Título original: Popcorn - fifty years of rock 'n' roll movies Copyright © 2010 Garry Mulholland Copyright da edição brasileira © 2012 Editora Pensamento-Cultrix Ltda. Publicado originalmente por Orion Books, uma divisão da Orion Publishing Group. Texto de acordo com as novas regras ortográficas da língua portuguesa. 1ª edição 2012. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas. A Editora Seoman não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro. Tradução: Henrique Monteiro Coordenação editorial: Manoel Lauand Capa e projeto gráfico: Gabriela Guenther Editoração eletrônica: Estúdio Sambaqui Preparacão de originais e revisão técnica: Adilson Silva Ramachandra Foto da capa: © Robert Kohlhuber / iStock Caderno de fotos: © The Kobal Collection
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Mulholland, Garry Popcorn : o almanaque dos filmes do rock / Garry Mulholland ; tradução Henrique Monteiro. -São Paulo : Seoman, 2011. Título original: Popcorn - fifty years of rock ‘n’ roll movies ISBN 978-85-98903-30-9 1. Filmes de rock - História e crítica I. Título. 11-07371
CDD-791.436578 Índices para catálogo sistemático: 1. Filmes de rock : Apreciação crítica 791.436578
Seoman é um selo editorial da Pensamento-Cultrix. Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. R. Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP Fone: (11) 2066-9000 — Fax: (11) 2066-9008 E-mail: atendimento@editoraseoman.com.br http://www.editoraseoman.com.br que se reserva a propriedade literária desta tradução. Foi feito o depósito legal.
Garry Mulholland
O ALMANAQUE DOS FILMES DO ROCK
Para Linsay, como sempre.
Sumário Apresentação 8 Prefácio 21 Agradecimentos 36 Introdução 37 Os 20 Melhores Filmes de Rock 46 Década de 1950 47 The Girl Can’t Help It (Sabes o Que Quero) • Loving You (A Mulher Que Eu Amo) • Jailhouse Rock (O Prisioneiro do Rock) • King Creole (Balada Sangrenta) • Expresso Bongo •
Década de 1960 67 Beat Girl • The Young Ones • Play It Cool • Viva Las Vegas (Amor a Toda Velocidade) • A Hard Day’s Night (Os Reis do Iê Iê Iê) • Help! • Catch Us If You Can • Don’t Look Back • Privilege (Privilégio) • Head (Os Monkees Estão Soltos!) • Sympathy for the Devil • Yellow Submarine (O Submarino Amarelo) • Easy Rider (Sem Destino) •
Década de 1970 117 Peformance • Beyond the Valley of the Dolls (De Volta ao Vale das Bonecas) • Woodstock (Woodstock — Três Dias de Paz, Música & Amor) • Gimme Shelter • Let It Be • Elvis: That’s The Way It Is (Elvis É Assim) • Cocksucker Blues • Born to Boogie • The Harder They Come (Balada Sangrenta) • American Graffiti (Loucuras de Verão) • That’ll Be the Day • Stardust • Slade in Flame • Phantom of The Paradise (O Fantasma do Paraíso) • The Rocky Horror Picture Show • Confessions of a Pop Performer • Tommy • Saturday Night Fever (Os Embalos de Sábado à Noite) • Abba: The Movie • Grease (Nos Tempos da Brilhantina) • The Buddy Holly Story (A História de Buddy Holly) • The Last Waltz (O Último Concerto de Rock) • The Rutles — All You Need Is Cash • Rockers • The Kids Are Alright • Jubilee — The Punk Rock Movie • The Great Rock ’n’ Roll Swindle (A Grande Farsa do Rock ’n’ Roll) • Hair • The Rose (A Rosa) • Rock ’n’ Roll High School • Quadrophenia •
Década de 1980 245 Babylon • The Blues Brothers (Os Irmãos Cara de Pau) • Rude Boy • Breaking Glass • The Loveless • Ziggy Stardust and the Spiders from Mars • Pink Floyd — The Wall • Wild Style • Footloose (Footloose — Ritmo Louco) • Stop Making Sense • This Is Spinal Tap (Isto É Spinal Tap) • Purple Rain • Sid and Nancy (Sid & Nancy — O Amor Mata) • Superstar: The Karen Carpenter Story • Moonwalker • Hairspray (Hairspray — E Éramos Todos Jovens) • Leningrad Cowboys Go America (Os Cowboys de Leningrado Vão para a América) •
Década de 1990 303 The Doors (The Doors — O Filme) • The Commitments (The Commitments — Loucos pela Fama) • Wayne’s World (Quanto Mais Idiota Melhor) • In Bed with Madonna (Na Cama com Madonna) • Tina: What’s Love Got to Do with It (Tina — A Verdadeira História de Tina Turner) • Backbeat (Os Cinco Rapazes de Liverpool) • That Thing You Do! (The Wonders — O Sonho Não Acabou) • Kurt & Courtney • Spiceworld: The Movie (O Mundo das Spice Girls)• Velvet Goldmine • Bulworth (Politicamente Incorreto) •
Década de 2000 349 The Filth and the Fury (O Lixo e a Fúria) • Almost Famous (Quase Famosos) • Rock Star • 24 Hour Party People (A Festa Nunca Termina) • Josie and the Pussycats (Josie e as Gatinhas) • Glitter (Glitter — O Brilho de uma Estrela) • Hedwig and the Angry Inch (Hedwig — Rock, Amor e Traição) • 8 Mile (8 Mile — Rua das Ilusões) • Standing in the Shadows of Motown • Masked and Anonymous (A Máscara do Anonimato) • School of Rock (Escola de Rock) • DiG! • Ray (Ray — O Filme) • Last Days (Últimos Dias) • Walk the Line (Johnny & June) • The U.S. vs. John Lennon (Os EUA x John Lennon) • Dream Girls (Dream Girls — Em Busca de um Sonho) • Walk Hard: The Dewey Cox Story (A Vida é Dura — A História de Dewey Cox) • Control • I’m Not There (Não Estou Lá) • Anvil: The Story of Anvil • Telstar: The Joe Meek Story •
Álbum de fotos 431
Apresentação O Rock Fotografado pelas Lentes da Sétima Arte Bem, o que se pode esperar de um crítico musical que passou anos e anos na estrada vendendo discos no varejo, em lojas de todo tipo, quando ele resolve escrever um almanaque sobre filmes de rock? Tudo! Garry Mulholland, assim como eu, também deve ter ficado abobado quando ouviu os primeiros acordes de “Holidays in the Sun” dos Sex Pistols em 1976; teve a sua própria banda punk e sobrevive de música — escrevendo sobre ela e não tocando, diferente de mim, que ainda toco às vezes. É claro que nenhuma lista é completa, os critérios são inúmeros e o gosto pessoal sempre dá um tom que nunca é imparcial, mas o autor de POPCORN, O Almanaque dos Filmes do Rock fez um trabalho magnífico! Como poderão notar na introdução, Garry Mulholland deixou de fora determinados filmes por puro gosto e critérios pessoais. Ele nos dá a sua própria lista vip dos vinte filmes mais quentes sobre rock ’n’ roll e diz por que deixou de fora verdadeiras pérolas como A Fera do Rock! (Great Balls of Fire!, 1987). Já conhecia a obra antes de ter sido convidado para fazer esta apresentação e havia escrito uma crítica sobre ela em minha página, Opinião, do “Yahoo! Notícias”; quando me deparei de novo com o livro, logo pensei: muitas coisas não foram ditas sobre esta obra deliciosa, e esta é a oportunidade. Então, vamos lá. Quando o assunto é filmes de rock fica difícil escolher os melhores. Devemos levar em consideração que rock ’n’ roll sempre foi sinônimo de entretenimento, às vezes entra muito do gosto pessoal e, segundo o próprio autor, certos filmes de rock são vítimas fatais da descartabilidade. Desde que o rock ’n’ roll foi criado, na década de 1950, o objetivo principal era fazer música para as pessoas se divertirem. Uma nova geração surgia, naquela época do pós-guerra, sedenta por festas, corridas de carro, velocidade e muita dança. No Brasil, por exemplo, o primeiro filme nacional que, de uma forma ou outra, abordou a temática, nunca teve a pretensão de ser um filme de rock, mas Absolutamente Certo, dirigido em 1957 por Anselmo Duarte, traz o “primeiro 8
videoclipe” do rock brazuca com Betinho e seu Conjunto cantando “Enrolando o Rock” num bar, enquanto os brotos dançavam ao som do novo ritmo. O Brasil teve que esperar por quase trinta anos para poder ver Areias Escaldantes (1985), Rock Estrela e Bete Balanço (ambos de1986), para curtir filmes musicais focados no rock e seus principais expoentes na época. Voltando lá atrás, em 1957, quando estreou por aqui Ao Balanço das Horas (Rock Around Clock, 1956), o filme causou o mesmo fenômeno que havia ocorrido em várias cidades americanas e europeias: a plateia começava a dançar histericamente ao som de Bill Halley e Seus Cometas e literalmente promoviam um quebra-quebra geral. Era de se esperar isso em São Paulo, como ocorreu no Cine Regência, na Rua Augusta no 973 (a 120 por Hora), com a plateia destruindo o cinema. Mas pensar que isso pudesse ocorrer em Irará! Na pequena cidade localizada no interior do Ceará, Tom Zé, testemunha ocular do evento, levou um susto com a reação da plateia: “parecia que o mundo ia acabar naquele mesmo instante”. Raul Seixas, o Raulzito, sim, ele mesmo, o dos Panteras, também participou de atos de vandalismo durante a exibição do filme no local onde é hoje o atual Cine Glauber Rocha, em Salvador. O novo ritmo chocou! Deixou os jovens ensandecidos e gerou polêmicas como a do prefeito Jânio Quadros, em São Paulo, que declarou em nota oficial: “determine à polícia deter, sumariamente, colocando em carro de preso, os que promovem cenas semelhantes. Se forem menores, entregá-los ao honrado Juiz. Providências drásticas”. Ou ainda, a notícia que foi publicada no jornal O Globo do Rio de Janeiro, datada de 04/01/1957: “Com o objetivo de mostrar que o filme é inofensivo e que o rock ’n’ roll nada tem de enlouquecedor ou de mórbido, razão por que o classificou somente como proibido para menores de 14 anos de idade, o chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas convidou o chefe de Polícia, o ministro da Educação, o juiz de Menores, críticos de cinema e escritores para a exibição, às 18h de hoje, na cabine da Warner, do filme ‘Ao balanço das horas’, recentemente exibido em São Paulo, quando provocou agitada reação de jovens. Como medida preventiva para que não sucedam nesta capital as cenas ocorridas nas principais cidades americanas e europeias onde a película foi exibida — como aconteceu recentemente em São Paulo — o Sr. Hyldon Rocha, chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas, solicitará ao coronel Batista Teixeira policiamento especial para os cinemas que exibirem o filme ‘Ao balanço das horas’. Adiantou-nos o Sr. Rocha que essa será a única medida possível para coibir a algazarra promovida pela juventude, porque proibiu o filme para menores até 14 anos em virtude de nele não 9
