunares. ................................................................... 257 Mandalas das 13 lunações ........................................................... 260 7

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Eventos lunares especiais ............................................................. 264 Práticas individuais e grupais nas fases lunares ....................... 266 1. As influências da Lua nova, da Lua cheia e dos eclipses ... 266 2. As influências da Lua minguante e da Lua negra ............. 272 3. Confecção do espelho negro. .............................................. 276 Mandamento da Deusa Escura da transformação ..................... 278 C. Conexão com as faces da deusa .................................................. 279 Arquétipos e mitos........................................................................ 279 Encontro com a Deusa.................................................................. 282 Conexão com um arquétipo ......................................................... 298 Simbologia da Deusa .................................................................... 305 II.III Magia de gaia. curar-se para curar a terra ...................................... 324 Ouvir a voz de Gaia............................................................................ 329 Práticas para o alinhamento energético .......................................... 331 Encontro com Gaia ............................................................................ 337 Expansão dos sentidos e fusão com Gaia......................................... 332 Conexão com as energias do céu e da terra ..................................... 332 Entrega do seu “lixo” a Gaia.............................................................. 333 Alinhamento com as energias dos elementos ................................. 334 Dedicação grupal a serviço de Gaia .................................................. 335 Ritual .................................................................................................. 335 Harmonização com os elementos ..................................................... 336 Reconhecimento e respeito à sacralidade do próprio corpo ........... 338 O xale sagrado ................................................................................... 342

TERCEIRA PARTE RODAS SAGRADAS ................................................................................ 345

III.I Roda sagrada da tradição ocidental ................................................. 347 Diagramas das correspondências ..................................................... 350 Atributos dos elementos.................................................................... 353 Sugestões para rituais ....................................................................... 357 III.II Rodas xamânicas ................................................................................ 360 1. Roda xamânica padrão ................................................................ 362 Roda xamânica padrão com cinco pedras................................... 363 Roda xamânica padrão com nove pedras ................................... 368 “Flecha da oração” (Prayer Allow) ................................................. 370

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2. Roda xamânica de cura (Medicine Wheel) ................................ 371 Construção de uma roda xamânica de cura ............................... 373 Correspondências e atributos da roda sagrada .......................... 374 Diagrama da roda xamânica da cura .......................................... 382 3. Cerimônias da Roda Sagrada Xamânica .................................... 384 Cerimônia de purificação ............................................................. 385 Cerimônia de centramento ........................................................... 385 Cerimônia para conexão com os atributos da Roda Sagrada.... 387 Cerimônia do Fogo Sagrado ......................................................... 388 Cerimônia para encontrar seu lugar na Roda ............................ 389 Prática individual ou grupal ........................................................ 388 Cerimônia de cura ......................................................................... 390 III.III Roda do ano ........................................................................................ 392 A Participação dos Homens .............................................................. 396 Roda do Ano na Tradição da Deusa.................................................. 397 Direção Norte. O primeiro Portal de Poder...................................... 397 Direção Nordeste. Início do Novo Ano Zodíaco ............................... 402 Direção Leste. O segundo Portal de Poder ....................................... 406 O arquétipo de Afrodite..................................................................... 412 Direção Sudeste.................................................................................. 413 Direção Sul. O terceiro Portal de Poder ........................................... 417 Ritual para a Mãe do Milho .............................................................. 419 Ritual para Pacha Mama................................................................... 421 Noite de Hécate .................................................................................. 427 Ritual para Hécate ............................................................................. 427 Direção Sudoeste................................................................................ 435 Direção Oeste. O quarto Portal de Poder ......................................... 445 Ritual para as Ancestrais .................................................................. 448 Direção Noroeste................................................................................ 454 Ritual adaptado para comemoração de Yule ................................... 458 Diagrama da Roda do Ano na tradição europeia ............................ 464 III.IV Roda de prata ..................................................................................... 464 Celebração anual dos plenilúnios ..................................................... 464 Tradição Wicca diânica ...................................................................... 466 Calendários antigos ........................................................................... 470 Tradição xamânica ............................................................................. 477 Correspondências astrológicas ......................................................... 482

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a) Lunares ......................................................................................... Rituais para plenilúnios .............................................................. b) Solilunares ................................................................................... Tradição da Deusa ........................................................................ Experiência pessoal............................................................................ Algumas palavras sobre oferendas ...................................................

