SUPLE
MENTO
LITE
RÁRIO Florianópolis–SC • Setembro / 2019 • N.150 • Edições A ILHA • Ano 39
CONTO INÉDITO DE JÚLIO DE QUEIROZ (Última parte)
O ANO CULTURAL CORA CORALINA
MONUMENTOS CULTURAIS:
CLARICE LISPECTOR, ESCRITORA E JORNALISTA
VEZ DE
ANTONIETA DE BARROS
Florianópolis–SC • Setembro / 2019 • N. 150 • Edições A ILHA • Ano 39
SOLSTÍCIO DE INVERNO MURMÚRIOS DO Rita Queiroz – SILÊNCIO Salvador - BA
Rita Queiroz
Catalogo minhas (in)disciplinas Ao despir-me das máscaras, Revolvendo palavras febris Que salgam a página com lágrimas. Grito em suspenso Inverno do exílio Espelhos em febre Camadas intensas do corpo Manipulam o caos. É chegada a hora...
É inverno... Lá fora e aqui dentro. Ouço Bach, Enquanto as folhas executam o concerto das horas mortas. Olho pro céu de Santo Amaro, Não há estrelas, Apenas sonhos remendados no abismo Que anuncia o toque da sétima trombeta. Sinto o cheiro do cigarro, O peito se abre em chamas, Corroídas pelas notas do violino sem cordas. Não tenho mais paladar. Sem o sabor da maçã, O pecado dilacerou minha língua. É inverno...
Tempo de (in)definições Que abraça o ar E germina estrelas. Engulo pedaços de vida Nas longas horas Em que sou nada.
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SUPLE
MENTO
LITE
RÁRIO
EDITORIAL SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA: 150 EDIÇÕES Rumo aos quarenta anos de atividades literárias e culturais, o Grupo Literário A ILHA vem até o seu público, neste mês de setembro, com a edição 150 da sua revista, o SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, a mais perene do gênero. Essa publicação comportou em suas páginas muitos escritores que, hoje, são nomes de respeito da Literatura Catarinense. Então, o nosso objetivo de criar e manter espaços para todos os escritores, sejam novos ou não, sejam brasileiros ou não, está cumprido e está se cumprindo. O espaço que a revista SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA oferecia revelou-se pouco para a demanda, no decorrer ddo tempo. E criamos, então, uma nova publicação, a revista ESCRITORES DO BRASIL, que está no seu segundo ano de sucesso, abrindo suas páginas para mais e mais escritores brasileiros. Para comemorar as cento e cinquenta edições, uma seleção de obras de vários autores, de vários gêneros: muita prosa, muita poesia, muita informação literária e cultural. E ainda para comemorar, o Grupo A ILHA participa, neste mês de setembro, da Feira do Livro do Porto, em Portugal, apresentando suas revistas e livros publicados pelas Edições A ILHA. Continuem conosco, leitores e escritores. A revista é feita por vocês. Que tal mais umas cento e cinquenta edições? Boa leitura. O editor.
Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br 3
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... Luiza Moura de Souza Azevedo - Feira de Santana - BA
PERTENCIMENTO NEIDA ROCHA – Pomerode, SC
O espaço é vazio e o Universo pertence a cada Ser.
Vai E te despe com calma Desnuda tua alma Permite excitar Vai Desperta os sentidos Te lança, te entrega Deixa-te "almar" Vai Mergulha em ti mesmo E escolhe sem medo A quem não teme a mar
Ter liberdade de expressar seus sentimentos
é ter a consciência do pertencer.
Quero dizer-te que aqui vejo tua vida e percebo tuas resistências.
Solta as amarras e permite-te. Crê!
Confia!
Segue pela vida e desliga o piloto automático.
Permite que a vida indique o caminho a seguir. Desliga o mental e confia.
Dá um passo de cada vez e tua jornada terá êxito. Sê solto e te solta.
Na calada da noite, a mente do Universo fala os segredos para tua alma.
Aceita a beleza da vida e segue em frente. Caminha lentamente, mas não para teus passos. A Humanidade clama por Amor e só ele, o Amor, vale a pena.
Percebe teu interior e colhe os frutos plantados ao longo da estrada.
Peço-te permissão para sussurrar meus segredos ao teu coração.
Muitos partirão e a partida é certa para todos. Os que resistirem serão laureados.
Não há conflitos e nem competição. Apenas há a certeza da dúvida.
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MEMÓRIAS
Lorena Zago – Presidente Getúlio - SC
GRATIDÃO
Os pensamentos afloram E consigo aproximavam, Os seres e seus sentidos. Melodias rondam e manifestam ao Universo Sensações de harmonia e bem-estar.
Lorena Zago – Presidente Getúlio, SC
Contracenando com o contexto de docilidade e candura, O louvor evoca emoções, aflorando recordações De momentos sensivelmente especiais, Que a vida oportunizou-nos Desabrochando tal qual mananciais.
Gratidão é um sentimento Que cala forte o coração, Manifesta a humildade Traduzida na emoção.
Ainda que apenas em minutos, Mas recheados de tamanha ternura e querer Que já teríamos uma história a escrever, Deixando relíquias de um amor a lembrar, Longe, muito ao longe Em silenciosas memórias, rememorar.
Um olhar de compreensão Ilumina os pensamentos, Que revelam ao Universo Os mais belos sentimentos. Entre gestos de ternura E manifestos de esperança, Há um tanto de formosura Que aos Céus apontam lembranças, Emanando a gratidão Com notas do coração! 5
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Uns me olham com doçura, Outros indiferentes, Mas nenhum me expulsa E isso basta.
É SETEMBRO EM LONDRES!
Ana Janete Pedri Jaraguá do Sul, SC
A nobreza e a realeza Em todos os cantos, Fascinada estou É setembro em Londres! Pedra após pedra, Suor, trabalho, Certamente lágrimas E sangue também. Mil anos depois Eu me curvo Perante a beleza Da obra do homem! Soma de odores, Amores, feitores Em réplica fácil E canto gregoriano. Em cores comparsas De trejeitos, sem jeito, Pele insone No meio da noite! Um pouco de dor Escapando do carpete
Sobreposto as tábuas antigas, Centenárias! Um pouco de alegria suspirada Atravessa a tinta Que recobre a demão primeira, Já esquecida, Um pouco de vida Da pouca vida Encerrada em quartos fechados, Espaços cheios De histórias esquecidas!
Desde o primeiro instante, Num compasso de eternidade, Senti, Ouvi, E aceitei. Tantos gritos calados, Tanta vida contida, Densa, lenta, Fios perdidos, Esquecidos Mas ainda latentes, Presentes, Influentes. É setembro em No ranger das tábuas Londres! Ouço gritos e suspiros, Gemidos calados, Risadas contidas E, de olhos fechados, Vejo-os. São muitos, Alguns felizes, Outros não; Alguns leves, Outros carregando o mundo.
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Ao diametrar a pupila, exercitei POESIA LIBERTADORA minha retina; LUÍS LAÉRCIO GERÔNIMO PEREIRA – Lagarto - SE
Como num passe de mágica, no desenrolar de cortinas, Me libertei da fumaça que a verdade embaraça Cobrindo-nos como uma neblina.
Caminho para um futuro incerto, incerto, mas eu caminho. Em meio a tantos desertos, entre flores e espinhos Às vezes um pouco discreto, mas na mente o intelecto, Aponta na frente o caminho.
Os olhos ardendo em chama, querendo uma proteção; Ouço vozes que a mim clama; lamento dos meus irmãos; Que em desespero me chama, e minh'alma me inflama: Prefira Luz à escuridão!
Em práticas do cotidiano, quiseram me orientar; Sei que tinha poucos anos, mas um hábito salutar, Em consultar um decano, pra não cometer um engano, Ao afirmar ou negar.
Assim selei meu destino, com disciplina e retidão, Optei pelo ensino, reminiscência e lição, Cultivo adoração ao divino, inclinação ao ensino, Amor à educação.