ter observado detalhes que o levassem a limitá-la mais. E frisou: ‘Logicamente, a mocidade irá ver a película. Mas encontrará nos cinemas policiamento para contê-los’.”
Delinquência Juvenil, Gangues, Punks & Contracultura Apesar desses fatos, este não seria nem o primeiro nem o último filme a gerar polêmicas. Obras sobre delinquência juvenil já haviam surgido mesmo antes do rock ’n’ roll, no início dos anos 1950, como o famoso O Selvagem (The Wild One, 1951), com Marlon Brando em um dos seus papéis mais memoráveis, como líder de uma gangue de motociclistas que invade uma cidade do meio-oeste americano durante uma corrida de motos. Sementes da Violência (Blackboard Jungle, 1955), com Glenn Ford, que abria os créditos iniciais do filme ao som de “Rock Around the Clock”, de Bill Halley, chegou a ser retirado do Festival de Veneza de 1955 pela embaixadora americana Clare Booth Luce, uma católica ferrenha, após ter assistido a uma cópia do filme. Ela o considerou degenerado, e que a obra mostrava uma imagem errada da juventude da América. Com relação a esse filme, a Rainha Elizabeth II, após saber do fenômeno, pediu que uma cópia lhe fosse apresentada para saber o que acontecia naquela história que provocava comportamentos destrutivos nos jovens. Como esses exemplos, muitos outros filmes sobre rock foram feitos entre 1957 e 1962, e a maioria deles servia apenas para apresentar ao público o novo ritmo. Alguns merecem destaque como: Don’t Knock The Rock (1956), dirigido por Fred F. Sears, que trouxe a estreia de Little Richard ao cinema, enquanto Shake, Rattle and Rock e Rock, Rock, Rock (ambos de 1957), as de Fats Domino e Chuck Berry, respectivamente. Ainda em 1957, um desses filmes, considerado por muitos como quadradinho e fabricado, é Jamboree, dirigido por Roy Lockwood e lançado pela Warner. Em seu elenco trazia participações de astros como: Jerry Lee Lewis, Fats Domino, Carl Perkins, Frankie Avalon, Count Basie, entre outros. Seu roteiro era muito simples: o casal, Honey e Pete, é uma dupla de sucesso, mas passam o tempo todo brigando durante o filme, enquanto seus discos sobem nas paradas. Muito interessante por conta das performances. Mesmo não tendo a música como principal foco da trama, filmes como Os Selvagens da Noite (Warriors, 1979), de Walter Hill, e Repo Man, a Onda Punk (Repo Man, 1984), de Alex Cox, merecem ser citados aqui por sua “atitude rock ’n’ roll”, como outros que veremos a seguir. Os Selvagens da Noite influenciou muito o conceito de gangues urbanas e conta a história de uma dessas gangues de adolescentes nova-iorquinos que é acusada injustamente de ter assassinado Cyrus, o líder da maior gangue da cidade. 10
Na época, o nascente movimento punk paulistano foi muito influenciado por este filme. Já Repo Man, a Onda Punk conta a história de um cara que se torna o repo man (repossessor) do título do filme. Especializado em tomar de volta carros que não foram completamente pagos por seus donos, ele se vê às voltas com um cientista maluco que fugiu de uma base militar com uma “coisa” pra lá de estranha guardada no porta-malas de um antigo Chevy Malibu. Quem o abre, é desintegrado! Alienígenas, UFOS, controle governamental, um grande número de sem-teto espalhados pelas ruas e uma polícia incompetente fazem deste filme, que poderíamos chamar de weird science-fiction com tons de comédia, uma obra que é a cara do niilismo punk oitentista. Uma deliciosa trilha sonora embalada por Iggy Pop, Black Flag, Suicidal Tendencies e Circle Jerks, entre outros grupos punks menos ilustres, completa esse delicioso cult movie. Não menos cult que este exemplo de “filme B 80” são as obras de Michelangelo Antonioni, Blow-Up, Depois Daquele Beijo (BlowUp, 1966) e Zabriskie Point (1970). No primeiro, vemos uma Swinging London — a Londres moderninha, vibrante e descolada do início da segunda metade dos anos 1960 após sua recuperação do pós-guerra — regada a sexo, drogas, rock ’n’ roll e belas mulheres, como a supermodelo Veruschka (interpretando ela mesma), onde há uma cena antológica de uma aparição dos Yardbirds com Jimmy Page e Jeff Beck tocando num pub londrino. Antonioni pediu que Beck destruísse a guitarra após a apresentação, numa clara alusão à atitude de Pete Townshend do The Who, um ato que deixava o cineasta fascinado. Em 1970, Antonioni cruza o Atlântico e vai conceber a obra-prima do retrato da contracultura americana: Zabriskie Point, com músicas compostas especialmente para o filme por artistas como Jerry Garcia, The Kaleidoscope e Pink Floyd. Quando fala sobre o filme The Wall, Garry Mulholland deixa claro que nunca gostou de Pink Floyd, e talvez seja por essa razão que sequer cita os outros filmes ligados à banda. Outras obras mais conceituais — mesmo que não necessariamente ligadas ao rock —, com trilhas cultuadas compostas pelo Pink Floyd, ficaram de fora, como La Valee, que gerou “Obscured By Clouds”, o sétimo álbum de estúdio da banda, de 1972. O Pink Floyd estreou nas trilhas de cinema em 1968, com o filme The Committee, e depois More, em 1969, do mesmo diretor de “Obscured by Clouds”, Barbet Schroeder. Saindo da área dos filmes mais conceituais, não podemos nos esquecer também do clássico Live At Pompeii, de 1972, que traz o Pink Floyd tocando nas ruínas de Pompeia. A fotografia, aliada à música da banda na época, proporcionava um efeito que, até então, jamais havia sido experimentado no cinema por uma banda de rock. 11
No que diz respeito a trilhas compostas por músicos de rock, Rubens Ewald Filho irá comentar isso melhor no prefácio, mas um, em especial — não apenas por sua trilha, mas também por seu contexto cultural e, principalmente, pelo seu teor político ácido —, merece ser citado aqui. Apenas um ano após o Woodstock e Zabriskie Point mostrarem que a contracultura funcionava no país da “liberdade e da justiça”, Corrida Contra o Destino (Vanishing Point, 1971) chega a nós como um dos melhores road movies de todos os tempos para provar que todos estavam enganados e que o sonho havia acabado! Esse não é um filme sobre rock. Mas então, vocês se perguntam: por que o doido do Kid Vinil está escrevendo sobre um filme recheado de perseguições de carros envolvendo “toda” a polícia americana, com helicópteros e tudo o mais no meio do deserto de Nevada? Ora, quer atitude mais rock ’n’ roll num filme do que uma obra de arte cinematográfica que mostra um homem que vive do subemprego de entregar carros de um estado para o outro e, após servir magistralmente a seu país como fuzileiro, tornar-se herói da Guerra do Vietnã, ter sido piloto de provas e um ex-policial demitido por sua corporação, se espatifa contra um bloqueio na estrada após uma enorme perseguição causada por uma infraçãozinha de trânsito? Pois é isso que o filme é! Kowalski, o herói do filme, aposta com um amigo que pode levar apenas um dia para entregar um carro de Denver, no Colorado, a São Francisco, na Califórnia, percorrendo inacreditáveis 1523 km num Dodge Challenger 1970. Após cometer uma infração de trânsito por, claro, excesso de velocidade, tem a polícia rodoviária de três estados em seu encalço e ganha notoriedade da contracultura quando o DJ Super Soul, um radialista cego, começa a ajudar Kowalski, dando informações sobre a polícia e se transforma em um ídolo ao continuar com sua missão, não se entregar e terminar morto quando se choca contra um bloqueio na Califórnia composto por dois tratores que fecham a estrada. Uma das cenas mais famosas do filme conta com a música da obscura banda de rock J.B. Pickers, chamada “Freedom of Expression”, numa alusão explícita à liberdade de expressão, à liberdade de ir e vir. Para quem não sabe, o tema de abertura do Globo Repórter usa essa música até hoje. Um filme punk antes do punk com a sua mensagem de não se render, não se entregar perante o sistema.
