A última da festa

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A ÚLTIMA DA FESTA

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A ÚLTIMA DA FESTA

Tradução

BETHANY CLIFT
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Título do original: Last One at the Party.

Copyright © 2021 Bethany Clift.

Copyright da edição brasileira © 2023 Editora Pensamento-Cultrix Ltda. 1a edição 2023.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.

A Editora Jangada não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.

Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens, organizações e acontecimentos retratados neste romance são produtos da imaginação do autor e usados de modo fictício.

Editor: Adilson Silva Ramachandra

Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz

Preparação de originais: Marcela Vaz

Gerente de produção editorial: Indiara Faria Kayo

Editoração eletrônica: Join Bureau

Revisão: Vivian Miwa Matsushita

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cliftb, Bethany

A última da festa / Bethany Cliftb; tradução Jacqueline Damásio Valpassos. – 1. ed. – São Paulo: Editora Jangada, 2023.

Título original: Last one at the party

ISBN 978-65-5622-056-7

23-149751

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção: Literatura inglesa 823

Eliane de Freitas Leite – Bibliotecária – CRB 8/8415

Jangada é um selo editorial da Pensamento-Cultrix Ltda.

Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a propriedade literária desta tradução.

CDD-823

Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP — Fone: (11) 2066-9000 http://www.editorajangada.com.br

E-mail: atendimento@editorajangada.com.br

Foi feito o depósito legal.

1. Ficção inglesa I. Título.
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Para minha mãe, que me deu minha imaginação e me ensinou como usá-la; para meu pai, que me deu o livro que mudou minha vida; e para Peter: sem seu amor, apoio, orientação e assistência aos nossos filhos este livro não existiria. Amo muito todos vocês.

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8 de fevereiro de 2024

– Vá se foder!

Essas foram as últimas palavras que disse a outra pessoa viva. Se soubesse que seriam minhas últimas, eu as teria escolhido com um pouco mais de cuidado.

Algo intelectualmente sofisticado, um pouco mais espirituoso.

“Vá se foder” é vulgar e rude e está longe de ser a tirada brilhante que sempre esperei ser capaz de cunhar.

Mas, infelizmente, não há como mudar isso.

A última pessoa com quem falei fisicamente pensa que sou o tipo de mulher que telefona, berra-lhe insultos e então grita “Vá se foder!” antes de desligar.

Houve circunstâncias extremas que levaram à minha explosão – a recusa absoluta por parte dele em enterrar o meu marido recém-falecido, para começo de conversa –, mas isso provavelmente ainda não é desculpa para tal comportamento.

Então, sinto muito, Tom Forrest, Agente Funerário da Co-Op. Essa ligação não foi um indicativo de quem eu sou, ou melhor, de quem eu era.

Não que isso importe mais, é claro.

Porque, a esta altura, Tom Forrest está morto e o que ele pensou de mim não tem nenhuma importância.

Não consigo decidir se estou escrevendo um diário ou minhas memórias.

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Não tenho certeza da diferença, ou se sequer existe uma, e não posso mais pesquisar no Google. A internet não existe mais.

Seja como for, estou escrevendo isso porque há coisas que acho que deveriam ser registradas em algum lugar, e eu sou, ou fui, escritora e jornalista, então parece que é meu dever fazê-lo.

Além disso, sou a única pessoa aqui que pode.

Porque sou a única pessoa aqui.

Neste país. No mundo, talvez.

Preciso voltar ao início.

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23 de outubro de 2023

ElEs dEram ao vírus o nome de 6DM e ele se originou não na China ou em alguma minúscula aldeia africana, mas quase que bem no meio dos EUA.

Em Andover, Kansas: um pequeno subúrbio de Wichita, com cerca de 12 mil habitantes.

Ninguém que eu conhecia tinha ouvido falar de Andover em setembro de 2023, mas, no fim de outubro, eu não conhecia uma única pessoa que não pudesse apontá-la em um mapa e falar sobre sua população em rápido declínio.