Acorrentado aos costumes e a tradição secular, Via nas sombras um betume e outra verdade não há. Eis que surge um vaga-lume, sua lanterna a mim une, E da caverna quis me tirar. Foi grande meu sofrimento, ao deixar meus companheiros; Pois aquele habitat, era nosso cativeiro; vivíamos a imaginar, Satisfeitos em acreditar, em sombras como verdadeiro. 7
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IMPASSE
Conto inédito de Júlio de Queiroz (Última parte)
(…) Posso lhes garantir que não me sinto orgulhoso do resultado que lhes vou apresentar. Mas também posso lhes garantir a existência de provas concludentes para o que vou afirmar: O acadêmico ocupante da Cadeira 17 foi assassinado por envenenamento! Ouvida a declaração, nos quase trinta acadêmicos os movimentos irrequietos tiveram origens diversas. Em uns poucos, surpresa incrédula; em vários outros, um “eu já desconfiava” quase sorridente e, no resto, a inquietude do que será que vai acontecer? Passado o momento de teatralidade, o
Delegado Soares continuou: – Quando o Secretário de Segurança me convocou ao seu gabinete e expôs-me suas duvidas quanto ao modus moriendi de um membro ativo desta Academia, bem como a qualidade social e cultural das pessoas possivelmente envolvidas – o que era desnecessário por ter eu em alta conta esta Academia e cada um de seus membros: uns vindos de funções relevantes no Judiciário; alguns, do equivalente no Legislativo e no Executivo e outros, não menos equivalentes em responsabilidade e o modo digno com que atuaram ou ainda o fazem em carreiras emblemáticas da sociedade civil, pedi um tempo para avaliar se eu aceitaria a incumbência proposta. Dois dias depois desse primeiro encontro, voltei ao Secretário e propus que todas as 8
ações necessárias ao esclarecimento determinadofossemmantidas em segredo, além de me ser dada total liberdade de ação. O Secretário, sabendo da importância ímpar desta Instituição, concordou de pronto, acrescentando que eu teria liberdade para investigar cada um dos membros deste grêmio e quaisquer outras pessoas. Depois daquele encontro, dirigi-me ao Senhor Presidente desta Academia, expus-lhe o resultado dos meus entendimentos com meu superior e recomendei-lhe que não confidenciasse a ninguém os caminhos possíveis para a elucidação da morte em suspeição. Evidentemente que o primeiro suspeito foi a mulher do acadêmico morto. Afinal de contas, ela estava separada dele havia vários anos em seguida a um escân-
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dalo sexual coletivo no qual o morto tinha tido, digamos assim, uma participação ativamente passiva na cidade em que viviam antes de virem para cá. A Sessão de Saudade não contou com ela, repentinamente muito saudosa de parentes em João Pessoa. Fui à João Pessoa. Bastou-me uma conversa franca e aberta com a viúva para certificar-me que não teria tido nem tino nem disposição para matar nem uma barata sem permissão de seu líder, um pastor sem ovelhas. Retornado a nossa cidade, dediquei-me a perscrutar o ânimo dos acadêmicos, separando-os em grupos. O assassinado estivera planejando uma – o delegado pareceu titubear em busca da expressão apropriada – operação cirúrgica, típica de sua profissão, ou seja, amputar
a presidência atual e substituí-la pela dele próprio. Para que isso viesse acontecer no futuro imediato, estivera convencendo uns poucos acadêmicos a secundarem suas muitas intervenções tanto durante as reuniões ordinárias quanto as extraordinárias. Não preciso nomear essas – perdoem-me a expressão – vaquinhas de presépio. Não há grupo em qualquer área de atividade que não conte com algumas delas. Aqueles que tinham o falecido como desafeto declarado; que nunca tiveram dificuldade em demonstrar sua intolerância com as enervantes intervenções do acadêmico – outra pausa prolongada – eliminado, não eram muitos, mas abertamente explícitos. Entretanto, bastou-me um pouco de psicologia – além de Direito, sou formado em 9
Psicologia Criminal – para certificar-me de que o embate verbal, às vezes franco e até mesmo rude, não favorecia um ataque às escondidas. Ao estudar cuidadosamente as atas – permito-me elogiar a redação desses documentos tão essenciais à participação futura da vida pretérita da Academia – verifiquei que num determinado encontro, um acadêmico havia se prontificado a substituir o Presidente, que declarara não poder comparecer a um encontro literário em Blumenau. Anotei o nome desse acadêmico. Soube que ele, anteriormente a essa viagem representativa, viajava frequentemente a Blumenau, onde uma sua prima vivia, casada com um advogado. E que, depois dessa viagem representativa, nunca mais havia voltado àquela cidade. Estive em Blumenau.
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A parenta em questão, uma excelente dona de casa, é de origem alemã assim como o acadêmico desaparecido, tem um cunhado, que, farmacêutico, administra seu próprio estabelecimento. Entrevistei ambos. O farmacêutico lembrava-se perfeitamente dessa visita de seu parente, ainda que distante. Até mesmo de que ele, farmacêutico, estava, na ocasião, muito triste por ter adormecido seu cão, um pastor belga de enormes proporções. E que, ao saber disso, o primo de sua cunhada lhe tinha relatado que um seu colega estava com um animal de estimação, de tamanho também grande, precisando ser adormecido, mas que não queria entregar essa tarefa a um veterinário. Temia que o animal, criado carinhosamente, não fosse adormecido
sem comiseração ou presença carinhosa. Durante minha conversa com o farmacêutico, evidentemente numa Stammtisch, o costume alemão de bares terem uma mesa, longe de freqüentadores eventuais, reservada para um grupo de fregueses costumeiros, levei à baila o caso do pai da computação, o inglês Alan Turing, a quem a justiça inglesa havia desalmadamente colocado entre duas opções humilhantes: ou ser encarcerado, ou quimicamente castrado. A trágica opção imposta se devia ao fato de ter o matemático ingenuamente ido a uma delegacia apresentar queixa por terem objetos seus sido roubados por um prostituto, a quem havia anteriormente levado a sua casa. O farmacêutico ficou extremamente comovido com meu relato sobre a enorme perda 10
de uma vida de genialidade excepcional, apenas devido a um aspecto de sua vida, a sexualidade, que não devia ter influenciado o julgamento. – Como foi que esse matemático se decidiu – quis saber? – Optou pelo suicídio. Comeu uma maçã na qual ele próprio havia injetado cianureto de potássio – esclareci. Ao ouvir-me, o farmacêutico alegou inteligentemente, que não podia compreender por que esse aspecto poderia ter interessado a ninguém mais do que ao matemático e a seus companheiros amorosos, defendendo essa posição com um entusiasmo pouco germânico. Foi quando voltou a se lembrar de que o primo de sua cunhada havia mencionado a necessidade de um seu amigo precisar pessoalmente adormecer seu pastor alemão.
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Tanto o relato quanto o fato de estarmos na terceira garrafa de cerveja tinham amolecido o decantado autocontrole alemão. – Cianureto – remoeu. Mas foi isso que o primo de minha cunhada me pediu para o cachorro do amigo dele – alertou-se o farmacêutico. – E você lhe conseguiu? – Claro que sim. – Não foi preciso fazer registro da aquisição do cianureto de potássio? – Não. Tenho uma pequena quantidade na farmácia. O amigo de meu parente queria, ele mesmo, adormecer seu cãozinho. Cães não são apenas animais. São os melhores amigos de quem mereça apreciá-los. Como sou de origem portuguesa, um copo de cerveja, vá lá; mas três garrafas de uma só vez... Mesmo não estando em condições de ir
com firmeza para o hotel, despedimo-nos ainda no bar, apesar de o farmacêutico haver reiterado querer me acompanhar até o quarto onde eu me hospedara... Na minha profissão fazem-se muitos sacrifícios pessoais pela justiça, mas não todos. 11 Há quinze dias, tendo recebido meu relato, o Secretário de Segurança, com poucos telefonemas, conseguiu a exumação em caráter sigiloso do acadêmico em questão. O exame confirmou tanto a presença de cianureto no cadáver quanto o tempo – digamos assim – da ingestão. Diante das inquietações corporais dos acadêmicos, um deles, o da Cadeira 29 quis mandar buscar o livro de atas a fim de se verificar quem havia substituído o 11
Presidente como representante da Academia no encontro de Blumenau. – O livro de atas desapareceu – informou Ticiana. – Presidente, qual acadêmico o substituiu nesse evento? – Quis saber o da Cadeira 9. – Não consigo me lembrar. Já fiz reiterados esforços depois que o Delegado Soares me apresentou as provas, seu correto raciocínio e o desfecho indiscutível. Neste estado mental, não quero levantar suspeitas, ou melhor, fazer acusações sem certeza absoluta. 12 O Delegado Soares interveio: – Bem, senhores Acadêmicos, É óbvio que sei o nome do autor do desaparecimento do, digamos assim, incômodo vitalício, bem como do modus faciendi empregado.