Beatles, Stones e mais Rock ’n’ Roll Deixando um pouquinho de lado a política, a contracultura e suas relações com o bom e velho rock ’n’ roll, vamos falar um pouquinho sobre Beatles, Rolling 12
Stones e outros clássicos que por opção, gosto pessoal ou falta de espaço, ou todos eles, o autor não incluiu em sua lista. Dos Beatles, achei que Garry poderia ter incluído Magical Mystery Tour (1967), que apesar de ser um especial de TV produzido pela BBC inglesa, tem ainda aquele sabor de psicodelia e bom humor dos filmes dos quatro rapazes de Liverpool. Os Rolling Stones, por sua vez, também produziram alguns filmes, além do citado Gimme Shelter. Em 1968, Rock and roll Circus, uma celebração da psicodelia, trazia convidados como John Lennon & Yoko Ono, The Who, Jethro Tull e Eric Clapton. O mistério e o culto em torno da banda ficaram por conta do documentário Cocksucker Blues, sobre o tour americano dos Rolling Stones divulgando o álbum “Exile On Main Street”, de 1972. Um filme que até os dias de hoje só circula em cópias piratas e acabou se tornando um cult movie na carreira dos Stones. No lugar dele, em 1972 os Stones preferiram lançar o filme documentário da turnê chamado Ladies and Gentlemen: The Rolling Stones. Voltando aos Beatles, seus integrantes também tiveram seus momentos no cinema: George Harrison, em 1968, fez a trilha sonora do filme Wonderwall, estrelado por Jane Birkin; John Lennon atuou como ator em Como Eu Ganhei a Guerra (How I Won The War, 1967); mas o que mais marcou foi o filme documentário The Concert For Bangladesh (1972), um show organizado por George Harrison e Ravi Shankar para ajudar os refugiados de Bangladesh que conta com um verdadeiro desfile de estrelas do rock, como Ringo Star, Eric Clapton, Bob Dylan, Billy Preston, Leon Russel e Badfinger. Paul McCartney lançou em 1984 o filme e a trilha de Give My Regards to Broad Street. Ainda na década de 1970 está um dos meus filmes de rock favoritos de todos os tempos: Mad Dogs & Englishmen. Lançado em 1971, esse documentário mostra o sensacional tour de Joe Cocker e sua banda logo após o seu sucesso no Festival de Woodstock. Certa vez em Londres, vi um dos shows de estreia do grupo americano Black Crowes e no telão, ao fundo do palco, eram projetadas imagens desse filme. Numa entrevista que fiz com o vocalista Chris Robinson perguntei a ele a razão daquelas imagens e a resposta foi simples: “tenho um pôster enorme desse filme que cobre toda a porta do meu quarto; em resumo, é o filme da minha vida”, disse ele. E eu concordei! Vale lembrar ainda que, dos filmes conceituais dessa época, um dos mais intrigantes é 200 Motels (1971), de Frank Zappa, cuja ideia o músico teve durante uma excursão dele com seu grupo The Mothers of Invention. Uma obra cinematográfica absolutamente original e que eu não poderia deixar de comentar aqui.
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Os Astros do Rock e suas Incursões Como Atores Nessa trajetória de filmes de rock, vale a pena lembrar daqueles astros que, além de músicos, ainda tentaram uma carreira como ator, mesmo que só por farra ou por brincadeira. Bob Dylan, por exemplo, atuou no western Duelo na Poeira (Pat Garret & Billy The Kid, 1973) e fez uma das mais belas trilhas, com destaque para a canção “Knocking on Heaven’s Door”. Mais tarde produziu e estreou um filme underground chamado Renaldo & Clara (1975), com quatro horas de duração, que retratava o romance de Renaldo (Bob Dylan) e sua esposa Sara Dylan no papel de Clara, com cenas ao vivo da turnê com sua banda em 1975. David Bowie apareceu de forma sensacional no filme O Homem que caiu na Terra (The Men Who Fell to Earth, 1976), um papel perfeito para o camaleão do rock cujas canções na década de 1970 falavam de seres alienígenas e experiências espaciais. Em 1983 Bowie reaparece ao lado da diva Catherine Deneuve em Fome de Viver (The Hunger, 1983), que mostrava um lado mais sombrio do rock. Em uma das cenas, o grupo Bauhaus aparece no telão de uma boate underground tocando o clássico “Bela Lugosi is Dead”, um dos primeiros representantes da onda gótica do rock inglês. Essa aparição surge em uma cena antológica onde os vampiros, David Bowie e Catherine Deneuve, aparecem “caçando” as próximas vítimas de sua fome e sede de sangue. No mesmo ano um sucesso de bilheteria foi Furyo, em Nome da Honra (Merry Christmas Mr. Lawrence), onde Bowie contracena com o famoso músico japonês Ryuichi Sakamoto, que compôs a excelente trilha do filme. Um musical interessante, porém desprezado e execrado por Garry Mulholland na introdução deste livro é Absolute Beginners, de 1986, dirigido por Julien Temple e estrelado por David Bowie e a cantora Sade. O filme foi um fracasso de bilheteria na época, mas a trilha sonora assinada por Bowie foi bem-sucedida e muitos o compararam ao filme americano Ruas de Fogo, Uma Fábula de Rock ’n’ Roll (Streets Of Fire, 1984). Mesmo contando com uma trilha sonora eficiente, esse filme também foi um fiasco de crítica e público. Em 1986, Bowie estrelou em Labirinto, a Magia do Tempo (Labirynth) e foi mais um fracasso de crítica e público, com uma razoável trilha sonora. A década de 1980 foi marcada por uma série de filmes descartáveis que usavam a new wave como pano de fundo e trilha sonora e que não merecem ser citados aqui. Mesmo assim, surgiram obras conceituais como Videodrome, A Síndrome do Vídeo, de 1983, estrelado pela musa da new wave Debbie Harry, do grupo Blondie, e dois documentários importantes da era punk/new wave que valem a pena ser comentados: Urgh! A Music War, de 1982, e The Decline of Western Civilization, filmado 14
em Los Angeles entre 1977 e 1980. Urgh! traz performances históricas de bandas como Devo, The Cramps, Dead Kennedys, 999, The Police, Echo & The Bunnymen, Gary Numan e Klaus Nomi. O filme The Decline of Western Civilization traz o retrato da cena punk californiana do final dos anos 1970, com entrevistas e atuações das bandas The Germs, Black Flag, X, The Bags, Circle Jerks, Catholic Discipline e Fear.