482 483 487 488 489 494

III.V A mandala das treze matriarcas ....................................................... 495 A lenda das Treze Matriarcas ........................................................... 496 Como estabelecer a conexão com as Mães de Clãs.......................... 502 Orientações para as celebrações das Mães de Clãs ......................... 506 A Matriarca da primeira lunação ..................................................... 508 A Matriarca da segunda lunação ..................................................... 509 A Matriarca da terceira lunação ....................................................... 510 A Matriarca da quarta lunação ........................................................ 512 A Matriarca da quinta lunação ........................................................ 513 A Matriarca da sexta lunação ........................................................... 514 A Matriarca da sétima lunação ........................................................ 516 A Matriarca da oitava lunação ......................................................... 517 A Matriarca da nona lunação ........................................................... 519 A Matriarca da décima lunação ........................................................ 520 A Matriarca da décima primeira lunação ........................................ 522 A Matriarca da décima segunda lunação ........................................ 523 A Matriarca da décima terceira lunação .......................................... 525 As dádivas das Mães de Clãs ............................................................. 527 Palavras Finais .............................................................................................. 529 Glossário ....................................................................................................... 533 Bibliografia ................................................................................................... 543 Índice Remissivo ........................................................................................... 549

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Dedicatória

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edico este livro à memória dos conselhos ancestrais das Matriarcas, cuja sabedoria guiava as decisões e ações das comunidades de outrora, e aos atuais círculos de mulheres, que resgatam o legado ancestral e se esforçam para construir um mundo melhor, de solidariedade, parceria, paz, harmonia e amor. Esses círculos respeitam e reverenciam os valores da espiritualidade feminina, honram todas as formas de vida e celebram os ciclos da Mãe Terra.

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Agradecimentos

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gradeço à Deusa, Eterna Senhora da Luz velada e da Sombra revelada, cujo amor, orientação e sustentação me permitiram compreender e realizar meu compromisso e minha missão espiritual. Agradeço a todas as mulheres cuja presença, energia, dedicação, amor e confiança tornaram possível a criação, em Brasília, do Círculo da Chácara Remanso e da Teia de Thea. Que as lembranças das noites mágicas dos encontros e das emoções compartilhadas nas vivências continuem vibrando em nossa memória e permitam a manifestação de sonhos, aspirações e visões em uma nova tessitura, forte, bela e multicolorida, reveladora das múltiplas facetas da sacralidade feminina!

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ApresentaÇÃo

A MINHA TEIA PESSOAL

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nome e a imagem da Teia de Thea apareceram em minha mente durante uma meditação realizada em meados de 2005. Naquela ocasião, eu estava me preparando para uma ampla e profunda mudança em minha jornada espiritual: finalizar meu trabalho com o público (rituais de plenilúnio, celebrações da Roda do Ano, jornadas xamânicas e ritos de passagem) e encerrar a condução dos grupos de estudo do círculo de mulheres da Chácara Remanso, em Brasília. Durante os 22 anos em que estivemos na Chácara Remanso, meu marido e eu nos dedicamos – total e ininterruptamente – a diversos trabalhos e atividades espirituais, terapêuticas e de aconselhamento, bem como à assistência material e espiritual da comunidade. No entanto, com a aproximação do sétimo decênio de nossas vidas, percebemos a necessidade de diminuir o intenso e permanente ritmo de nossas atribuições e obrigações, e de criar o espaço e o tempo necessários para nos dedicarmos também à nossa vida física, emocional, mental e espiritual. Chegar a essa decisão – e à que dela decorreu, ou seja, sairmos de Brasília – demandou um longo e penoso processo interior, repleto de questionamentos, avaliações, conflitos e percepções, e uma contínua busca por aprovação e orientação espiritual para os nossos planos e medidas. Para mim, a maior e mais dolorosa renúncia não era abrir mão de uma propriedade construída, plantada e cuidada por nós, afastada da cidade, com diversos templos, instalações e altares criados especificamente para nossas atividades espirituais. O que me fazia sofrer e relutar eram as incógnitas ligadas à continuidade das atividades do círculo feminino, dos rituais públicos e dos grupos de estudo.