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Deixo-os para que discutam livremente o que lhes relatei bem como proponham uma solução que proteja a Academia. Fiquem à vontade. Tomem o tempo que lhes for necessário. Estarei à disposição dos senhores na sala da Secretaria. – Gosta de citar em latim. Será que foi seminarista? – aventou o da Cadeira 3. – Isto será o desprestígio completo da Academia! Um de nós, quem sabe até um desembargador, é um assassino covarde! – exclamou o da Cadeira 19 – mal havia o Delegado deixado o salão. – Vai ter que ser sacrificado pela reputação do sodalício – amenizou o da Cadeira 40. – Por que não um deputado? Manobras de qualquer tipo fazem parte do aprendizado e da prática de vocês! – atacou o da Cadeira 1, repudiando a mancha indiretamente
feita a um de seus colegas togados. – Calma, não é assim que iremos salvar a reputação da Academia – ponderou o Presidente – vamos raciocinar. Que cada um, por ordem numérica de cadeira, manifeste sua compreensão do problema e proponha uma solução. Mas sejam breves. Não é hora para discursos. – O cara quer dinheiro. Quanto é que podemos dar? – arriscou o da Cadeira 21, normalmente o mais prático. 13 Uma hora depois de danças e contras-danças verbais, o Delegado Soares foi convocado de volta. Considerado o mais habilidoso, afinal, advogado, ficara riquíssimo por encontrar falhas jurídicas ou erros de pontuação no encaminhamento de processos es12
cabrosos e livrado alguns acusados até com indenizações por prejuízos morais ou cívicos, o da Cadeira 39 tomou a palavra: – Delegado Soares, não há como agradecer sua dedicação à causa da justiça. Afinal de contas, foram semanas e semanas de esforços e raciocínios dignos de um Sherlock Holmes. Eu gostaria de em nome de meus co-acadêmicos buscar conjuntamente com Vossa Senhoria um modo de impedir que nosso grêmio literário com tantos nomes ilustres em seu passado e com tantas décadas de dedicação à cultura, não só de nossa cidade, mas, além dela, do nosso Estado e por que não, de todo nosso Brasil, venha a perder os lauréis tão brilhantemente conquistados. Pensamos num presente, cujo valor pode ser avaliado conjuntamente pelas partes
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interessadas... – Permita-me informar – o Delegado Soares interrompeu decididamente o preâmbulo acadêmico – não se trata de estar à venda nada. Eu ficaria muito ofendido se tivesse sido esta a intenção do que acabo de ouvir, à qual credito a uma verbalização intempestiva devido ao delicado do assunto, para não falar na honra coletiva e individual de uma instituição que merece meu mais profundo respeito. Peço-lhes um momento de espera. Saiu do salão. – Será que vai voltar com uma escolta policial com fotógrafo e tudo? – aventou, temeroso, o da Cadeira
2. 14 Com alguns requebros, o volumoso Maninho, o faz-tudo da Academia, entrou no salão sobraçando uma caixa de papelão também volumosa. Diante da inesperada oportunidade de agir fora de sua área de competência, a serviçal, condignamente passou a entregar a cada acadêmico um volume impresso. Durante a silenciosa entrega, o da Cadeira 7, curioso, deixou de pensar em ir ao banheiro e, de lá, escafeder-se. Ao cabo do silêncio coletivo dedicado ao folhear de algumas
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CRÔNICA DO DIA Em http://lcamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano. Todo dia um novo texto. 13
páginas do livro ofertado, o Presidente da Academia discretamente confabulou baixinho com os Diretor de Finanças, Vi c e -P re s i d e n t e e Secretário, seus companheiros administrativos. Em seguida, desde a mesa da Direção, invocando o Estatuto da Entidade, lamentou o trágico suicídio do acadêmico Adolfo Zimmermann e a eleição por aclamação de João José Soares, único candidato e autor da “Seleta de Contos e Poemas” para a Cadeira 17. Entusiasticamente aplaudido, deu por encerrada a sessão. (Fim)
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DESPEDIDA
Pérola Bensabath - Salvador - BA
Recordo as carícias tantas, que foram minhas e aprendizado na leitura do teu corpo. A lembrança da beleza do teu rosto, significados vazios em prenúncio de saudade. Penetra-me... corpo e alma, neste ato sexual da despedida que é flor fecunda, abrindo as pétalas das minhas entranhas. No ato derradeiro – ADEUS! Adeus ao cio que do meu corpo aflora, e se banha nas lágrimas que representam a chuva fria, tamborilando no telhado. (Já somos o passado...)
Pérola Bensabath nasceu em Salvador – Bahia. Presidente Fundadora da Academia de Letras do Brasil – ALB/ Bahia, Diretora da Casa do Poeta Brasileiro, Presidente do Movimento Nacional Elos Literários – MNEL. Coordenadora das Coletâneas Elos Literários, Movimento e Exclusivos.
Dantes... no aroma do teu beijo, eu me perdi. e me encontrei extasiada, no gozo invasor dos teus pecados. 14
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UMA PALAVRA CHAVE Else Sant´Anna Brum – Joinville, SC
Heloisa estava sentada em frente a sua mesa de estudos segurando uma caneta em cima de uma folha de papel em branco. Já fazia algum tempo que estava ali. Parecia até uma estátua. Sua mãe, dona Ana Lúcia, observando o comportamento da menina, que normalmente não tinha muito sossego, perguntou curiosa: - Está brincando de estátua, Heloísa? - Não, mamãe. Estou pensando. Não sei como começar a escrever sobre trânsito para a tarefa da escola. É difícil! - Difícil? Nem acredito que estou ouvindo isto. Você
tem sempre tão boas ideias! Em todo caso vou dar uma dica. Comece pensando na palavra chave do trânsito: obediência. A menina arregalou os olhinhos de uma maneira que só ela sabia arregalar e falou: - Mamãe, o que a palavra obediência tem a ver com: carro pra lá, bicicleta pra cá, ônibus ali, caminhão aqui?
pletou Ester, a irmã mais velha, que vinha entrando e ouviu a conversa. Outra lei que precisamos obedecer é a lei que exige a idade de dezoito anos para dirigir um carro. - Ah! Sei, sei, disse Heloísa. Com esta ajuda que vocês me deram já estou engrenando o assunto aqui na minha cabecinha. Além dos dezoito anos, tenho
- Muito! Vamos ver. Primeiramente, se você não obedecer às leis que existem sobre o trânsito vai enfrentar muitas complicações. - Isto mesmo, com-
que fazer o curso para conseguir a carteira de habilitação, certo? - Certo, falou dona Ana. No curso, além das normas, você vai aprender todos
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os sinais que existem no trânsito e vai ver que são muitos! O pai, senhor Gilmar, estava lendo jornal e ao mesmo tempo assuntando a conversa. Teve uma ideia. - Que tal darmos uma volta de carro pela cidade para você ver com atenção os sinais, observar o comportamento dos motoristas e dos pedestres? Garanto que vai ter assunto até demais! - É pra já, concordou a menina, pulando do jeito bem serelepe que era. Num instante estavam na rua e Heloísa começou a anotar o que via: motoristas desrespeitando a sinalização e correndo demais; pedestres atravessando fora da faixa; crianças no banco da frente; motociclistas sem
capacete e uma infinidade de outras coisas, que com a ajuda do pai ficou sabendo serem infrações. Interessante para ela, também, foi a leitura das placas de “mão única”, “proibido entrar à direita ou a esquerda”, “devagar escola” e assim por diante. Ao voltar para casa contou para a mãe e as irmãs, pois Bruna, a outra irmã havia chegado, o quanto aprendeu. Estava pronta para desenvolver a ta-
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r e f a e s c o l a r. N ã o esqueceu de elogiar o pai por ser um bom motorista. E com ar de quem já dominava o assunto concluiu: - Quando apresentar meu trabalho, quero dizer aos meus colegas que nós podemos, desde crianças, ir observando a sinalização, memorizando as placas e, como disse minha mãe, nunca esquecer a palavra chave do trânsito: obediência! (e lse b ru m@g ma il. com)
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TARDES DE AGOSTO
Tamara Zimmermann Fonseca – Indaial, SC
Foi num fim de tarde de agosto, as árvores conversavam sobre as suas folhas novas, que poucos acreditavam brotar; o mar sorria para elas, totalmente encantado com o que via e ouvia, o sol estava se recolhendo, dando boas-vindas para lua, que chegava de mansinho, e os homens, ah os homens tentavam entender a vida e esses momentos divinos, e eu que não sou boba nem nada, saboreava esse instante, ao som do assovio do vento.
Paulistana, filha de Edltraud Zimmermann Fonseca e Nilton Soares Fonseca, formada em Processos Gerenciais, mora em Indaial SC desde 1986.Tamara tem poema publicado na revista International Poetry News, da Edizzione Universum, na Italia, e está com um livro em preparação para ir ao prelo, " Aquarela ", pela mesma editora .
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PHAN THI KIM PHUC Edltraud Zimmermann Fonseca Indaial, SC
"Àqueles que, por força do destino perderam sua identidade"
“ A menina do Napalm” É assim,
Vítima de qualquer fatalidade Perdemos nossa identidade: Nua,
Corria em desespero, Pelas ruas!
“A menina nua do Vietnã”
Fotos percorrem o mundo Com essas manchetes!
A “queimadinha “ se fez mulher, Brilhante, forte,
Ensinando a este mundo De pé
A conhecer o seu nome Sua identidade
PHAN THI KIM PHUC
Diante da TV, uma noticia breve, Imagem de Santa, sorria!