Este Estranho Objeto do Desejo, do Amor e do Ódio dos Fãs: O “Rockumentário” Apesar da máxima “gosto não se discute” ser verdadeira, acho que pelo menos, se não pode ser discutido, pode ser então apenas comentado. Em qualquer tipo de expressão artística existem obras que são consideradas fracas ou mesmo ruins pela crítica, pelo público e, às vezes, por “ambos os dois”! (hehehehe). Então, vou aproveitar aqui este espaço para citá-las, já que são, de uma forma ou de outra, ícones da cultura rock para muita gente, e não quero ficar paranoico achando que, por não comentá-los, algum maníaco que tem certeza que rock é coisa do “Demo” vai colocar o meu nome na “boca do sapo”. Mais uma vez, vamos lá. The Songs Remains the Same do Led Zeppelin, de 1976, é apenas um dos muitos casos que comentarei a seguir, mas que, para os fãs das bandas ou para a história do rock e dos filmes sobre o gênero, são representações de ideias ou ideais que podem não ter agradado a todos, mas que com certeza tem seus fãs espalhados por aí. O único filme do Led foi considerado fraco por muita gente, mas como fã da banda, lembro-me até hoje quando fui na pré-estreia. Lá estavam Baby Consuelo e Pepeu Gomes, que saíram extasiados com o filme. As opiniões eram divididas, mas confesso que gostei muito das loucuras de Jimmy Page e do lado zen de Robert Plant. Rattle and Run do U2 (1988) e Shine a Light dos Stones (2008) são também ótimos exemplos. A película sobre a turnê do U2 pela América gerou o álbum do mesmo nome. Nele aparecem B.B. King e Bob Dylan dentre os convidados. Também severamente criticado, considero um bom filme dentro do que ele se propõe. Já no documentário sobre a trajetória dos Rolling Stones que cobre a turnê A Bigger Bang, dirigido por Martin Scorsese, todos tinham uma grande expectativa em torno do trabalho do diretor, mas muitos se decepcionaram com o resultado. No Direction Home de Bob Dylan, lançado em 2005, é um caso bem interessante. Aqui, o diretor Martin Scorsese acertou na mosca, produzindo um dos melhores documentários sobre um período fértil e ao mesmo tempo turbulento da carreira de Bob Dylan. 15
Imagine de John Lennon (1988), contudo, não agradou muita gente, mas para suprir uma lacuna sobre a obra do Beatle pacifista, ainda vale a pena. O mesmo não vale para Meeting People is Easy do Radiohead. Eles podem ser uma ótima banda, mas este documentário deixa muito a desejar. Chatérrimo! Em 1987, foi lançado Hail! Hail! Rock ’n’ Roll, um excelente show/documentário para comemorar o aniversário de 60 anos de Chuck Berry, permeado por um excelente show e a performance de uma superbanda formada por “monstros sagrados do rock ’n’ roll”, entre eles Keith Richards e Stones. Os arranjos das músicas ficarão bem mais superiores. Até mais que os próprios originais, muito por conta da banda e dos convidados, entre eles: Robert Cray, Eric Clapton, Julian Lennon, Etta James e outros. O documentário também é muito bom, mas perde-se um pouco em meio ao excelente show e tem depoimentos interessantes de seus grandes fãs como John Lennon, Eric Clapton, como também de seus contemporâneos, Little Richards, Roy Orbison e Bo Diddley. Little Richards foi homenageado em 2000 com uma cinebiografia bacaninha, mas que deixa um pouco a desejar no quesito roteiro, por ser muito linear e quadradinho. Antes que me esqueça e que eu seja mandado para o inferno por não citar isso por algum fanático como eu mesmo, vou comentar aqui sobre dois “rockumentários” sui generis. O primeiro é sobre uma excursão de trem com grandes nomes do rock ’n’ roll dos anos 1960/70; o segundo, a história, por mais curioso que isso possa parecer, de uma gravadora independente inglesa. Festival Express é um documentário sobre uma excursão de trem realizada em 1970 no Canadá por alguns dos maiores músicos de rock que puderam ser reunidos na época, como Grateful Dead, Janis Joplin e The Band. Lançado em 2003, o filme combina cenas gravadas durante os concertos e a bordo do trem, intercaladas por entrevistas atuais realizadas com os participantes da turnê. No verão de 1970, esse trem de carga cruzou o Canadá, os shows duraram uma semana e o “comboio do rock” passou pelas maiores cidades do país com performances arrasadoras executadas pelos artistas envolvidos. Neste maravilhoso “rockumentário” podemos acompanhar, trinta e cinco anos depois, como os maiores músicos da época faziam seus fãs irem à loucura. Upside Down, The Creation Records Story, lançado em 2011 e dirigido por Danny O’Connor, é um dos melhores documentários sobre rock já realizados sobre uma gravadora. A Creation Records foi um dos selos mais importantes do rock britânico na década de 1990. De lá surgiram Oasis, Primal Scream, The House of Love, My Bloody Valentine, Teenage Fanclub, Ride e muitas outras bandas que ficaram na história do novo rock britânico. O fundador da gravadora, 16
Alan McGee, acabou se tornando uma referência para os produtores do rock moderno. Realmente soberbo! Como o próprio autor afirma ao longo deste livro, o “rockumentário” pode ser interessante ou maçante, dependendo da proposta da banda e dos produtores envolvidos no projeto.
Anos 1990: Tempos de Boas Trilhas Sonoras Pensando no quesito trilha sonora, a década de 1990 foi marcada pela “Era Quentin Tarantino” e o cinema violento, trazendo clássicos como Pulp Fiction, Tempo de Violência, de 1994, cuja trilha sonora foi uma das mais vendidas da década e recuperou John Travolta depois de sua superexposição ao sucesso em Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever, 1977) e Grease, Nos Tempos da Brilhantina, de 1978. Tarantino ficou famoso também por suas trilhas sonoras em Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), Assassinos por Natureza (Natural Born Killers, 1994, produzido por ele e dirigido por Oliver Stone), Jackie Brown (1997) e Kill Bill, já no início do novo século, lançado em 2003. Todas essas trilhas traziam clássicos do rock e pop, escolhidos por Tarantino, que permeavam esses filmes. Numa outra onda um pouco menos violenta, mas mostrando o lado junkie da juventude britânica, surgiu em 1996, Trainspotting, Sem Limites, que se tornou um clássico cult movie, também calcado em sua trilha sonora. Era comum ver roqueiros famosos usando camisetas com as fotos dos personagens de Trainspotting, representando muito da atitude da geração anos 1990. Um filme comparável ao efeito causado por Laranja Mecânica (Clockwork Orange, 1971), de Stanley Kubrick. Muitas dessas trilhas têm hoje um lugar de destaque em minha coleção, e para inveterados colecionadores de discos como eu, o filme Alta Fidelidade (High Fidelity, 2000) é um clássico do gênero; para outros, como o próprio autor deste livro, não passa de uma bobagem feita por um bando de nerds que adoram ficar inventando listas.
