O DESPERTAR DO HERÓI INTERIOR
O DESPERTAR DO HERÓI INTERIOR
A Presença dos Doze Arquétipos nos Processos de Autodescoberta e de Transformação do Mundo
Tradução
Paulo César de Oliveira
Título original: Awakening the Heroes Within – Twelve Archetypes to Help us Find Ourselves and Transform our World.
Copyright © 1991 Carol S. Pearson
Publicado mediante acordo com Lennart Sane Agency AB.
Copyright da edição brasileira © 1994, 2023 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.
2a edição 2023.
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Editor: Adilson Silva Ramachandra
Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz
Preparação de originais: Marie Romero
Gerente de produção editorial: Indiara Faria Kayo
Editoração eletrônica: Join Bureau
Revisão: Claudete Agua de Melo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Pearson, Carol S.
O despertar do herói interior: a presença dos doze arquétipos nos processos de autodescoberta e de transformação do mundo / Carol S. Pearson; [tradução Paulo César de Oliveira]. –
2. ed. – São Paulo: Editora Cultrix, 2023.
Título original: Awakening the heroes within – twelve archetypes to help us find ourselves and transform our world.
ISBN 978-65-5736-239-6
23-145847
Índices para catálogo sistemático:
1. Psicologia junguiana 150.1954
Aline Graziele Benitez – Bibliotecária – CRB-1/3129
Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a propriedade literária desta tradução.
Rua Dr. Mário Vicente, 368 – 04270-000 – São Paulo, SP
Fone: (11) 2066-9000
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E-mail: atendimento@editoracultrix.com.br
Foi feito o depósito legal.
CDD-150.1954
1. Psicologia junguiana I. Título.Agradecimentos
ODespertar do Herói Interior é o resultado de doze anos de estudo, os quais se iniciaram na pós-graduação, quando fiquei fascinada pela questão da jornada percorrida pelos heróis, um entusiasmo que deu origem à minha dissertação sobre bufões e heróis na literatura contemporânea (1970).
Assim como em qualquer obra que represente a culminação de doze anos de estudo, é impossível citar a contribuição de todos os livros, teorias e pessoas que influenciaram este trabalho. Todavia, algumas dessas contribuições foram tão importantes que não podem ser esquecidas. Quando eu estava fazendo a minha pós-graduação, o livro de Joseph Campbell, The Hero With a Thousand Faces, * atuou como um chamamento para que eu empreendesse este trabalho. Enquanto escrevia este livro, senti-me muito grata aos meus professores de pós-graduação no Departamento de Inglês da Universidade Rice, em especial a Monroe Spears, a William Piper e a David Minter, por terem me ensinado tantas coisas não apenas sobre literatura mas também a respeito da alma. Também tenho uma dívida de gratidão por ter participado dos programas de estudos sobre a mulher na Universidade do Colorado e na Universidade de Maryland, e pela oportunidade de haver trabalhado
* O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1988.
com Donna Shavlik e Judy Touchton, no Departamento de Questões Femininas do Conselho Americano de Educação, e com Katherine Pope, na preparação e revisão do livro Who Am I This Time? Female Portraits in American and British Literature e na elaboração do livro The Female Hero in British and American Literature.
Ao planejar e ao escrever este livro também me beneficiei enormemente da minha filiação ao Centro Midway para Imaginação Criativa, da Fundação Instituto Psiquiátrico, em Washington, D. C., e ao Programa de Enriquecimento Profissional em Psicologia Profunda, da Wainwright House, em Rye, Nova York.
Por meio do Centro Midway, fiz o curso de um ano sobre Métodos de Mitologia Criativa, ministrado por David Oldfield, a fim de aprender estratégias para trabalhar de modo experimental com material arquetípico e mítico. Eu não só aprendi todas essas coisas como também tirei proveito das teorias sobre alma e desenvolvimento da alma, apresentadas nessa ocasião.
Posteriormente, tive a oportunidade de ministrar o curso de treinamento no Centro Midway, o que me proporcionou a oportunidade de trabalhar com profissionais de diversas áreas utilizando as teorias e exercícios apresentados neste livro. Agradeço ao Centro Midway e a David Oldfield pela oportunidade de expor estas ideias a um grupo tão extraordinário de participantes. A influência que esse grupo de pessoas exerceu sobre mim e sobre este livro foi enorme e não pode ser descrita em toda a sua plenitude. Elas me encorajaram acerca da importância deste trabalho, fizeram experiências com a aplicação das teorias em suas atividades e em suas próprias vidas, leram os manuscritos e compartilharam generosamente suas ideias e processos.