Engoli lágrimas de emoção! Será assim,sorrindo, Que lembraremos
Voce, Phan Thi Kim Phuc
Futura médica Vietnamita 18
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QUARENTA ANOS DEPOIS
(Homenagem à Phan Thi Kim Phuc ) Edltraud Zimmermann Fonseca
“7 de junho de 1972, nunca esquecerei “. Palavras proferidas pela médica vietnamita Pha Thi Khim Phuc, a menina atingida pela bomba de Napalm no seu vilarejo Trang Bang, ao sul do Vietnã, ao jornalista Jamil Chade, de O Estado de São Paulo, quando a entrevistou 40 anos depois do acontecimento. Foram 17 cirurgias. Sofrimentos, dor amargura. Um ano e alguns meses depois de afastada do lar e da família, regressou para a casa paterna e quando seu pai mostrou-lhe a famosa foto clicada pelo fotógrafo Nick Uti,seu coração de menina sofrida pulsou mais forte da vergonha
que sentiu ao ver que seu corpinho nu havia percorrido todo o planeta. As operações foram bem-sucedidas, tendo em vista o fato de que o fotografo que a retratou, jogando água às chamas apagou as labaredas flamejantes que a devoraram, levan-
do-a em seguida para o hospital em Saigon. Os médicos não acreditavam que a menina sobrevivesse, tal a gravidade 65% do seu corpo havia sido atingido pelas chamas. As cicatrizes não desapareceram e as dores permanecem até hoje, as físicas e as emocionais. 19
Estudou medicina em Cuba, onde viveu com algumas dificuldades, conhecendo aquele que seria o seu futuro marido. Com a autorização e o visto do regime comunista, foram passar a lua de mel em Moscou, porém, quando o avião em que viajavam, deu uma parada no Canadá, para o abastecimento, fugiram e pediram asilo. Kim é medica, vive no Canadá, numa região mais afastada e atua como ativista contra as guerras e pela proteção dos civis, especialmente crianças. É embaixadora da Unesco e criou uma fundação humanitária. Cresceu com dores e perdas e a lição mais difícil que aprendeu foi a de perdoar. Por isso, não tem ódio dos americanos. “Vivi num inferno, mas viver com ódio era prolongar o inferno.” Temos muito o que aprender com a menina que, nua, corria em chamas, pelas ruas do seu pequeno vilarejo.
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SONS DA TAPERA FLÁVIO AUGUSTO ORSI DE CAMARGO - Vacaria, RS
No rancho da minha infância, ainda é possível escutar, sons que levados pelo vento, numa primavera, deram um volteio no tempo e deitaram asas sobre a tapera.
Tilintar de esporas na calçada. Ladainhas de reza e benzedura e pios de coruja na madrugada. Rangido lento de berço embalado na varanda. Cantigas de acalanto fazendo contraponto com o canto da seriema e o murmúrio da sanga.
Relinchos de potros na mangueira. Um “Ô de casa!” e toque de gaita botoneira.
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Berro de vaca chamando a cria. Ronronar do gato brazino e zunido de ventania.
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CLARICE, ESCRITORA E JORNALISTA
Por Geraldo Mayrink
Quem pensava que sabia tudo sobre Clarice Lispector, uma das mais cultuadas e estudadas escritoras brasileiras, está enganado. O livro “Outros Escritos”, das pesquisadoras Teresa Cristina Montero Ferrera e Lícia Manzo, relembra que o “fundo de gaveta”, expressão cara a Clarice, não tem fundo. “É parte importante da criação literária dela”, dizem. Elas sabem do que falam. E sabem que mulher era aquela. Teresa escreveu “Eu sou uma pergunta – biografia de Clarice Lispector” e Lícia escreveu “Era uma vez: a não-ficção na obra de Clarice Lispector”. E o que há para achar no fundo da gaveta de
Clarice, autora de “A hora da Estrela” e “Laços de Família”, morta em dezembro de 1977, um dia antes de completar 52 anos? As pesquisadoras acharam papéis. Palavras que foram publicadas e se perderam em páginas de jornais e de revistas. No livro da dupla há, além de contos ressussutados, um multifacetado perfil da jornalista, estudante de direito e colunista – nessa época, a atriz e modelo Ilka Soares assistia aos desfiles de moda e lhe dava informações para a coluna no extinto Diário da Noite (as duas dividiam o dinheiro pago
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pelo jornal). Clarice também foi dramaturga de uma peça só (A Pecadora Queimada e os Anjos Harmoniosos) e a mãe que anotou as conversas com Pedro e Paulo, seus dois filhos pequenos, num caderno chamado “Conversas com P”. Foi crítica cultural e falou para o público americano sobre a vanguarda brasileira e para uma plateia internacional sobre bruxaria – “tenho pouco a dizer sobre magia, mas acontece que tudo o que vive e que chamamos de natural é, em última instância, sobrenatural”, disse misteriosamente no
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Congresso Mundial de Bruxaria em Bogotá, em 1975. Em seguida, esclareceu que a criação é “absolutamente inexplicável” e que não acreditava que a inspiração viesse do sobrenatural” (para se explicar melhor, passou à leitura de seu conto “O ovo e a galinha”). Clarice também pintava. “É tão mal que dá gosto e não mostro os meus – entre aspas – quadros a ninguém. “ Viajou pelo mundo e falava línguas. Traduziu de algumas delas, inglês e francês, para o português e, na antiga Tchecoslováquia, um dos países em que seu livro “A maçã no escuro” foi traduzido, é conhecida como Lispectorova. Ucraniana de nasci-
mento, de uma aldeia chamada Tchetchelnik, veio em fuga para o Brasil com os pais e duas irmãs. Chegou ao país aos dois meses, primeiro morou em Alagoas, depois Recife, Rio e depois em outras cidades do mundo. Mas foi na língua de Camões que escreveu desde pequena. Foi quando anotou: “Livro não era como árvore, como bicho, coisa que nasce”. Havia um autor por trás de tudo. Decidiu: “Também quero”. Entre os inéditos da escritora espiritual, meio mística e tida até como bruxa, há quatro contos dos anos 40 e o primeiro deles, “O triunfo”, começa assim: “O relógio bate 9 horas. Uma pancada alta, sonora, seguida de uma badalada suave, um
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eco. Depois, o silêncio”. E termina assim: “Olhou em torno de si e a manhã perfeita respirando profundamente e sentindo, quase com orgulho, o coração bater cadenciado e cheio de vida. Um morno raio de sol envolveu-a. Riu. Ele voltaria, porque ela era mais forte”. Mas o que mais chama atenção em “Outros escritos” é um texto anômalo, marcado mais pela racionalidade do que pelo devaneio. É a transcrição de uma palestra sobre a vanguarda na literatura brasileira, feita na Universidade do Texas, em agosto de 1963. Ela a repetiu por anos, até 1974 em várias cidades brasileiras, até cansar dela. Mas convidada pelo rigoroso e temido crítico José Guilherme Merquior a publicá-la em uma revista, recusou, dizendo: “Imgine se eu vou lhe entregar a minha galinha dos ovos de
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ouro”. Os ovos dourados de Clarice realmente chamaram a atenção e ofuscaram os olhos atentos de Gregory Rabassa, que viria a ser o tradutor dela e dos estelares Gabriel Garcia Marquez, com “Cem Anos de Solidão”, e Júlio Cortázar, com “O jogo da Amarelinha”. Ele suspirou: “Fiquei pasmo em conhecer aquela pessoa rara que se parecia com Marlene Dietrich e escrevia como Virgínia Woolf.” Clarice arrasou mesmo, ao começar dizendo que não era francesa e que seu sotaque se devia a sua língua presa. Pediu desculpas por não ser crítica: “Nem toda pessoa que escreve está necessariamente a par das teorias a respeito da literatura e nem todos têm boa formação cultural - é o meu caso.” E mais: “Não tenho tendência para a erudição e para o paciente trabalho
de análise literária. Não sou profissional. Só escrevo quando me dá vontade. Por circunstâncias internas e externas, não posso dizer que tenha acompanhado de perto
a efervescência dos movimentos que surgiram no Brasil ou fora dele. Nunca tive, enfim, o que se chama verdadeiramente de vida intelectual.” Depois dessa intrudução de sedutora humildade, Clarice se pôs a falar e a teorizar, ressalvando que, para escrever, usava mais a intuição que a inteligência. Para ela, toda a vida e não só a artística, é experimentação. Isso 23
levaria o vanguardista ao autoconhecimento e lembrou que Mario de Andrade já falava, como premissa da geração de 1922, do “direito permanente” de pesquisa estética. Aconteceu com ela então o seguinte: “Esta expresssão – forma-fundo – sempre me desagradou vitalmente. Assim como me incomoda a divisão “corpo-alma”, “matéria-energia”, etc. Sem nunca me deter muito no assunto, repelia quase por instinto esse modo de, como por exemplo, por se ter cortado verticalmente um fio de cabelo, passar por isso a julgar que o fio de cabelo compõe-se de duas metades. Ora, um fio de cabelo não tem metades, a menos que sejam feitas divisão de “fundo e forma”. Não duvidava que o movimento de 22 tivesse sido de profunda libertação e quem estava na linha de frente havia se sacrificado.