O Fin de Siécle e o Novo Milênio Nos anos 1990 e na primeira década do século XXI, surgiram alguns filmes bacaninhas ligados ao tema do rock como Detroit Rock City, de 1999, no qual quatro rapazes embarcam numa louca aventura pelas estradas americanas rumo ao show de sua banda favorita, o KISS, na cidade de Detroit. Levados pela paixão pelo grupo de rock, nada poderá impedir o grupo de assistir ao grandioso espetáculo que é ver de perto os quatro mascarados que, na época, ninguém sabia quem realmente eram por trás dos seus trajes dark glitter. 17
Outros filmes interessantes são Bill & Ted, Dois Loucos no Tempo (Bill & Ted’s Bogus Journey, 1991) e Airheads, Os Cabeças de Vento (Airheads, 1994). Como seu correspondente punk Repo Man, Bill & Ted é um weird science fiction que se passa em 2691! Nessa época, um ambicioso cientista chamado “De Nomolos” se cansa do sistema em que a humanidade vive (sistema este criado por Bill & Ted) e decide fundar uma nova ordem. Para que sua utopia particular seja aceita, ele se vê obrigado a acabar com a dupla que o deprime. Assim, envia 700 anos no passado, dois robôs idênticos a Bill & Ted e ordena-lhes que matem os verdadeiros e assumam seus lugares, agindo de modo que a dupla passe despercebida pela história do mundo. Os robôs conseguem matar nossos heróis, mas estes começam a atravessar sua maior aventura, dessa vez no outro mundo. Jogam com a Morte, conhecem Deus e antes de conseguirem retornar ao mundo dos vivos, conseguem salvar a si mesmos, suas namoradas e, de quebra, ainda vencem um concurso de bandas cujos principais adversários são os próprios robôs numa cena completamente hilária! A trilha sonora é um capítulo à parte, e traz as presenças de Steve Vai, KISS, Megadeath, Primus, entre outros. Outra trilha e filme muito divertidos é Airheads, Os Cabeças de Vento (Airheads, 1994), com nomes de peso como Motörhead com Ice-T cantando Born to Raise Hell, 4 Non Blondes e White Zombie. Numa pegada um pouco diferente, este filme conta a história de três amigos que decidem montar uma banda chamada “Os Cavaleiros Solitários” e passam por algumas inusitadas aventuras como: tentar convencer uma gravadora a ouvir a sua demo; “assaltar” uma rádio com armas de brinquedo e tentar de qualquer jeito, com a ajuda do DJ Ian, executar sua fita — que é danificada enquanto a polícia cerca o prédio. Um deles tenta entrar em contato com sua namorada Kayla, que possui a única cópia da fita — entre outras peripécias, e antes de acabarem na cadeia, um executivo de uma gravadora oferece um contrato para os malucos. O filme termina com os três cumprindo pena junto com Ian, o DJ da rádio que se torna agente deles. Enquanto os amigos ficam encarcerados, o disco que foi lançado a partir do contrato com a gravadora consegue a façanha de ganhar um triplo de platina e eles são convidados para uma turnê assim que ganharem a liberdade. Ainda nos anos 1990, um filme muito interessante, mas que passou despercebido foi Ainda Muito Loucos (Still Crazy, 1998), que conta uma história com final feliz como Airheads, mas com muito mais seriedade e verossimilhança com a realidade, apesar de se tratar de uma obra de ficção. 18
Durante uma tempestade após uma desastrosa apresentação num típico festival de rock em 1977, a banda de hardrock Strange Fruit, que brilhava nos palcos, se desfaz em meio a brigas de egos, morte trágica do guitarrista por overdose e muitas confusões. Vinte anos depois de terem acabado, o tecladista Tony Costello, na pele de Stephen Rea, tenta localizar os outros integrantes da banda após ser reconhecido por um antigo fã. Além de terem perdido o genial e drogado guitarrista Brian Lovell e não conseguirem localizar o principal compositor da banda, que desapareceu nos anos 1970, os integrantes enfrentam os seus piores demônios para conseguir ficar juntos. Provavelmente, muitos rockers da antiga, ou pessoas que conviveram de perto com bandas de rock, se comoverão e irão às lágrimas com a história e seus vários elementos conhecidos de quem passou por este tipo de experiência: o vocalista-estrela, que posa de bem-sucedido, mas está quebrado; o tecladista romântico e secretamente apaixonado por uma groupie; o batera que mora com a mãe, que está fora de forma e tem medo de cobradores; o baixista, pai de família — que vivia se desentendendo com o vocalista chiliquento — e que se vê tentado a recuperar o seu sonho perdido; a música maldita que não pode ser tocada; e o misterioso integrante da banda que é peça-chave da história. Um excelente roteiro em um filme modesto e que merece ser visto por todas as pessoas que conhecem a mitologia e as lendas urbanas do rock ’n’ roll. No início da nova década e do novo século fomos brindados por ótimas cinebiografias, subgênero que Gary Mulholland parece não ver com muitos bons olhos. Mas não consegui entender por que ele incluiu em sua lista A História de Buddy Holly (1979) e deixou de fora obras fantásticas como La Bamba (1987) e A Fera do Rock! (Great Balls of Fire!, 1988). Por mais que o autor diga na introdução que são obras que não merecem ser vistas, não há como negar que Dennis Quaid se saiu muito bem no papel do “matador” Jerry Lee Lewis e seu incendiário piano, além da trilha ter sido feita especialmente por Jerry Lee em pessoa. O mesmo pode ser dito de Lou Diamond Phillips, que convence no papel de Ritchie Valens em La Bamba. Além disso, em uma cena muito interessante num festival, as aparições de Eddie Cochran — interpretado por seu fã número um Brian Setzer, guitarrista dos Stray Cats — e de Buddy Holly — com o cantor e guitarrista americano Marshall Crenshaw no papel — cantando “Crying, Waiting, Hoping” chegam a dar calafrios, de tão impressionante que é a performance dos intérpretes. Nessa tendência de cinebiografias, que não são citadas pelo autor, merece destaque The Runaways, que teve as presenças marcantes de Kirsten Stewart — fabu19
losa e absolutamente convincente como Joan Jett — e Dakota Fanning — como Cherie Currie. O filme é muito bem feito e faz justiça nesse quesito de cinebiografias de rock ao abordar uma banda composta só por garotas, que, como muitos sabem, é coisa rara no rock. Salvo alguma coisa que deletei da minha memória, já um tanto seletiva, ou que, tal como o autor, não gosto, não me identifico ou não citei de propósito e não citaria nem que os fantasmas de Elvis Presley, Brian Jones, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Jim Morrison e Ian Curtis ressurgissem juntos para me assombrar, creio que esta apresentação cobre algumas das lacunas que foram deixadas em aberto pelo autor e são absolutamente justas dentro de seus critérios, mas que eu mesmo senti falta como fã de muitos dos filmes que cito aqui. Vejam a seguir no próximo “trailer”, digo, no prefácio de Rubens Ewald Filho, como esse gênero de música adolescente se politizou, se revoltou e transformou a cara da sétima arte com sua linguagem pop e cheia de atitude, gerando vertentes que, se não são completamente novas, trouxeram gás, energia e velocidade — Matrix é um ótimo exemplo — para uma forma de cultura que começou como entretenimento banal de feira de variedades, virou arte e se transformou em uma das formas de cultura mais populares de todos os tempos: o cinema. BOA LEITURA Kid Vinil, Outono de 2012