Não há registro do primeiro caso de contaminação, nenhum paciente zero oficial, porque o 6DM sofreu mutação e se espalhou rápido demais para que alguém pudesse rastreá-lo. Mas é consenso que os primeiros pacientes foram registrados em 23 de outubro de 2023, e, até o Halloween (isso é ironia para vocês, meus amigos americanos), todos os 12 mil cidadãos de Andover estavam mortos ou morrendo –de maneira dolorosa, mas rápida.

O vírus se originou em um bairro suburbano tão branco que você poderia pensar que seria impossível para a imprensa de direita tentar vinculá-lo a imigrantes ou a um país estrangeiro, mas foi o que fizeram. Especulou-se que a paciente zero provavelmente era uma estudante do ensino médio local que se oferecera como voluntária na África Ocidental e retornara para a cidade carregando o 6DM consigo.

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É claro que, quando o artigo saiu, a estudante do ensino médio estava morta havia tempos para corroborar ou negar a história, mas mesmo assim a publicaram.

De qualquer maneira, não importava – as pessoas estavam amedrontadas demais para terem tempo de culpar ou odiar umas às outras.

Justiça sEJa fEita, o governo americano agiu de forma rápida e decidida para conter a crise.

Ninguém queria cometer nenhum dos erros que aconteceram em 2020.

Dessa vez, eles estavam preparados.

Andover foi posta em quarentena cinco dias após a primeira morte, e os cientistas começaram imediatamente a trabalhar para entender o vírus e desenvolver a inevitável cura ou vacinação contra ele.

Mas eles já estavam travando uma batalha perdida.

No momento em que Andover foi colocada em quarentena, casos foram relatados em Nova York e São Francisco, ambos a mais de 2 mil quilômetros de distância.

A comunidade científica nunca teve a oportunidade de estudar o 6DM de modo apropriado, então, até hoje, não tenho ideia de onde ele se originou ou como se espalhou.

O governo dos EUA decretou Lei Marcial, fechou os aeroportos e proibiu viagens internacionais para dentro ou para fora do país em 2 de novembro – menos de duas semanas após o primeiro caso relatado. Houve pânico e histeria em massa. Pessoas em todos os Estados Unidos ignoraram por completo o apelo do presidente por calma e sublevaram-se por comida, água, transporte e quaisquer medicamentos em que pudessem colocar as mãos, sem saber se iriam ou não ajudar.

Não se tratava da resposta controlada que tiveram para a Covid-19: era caos e loucura.

Em 14 de novembro, a América estava a meio caminho de se tornar uma terra devastada. Os poucos jornalistas internacionais remanescentes relatavam cenas horríveis de cidades desertas, povoados inteiros em chamas e valas comuns ocupadas por centenas de corpos.

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Os jornais noticiaram a morte do presidente em 18 de novembro e o colapso do governo federal no dia 23, exatamente um mês após o primeiro caso relatado do 6DM.

O último relatório de 24 de novembro dizia que, restando poucos ou nenhum funcionário do governo, os cidadãos agora estavam por conta própria.

Não houve relatórios comprovados da América desde então.

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3 de novembro de 2023

No momENto quE a América ardia em chamas, o governo do Reino Unido estava levando o 6DM a sério pra cacete.

Podíamos não ter muitos dados sobre o vírus, mas os que tínhamos eram assustadores.

Ninguém sabia qual era o período de incubação, mas começava como um resfriado, depois febre, vômito, diarreia. Em 72 horas, seus órgãos vitais começavam a se desintegrar. Não degradar ou mesmo falhar: DESINTEGRAR. Se tivesse sorte, seu coração ou cérebro seriam os primeiros e você morreria de um ataque cardíaco fulminante ou derrame. Se tivesse azar, seriam seus pulmões – aí, você se sufocava. Azar mesmo se o revestimento do seu estômago apodrecesse e você basicamente fosse corroído pelo ácido do seu próprio estômago.