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Ao longo dos doze anos anteriores, havia se consolidado um trabalho de ampla repercussão e reconhecimento público, para o qual tinha sido criado um espaço físico e energético para que múltiplas faces da Deusa fossem cultuadas e as mulheres pudessem redescobrir e viver sua ancestral sacralidade, restabelecendo a conexão com os arquétipos, os ensinamentos e as energias da Deusa. No decorrer desses anos, foram realizados inúmeros rituais públicos, de divulgação dos princípios e valores da espiritualidade feminina e da ampla cosmologia das deusas de diferentes tradições e culturas. Ao mesmo tempo, com a coordenação dos grupos de estudo dos Mistérios femininos, propiciou-se a dedicação, a iniciação e a confirmação de dezenas de mulheres na senda da Deusa, por intermédio de diversas jornadas, fossem elas xamânicas ou centradas nos mitos, na simbologia ou nos arquétipos da Grande Mãe. Para que esse trabalho pudesse ser encerrado, eu precisava abrir mão não só desse legado que havia sido resgatado e ativado. Além de privar o círculo de mulheres da minha presença e da minha função como transmissora e catalisadora de conhecimentos e ensinamentos, eu também deveria renunciar a um verdadeiro templo da Deusa, único em Brasília, onde as mulheres podiam se reunir e se recolher em busca de sua sagrada comunhão com a Mãe Divina. Por meses, debati-me mental e emocionalmente, questionando-me se tinha o direito de tomar essa decisão sem incorrer novamente em erros cometidos em outras vidas, quando, de uma forma ou de outra, havia renegado ou me afastado do caminho da Deusa. Percebia-me presa em um emaranhado de dúvidas, culpas e medos, uma verdadeira teia psíquica e energética que me tolhia e sufocava, sem encontrar uma solução ou mesmo enxergar uma saída. Por ocasião da realização do último workshop, intitulado “A magia de Gaia: curar-se para curar a Terra”, pude presenciar e auxiliar a revelação e a cura de profundas feridas da alma feminina. Ao mesmo tempo, percebi claramente que eu mesma não seguia aquele que era um de meus lemas preferidos: walk your talk, ou seja, “pratique aquilo que você ensina”. Em razão de um acúmulo de atividades e atribuições, por mim mesma impostas para o perfeito funcionamento dessa complexa “engrenagem mística”, eu havia chegado ao limite do esgotamento físico e psíquico. Como poderia contribuir para a cura e a transformação de outras mulheres, ou da própria Terra, se meu corpo pedia desesperadamente por menos estresse e mais autopreservação? Ao fim daquela jornada, caí exausta; estava tão esgotada, física e emocionalmente, que não 16

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conseguia me mexer. Estirada na terra, pedi à Mãe que me ajudasse, mesmo sem saber o que pedir ou esperar. Então, ouvi uma voz suave ao meu lado, que dizia: “Pare de se maltratar; está na hora de parar”. Abri os olhos, surpresa, imaginando tratar-se de uma das mulheres do círculo. Mas não havia ninguém; as mulheres que ainda estavam na fazenda encontravam-se na cachoeira, onde me aguardavam. Fechei os olhos e ouvi novamente a mesma voz, repetindo as palavras. Não pude perceber se era o sussurro do vento, o murmúrio do córrego ou a própria voz de Gaia; apenas me dei conta de que era um aviso de que eu estava ultrapassando os limites do meu corpo, indo além daquilo que eu podia fazer ou suportar. Sempre procurei cumprir sozinha os meus encargos e compromissos espirituais, cuidando dos detalhes com zelo e perfeccionismo. Com o início dos rituais públicos nos plenilúnios e Sabbats, temas até então pouco divulgados – como a Tradição da Deusa e a sacralidade feminina – começaram a ser abordados. Como se dá com todo trabalho inédito e pioneiro, tive que enfrentar dificuldades e resistências conceituais e energéticas, superadas com amparo em minha fé. A partir de 1964, quando cheguei ao Brasil vinda de um país materialista e comunista no qual fui privada de qualquer conhecimento ou participação espiritual, percorri vários caminhos transcendentais, sempre sob a orientação de um mestre ou dirigente. Mas, para ingressar na senda da Deusa, a ajuda, a iniciação e a orientação foram apenas sobrenaturais, não humanas. Desde 1991 – quando, na sagrada colina de Tor, em Glastonbury, Inglaterra, foi-me revelada minha missão como sacerdotisa a serviço da Deusa – foi somente Ela, a Mãe e a Senhora, que me inspirou, conduziu e sustentou, dissipou meus medos, clareou minhas dúvidas, fortaleceu minha vontade e determinação. Com o início dos rituais públicos, por timidez, convidei para a celebração da Lua cheia apenas mulheres conhecidas. Talvez pelo início tardio no caminho, o trabalho cresceu rapidamente, além do esperado. Sentia-me conduzida por uma força maior, sem saber nem para onde seguir, sentindo-me apenas parte de um fluxo de energia poderosa e amorosa que fazia as coisas acontecerem. Por serem os rituais e os encontros dos grupos de estudo realizados em nossa casa, a Chácara Remanso, nada mais natural e conveniente que a mim 17