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Prefácio Como o Rock mudou a História do Cinema Antes de contar neste prefácio como aconteceu para mim a maravilhosa experiência de conhecer o rock ’n’ roll nos idos dos anos 1950, gostaria de alertar o público leitor brasileiro sobre esta obra-prima que reúne, numa só tacada, as duas formas mais revolucionárias de arte e cultura pop do século passado, que continuam a revolucionar a forma como enxergamos o mundo em que vivemos e pelas quais somos influenciados: o cinema e o rock. Não se espantem ao ler este livro de Garry Mulholland se, por vezes, ele privilegiar o rock inglês. Afinal essa é a terra dele, um dos seus principais enfoques e que não desmerece em nada esta obra revolucionária por seu absoluto pioneirismo! O autor anglófono acaba justificando ao longo do texto o destaque que dá a determinadas figuras um tanto quanto obscuras para nós como Cliff Richard, o “Elvis britânico”. Você vai até se espantar em saber que alguns dos principais filmes da lista vip de Garry, como Expresso Bongo (1959), foram exibidos no Brasil, ainda que sem maior repercussão. Um filme de Cliff Richard, ainda inédito para nós, The Young Ones (1961), serviu ao menos para alavancar a carreira do diretor Sidney Furie, que logo depois faria Ipcress — O Arquivo Confidencial (The Ipcress File, 1965), que revelaria Michael Caine para o mundo. Isso seria verdade com outros filmes de rock. O jovem diretor Michael Winner (da série Desejo de Matar) ainda teria sua chance com o musical Play it Cool (1962), também inédito por aqui, e o célebre John Boorman, de Excalibur (1981) estrearia na direção com a banda The Dave Clark Five em um musical inédito no Brasil, chamado Catch us If you Can (1965). Pena que naquela época não tínhamos como fazer download do que não era lançado no cinema. Também concordo com o destaque dado a uma obra-prima do rock, hoje quase esquecida, que foi Privilégio (Privilege, 1967), de Peter Watkins, que teve grande repercussão no Brasil, porque contava a história de um ídolo do rock que começava a fazer propaganda religiosa justamente no momento em que no Brasil — mesmo que a comparação seja um tanto quanto esdrúxula — a mesma coisa se sucedia na época com o nosso Roberto Carlos! Essa obra-prima, nunca mais reapresentada, foi estrelada por Paul Jones (que foi vocalista da banda Manfred Mann e depois virou astro de musicais no West End, mas que estranhamente, 21
nos anos 1980, se tornaria um cristão Born Again). O filme trouxe também a única aparição no cinema da bela Jean Shrimpton, então a modelo mais famosa da Grã- Bretanha no auge da “Swinging London” (e anterior a Twiggy). O diretor Watkins, que parecia tão talentoso, passou a fazer depois apenas semidocumentários de pequena repercussão. Porém, não deixe de colocar este filme na lista dos que precisa ver antes de morrer. Mas pequenos filmes, por mais efêmeros que possam ser, normalmente também têm os seus destinos traçados. E falando em destino, foi Sem Destino (Easy Rider, 1969), o célebre e “pequeno filme” de Peter Fonda e Dennis Hopper, que em 1969 revolucionou a maneira de se fazer filmes em Hollywood (custou muito pouco e atraiu uma plateia jovem disputada a tapa pelos estúdios) e que trouxe a moda de colocar sucessos de rock nas trilhas sonoras. Como a dupla era amiga dos músicos, conseguiu os direitos por muito pouco, mesmo utilizando canções hoje clássicas como “Born to be Wild” e “The Pusher”, dos Steppenwolf, e outras de The Byrds, Bob Dylan, The Band, The Jimmi Hendrix Experience etc. A ideia seria copiada com frequência, ainda mais depois que George Lucas fez Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973), com uma trilha nostálgica de rock anos 1950/60 que ajudou a tornar o filme um grande êxito. Desde então se tornou frequente não apenas usar discos preexistentes como trilha, mas também aproveitar nomes de canções para títulos de filmes. De qualquer forma, ter acesso aos filmes de rock continuou a ser um problema durante muitos anos. Eventos como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo normalmente se encarregavam de cobrir a falha trazendo, por exemplo, os filmes obscuros de Bob Dylan. Mesmo assim, alguns dos mencionados neste livro soberbo ainda são raros — como Cocksucker Blues (1972), That’ll Be the Day (1973), Stardust (1974), Slade in Flame, 1974, Rockers (1978), The Rutles: All You Need Is Cash (1978), Babylon (1981), Rude Boy (1980) e Wild Style (1983) — ou saíram por aqui em vídeo completamente sem divulgação — Rock ’n’ Roll High School (1979), Jubilee, 1978, Quadrophenia (1979) e Breaking Glass (1980) — ou apenas em breves passagens pela TV — A História de Buddy Holly (The Buddy Holly Story, 1978). Essa cultura musical toda, por mais que o cinema seja a minha paixão, não teve início com nenhum filme citado aqui, mas com um antigo “78 rpm”(CALMA QUE EU EXPLICO O QUE É ESSA “FORMULA QUÍMICA”... hehehe) em um momento memorável da minha juventude. Para mim, o rock nasceu numa tarde quente em meados de 1955, em Santos, quando fui acompanhar minha mãe numa visita a uma amiga e me deixaram com o sobrinho dela. 22
Na falta de assunto, ele resolveu me mostrar sua nova propriedade: “Olha o que eu acabei de ganhar”. E ali, num disco de 78 rotações, tive meu primeiro choque (ao contrário do que dizem os especialistas, não chamávamos de bolacha; era apenas disco, já que ainda não haviam sido destronados pelos formatos em outras rotações, como o clássico LP — long play — ou simplesmente vinil de 331/3 rotações). A obra em questão era “Rock Around the Clock”, interpretada por Bill Haley e Seus Cometas, que eu já sabia ser o tema musical do filme Sementes da Violência (Blackboard Jungle, 1955) de Richard Brooks, que vinha criando muita polêmica porque abordava um tema da moda: a delinquência juvenil nas high schools. A embaixadora americana Clare Booth Luce chegou ao cúmulo de intervir para retirá-lo do Festival de Cinema de Veneza porque, em sua opinião, ele mostrava uma imagem negativa da América! A canção só aparecia durante os letreiros de abertura do filme, mas já dava o tom para o tema então ousado (estudantes atacam uma professora e tentam estuprá-la). Lembro que o filme ainda não havia sido lançado por aqui, e quando quis assisti-lo, havia sido proibido para menores de 18 anos. Mas não a canção. Ela tinha algo de arrebatador, de mexer com a gente, com um som que nunca tinha ouvido antes (não esqueçam também que as rádios não tocavam esse tipo de música, ao menos no interior). Também as informações não eram como hoje, custavam a chegar e muitos dos ídolos da música nem tinham seus discos lançados aqui. O cinema era ainda o grande divulgador e, mesmo assim, os filmes também chegavam com atraso de seis meses a dois anos. Ou às vezes nem estreavam aqui. Não havia home video que permitisse vê-los depois em casa — um filme um pouco anterior sobre o tema, Juventude Transviada (Rebel without a Cause, 1955), com James Dean, não usava o rock como tema. Entretanto, na música, o que me pegou foi uma batida diferente, que mexia comigo e não me deixava ficar parado. Contagiosa, irrefreável. Mas nem eu, e nem ninguém podia imaginar que daquela canção em diante, nem o cinema, o mundo, nós todos nunca mais seríamos os mesmos e muito menos a música feita para os jovens. Bill Haley não era propriamente um galã, tinha uma cara engraçada com um “pega-rapaz” na testa e nem sequer é o autor da canção (autoria de Max Freedman e Jimmy D. Knight). Não era grande coisa como ator, mas mesmo assim, foi o primeiro astro do rock no cinema e estrelou o primeiro filme do gênero, lançado por aqui como Ao Balanço das Horas (Rock Around The Clock, 1956), de Fred Sears, também pioneiro de uma série de fitinhas B produzida por um certo Sam Katzman para a Columbia, que rodava em preto e branco e às pressas com a única intenção de faturar rapidamente. Com censura livre, o filme estreou nor23
malmente no Brasil, mas no dia da estreia os jovens se levantaram e dançaram no cinema, o que provocou escândalo e quebra-quebra. Resultado: o governo, escandalizado — o prefeito de São Paulo, que na época era Jânio Quadros, adorava uma polêmica —, conseguiu que o juizado de menores o proibisse para 18 anos, o que logicamente determinou seu fracasso. Parece que este foi também um dos poucos filmes que a Rainha Elizabeth II da Inglaterra, então bastante jovem, pediu emprestado para exibir no seu Palácio depois que os jovens de lá também dançaram nos cinemas. Não se sabe se ela gostou, mas o fato já dava a ideia da revolução que estava chegando. Ao Balanço das Horas contava uma história ingênua sobre um dono de banda musical que, ao passar por uma cidadezinha chamada Strawberry Springs, ouve um novo tipo de música, que seria o rock ’n’ roll, e que se torna um sucesso imediato entre a juventude local. O filme faz questão também de deixar claro que é uma dança para toda a família e não contribui para a delinquência dos jovens. Além disso, como seria hábito dali em diante, não se mencionaria sua grande influência da música negra como o jazz, o blues e o rhythm & blues. O produtor Katzman, que não era bobo, continuou fazendo outras fitinhas do gênero, abordando cada vez com menor sucesso outros ritmos que foram surgindo: o Calypso — mas sem o criador dele, Harry Belafonte, que preferiu fazer o mais importante Ilha nos Trópicos (Island in the Sun, 1957) —, o Twist (lançando Chubby Checker, criador dessa dança), Cha-Cha Boom (com o maestro Perez Prado) e eventualmente até sobre Country Music.