Participei durante dois anos do programa de enriquecimento da Wainwright House, onde pude aprofundar meus conhecimentos sobre a psicologia junguiana. Quero agradecer particularmente a Franklin Valas, diretor da Wainwright House, e a Don Kalshed e a Sidney McKinsey, diretor e coordenador, respectivamente, do Programa de Enriquecimento
Profissional em Psicologia Profunda, por terem criado essa valiosa experiência educacional, colocando-a ao meu alcance justamente quando precisei dela.
Agradeço aos meus colegas na Meristema e, em especial, a Sharon V. Seivert, que colaborou comigo na elaboração do projeto “Heróis em Ação”, que explora muitos dos arquétipos descritos neste livro aplicando-os a ambientes organizacionais. Portanto, houve um grande intercâmbio de ideias entre os dois projetos; o trabalho que fizemos juntas exerceu tamanha influência sobre os meus pontos de vista que o resultado da nossa colaboração aparece ao longo de todo este livro e, especialmente, nas partes II, III e IV, nos quais é feita a descrição de cada arquétipo.
Do mesmo modo, a equipe que trabalhou ao meu lado na elaboração do Índice de Mitos Heroicos contribuiu de inúmeras maneiras para aumentar a minha compreensão sobre os arquétipos. A equipe que desenvolveu o Formulário D (com dez arquétipos) foi composta por Sharon Seivert e Mary Leonard, tendo a assistência técnica de Beth O’Brien e Barbara Murry e as contribuições especializadas de Francis Parks, de Polly Armstrong, de David Oldfield e de John Johnson. O Grupo que desenvolveu o formulário E (com doze arquétipos) foi constituído por Hugh Marr, Mary Leonard e Sharon Seivert. Quero fazer um agradecimento especial a Hugh Marr, que conduziu os estudos sobre a validade e confiabilidade do instrumental e liderou o desenvolvimento e o aprimoramento de novas questões.
Um agradecimento especial a Sharon V. Seivert, coordenadora do projeto “Heróis em Ação”, da Meristema, e coautora do livro Heroes at Work: Workbook, e à equipe que elaborou o Índice de Mitos Heroicos, por terem me ajudado a desenvolver e a cristalizar algumas das ideias básicas contidas neste livro. Dez dos arquétipos discutidos aqui foram incluídos no Heroes at Work: Workbook e no formulário D do Índice de Mitos Heroicos (publicado pela Meristema em 1988).
Quero também agradecer aos membros do seminário de pós-graduação de Mary Leonard, no Departamento de Aconselhamento da Universidade de Maryland, que me proporcionaram material e sugestões sobre o projeto desta obra; à Escola Quacre Sandy Spring, por colocarem à minha disposição um local para testar e retestar o Formulário D; e ao Centro Mt. Vernon, por me permitir testar e retestar o Formulário E. Quero também chamar a atenção para a dissertação que está sendo feita por Hugh Marr, dissertação que contribuirá para o desenvolvimento do Índice de Mitos Heroicos.
Enquanto escrevia este livro, colaborei com Laurie Lippin no planejamento de seminários sobre “Tipo e Arquétipo”, nos quais a teoria Myers-Briggs do Tipo foi fundida com o sistema desenvolvido neste livro – uma colaboração que esclareceu minhas ideias acerca dos arquétipos e ajudou-me a entender como o tipo e o arquétipo complementam-se mutuamente na nossa compreensão da psicologia de qualquer indivíduo.
Sou uma pessoa de sorte por ter Thomas Grady como meu editor na Harper de São Francisco. Fico-lhe muito grata pelo seu estímulo e orientação durante o tempo em que estive escrevendo este livro, por suas atenciosas considerações sobre o formato e o design do livro e pela sua perícia na preparação de originais. Quero agradecer também a ajuda de Naomi Luck, que reduziu a proporções legíveis o que antes era um trabalho intoleravelmente longo. Quero também fazer um agradecimento especial a Sandra Letellier por ter datilografado os diversos esboços com o mesmo cuidadoso profissionalismo que caracteriza qualquer trabalho seu. Agradeço também à David Merkowitz, a Joan Herren e a Alice Abrash por terem lido e comentado o manuscrito.