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coubessem o planejamento, os procedimentos ritualísticos e mesmo a infraestrutura logística. Hoje, ao olhar as pilhas de papéis com roteiros de rituais, jornadas e iniciações, surpreendo-me ao ver como tanto pôde ser produzido em tão pouco tempo. Esse trabalho árduo, tanto física quanto mentalmente, contribuiu muito para o estresse e a exaustão que eu enfrentava. É por isso que aconselho a liderança compartilhada, um dos tópicos deste livro, para que outras dirigentes de grupos e idealizadoras de círculos não precisem também passar por isso. Esse conceito de responsabilidade conjunta veio a ser minha “tábua de salvação” e acabou por me permitir sair do impasse criado pela necessidade de encerrar meu trabalho com o círculo das mulheres. Em convalescença de uma cirurgia oftalmológica, sem poder fixar a visão no “exterior”, procurei voltá-la para o “interior”. Meditava imaginando-me na colina de Tor, em Glastonbury, mas dessa vez no lado oposto, onde se encontra um velho espinheiro-branco, única árvore existente nas encostas nuas da colina, consagrada à Senhora de Avalon. Durante três dias, fiz a mesma meditação, sempre às 18h – horário de meu nascimento. No último dia, vi-me ajoelhada diante de uma grande pedra redonda, um verdadeiro ovo nascido da terra, considerado por muitos um portal de acesso ao mundo subterrâneo de Avalon. Lembrei-me de uma visão que tive naquele mesmo lugar, relacionada às “Nove Senhoras de Avalon”, e pedi-lhes que me ajudassem e me mostrassem como poderia dar continuidade ao círculo de mulheres após nossa mudança de Brasília. Na realidade, por mais que desejasse que a chácara pudesse ser adquirida pelo círculo, não havia como concretizar meu sonho. Havia também o desafio da liderança: por mais capacitadas que as mulheres mais antigas do círculo fossem no plano mental e espiritual, os encargos de suas vidas familiares e profissionais, bem como a necessidade de disponibilidade integral em termos de tempo/espaço/energia, não permitiriam a continuidade do trabalho desenvolvido. Apenas uma resposta sobrenatural poderia me oferecer uma solução prática conveniente para todos. Depois de orar e me conectar com as Senhoras de Avalon, senti-me envolta pela lendária bruma e vi nela sendo plasmada, aos poucos, a imagem do globo terrestre coberto por uma teia diáfana e luminosa. A teia era formada de pequenos círculos espalhados sobre a superfície da Terra, interligados por 18