Não havia nada de gentil ou nobre em morrer do 6DM; era um rolo compressor de dor e sofrimento. A maioria das pessoas morreu em agonia, implorando para serem libertadas de seu tormento.

“six days maximum.” sEis era o número máximo de dias que se poderia esperar sobreviver após os primeiros sinais de infecção e de onde o apelido se originou: 6DM.

a quaNtidadE dE mortos era inacreditável.

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O vírus se propagava tão rápido e de forma tão letal que era impossível manter números precisos, mas não havia relatos de nenhum sobrevivente, então a taxa de mortalidade era de 100%.

Populações inteiras foram exterminadas. Na América, houve aproximadamente 200 milhões de mortos, o Japão perdeu quase 70 milhões em apenas três semanas, o último número de mortos na Rússia estava em torno de 110 milhões.

Para países muito populosos, como China e Índia, o número foi estimado em cerca de 1 bilhão cada, antes que os boletins de notícias parassem.

Nas áreas densamente povoadas foi pior. A população de 25 milhões de Delhi foi supostamente varrida do mapa em apenas dezenove dias.

No caso dos países menos povoados e mais remotos (Nova Zelândia, Austrália, partes do Canadá), as coisas pareciam mais positivas. Relatórios que chegavam diziam que o vírus ainda não os havia alcançado ou estava sendo contido com sucesso.

Claro, assim que as pessoas leram isso, buscaram qualquer meio de transporte que tinham à disposição e foram direto para as “zonas seguras”.

E levaram o 6DM com elas.

As zonas seguras tentavam barrar os forasteiros, mas eram, em sua maioria, mal equipadas para repelir grandes multidões. Você alguma vez já ouviu falar do exército do Canadá? Pois é, nem os canadenses. A Austrália foi a mais atingida. Um país tão grande, tanto litoral, tantas áreas planas para pousar ilegalmente um avião. A Austrália passou de saindo-se muito bem a obliterada em pouco mais de um mês.

Para Nós, No rEiNo Unido, as coisas eram diferentes. Fomos quase que especificamente projetados para sobreviver a essa coisa. População pequena, controlável e gerenciável; boa infraestrutura; bom histórico de manufatura e produção de alimentos, forças armadas sólidas, boa saúde. E, desde o debacle do Brexit, menos “amigos” com quem se preocupar.

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Além disso, nosso governo aprendeu lições bastante valiosas com o desastre de 2020.

Em teoria, poderíamos fechar nossas fronteiras, recusar refugiados – que agora eram quase que exclusivamente de classe alta, ricos tentando ancorar seus iates enormes em nossa costa – e sobreviver por conta própria por tempo indefinido.

Em 3 de novembro de 2023, qualquer pessoa que vivesse em um raio de 160 quilômetros de Dover foi despertada às duas horas da madrugada por uma forte explosão. Sem consultar ninguém de fora do gabinete, o primeiro-ministro tomou a decisão de implodir a extremidade do Reino Unido do Eurotúnel.

O primeiro-ministro fez uma declaração diante do número 10 da Downing Street às nove da manhã e todos os canais de televisão a transmitiram ao vivo.

Nossas fronteiras foram fechadas, a polícia armada patrulhava com ordem de atirar para matar qualquer um que tentasse entrar no país ou sair dele.

Se você estivesse no exterior quando isso aconteceu, então azar o seu: deveria ter voltado mais cedo.

Escolas e todo o comércio fecharam no ato, e um toque de recolher das 19 horas às seis da manhã foi imposto. Recebemos ordens de ficar em casa. O pessoal do NHS* seria levado para o trabalho pela polícia. Os militares cuidariam de todos os estabelecimentos de alimentos e garantiriam que a distribuição de comida fosse justa. A polícia patrulhava para garantir que todos estivessem seguros. Disseram que não havia necessidade de pânico.

Houve pouco ou nenhum protesto ou reclamação. Ninguém se importava com a liberdade e com os cidadãos estrangeiros quando havia um risco muito real de testemunharem seu filho de 5 anos morrendo em agonia.