Quero agradecer a David Merkowitz, meu marido, e a Jeff, Steve e Shanna, meus filhos, pelo amor, apoio e estímulo que deram a este projeto. Agradeço também ao Cozi, o grupo de apoio que exerceu uma imensa influência sobre o meu desenvolvimento emocional e espiritual ao longo de muitos anos, aos meus colegas da Meristema, ao meu
apenas a de nossos líderes. Esta é uma época da história humana em que há grande necessidade de heroísmo. Tal como os heróis de outrora, nós contribuímos para restaurar a vida, a saúde e a fecundidade do reino como um benefício colateral decorrente do fato de termos empreendido a nossa jornada, descoberto o nosso destino e ofertado nossas próprias e singulares dádivas. É como se o mundo fosse um gigantesco quebra-cabeça e cada um de nós que empreendesse uma jornada retornasse com uma de suas peças. Coletivamente, à medida que todos vão dando sua contribuição, o reino é transformado. A transformação do reino depende de todos nós. A compreensão desse fato nos ajuda a ultrapassar uma postura competitiva e a desenvolver uma convicção da vontade divina que fortalece a nós mesmos e aos outros. Se uma pessoa “perde”, e não realiza o seu potencial de contribuição, todos perdemos. Se nos falta coragem para empreender a nossa jornada, criamos um vazio no lugar em que deveria estar a nossa peça do quebra-cabeça, havendo um prejuízo coletivo e pessoal.
A J orn A dA
O heroísmo consiste não apenas em encontrar uma nova verdade, mas também em ter a coragem de agir de acordo com essa visão. É por essa razão, de uma maneira muito prática, que os heróis precisam ter a coragem e a cautela associados a um forte desenvolvimento do ego e a visão e clareza mental decorrentes de terem empreendido suas jornadas da alma e terem encontrado o tesouro de seus verdadeiros Selves.
A maioria das pessoas sabe que heróis matam dragões, salvam donzelas (ou outras vítimas) em apuros e encontram e recuperam tesouros. No final de sua jornada, eles frequentemente se casam. Sua jornada chegou a um “final feliz” no qual sua “nova e renovada verdade” manifesta-se na vida que passam a ter – numa comunidade formada por sua nova família e por outras pessoas. Essa nova verdade que
eles trazem de volta renova a própria vida deles e também a vida de seus reinos e, portanto, afeta todos os que entram em contato com eles. Embora o final feliz geralmente seja de curta duração, esse padrão místico é verdadeiro para a jornada de cada um de nós. Logo que voltamos de uma jornada e ingressamos numa nova fase da nossa vida somos impelidos imediatamente para um novo tipo de jornada; o padrão não é linear ou circular, mas em espiral. Embora nossa jornada nunca seja realmente interrompida, existem momentos significativos em que as coisas acontecem em consequência da nova realidade que encontramos. Cada vez que iniciamos a nossa jornada, nós o fazemos num novo nível e voltamos com um novo tesouro e com habilidades transformativas recém-descobertas.
O que a Jornada Requer
Quando acreditamos que nossa jornada não é importante e nos impede de enfrentar nossos dragões e encontrar nosso tesouro, sentimos um vazio interior que nos prejudica. Os psicólogos do nosso massificado mundo moderno têm um nome para os raros casos de “delírios de grandeza”, mas não criaram nenhuma denominação para a mais difundida de todas as doenças: a ilusão de que não somos importantes. Embora seja verdade que nenhum de nós é mais importante do que qualquer outro, cada um de nós tem uma importante contribuição a oferecer – uma contribuição que seremos incapazes de realizar se não empreendermos nossa jornada.
Este livro foi projetado para ajudar você e as outras pessoas a compreenderem sua importância e potencial heroísmo. Mais importante que tudo, talvez, ele lhe oferece a oportunidade de deixar para trás um senso pessimista de suas possibilidades e optar por viver plenamente a vida. Embora muitos de nós procuremos viver plenamente a vida acumulando bens materiais, realizações ou experiências, isso nunca funciona. Só podemos viver a vida na sua plenitude se estivermos dispostos
a nos tornar grandes e, ao fazê-lo, abandonar as ilusões de impotência e assumir a responsabilidade pela nossa vida. Para empreendermos a nossa jornada precisamos livrar-nos das ilusões relativas à nossa insignificância.
Na vida moderna há um profundo desrespeito pelos seres humanos. O trabalho nos leva a ver a nós mesmos como capital humano. A publicidade apela para os nossos medos e inseguranças para tentar nos fazer adquirir produtos de que não precisamos. Muitas instituições religiosas ensinam as pessoas a serem boas, mas não as ajudam a conhecerem-se a si mesmas. Muitos psicólogos acreditam que sua função é ajudar o indivíduo a aprender a se aceitar tal como é e não a empreender a sua jornada e descobrir o que poderia ser. Muitas instituições educacionais treinam as pessoas para serem dentes da engrenagem econômica, em lugar de ensiná-las a alcançar a plenitude enquanto seres humanos.