A Crise do Cinema Não por coincidência, o rock surgiu nas telas num momento em que a indústria do cinema estava em plena crise. Depois do seu apogeu no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os estúdios sofreram um grande baque quando uma decisão antitruste obrigou-os a escolher: ou apenas produziriam filmes (e distribuiriam) ou seriam donos dos cinemas, ou seja, apenas exibidores. Não poderiam mais controlar um mercado fechado (como, no seu auge, os estúdios MGM, RKO e Paramount produziam filmes suficientes para ocupar as salas o ano todo, incluindo curtas, comédias, filmes B, desenhos, documentários etc.). Ao mesmo tempo, surgiu um inimigo poderoso: a televisão e seus primeiros ídolos (Milton Berle, Lucille Ball), que entretinham as famílias em casa, de graça. Por fim, foi se perdendo o hábito dos pais irem ao cinema com os filhos, todos juntos. Cada vez mais o adolescente queria sair para namorar, para se divertir 24
com os amigos e preferia outro tipo de filme, muitas vezes em Drive-in Theatres (cinemas ao ar livre em que eles iam de carro e podiam namorar à vontade). Naturalmente também preferiam outro tipo de música e gostavam de ver nas telas seus ídolos. Embora não se desse conta, começava então o reinado do adolescente no entretenimento de massa, o que prossegue até os dias de hoje, na figura ainda mais jovem do “Tween” (pré-adolescente), que cultua Miley Cirus, Demi Lovato, Jonas Brothers e exemplos mais efêmeros ainda como o elenco de High School Musical, que são rapidamente renovados quando crescem. Ainda não existia de forma clara o conceito de música pop, então tudo que era para jovem levava o rótulo de rock, fossem baladas românticas ou o sonzinho com ritmo maneiro para a turma do surf. Mesmo no Brasil, no começo da década de 1960, surgia Celly Campello — e seu irmão e mentor Tony —, que seria nossa primeira rainha do rock e apareceria cantando em filmes de Mazzaropi, que era de sua mesma cidade natal, Taubaté, no interior de São Paulo.
Cinema, Coisa de Jovem Alguns produtores tiveram a visão comercial de que esse mercado jovem era vasto e de enorme potencial. James H. Nicholson e Samuel Z. Arkoff fundaram a produtora e distribuidora American International (de onde sairia o mestre do Filme B, Roger Corman), que faria sucesso com a Turma da Praia, uma série de filmes, liderada por uma dupla insossa, mas nem por isso menos popular: Annette Funicello (que veio do Clube do Mickey e tinha seu cabelo sempre “laqueado”) e Frankie Avalon, que usavam enormes roupas de banho para dançar e fingir que surfavam. Muito ingênuos, esses filmes nunca tiveram no Brasil grande distribuição, só conseguindo maior repercussão quando passaram na televisão, anos mais tarde. É que no fundo, também havia uma força moralista típica dos anos 1950 que controlava esses ídolos, forçando-os a serem mais bem-comportados — Elvis Presley, quando apareceu na televisão americana em rede nacional, não pôde ser mostrado de corpo inteiro porque, ao movimento de suas cadeiras, sua pélvis poderia ser sugestiva demais! Ou seja, cortavam pela raiz o que o rock tinha de mais importante e inovador, sua sensualidade e rebeldia. Por isso, todos os jovens ídolos do rock sofriam dessa dicotomia, não sabiam se seguiam Elvis ou Frank Sinatra — que, então, estava no auge da popularidade — ou um crooner mais antigo ainda como Bing Crosby. Era o caso de Pat Boone, que fazia o tipo de bom rapaz, já era casado, com filhos e, por razões religiosas, não aceitava beijar mulheres no cinema. Em seu 25
primeiro filme, O Sonho que eu Vivi (Bernardine, 1956), nem havia interesse romântico; no segundo, Primavera do Amor (April Love, 1956), a cena era interrompida quando ameaçava beijar Shirley Jones. Ricky Nelson foi o primeiro dos teens a virar galã (ele cantava no programa de tevê da família, The Adventures of Ozzie and Harriet). E foram surgindo outros, como Tommy Sands (que se casaria com a filha de Sinatra), Bobby Darin (que se casaria com o ídolo das adolescentes, mas que não sabia cantar; Sandra Dee) e os primeiros ídolos pré-fabricados, como Fabian e o já mencionado Frankie Avalon. É curioso que o cinema ignorava — salvo raríssimas participações — os verdadeiros criadores do rock ’n’ roll autêntico, como Chuck Berry, Eddie Cochran, Buddy Holly e Jerry Lee Lewis (mais tarde, muitos deles ganhariam cinebiografias). Tudo isso ocorria porque não se tinha ideia de como utilizá-los (James Brown, o rei do soul, estreou fazendo ponta num filme chamado Folias na Neve (Ski Party, 1965). Vejam o caso do primeiro filme de rock em cores e em Cinemascope, Sabes o que Quero (The Girl Can’t Help it, 1956), de Frank Tashlin, que apesar de trazer números com Fats Domino, Little Richard e The Treniers, ficou mais famoso no Brasil por outras razões: por lançar como estrela a mais famosa rival de Marilyn Monroe e que tinha um busto maior que o dela, Jayne Mansfield; por consagrar o diretor Tashlin, que veio dos curtas de animação e utilizou técnicas vindas do desenho, como na famosa sequência em que Jayne passa na rua com duas garrafas de leite na mão e, ao vê-la, o leiteiro de tão excitado derrete a barra de gelo — mais tarde, esse diretor seria o maior colaborador de Jerry Lewis em seus melhores filmes —; e, finalmente, por trazer aqueles que foram notados pelo público brasileiro: o conjunto vocal de doo-wop The Platters (que também esteve em Ao Balanço das Horas) e a cantora Julie London, que, com seu jeito suave e quente de cantar, teria importante influência na criação da Bossa Nova brasileira!
O Rei Elvis Sem dúvida, o caso mais escandaloso foi o de Elvis Presley, que apesar de ser o maior ídolo e talvez o mais talentoso dos cantores de rock, teve a sorte ou azar de ser descoberto muito cedo por um empresário que se fazia chamar por Coronel Tom Parker. Ele achou que era sua missão divina conduzir a carreira do rapaz de tal forma que Elvis estreou num faroeste preto e branco, Ama-me com Ternura (Love me Tender, 1956), como coadjuvante e cantando apenas três músicas (de outro gênero, como a folclórica “Laura Lee”, que foi adaptada para a canção-título). 26
Foi este o único filme em que apareceu com o cabelo de sua cor natural, alourado, porque dali em diante teve que escurecê-lo e, aos poucos, foi se perdendo em comediazinhas românticas de qualidade inferior (cerca de quarenta, ao todo), cada vez piores. Enquanto o Coronel o impedia de ousar — recusou a deixá-lo fazer Nasce uma Estrela (A Star is Born, 1976) com Barbra Streisand, o que certamente teria prolongado sua carreira e talvez sua própria vida. Quando voltou a se apresentar em palcos, fazendo o que sabia fazer melhor, cantar, já era tarde. Morreria aos 42 anos, vítima das drogas e do álcool. Claro que assim venderia mais discos do que nunca e se tornaria lenda. Talvez a herança mais importante de Elvis tenha sido a influência que teve na criação de um grupo musical britânico que, este sim, viria para quebrar e provocar uma revolução mundial: The Beatles. Antes deles, houve outros roqueiros no cinema britânico: Cliff Richard, The Dave Clark Five, Tommy Steele. Mas quem não viveu a época não tem ideia do impacto que foi a aparição no começo dos anos 1960 desse quarteto, começando pela aparência — até então o cabelo comprido era um tabu difícil de quebrar —, depois pela qualidade musical e suas ousadias. O primeiro filme Os Reis do Iê Iê Iê (A Hard Day’s Night, 1964), dirigido pelo hoje injustamente esquecido Richard Lester, foi feito às pressas porque os produtores tinham medo de que sua popularidade pudesse acabar de uma hora para outra. Mas foi o legítimo precursor dos videoclips e trouxe ao grupo o tom nonsense que lhes permitia fazer qualquer coisa, como crianças malcomportadas. Mais tarde, Socorro (Help!, 1965) e a animação Submarino Amarelo (Yellow Submarine, 1968) serviram para consolidar suas posições rebeldes, que se sintonizaram com a difusão de drogas como o LSD, do movimento hippie, do amor livre, de tudo aquilo que constituiria o Verão do Amor (que foi o de 1968) e o sonho de uma “Nação de Paz & Amor”. Infelizmente, não duraria muito. Mas os Beatles foram os precursores dessa revolução que marcaria toda uma geração e até mesmo as seguintes, e que ficou registrada em alguns notáveis documentários sobre rock, que começariam com Monterey Pop (1968) e alcançariam o seu ápice em Woodstock (1970), tornando-se um subgênero cultuado. Até porque essa é a maneira mais pura de se conservar o rock, antes que os “homens do dinheiro” procurem diluir seu impacto. Outro documentário, Gimme Shelter (1970) cumpriria a triste missão de registrar o fim do sonho dessa nação mítica, quando num show dos Rolling Stones, realizado no famoso Altamont Free Concert na Califórnia, a banda contratou os motoqueiros Hell Angels para fazer a segurança e estes mataram um espectador de forma fria e brutal! 27