E eles não precisavam se preocupar com os militares ou a polícia. Ninguém queria sair. Ninguém queria deixar a segurança de seu lar.

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* National Health Service – Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. (N. da T.)

As pessoas permaneceram em casa, abraçaram seus entes queridos e assistiram a imagens terríveis na TV enquanto agradeciam a Deus por nossa pequena ilha.

o govErNo raPidamENtE assumiu o controle do novo mundo restrito em que nos encontrávamos.

Eles haviam anunciado que continuariam controlando a distribuição de alimentos por enquanto e estavam trabalhando em planos para aumentar a produção e fornecer aos cidadãos a oportunidade de serem autossuficientes. Eles ainda não haviam explicado melhor o que isso significava. O comércio on-line foi desativado – nada de entregas da Amazon, eBay ou supermercado. Correram rumores de que soldados armados guardavam alguns dos maiores armazéns de distribuição.

Todos os canais comerciais de TV haviam parado de transmitir (o que era compreensível) e o governo agora administrava a BBC1 e a BBC2, os únicos canais que ainda operavam. A programação normal havia sido abandonada, e os canais agora exibiam programação factual e de notícias aprovada pelo governo, combinada com intermináveis programas sobre a natureza e reprises de sitcoms – nada como o tom reconfortante de David Attenborough ou alguns episódios de The Vicar of Dibley (A Vigária de Dibley) para ajudá-lo a esquecer sua iminente condenação.

A internet ainda estava funcionando, mesmo que lenta. O Twitter se paralisou no dia em que o Eurotúnel foi destruído. Garantiram-nos que era apenas uma coincidência. Aqueles que postaram opiniões e histórias negativas ou “polêmicas” no Facebook, ou mesmo em seus próprios sites, descobriram que seus perfis e páginas desapareceram sem aviso prévio.

As pessoas temiam que fosse apenas uma amostra do mundo restritivo que estava por vir.

Essa, é claro, acabou sendo a menor de nossas preocupações.

quatorzE dias dEPois dE sermos desligados do mundo, ainda não havia nenhum caso registrado de 6DM no Reino Unido, e os empregadores

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estavam ficando inquietos sobre continuar a pagar por funcionários que estavam sentados em casa se perguntando quando, e como, eles conseguiriam começar a estocar alimentos.

O governo não anunciara nenhum processo de pagamento provisório e, como o dinheiro ainda tinha valor, empregadores, funcionários e alguns membros do gabinete estavam ansiosos para que todos voltassem ao trabalho.

De maneira um tanto tímida, uma aparência de normalidade retornou. As lojas foram reabertas (embora com restrições de compra em vigor – ninguém conseguiria estocar papel higiênico dessa vez), o transporte voltou a funcionar e a maioria da população retornou ao trabalho.

As pessoas logo retomaram suas rotinas de pandemia – máscaras faciais e distanciamento social tornaram-se a norma sem qualquer instrução ou orientação governamental.

Em Pouco tEmPo ficou claro que veríamos algumas mudanças importantes no estilo de vida, agora que estávamos literalmente isolados do restante do mundo.

Para começar, só podíamos comer o que plantávamos e produzíamos. Assim, pão, leite, carnes, raízes e ovos eram fáceis de encontrar, mas o preço do açúcar, frutas, saladas e temperos não tardou a disparar. Houve um fragor de grande agitação civil quando as pessoas souberam que havia no momento apenas uma plantação de chá em todo o Reino Unido, mas o governo foi rápido para conter os distúrbios, garantindo-nos que havia estoques suficientes para durar até que plantássemos e colhêssemos mais.

Só para registrar, mesmo sem as restrições de compra em vigor, não acredito que teria havido nenhuma escassez de comida, água ou mesmo papel higiênico.

O 6DM acaba com o seu apetite imediatamente e depois mata você logo em seguida, então, não houve necessidade de sustento prolongado da população até o início de dezembro.

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