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Além disso, libertação às vezes é avanço apenas para quem está se libertando e pode não ter valor para os outros. No entanto, a vanguarda de 1922 continua frutificando com nomes como os de Adonias Filho, Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Luiz Vilela ou Nélida Piñon, “com seu estilo por vezes até áspero e agreste como fruta um pouco verde e adstringente, de tão incisivo que é seu modo de escrever, embora ela também seja capaz de usar palavras doces, maduras, voluptuosas”. Para a conferencista, a vanguarda brasileira era tanto Graciliano Ramos, “com sua linguagem
límpida, pura, cristalina e já clássica”, como José Lins do Rego, “com seu chamado desleixo de linguagem”. O que aconteceu no Brasil em 1922, disse Clarice, foi um “abrasileiramento”, a tomada do nosso próprio meio, e “assemelha-se ao que aconteceu na literatura dos Estados Unidos: usar a linguagem americana e não a inglesa, o que levou a um novo modo de ver a realidade americana e a apossar-se dela, como só um fundo-forma se apossa”. Nossos jovens escritores, preocupados com a politização, ela disse, manifestam revolta social, “e como todas as revoltas, esta é sadia”, mas o que teria isso a ver com vanguarda literária? Tem a ver com nossa língua, pois é “maravilhosamente difícil escrever em língua que ainda borbulha, que precisa mais de um presente do que mesmo de uma tradição”. Além disso, há falta de originalidade, 24
por modismos, gerando produtos falsos e pretensiosos. “Somos, por enquanto, falsos cosmopolitas e o interior do Brasil revelado por Guimarães Rosa está em cada um de nós”, observou. Para a escritora, só dava alegria a originalidade que vinha de dentro pra fora e não o contrário. E deu dois toques, um de otimismo: “Estamos muito mais realistas agora, no sentido em que estamos muito mais artistas . Hoje diríamos: nossas várzeas têm flores”. O outro de ceticismo: “Quanto ao fato de escrever – se interessa a alguém – digo que estou desiludida. É que escrever não me trouxe o que eu queria, isto é: paz!”
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PÁTRIA AMADA, BRASIL!
MEU VELHO GOIABAL
Mary Bastian – Joinville, SC
Luna Franzoi – Jaraguá do Sul, SC
O vento Que se esconde Entre algumas velhas plantas Daquele pomar De minhas antigas lembranças Inebria esta tarde de primavera Espalhando muita saudade Por todo aquele velho goiabal Dos meus anos dourados E que hoje ainda habita Em minha memória temporal No melhor de minha memória emocional… O vento desta tarde de primavera Espalha tanta saudade escondida Por entre as mais doces memórias De meu tempo…
Canta Brasil, faceiro, pelo ouro nos esportes
Canta Brasil ufano, pelos louros, pelas glórias. Enquanto cantas Brasil e sais às ruas vibrando Esqueces não ter trabalho, A tua fome e teus danos
Canta Brasil, por medalhas conquistadas
Por aquilo que padeces, das greves pelo que queres Do pobre passando fome Do médio ficando pobre Do rico falcatruando
E chora Brasil, bem alto para que todos te ouçam Pela Amazônia queimando Por índios escorraçados Por grileiros assassinos
Por tantos tiros perdidos matando quem não merece Por quem quer as tuas matas, tuas florestas, teus rios
Que estão morrendo aos poucos sem que ninguém faça nada Grita Brasil, bem alto, pra que ouça quem não ouve Onde estão as Margens Plácidas? Pra onde vai o Colosso?
Pra onde mandaram a Ordem? E onde está o Progresso?
Ah! Pátria Amada,Brasil !!! 25
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MONUMENTOS LITERÁRIOS
Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completou 39 anos em 2019. - Http:// lcamorim.blogspot. com.br – http://www. prosapoesiaecia. xpg.com.br
Está fazendo quase dois anos que o mural de Franklin Cascaes, o nosso grande escritor e pesquisador da cultura açoriana e do folclore catarinense foi retratado em painel de 34 metros de altura por 12 metros de largura, na capital catarinense, Florianópolis. Dá-me orgulho ver que nossos artistas contemporâneos – como aqueles que estão pintando os murais – estão
colocando nossos grandes nomes das letras ao alcance dos olhos de toda a gente, para que nos lembremos de que eles existiram, graças a Deus, e que a obra deles está aí, para que a conheçamos e a admiremos, para que a gente volte a lê-la e a divulgá-la, pois é um patrimônio cultural eterno. Precisamos valorizar a obra de nossos grandes escritores, precisamos incentivar a sua leitura, pois sua obra merece ser recriada sempre e sempre. Depois de nos-
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so Cascaes, o escritor que estabeleceu a magia da Ilha, com suas histórias fantásticas de boitatás, lobisomens, fantasmas, feiticeiras, bruxas e embruxados no cenário da Ilha de Santa Catarina e do mar de Coqueiros, no continente, com suas pedras gigantes brotando do mar, que seriam as bruxas petrificadas, tivemos o nosso poeta Cruz e Sousa. O Grande Cisne Negro, o maior simbolista brasileiro, está com o cisne que o simboliza e um seu poema, “Devaneio”,
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na continuação do conjunto. Obra monumental, que coloca o maior poeta catarinense à frente de nossos olhos para q u e busquemo s a sua obra e usufruamos dela, para que incentivemos a sua leitura, pois é a obra-prima de um dos maiores poetas brasileiros.
Barros (1901-1952), foi professora, jornalista e escritora e primeira mulher a ser eleita no Brasil: foi deputada estadual entre 1935 e 1937. Então, para nossa felicidade e orgulho, a capital Catarina fica mais bonita, com o painel da nossa querida Antonieta de Barros no Edifício
E agora é a vez de Antonieta de Barros. Foi concluída, agora, mais uma grande obra de arte urbana na parede lateral do Edifício Atlas, na Rua Tenente Silveira Nº 200, em Florianópolis. A ntonieta de 27
Atlas; pouco menos de 200 metros dali, ela poderá ‘avistar’ o rosto do poeta Cruz e Sousa (18611898), no mural do Museu Histórico de Santa Catarina, na frente da Praça XV, que foi concluído em junho. Mais adiante um pouquinho, o mural de Franklin Cascaes, o escritor que tornou mágica a nossa Ilha. Nossos grandes nomes guardando a nossa cidade e lembrando que a obra deles, obras-primas, estão aí para que a recriemos, para a gente ler e indicar e, assim, tornar mais vivas essas personalidades monumentais.
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um legado de humanismo e cuidado com a educação que impressionam quem ainda hoje passa a conhecer sua trajetória. Foi justamente o HISTÓRIA DE pouco conhecimento ANTONIETA sobre a vida e obra DE BARROS TRANSFORMA- desta personagem ímpar que levou a SE EM DOCUMENTÁRIO diretora a realizar o Paulo Clóvis Schmitz, documentário “AntonieFlorianópolis ta”, que estreou dia 23 Ser feminista numa de novembro de 2015 sociedade conservado- no hall do Museu da ra, eleger-se deputada Escola Catarinense, sendo negra e mulher em Florianópolis. Além numa terra de oligar- da curiosidade, Flávia quias, ter sido mestre foi levada ao tema de centenas de jovens por não acreditar que da elite branca que apenas as manifestajamais deixaram de ções de raiz açoriana reverenciar sua cul- ou portuguesa sustura, personalidade e tentam a cultura local. carisma. Essas parti- “Quando fiz a pesquisa cularidades em torno para elaborar o projeto, do nome de Antonieta de Barros levaram a cineasta paulista Flávia Person, radicada há sete anos em Florianópolis, a se interessar pela figura da professora que marcou a história da cidade e que, tendo vivido apenas 50 anos, deixou 28
percebi que poucos sabiam de Antonieta, que é nome de rua, escola e túnel na cidade, mas cujo trabalho é desconhecido até por ex-alunos do colégio que levou o seu nome”, diz Flávia. Não foi fácil reunir material para o filme, que tem duração de 15 minutos e é baseado em imagens de arquivo, locução, trilha sonora e trechos de crônicas. Em algumas instituições públicas e escolas onde Antonieta de Barros lecionou as portas pareciam se fechar, umas após as outras. Onde foi possível localizar documentos, eles estavam desorganizados e permanecem apenas
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como registros em papel. A Escola Antonieta de Barros, na rua Saldanha Marinho, assim como outras em Florianópolis, foi desativada pelo governo do Estado, que não se preocupou em guardar os documentos que poderiam contar a história do estabelecimento. “Isso é um símbolo da ruína da educação”, afirma a cineasta. Com o que reuniu, incluindo textos publicados sob o pseudônimo de Maria da Ilha e fotos inéditas, Flávia conseguiu fazer o filme, em fase de finalização. “Ter sido a primeira mulher negra eleita deputada no Brasil é um fato que merece ser mostrado ao maior número de pessoas possível”, ressalta a diretora.
nasceu em Lages, em 1901, filha de mãe lavadeira, escrava liberta que migrou para a Capital e abriu uma pensão para rapazes vindos do interior para estudar na Ilha. Com essa condição, mais a ajuda da irmã Leonor de Barros, também educadora que ficou
na história de Florianópolis, e da família Ramos, tradicional no planalto serrano e que produziu vários governadores de Estado, senadores e um presidente da República (Nereu Ramos, de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de NA POLÍTICA 1956), ela terminou o PELAS MÃOS magistério na Escola DA FAMÍLIA Normal Catarinense RAMOS e em 1922 fundou Antonieta de Barros a escola de séries 29
iniciais que se tornou referência no ensino da cidade. Sobre seu pai, pouco se sabe. Esse vínculo com os Ramos fez com que entrasse na política, pelo Partido Liberal Catarinense, e assumisse, em 1935, a vaga de deputada estadual – foi a primeira das 12 mulheres que já ocuparam ou ocupam a função no Estado. Defendeu que os diretores de escolas fossem eleitos pelas comunidades onde estavam instaladas, mas o projeto foi revogado por Irineu Bornhausen, opositor dos Ramos, nos anos de 1950. “Ela sempre pregou a educação para todos e fez dessa sua maior bandeira, mais do que a negritude”, diz a cineasta Flávia Person. Antonieta também colaborou com jornais da Capital (“O Estado”, “República”, “O Idealista”, “A Pátria”, “A Semana” – este último, fundado por ela própria), publicando
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crônicas sobre educação, igualdade e outros temas que depois foram reunidas no livro “Farrapos de ideias”, o único que publicou.