Em suma, somos vistos como produtos ou mercadorias, quer para sermos vendidos pelo lance mais alto ou para passarmos por um processo de aperfeiçoamento ao término do qual nos tornaremos mais valiosos. Nenhum desses pontos de vista respeita a alma ou a mente humana, exceto na medida em que elas possam ser usadas como ferramentas aquisitivas. Consequentemente, as pessoas estão tendo cada vez menos respeito por si mesmas. Muitos de nós procuram preencher esse vazio com comida, bebida, uso de drogas ou com uma atividade obsessiva e frenética. O tão criticado ritmo da vida moderna não é algo inevitável – trata-se de um disfarce para o nosso vazio. Se nos mantivermos em movimento, podemos criar a ilusão de que a vida tem um significado.
Com maior ou menor sutileza, somos desencorajados a procurar o nosso graal e a encontrar a nossa própria singularidade por meio de uma constante pressão para nos mostrarmos à altura dos padrões preestabelecidos. E, obviamente, quando tentamos nos mostrar à altura do que se espera de nós, em vez de procurarmos nos encontrar a nós mesmos, é pouco provável que algum dia venhamos a descobrir e a
compartilhar nossas habilidades singulares. Em vez de procurar descobrir quem realmente somos, nós nos preocupamos em saber se a nossa aparência é suficientemente boa, se somos suficientemente saudáveis, inteligentes e virtuosos, se estamos nos esforçando o suficiente no trabalho e se somos suficientemente bem-sucedidos.
Olhamos para fora de nós mesmos para que os outros nos digam se estamos à altura de algum tipo de perfeição. Quantos de nós sonham com o rosto ou com o corpo perfeito de uma estrela de cinema, com a inteligência de um prêmio Nobel, com a clareza mental de um grande ser iluminado (Cristo, por exemplo) ou com o sucesso financeiro de um bilionário? Não é de admirar que muitos de nós passemos a vida alternativamente nos esforçando e nos recriminando pela nossa incapacidade de estar à altura das nossas aspirações.
Como esse é o nosso processo, nunca nos encontraremos a nós mesmos. Em vez disso, nós nos tornaremos consumidores submissos, pagando a todas as pessoas que afirmarem que podem nos ajudar a superar nossa feiura, pecaminosidade, doença ou pobreza. Ao fazer isso, nós os manteremos tão presos quanto nós – lutando por alguma coisa que está acima de nós, em vez de procurarmos saber o que realmente existe dentro do nosso ser.
Inicialmente, podemos ser convocados para a busca por um desejo de alcançar alguma imagem de perfeição. No final, porém, precisamos deixar de lado quaisquer ideias predeterminadas que nos mantenham cativos e, simplesmente, empreender a nossa própria jornada. A jornada do herói não é outro projeto de autoaperfeiçoamento. Ela nos ajuda a descobrir e a honrar aquilo que é realmente verdadeiro no nosso ser. Todo aquele que empreende uma jornada já é um herói.
O fato de saber que é um herói não significa que você esteja errado. Você tem a mente, o corpo e os instintos certos. O problema não consiste em transformar-se em outra pessoa, mas em descobrir quem você é realmente. Isso significa fazer a si mesmo algumas perguntas:
O que eu quero fazer? O que a minha mente quer aprender? Como
o meu corpo quer se mover? O que o meu coração ama? Até mesmo problemas e doenças podem ser vistos como um “chamamento dos deuses” para uma etapa que você anteriormente rejeitou ou evitou na sua jornada. Assim, você também poderia fazer a seguinte pergunta a si mesmo: “Como este problema ou doença pode me ajudar na minha jornada?”.1
É grande a recompensa da autodescoberta. Quando nos encontramos, tudo parece entrar nos eixos. Adquirimos a capacidade de enxergar nossa beleza, inteligência e bondade. Tornamo-nos capazes de utilizá-las de modo produtivo e, assim, somos bem-sucedidos. Ficamos menos preocupados em provar o nosso valor e, portanto, podemos relaxar, amar e ser amados. Temos tudo aquilo de que precisamos para proclamar a nossa humanidade, o nosso heroísmo em sua plenitude.