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fios coloridos. Ouvi e depois vi sobrepostas à teia, escritas em letras vermelhas, as palavras Teia de Thea. Como a palavra Thea estava escrita com os caracteres gregos ΘΕA, pedi a Thea, deusa grega da luz e da visão, que me ajudasse a compreender o significado daquela imagem. Subitamente, uma das minúsculas rodas se destacou e começou a aumentar, dividindo-se então em três círculos concêntricos que, girando no sentido horário, foram aos poucos se transformando em figuras femininas. Inicialmente, reconheci os rostos das integrantes mais antigas do círculo de mulheres da Chácara Remanso. Tentei identificar outros rostos conhecidos, mas as imagens eram muito fugazes e rápidas e trocavam de lugar como um caleidoscópio vivo. Em meus ouvidos, ressoava incessantemente uma canção tradicional dos círculos de mulheres americanas, que dizia: “Somos um círculo dentro de um círculo, sem começo e sem fim”. Naquele instante, senti uma paz muito grande, pois percebi que a Teia de Thea era a solução apresentada pela Deusa para que as atividades centradas em seu culto e em suas tradições pudessem continuar, ainda que eu me afastasse ou que a chácara fosse vendida. A partir dessa visão, dei início aos preparativos para minha “sucessão”, centrando-me na estruturação interna da “Teia”, para que houvesse a continuidade dos rituais públicos e dos grupos de estudo. Havia algum tempo eu já incentivava a atuação das integrantes dos grupos mais antigos para que dirigissem alguns rituais de modo a se sentirem seguras para criar um roteiro, preparar o ambiente, abordar arquétipos, contar mitos, conduzir práticas e meditações, abrir e fechar o círculo e cuidar da harmonia da egrégora. Por ocasião do estudo do livro Elementos da Deusa, de Caitlin Matthews, as integrantes de um dos grupos mais avançados começaram a criar, nas reuniões mensais, lindos rituais baseados nas sugestões do livro, acrescentando sua criatividade e inspiração e aprendendo a difícil arte da colaboração, interação e solidariedade amorosa no trabalho grupal. No começo do ano, o desempenho de uma das mulheres, a quem havia sido confiada a direção de um novo grupo de estudo, mostrou-me que a formação da Teia já estava sendo plasmada. 19

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O ponto crucial dessa odisseia foi divulgar aos grupos nossa decisão de nos mudarmos de Brasília. Depois do choque inicial, as reações foram de muita tristeza e lamento, com inúmeras argumentações e reclamações para nos convencer a desistir. Levou um tempo para que fosse dissipada a atmosfera de luto, tanto pela perda (delas) quanto pelo abandono (meu). Assegurei-lhes de que o trabalho iria continuar, pois, embora coubesse a mim, de início, desbravar e intermediar a criação de uma consciência da espiritualidade e sacralidade feminina, eram as mulheres do círculo que iriam preservar e continuar a Tradição da Deusa em Brasília. Para mudar a egrégora energética criada pelos pensamentos e pelas emoções negativas, era necessária atitude e ação positiva. Por isso, com algumas integrantes dos grupos mais antigos (cujos rostos eu tinha “visto” no centro da Teia), foi dado início a um plano tático e estratégico, que incluiu a definição dos novos locais das celebrações públicas, dos encontros dos grupos de estudo e da agenda dos rituais para 2006, e a distribuição de minha “herança material”, de modo que a Teia dispusesse de um acervo mínimo de objetos e materiais ritualísticos. Mesmo com tudo aparentemente encaminhado e definido, eu continuava me sentindo presa a fios energéticos sutis – mas perceptíveis – provenientes dos apegos e pesares tanto dos grupos e de amigos quanto de outros, criados por mim mesma. Durante meses, empenhei-me nas práticas de renúncia e desapego que culminaram em um acontecimento que me obrigou a parar. Em decorrência dele, tive que ficar de “braços atados” por meses e deixar que os eventos seguissem seu curso, sem minha interferência. Em janeiro de 2006, depois de escorregar em um piso molhado, fraturei o cotovelo do braço direito. Depois do acidente, veio uma longa e dolorosa provação, com três cirurgias, imobilização e meses de reabilitação motora. Assim, nas cerimônias de iniciação de fevereiro de 2006, pela primeira vez desde que passaram a ser realizadas (em 1994), tive que distribuir as tarefas das saunas sagradas, das vivências e dos rituais. Ficar parada foi um grande desafio e aprendizado para mim, mas também um alívio, pois pude ver como tudo estava fluindo perfeitamente. No ritual da fogueira, enquanto assistia emocionada à homenagem feita pelo círculo, relembrei todas as outras fogueiras, as noites mágicas das Luas cheias, as vivências de transmutação da dor secular da alma feminina, os rituais profundos e tocantes, as comemorações alegres, os banhos de cachoeira, as oferendas na árvore de Hécate, as danças 20