TEMPOS DE AVANÇOS E CONQUISTAS
Mesmo tendo passado duas vezes (1935-1937 e 19471951) pela Assembleia Legislativa e sido dona de escola, Antonieta morreu pobre, em 1952, depois de perder o cargo de diretora por questões políticas. Entre as heranças que deixou está a coragem de expressar suas ideias num tempo em que as mulheres começavam a conquistar os primeiros direitos – como o do voto,
no governo Getúlio Vargas, em 1932 – e as professores ainda eram proibidas de casar. Seu segundo mandato foi cumprido pelo PSD (Partido Social Democrático), quase um feudo da família Ramos em Santa Catarina. Hoje, a Assembleia Legislativa concede uma comenda anual com seu nome a mulheres que prestam serviços relevantes ao Estado.
RELIGIOSA, FEMINISTA E PELA EDUCAÇÃO
Nas pesquisas que realizou, a cineasta Flávia Person foi aos poucos perceben do particularidades interessantes da perso-
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nalidade de Antonieta de Barros. Ela era bastante religiosa, mas pregava a emancipação feminina – uma aparente contradição em vista da postura conservadora da igreja católica em relação às mulheres e ao seu papel na sociedade. Defendia o progresso, dentro da linha dos liberais, porém entendia que a prioridade do Estado devia ser a educação, que traria o resto de roldão, pela sua função transformadora. E soube reagir quando o historiador Oswaldo Rodrigues Cabral, antigo companheiro de partido, qualificou suas ideias de “intriga barata de senzala”. Sem perder a postura, ela respondeu numa crônica que não era esse tipo de picuinha que estava em discussão. No fim da vida, a professora e deputada teve algumas decepções. Uma delas foi a anulação da lei de sua autoria que previa
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a nomeação dos diretores e professores de escolas públicas só por concurso de acesso. Outro foi sua própria exoneração da direção do Colégio Dias Velho, em 1951. O Curso Particular Antonieta de Barros, focado na alfabetização de crianças carentes, funcionou até 1964. Mesmo administrando o estabelecimento, ela passou pelo Colégio Coração de Jesus e lecionou durante 18 anos no atual Instituto Estadual de Educação, que também dirigiu a partir de 1944. O historiador Fausto Douglas Correa Júnior, que prestou uma consultoria para o projeto, desconfia que não é obra do acaso a invisibilidade de Antonieta de Barros e de sua memória em Santa Catarina. “Temos a sensação de que a escravidão ainda vive, em certa medida”, afirma. Além disso, pregar a formação do ser e do cidadão soa
extemporâneo hoje em dia – um tempo sem ideais. O filme tem essa meta – a de inserir a história de Antonieta no período conturbado da primeira metade do século 20, com suas guerras, as disputas políticas estaduais e nacionais e as
lutas pelos direitos dos trabalhadores e das mulheres. “Sem ser didático ou jornalístico demais, o documentário quer mostrar essa figura importante para pessoas de todas as idades”, diz a diretora Flávia Person. 31
FOTOS INÉDITAS MOSTRAM ANTONIETA E LEONOR
As pesquisas da equipe de “Antonieta” se concentraram na Casa da Memória de Florianópolis, vinculada à Fundação Franklin Cascaes, no Museu da Escola Catarinense, no Arquivo Público do Estado e na Assembleia Legislativa. O filme foi contemplado na categoria vídeo pelo edital do Prêmio Catarinense de Cinema 2013 e vem sendo produzido há pouco mais de um ano. Há cerca de um mês, Flávia Person obteve de um sobrinho-neto da educadora que mora em Curitiba uma série de fotos inéditas que mostram, entre outras coisas, a grande proximidade de Antonieta e Leonor de Barros, a irmã que viveu mais, até os anos 70, embora tenha sido menos conhecida. Ela
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também consultou uma tese de doutorado de Luciane Fontão e uma dissertação de Karla Leonora Nunes. O projeto teve as parcerias da Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros, Secretaria de Educação de Florianópolis, Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Udesc e Conselho Municipal de Promoção da Igualdade e Coordenadoria de Políticas Públicas e Promoção da Igualdade Racial. A realização é da
Magnolia Produções Culturais e da Ombu Arte e Cultura. O lançamento foi programado para o Museu da Escola Catarinense porque o prédio sediou a Esco la Normal o n d e
JANELA CÓSMICA
Luiz Carlos Amorim – Florianópolis, SC
Nos meus olhos mora o tempo, memória da alma, repositório do coração. Dentro dos meus olhos mora o mundo, moro eu e o meu cosmo. Dentro dos meus olhos, mora a minha alma, 32
Antonieta se formou professora e que mais tarde abrigou o Instituto de Educação Dias Velho, onde ela lecionou e foi diretora. Depois da estreia, o filme foi exibido no Plenarinho da Assembleia Legislativa, no dia 24, durante o seminário Conversas com Antonieta, e deverá ser inscrito em festivais e mostras no país e fora dele. A intenção é também distribuir os DVDs em todas as escolas da rede municipal de ensino.
a essência de mim. No meu olhar mora a vida, moram todas as cores, mora a poesia. Meu olhar é minha casa e cabe o universo todo dentro da minha casa.
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o reconhecimento pelo seu trabalho de educadora, a disposição em levantar-se, todas as manhãs, para auxiliar aqueles que necessitam de seus conhecimentos. “Obrigada, Pai. Tudo vale a pena!” Antonieta, olhos ardendo, vencida pela caminhada diária, adormece com um sorriso nos lábios.