A rquétipos : n ossos G ui A s i nteriores
Somos ajudados na nossa jornada pelos guias interiores, os arquétipos, cada um dos quais ilustra uma maneira de ser durante a jornada. O Despertar do Herói Interior explora doze desses guias interiores: o Inocente, o Órfão, o Guerreiro, o Caridoso, o Explorador, o Destruidor, o Amante, o Criador, o Governante, o Mago, o Sábio e o Bobo. Cada um deles tem uma lição para nos ensinar e preside uma etapa da jornada. Os guias interiores são arquétipos que têm estado conosco desde a aurora dos tempos. Nós os vemos refletidos em imagens que se repetem nas artes, na literatura, nos mitos e nas religiões; sabemos que são arquetípicos porque são encontrados em todos os lugares e em todas as épocas.
Como os guias são verdadeiramente arquetípicos e, por conseguinte, existem como energia na vida psicológica inconsciente de todas as pessoas de todos os lugares, eles existem tanto dentro como fora da alma humana individual. Eles vivem dentro de nós e, o que é mais
importante, nós vivemos dentro deles. Assim, podemos encontrá-los indo para dentro (para os nossos sonhos, fantasias e, frequentemente, também para nossas atividades) ou para fora (para os mitos, as artes, a literatura, a religião e, como as culturas pagãs frequentemente fizeram, para as constelações do céu e para as aves e animais da terra). Assim, eles nos proporcionam imagens do herói que existe dentro e além de nós mesmos.
Cada um de nós vivencia os arquétipos de acordo com a sua própria perspectiva. Encontrei pelos menos cinco maneiras diferentes de explicar o que é um arquétipo:
1. Os exploradores espirituais podem conceber os arquétipos como deuses e deusas codificados no inconsciente coletivo, os quais podemos desprezar por nossa própria conta e risco.
2. Os acadêmicos e outros racionalistas que, via de regra, desconfiam de qualquer coisa que pareça misticismo, podem conceber os arquétipos como metáforas ou paradigmas controladores, os padrões invisíveis da mente que controlam o modo como percebemos o mundo.
3. Os cientistas podem ver os arquétipos como algo semelhante aos hologramas e considerar o processo de identificá-los semelhante aos outros processos científicos. Como os arquétipos estão dentro e fora de nós (e, portanto, são os heróis interiores e exteriores), todo um holograma está contido em qualquer uma de suas partes. Ao desvendar o modo como funciona um holograma, a ciência moderna comprovou de fato o antigo paralelo espiritual entre o macrocosmo e o microcosmo. Do mesmo modo, também, a ciência da psicologia frequentemente determina o que é verdadeiro na mente humana individual estudando a criação das espécies.
Os físicos investigam as menores partículas subatômicas estudando os rastros deixados por elas; os psicólogos e outros especialistas estudam os arquétipos investigando sua presença nas artes, na literatura, nos mitos e nos sonhos. Carl Jung reconheceu que as imagens
arquetípicas que se repetiam nos sonhos de seus pacientes também podiam ser encontradas tanto nos mitos, lendas e artes dos povos antigos como na literatura, na religião e nas artes contemporâneas. Sabemos que elas são arquetípicas porque deixam os mesmos traços em todas as épocas e lugares.
4. As pessoas comprometidas com posições religiosas que enfatizam a existência de um único Deus (e que se sentem incomodadas com o politeísmo inerente a qualquer consideração a respeito de deuses e deusas) podem fazer uma distinção entre a verdade espiritual do monoteísmo e as verdades psicológicas pluralistas dos arquétipos. Quando falamos de um Deus único, isso significa algo que está além da capacidade de compreensão humana. Os arquétipos assemelham-se a diferentes facetas desse Deus, facetas que são acessíveis para a capacidade da psique imaginar a realidade numinosa. Algumas pessoas, porém, apegam-se tanto a uma visão monoteísta que reduziram sua concepção de Deus de modo a torná-la compatível com uma única imagem arquetípica. Por exemplo: elas podem imaginar Deus como um ancião com uma abundante barba branca. Essas pessoas, inadvertidamente, se fecharam para um senso de numinoso mistério que é mais profundo do que qualquer imagem possa representar.
Mesmo nas fases iniciais do cristianismo monoteísta, foi necessário criar o conceito de uma Trindade para encontrar uma maneira adequada de expressar a verdade a respeito de Deus. Além disso, muitos teólogos modernos estão acrescentando imagens do lado feminino de Deus à visão patriarcal mais ortodoxa de Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O budismo postula a existência de um Deus divisível em 40, 400 ou 4.000 facetas ou aspectos dessa divindade única, cada um deles com o seu próprio nome e história. Assim, os arquétipos nos ajudam a nos ligar ao que é eterno e tornam os grandes mistérios mais acessíveis, proporcionando-nos múltiplas imagens para serem submetidas à ponderação da nossa mente.