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e as canções. Vi plasmada na minha frente toda uma teia de emoções vividas em conjunto, o riso e o choro compartilhado, os laços de amizade, irmandade, afeto e solidariedade criados e mantidos ao longo desses treze anos dedicados à Deusa e às mulheres. Enrolada em meu xale xamânico, protegida pela escuridão, iluminada apenas pela Lua e pelas chamas da fogueira, pude enfim dar vazão à dor trancada e mantida sob controle até então. Chorei, por um longo tempo, olhando as danças e canções das mulheres ao redor das chamas, triste por saber que não mais as veria, mas, ao mesmo tempo, feliz por confirmar os laços fortes por elas e entre elas criados. Agradeci à Deusa, com todo meu coração sofrido, por ter me dado a oportunidade de servi-la e viver momentos plenos e gratificantes como os que, com tanta beleza, alegria e amor, tinham permeado minha dedicação. Assumi o compromisso de aceitar novas oportunidades nas quais pudesse falar e agir em Seu nome, de outra maneira e por meios mais simples. No dia seguinte, no fim dos rituais, após anunciar e consagrar as novas dirigentes dos grupos de estudo, pedi ao círculo que tecêssemos a Teia na realidade concreta, com um novelo de lã vermelha representando os laços de sangue que ligavam as mulheres entre si e com a Deusa. Criamos os três círculos concêntricos: um central, formado pelas mulheres que tinham maior disponibilidade, conhecimentos e vontade de assumir compromissos e atribuições fixas, e capazes, portanto, de arcar com as responsabilidades decorrentes dessa escolha; e outros dois, destinados a auxiliar e apoiar o central, em contribuições e participações ocasionais, à medida que fossem adquirindo maior experiência ritualística ou disponibilidade física. Passando o fio aleatoriamente entre elas, apenas seguindo a ordem dos círculos, a teia foi sendo tecida lentamente, cada mulher dizendo seu nome e sua intenção de contribuição. Em dado momento, o fio embaraçou – eu, que estava do lado de fora apenas observando, tive que desfazer os nós e acabei ficando com a extremidade. O simbolismo desse acontecimento foi evidente para todas e aceitei continuar ligada à Teia, a distância, no nível virtual, energético, emocional, intelectual e espiritual. E assim surgiu a Teia de Thea (www.teiadethea.org), uma organização circular com missão e valores definidos, que continua com os grupos de estudo para a divulgação e as vivências da sacralidade feminina, bem como a realização de poderosos e belos rituais públicos nos plenilúnios e nas 21

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comemorações da Roda do Ano (no campus da Unipaz, em Brasília). Tenho certeza de que o legado da Deusa, iniciado na Chácara Remanso e preservado pela Teia de Thea, continuará vivo, pleno e brilhante, contribuindo para o fortalecimento, a divulgação e a ampliação do movimento da espiritualidade feminina brasileira. De minha vivência e experiência com os círculos de mulheres em Brasília, de meu acervo de erros e acertos, aprendizados e desafios, alegrias e tristezas, realizações e decepções, vivências extáticas e trabalho físico, surgiu este livro, um fruto maduro cujas sementes podem se espalhar e ajudar na criação de novos círculos de mulheres. Acredito, com convicção, que a experiência vivida é a melhor mestra e a única que nos dá a certeza de poder ensinar e orientar, com base na prática, sem elucubrações teóricas. Aquelas mulheres que ouviram e sentiram o chamado da Deusa em sua mente e em seu coração vão se tornar as responsáveis pela criação de novos círculos, auxiliando na sua estruturação e orientação. Dessa maneira, a Teia de Thea poderá se expandir cada vez mais e contribuirá, aos poucos, para que se forme a Grande Teia, que enfim cobrirá a Terra como pude perceber em minha visão. Concentrando a energia e a força do amor e do potencial curador, transmutador e regenerador da essência feminina em círculos sagrados, entrelaçados e empenhados para criar uma Teia Global, se formará uma abrangente e harmoniosa egrégora espiritual, visando à transformação do planeta em um mundo pacífico, com respeito pela totalidade da vida e parceria harmoniosa entre todos que nele habitam. E cada mulher que fizer parte de um círculo sagrado, tornando-se responsável por tecer e nutrir um dos fios da tessitura, acrescentará suas vibrações luminosas de compaixão, amor e paz universal. Que seja assim!

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