ANTONIETA
Maura Soares – Florianópolis, SC
A noite vestiu seu manto e Antonieta cansada da lida, de mais uma etapa vencida, prepara-se para dormir. Descansar seu corpo de muitas lutas, poucas vitórias. Apanha seu rosário e, conta a conta, agradece ao Pai por tudo que tem lhe dado. Pelas crianças que está encaminhando na trilha do saber, pela sua vontade em vencer o preconceito, quebrar barreiras, impor sua determinação. Agradece ao Pai o carinho dos familiares,
EXPEDIENTE SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA - Edição 150 - Set/2019 - Ano 39 Revista do Grupo Literário A ILHA - Edições A ILHA - Contato: revisaolca@gmail.com A ILHA na Internet: Portal PROSA, POESIA & CIA.: Http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br Veja a Página do Grupo Literário A ILHA no Facebook 33
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‘FARRAPOS DE IDEIAS” DE “MARIA DA ILHA” Por Raquel Terezinha Rodrigues e Carla Alexandra Ferreira
Esta é uma leitura do livro Farrapos de Ideias (1937), de Antonieta de Barros, cujo pseudônimo é Maria da Ilha, com o objetivo de mostrar que a obra vai além da escrita da crônica diária e breve. Nos assuntos tratados pelas crônicas, observa-se que há uma recorrência no que diz respeito à finalidade da vida, ou seja, a ascensão espiritual. Reforça a necessidade de oferecer às massas o “pão do espírito”. Faz uma verdadeira ode à disciplina, à moral e à retidão do coração como “princípios da moral máxima”. “Respeita-te a ti mesmo! Edifica sobre
esta base, traça os caminhos que a lâmpada maravilhosa da consciência ilumina, para que surja, consequentemente, a estabilidade da moral social! Aplica, segundo o sábio dos Provérbios, à disciplina o teu coração, e os teus ouvidos às palavras do conhecimento. (BARROS, 1937, p.65) E na crônica “Primeiro de Maio”, diz que o único caminho para as
grandes conquistas é o trabalho e que fora dele não há como se realizar, porém lamenta que, aliado a essa ânsia de vencer e de se realizar, não ande o livro, e completa: “nós não precisamos de pão 34
e circo, mas de pão e cultura”. Encerra o texto abençoando os heróis anônimos que sabem cumprir o seu dever: “Dentro do sonho lindo de pão para todas as bocas, numa expectativa duma humanidade melhor, presa por uma fraternidade real, nós abençoamos todos os heróis anônimos das terríveis batalhas incruentas, que souberam e sabem engalanar a vida, dando-lhe brilho, fartura e alegria, com o cumprimento de dever máximo: No suor do teu rosto, comerás o teu pão, até que tornes a terra. (BARROS, 1937, p. 82-3) Embora no livro sobressaia esse tom de ânimo e de observância às virtudes, para que se tenha sucesso na vida, é inegável que na contramão do discurso haja, também, esse descrédito na humanidade. Essa desilusão se estabelece, a princípio, com
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a guerra em que o egoísmo humano atinge seu ponto máximo, destruindo o sonho de fraternidade que muitos teimam ter, incluindo aqui a própria autora. “Dentro do sonho lindo de fraternidade que se envolve os corações idealistas, esbatendo fronteiras e desconhecendo oceanos, para o abraço universal, há de quando em vez, hiatos tremendos em que os homens se revelam. Só então é que as massas sentem e compreendem o valor e a fecundidade da paz, que é progresso, sossego espiritual; da paz, que é evolução e conquista; da paz que é trabalho e fartura; da paz que é glória e bênção. (BARROS, 1937, p. 31. Para em seguida refletir sobre o natal e chegar à conclusão de que mesmo que os homens não aceitem a Cristo, que o neguem, ainda que se destruam mutuamente e “ace-
lerem os meios de se matarem, ainda que tenham dado em troca das palavras doces oferecidas por Cristo, o escárnio, ainda assim, as palavras do mestre tem conseguido conter os ímpetos de ferocidade”. E numa hipótese que julga absurda, diz
que a doutrina cristã, mesmo que fosse utopia e que seu evangelho fosse apenas um sonho, ainda assim “seria Bendito”. Desvinculando–se então da ideia de que o texto significa apenas o que diz, “a linguagem 35
foi-nos dada com o intuito de esconder nossos pensamentos”. Observa-se aqui que a autora em sua moral católica, ainda que se sinta desiludida com a vida e admita ser teimosa ao ter certos sonhos, tenta dar às crônicas esse ar de ânimo, muito embora ela mesma se mostre cansada de tanta luta. Antonieta era conhecida, em sua época, por Maria da Ilha. E quem é Maria da Ilha? Quem é Antonieta? Como se autodefine? Na crônica que dá como título o seu nome ela diz que na rua onde mora, as vozes alegres dos garotos fazem lembrar que é véspera de São João, o mesmo santo das fogueiras e dos balões. Para ela, o destino dos balões que é subir para depois cair “é o anseio de fuga, de libertação, para cumprimento do seu inglório destino”. Nessa crônica, o tom intimista percorre todo o texto e nele a autora se
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mostra insegura diante do futuro, de estrela singular como o balão. O silêncio em torno de suas experiências sociais, das dificuldades e barreiras transpostas para chegar onde chegou, também é uma forma de protesto e de luta, assim como os balões. Maria da Ilha sabe que, ainda que eles dividam os céus com as estrelas, ainda assim o céu é delas, não dos balões. E mantendo o tom de ânimo mostra aos outros, seus irmãos de desventuras, que é possível vencer, que “é preciso avançar, alcançar a montanha, galgá-la”. E nada melhor do que o exemplo da sua vida: “A Escola, na sua função única, prepara as criaturas para a vida, - luta intensa e complexa. Os títulos podem envaidecer os nulos, os fátuos, mas não lhes permitem vencer. Só vencem os capazes. E a capacidade revela-se na ação. Só
a instrução, só o livro, elevando o homem, lhe dá o direito de ser homem; só a instrução consciente rouba as criaturas ao servilismo aviltante e procura alçá-las às cumiadas, onde o ar é puro e donde se descortinam
todos os panoramas maravilhosos.” (BARROS, 1937, p. 162) E encerrando o livro seguem dois discursos, o primeiro feito por ocasião da formatura da primeira turma de Magistrandos do Colégio Estadual Dias Velho e o segundo, intitulado “Falando as 36
Mestras”, é a oração de paraninfa, proferida a 26 de novembro de 1945, na solenidade de formatura do Colégio Coração de Jesus de Florianópolis. “Não deixeis que a raça, a cor, a fortuna e todos estes ridículos nadas em que se perdem, muitas vezes, as criaturas, sejam traços de distinção entre os pequeninos que o Senhor vos confiar. Amai-os com carinho maternal inato, em todas nós, mas multiplicai os vossos cuidados pelos que mais pobres em forças morais forem.” (BARROS, 1937, p. 231) Aqui abandonando o pseudônimo, assina como Antonieta de Barros e se dirige às normalistas como “filhas”. Antonieta as lembra que são mães e educadoras e que o Brasil de amanhã está nelas. Essa ideia vem corroborar com opinião que tem sobre os jovens: para ela, nas mãos destes, está
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sempre o futuro e a arma que eles podem usar para que o futuro seja vitorioso ou não, é a instrução. Reforça que devem viver para os pequeninos, o amor que Cristo deixou na terra. “ Meus senhores. Eu pararei, aqui. Ficarei aqui, neste meu pensar em voz alta. Ficarei aqui, meus colegas, porque o Instituto, que vos acaba de sagrar Mestres, confia em vós. Ficarei aqui, meus queridos, abençoando o vosso caminho e sentindo, com o coração, a certeza de que, longe ou perto, onde o dever vos impuser o trabalho, nele poreis a vossa alma de barrigas verdes, para o bem da Pátria comum.” Maria da Ilha 1937, p. 210) “Farrapos de Ideias” é um livro e um texto híbrido que pode ser lido pelo viés da escrita intimista, sem se afastar totalmente da jornalística. Contudo, tal mistura permite que
a narradora/cronista rompa com a imparcialidade proposta pelo jornalismo. E nesse misto de memória pessoal e colectiva, em que a autora narra eventos ocorridos em um período, os silêncios e lacunas são muito mais reveladores do que o conteúdo manifesto no texto. Observou-se aqui que, embora Maria da Ilha tente manter o bom ânimo, instigando os desanimados que estão à margem, ela mesma em alguns momentos se sente insegura diante do mundo. Demonstra, em relação aos homens, uma desilusão constante, pelas ações atrozes praticadas, principalmente, no que tange à guerra e 37
nas várias invenções criadas para que se matem uns aos outros, duvidando até mesmo se com tantos avanços tecnológicos houve realmente progresso. A saída oferecida, segundo Antonieta de Barros, está nas mãos dos jovens, a eles cabe o futuro: eles, com sua mocidade, trazem um passo de avanço para a civilização. E nessa luta que se trava, segundo a autora, não se trazem somente sonhos, é preciso armas. A saída oferecida por Maria da Ilha/ Antonieta de Barros é a arma da instrução, só ela dá ao indivíduo a liberdade e venceríamos a brevidade da vida, pois segundo a autora: “chegaríamos a viver mais, porque nos preparavam a mente para pensar. E só vive, no sentido humano da palavra, o que pensa. Os outros se movem, tão somente”. (BARROS, 1937, p. 160)
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LIVRO TRAÇOS DE ANTONIETA É LANÇADO NA ALESC, EM MARÇO DE 2019 Ney Bueno
Com a vida inspirada em Antonieta de Barros, a pioneira deputada catarinense, a tenente-coronel da reserva da Polícia Militar, especialista em atendimento à criança e ao adolescente e em gestão de segurança pública, Edenice Fraga, na Assembleia Legislativa, o livro Traços de Antonieta. A obra que reúne contos e poemas é uma homenagem a Antonieta de Barros e, segundo a autora, por meio dela tantas outras mulheres de luta. Com 119 páginas, o
livro traz em sua essência a sensibilidade, a humanidade e a vontade de remeter aos temas defendidos pela educadora e deputada, que fez da sua vida um eterno educar, relata Edenice Fraga. A autora lembra que é natural do Morro do Mocotó, em Florianópolis, filha de pai militar e mãe lavadora de roupas, e que graças a Antonieta de Barros teve inspiração para também ser uma pioneira nas conquistas das mulheres em Santa Catarina. E denice foi a primeira oficial mulher e negra da Polícia Militar, membro imortal internacional da Federação Brasileira de Ciências, Letras e Artes (Febacla), escritora, contista e poetisa, declamadora. Tem participação em várias coletâneas e revistas e dois livros solo: Pássaro Sublime e Traços de Antonieta. “Todos esses títulos só valem a pena se conseguir inspirar as crianças, como a Antonieta me inspirou.” A ntonieta de 38
Barros nasceu em Florianópolis no dia 11 de julho de 1901. Mulher negra de origem humilde, enfrentou o racismo na época e conquistou espaços de poder, sendo escritora e sagrando-se a primeira deputada estadual em Santa Catarina, na década de 30, e a primeira deputada negra do país.
TEXTO DE ANTONIETA DE BARROS
Nem só de pão vive o homem. Na vida e para a vida, não é bastante o Trabalho. As criaturas, a quem assiste o direito e o dever intangíveis do trabalho, necessitam, para viver, no sentido humano da palavra, de cultura. Não basta a alfabetização.É preciso que se torne acessível, a todas as criaturas, a escalada deslumbradora. O trabalho é fartura, que a cultura ensina a compreender; é alegria, que a cultura espiritualiza; é prece que a cultura bendiz e santifica.