On Broadway Um dia o rock tinha que chegar à Broadway, mesmo que já pasteurizado e diluído (e invariavelmente depois virar filme). O primeiro musical de rock foi o simpático Adeus, Amor (Bye Bye Birdie, filmado em 1963), uma sátira a Elvis quando ele foi obrigado a servir no Exército americano por dois anos. Nada comparável ao sucesso e repercussão que teria Hair, o verdadeiro apogeu revolucionário do movimento hippie contra a então Guerra do Vietnã. Praticamente sem história, o show tinha músicas envolventes e pela primeira vez mostrava nudez integral num palco. Só seria levado para o cinema mais de dez anos depois de sua estreia, em 1979, pelas mãos de Milos Forman. Mas ainda assim, de modo memorável. No Brasil, a peça teve a sua estreia na mesma época, em 1969, no Teatro Aquarius, que mais tarde teria seu nome trocado para Teatro Zaccaro, localizado no bairro do Bixiga, em São Paulo. A diluição do rock tomou depois a forma da chamada opera rock (que estava mais para opereta do que rock), com a proposta de Jesus Christ Superstar de Andrew Llloyd Webber (primeiro gravado em LP, depois transposto para o palco e em 1973 para o cinema). O problema com esses essas óperas rock, é que na verdade, houve antes um precursor que usou as lições das montagens teatrais, as ousadias e o misticismo, num filme cult chamado Godspell, A Esperança (Godspell: A Musical Based on the Gospel According to St. Matthew, 1973) de David Greene, brilhantemente rodado em locações, inclusive no World Trade Center, ainda inacabado. Foi quando finalmente aprenderam que, para dar certo na tela, os shows musicais tinham de ser mais cinemáticos, com imagens integradas à história. Alguns optaram pelo delírio total — Tommy (1975), do grupo The Who, filmado por Ken Russell, e Pink Floyd The Wall (1982), de Alan Parker — ou pela sátira — O Fantasma do Paraíso (Phantom of the Paradise, 1974), de Brian de Palma, que virou cult no Brasil e foi muito melhor do que a versão careta do show da Broadway de Webber, O Fantasma da Ópera (The Phantom of the Opera, 2004), de Joel Schumacher. Muitos quebraram a cara, como no abominável Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1978, com Bee Gees e Peter Frampton, que tentou usar canções dos Beatles numa trama meio circense. Melhor resultado teve Julie Taymor (do famigerado Homem-Aranha da Broadway) com algo mais romântico e tolerável que foi Across The Universe (2007). É interessante como, apesar de tudo, o rock não perde sua capacidade de ainda chocar e provocar. O exemplo mais impressionante foi The Rocky Horror Picture Show (1975), de Jim Sharman, que ao adaptar um espetáculo teatral, fracassou, 28
mas depois foi descoberto em sessões da meia-noite, onde acabou se tornando o primeiro dos cult movies. As pessoas passaram a se vestir como os personagens, decoravam as falas, interpretavam junto do filme certas cenas, abriam guarda-chuvas, jogavam arroz na cena do casamento... E naturalmente dançavam nos corredores. Caso único de um filme resgatado pelos fãs que conseguiram torná-lo uma espécie de clássico do gênero, apesar de seu protagonista ser um travesti alienígena! No Brasil, só chegou mais de dez anos depois da estreia original. É que nem sempre o humor viaja bem, às vezes pode ser muito local e só entendido pelos nativos. Como sucedeu, por exemplo, com Isto é Spinal Tap (This is Spinal Tap, 1984), de Rob Reiner, que é uma sátira aos documentários sobre as bandas de rock, cujos integrantes só dizem besteira. Mas para entender é preciso conhecer bem as citações e ter esse tipo de humor. Hoje é outro clássico absoluto, mas ainda mal conhecido por aqui. O que o público gosta mesmo é de filmes mais acessíveis, como foi o caso de Grease, Nos Tempos da Brilhantina (Grease, 1978), que surgiu logo depois do primeiro êxito de John Travolta, um ex-dançarino do coro de shows da Broadway e que teve a sorte de ser escolhido para estrelar Os Embalos de Sábado a Noite (Saturday Night Fever, 1977), de John Badham, que nem um musical chega a ser — as músicas dos Bee Gees são tocadas de fundo (eles nem estão no filme) e a fita tem pretensões de ser um drama social sobre jovens pobres que tentam ficar famosos participando de concursos de dança em discoteca. Foi um megassucesso mundial, rendeu até indicação ao Oscar para Travolta (só depois se revelou que não era ele, mas um dublê que aparece no começo andando pelas ruas no ritmo da música). Grease reuniu Travolta com a cantora Olivia Newton-John e cortou metade das canções do show original do palco, substituindo-as por outras. Mas o fator nostalgia foi tão forte que escondeu a incompetência do diretor Randal Kleiser e da coreógrafa Patricia Birch, que faria a lamentável continuação Grease 2, 1982). Mas isso seria mesmo rock de verdade? O fato é que o tempo demonstrou que rock hardcore para valer mesmo tinha uma audiência limitada. O nome vendia melhor e muitos filmes pequenos, aqui lançados apenas em VHS, cortejaram esse público apresentando os Ramones em Rock ’n’ Roll High School (1979); Meat Loaf e Blondie em Eddie, o Idolo Pop (Roadie, Eddie and the Cruisers, 1983), com Michael Paré, vindo de outra estranha fantasia rock, Ruas de Fogo, Uma Fábula de Rock ’n’ Roll (Street of Fire, 1984), vagamente inspirado em The Doors e Jim Morrison. Raros filmes de rock foram tão contundentes quanto A Rosa (The Rose, 1979) que rendeu indicação ao Oscar e transformou em estrela a cantora Bette Midler, numa história claramente inspirada na vida trágica de Janis Joplin. Brilhante29
mente dirigido por Mark Rydell, o filme indicou o melhor caminho para quem deseja trazer o rock ao cinema: a biografia, coisa que Garry Mulholland parece não compartilhar muito nem comigo, nem com o Kid Vinil. Praticamente todas deram certo: La Bamba (1987) com Lou Diamond Phillips (como Ritchie Valens, morto em desastre de avião), A História de Buddy Holly (The Buddy Holly Story, 1978), que rendeu indicação ao Oscar para Gary Busey; A Fera do Rock! (Great Balls of Fire!, 1989), sobre Jerry Lee Lewis, com Dennis Quaid; O Garoto de Liverpool (Nowhere Boy, 2009), sobre o jovem John Lennon, feito por Aaron Johnson; Sid e Nancy, O Amor Mata (Sid and Nancy, 1986), com Gary Oldman, sobre o infeliz casal punk formado por Sid Vicious e Nancy Spungen); Runaways, Garotas do Rock (The Runaways, 2010), com Kristen Stewart e Dakota Fanning, revivendo um conjunto de garotas adolescentes que criam a banda The Runaways, e principalmente The Doors (1991), de Oliver Stone, com um excepcional Val Kilmer como Jim Morrison, no grande momento de sua carreira.
Rock na TV Na segunda metade dos anos 1980 é criada a MTV, Music Television e o jogo muda de figura. O music video, ou videoclipe para nós, torna-se uma realidade e cria seus próprios mitos, mais especificamente dois que nunca acertaram no cinema: Michael Jackson (seu ápice é Thriller (1983), feito por John Landis, o mesmo que tinha unido blues e soul na superprodução Os Irmãos Cara de Pau (The Blues Brother, 1980), com um grande elenco; Madonna (magnífica em clipes, mas inconvincente na tela grande). Além disso, revela dezenas de novos realizadores, influenciando fortemente a maneira de se contar uma história na tela e vender um filme, agora já concebido diretamente para o público que sabidamente vai mais ao cinema: os adolescentes. Fama (Fame, 1980), dirigido por Alan Parker, foi o primeiro a ter essa pegada, primeiro no cinema e depois como série de TV, abrindo caminho para Glee estourar em 2009. Levou até Oscar e sua estilização foi levada adiante em Flashdance — Em Ritmo de Embalo (Flashdance, 1983), que chegou ao cúmulo de ter uma protagonista (Jennifer Beals) que, como não sabia dançar, é dublada descaradamente por uma profissional nas cenas de dança. Outra vez nos perguntamos: isso é rock? O filme seguinte faz questão de assumir que sim. Footloose — Ritmo Louco (Footloose, 1984) retoma uma velha história: o vilão é um pregador religioso que proíbe a dança numa cidadezinha do interior, e os jovens liderados por Kevin Bacon o desafiam com coreografias ousadas e pé soltos. 30