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PROCURA-SE
A CAMINHO DE UM SONETO
Cláudia Kalafatás – Florianópolis, SC
Cláuda Kalafatás – Florianópolis, SC
As vivas cores dessa tarde de verão não iluminam o que se apodera de meu ânimo desacelerar naquilo que quer demonstrar meu coração esconder o que grita de meu amor, causa-me pânico. A suavidade com que ouço pequenas ondas desse mar não acalmam o turbilhão interno e indeciso; Compreendo agora que para te amar Silenciar a harmônica canção é preciso. O carinho que a natureza me traz não me é indiferente, a necessidade de ouvir-se o íntimo, se faz, e apesar do caminhar soturno, sinto-me contente.
Aonde está você que não intui meu chamado? Por onde andas que não desfazes meu viver desesperado? Aonde está você que me deixa, assim, sozinha? Por onde andas, cuja magnética mansuetude não me ilumina? Aonde está você, cuja presença reclamo de forma divina? Diga-me por onde andas, para que esse doloroso esperar não seja minha ruína...
Cláudia Ferro Kalafatás nasceu em maio de 1966. Florianopolitana, descendente de gregos e italianos. Publicou seu primeiro livro em setembro de 2015, intitulado Dilemas, reticências: poemas. “Harpa Inerte” foi lançado em 2018. Seu terceiro livro, “A Sala”, vem aí.
Então te chamo! E o grito insone e metafórico é respondido! E, a despeito do que pensas, te amo! 39
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TODAS AS SAUDADES
Por Luiz Carlos Amorim - Escritor, editor e revisor, Cadeira 19 na Academia SulBrasileira de Letras, Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, com 39 anos de trajetória,. http:// luizcarlosamorim. blogspot.com.br, http:// lcamorim.blogspot. com.br, http://www. prosapoesiaecia. xpg.com.br
capital portuguesa, reporto-me a ele. Então, começo mudando o título da crônica e, quem sabe, na segunda edição do meu livro, mudo também o título dele? Ou, pelo menos, adiciono um subtítulo. E vamos falar de saudades. Quanta saudade cabe em um dia? Ouvi isso, outro
O título desta crônica deveria ser “Todas as Saudades”. Mas um de meus livros mais recentes, “Portugal, Minha Saudade”, que reúne crônicas que falam de várias saudades diferentes, inclusive saudades do Brasil em Portugal e saudades de Portugal no Brasil, também merece este nome. Estou morando agora em Lisboa, então a propósito da tarde de autógrafos desse livro na Feira do Livro da 40
dia, em um comercial e fiquei pensando a respeito. Lembrei da nossa pinscher Xuxu, que quando a gente saía, ficava o dia inteiro no portão, sentada perto da grade da garagem, esperando a gente. Podia estar frio, ela podia estar com fome ou com sede, mas não arredava pé. Minha mãe ficava
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admirada com isso, quando ficava em casa para cuidar dela. Quando a gente chegava, era uma festa só, com latidos, correrias, lambidas, etc. Dá pra medir a quantidade da saudade que se sente? Tenho saudades de lugares, de coisas que vivi, mas tenho mais saudades de pessoas. E também pergunto: quanta saudade cabe em um dia, em uma semana, em um mês, em um ano, em uma vida? Tenho saudades da minha filharada, que cresceu e foi embora e deixou uma casa enorme para trás, que insiste em me lembrar que minhas meninas não são mais crianças, que agora têm as próprias casas, tão longe
da nossa. Tenho saudades da nossa primeira filha, Vanessa, que chegou, há muitas primaveras, e logo se foi, tão rápido. Mas dói como se tivesse sido ontem, embora a saudade se acumule há muitos, muitos anos. Tenho saudades dos meus irmãos, mais dos que já se foram, tenho saudades da minhas avós, dos meus avôs, de amigos queridos que foram conhecer o outro lado da vida ou estão muito longe para que possamos vê-los e abraçá-los. Tenho saudades de mim, da criança que fui, em tempos idos. Tenho saudades de meus outros eus. Preferia, às vezes, não ter saudades, mas a saudade é a prova
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maior de que vivemos bons momentos, de que fomos felizes. De maneira que quanto mais saudades temos, tanto mais felizes teremos sido ou estamos sendo. Tenho saudades até de quem nunca conheci pessoalmente, como de Quintana. E agora, mais uma saudade chegando: o neto Rio chegou e, daqui a alguns meses vamos de volta para o Brasil e vamos ficar longe dele. Saudade que vem. Então que venha a saudade, que sempre cabe mais uma pequena felicidade nas nossas vidas, até uma felicidade bem grande, muito grande, que vai acabar se transformando em uma enorme saudade.
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ALMA SOLITÁRIA
DESTINO
Cruz e Sousa
Mia Couto
à ternura pouca me vou acostumando enquanto me adio servente de danos e enganos vou perdendo morada na súbita lentidão de um destino que me vai sendo escasso conheço a minha morte seu lugar esquivo seu acontecer disperso agora que mais me poderei vencer?
Ó Alma doce e triste e palpitante! que cítaras soluçam solitárias pelas Regiões longínquas, visionárias do teu Sonho secreto e fascinante! Quantas zonas de luz purificante, quantos silêncios, quantas sombras várias de esferas imortais, imaginárias, falam contigo, ó Alma cativante! que chama acende os teus faróis noturnos e veste os teus mistérios taciturnos dos esplendores do arco de aliança? Por que és assim, melancolicamente, como um arcanjo infante, adolescente, esquecido nos vales da Esperança?
(
D
o
l i v r o “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”)
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LINDA TERRA DISTANTE Maria Teresa Freire - Curitiba, Pr
Envolvi-me no encanto de conhecer outras plagas. Distantes. Inversas. Tomou-me o entusiasmo e fui-me. Vo e i c é u s d e s c o nhecidos. Enfrentei ares diferentes e postei-me corajosamente antes as diferenças e diversidades que viriam. Eis que, surpresa, não encontrei tantas disparidades. Embrenhei-me por caminhos esplêndidos bordejados pelo mar verde, de águas límpidas, até convidativas, se não fora o frio imperativo para uma brasileira acostumada ao calor forte, às vezes a b r a s i v o . Va g u e i pela história conhecendo monumentos,
praças ajardinadas e enfeitadas com flores coloridas, frescas como se estivessem florescidas naquele momento e dedicadas aos ilustres personagens que povoam a cultura dos países. Aventurei-me pelos fiordes, extasiada com a pujança da natureza que se ergue em montanhas verdejantes, desagua em inúmeras cascatas límpidas e se esparrama em vales encantados, como pareciam. Caminhei em parques extensos com escolhas de entretenimentos variados, um deles habitado por esculturas que
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traduzem os ciclos da vida em toda a sua sublimação. Naveguei pelos mares do Norte e Báltico e explorei os países distantes da minha terra, mas expressivos em suas características culturais, desenvolvimentistas e progressistas, cuja origem também remonta aos famosos Vikings, que tanto interesse e curiosidade despertam. Visitei castelos da época medieval, que abrigaram e ainda abrigam, com luxo e ricos aparatos decorativos, histórias de reis e rainhas que, ao contrário dos contos de fadas, permanecem
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reais! Caminhei por longas avenidas modernas, imponentes, mas também por ruelas estreitas, antigas e exóticas na atual urbanidade que as circunda. Apreciei vitrines iluminadas, emoldurando ruas plenas de passantes ansiosos em adquirir os objetos anunciados, apresentados e muitas vezes totalmente desencaixados às necessidades. Sacolas balouçantes nas mãos e braços de moradores e visitantes apressados.
Encantei-me com a a rquitetu ra cria d a há séculos, que me rodeava por todos os lados, em uma eufórica ambientalização que parecia dizer-me: “sou sólida, antiga e tenho sobrevivido às mudanças seculares pelas quais passa o povo que me habita”. Senti o calor escandinavo resultante das boas-vindas generosas. Senti o calor do sol escandinavo brilhante que a todos seduz para senti-lo em seus corpos. Expe44
rimentei o frio nas montanhas mais altas, ainda com partes cobertas de gelo, que contrastam com o local onde vive esta brasileira dos trópicos. Misturei-me às pessoas que naquela terra moram, para vivenciar seu modo de ser, ouvir seu idioma difícil e seu inglês fluente, ter contato com o gosto pelas iniciativas culturais que permeiam seu cotidiano e que me fizeram mergulhar no conhecimento de um povo singular e peculiar. E pelas longas estradas que se descortinavam à minha vista, paisagens únicas e encantadoras. Admirei países que nem pensava con h e c e r, m a s q u e criaram em mim uma imagem indelével e certamente inesquecível!
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ÂNFORA QUEBRADA
RENÚNCIA Erna Pidner – Ipatinga, MG
Fátima Cardoso
A pele da sombra deita no silêncio Murmura no sorriso da luz Tropeça no encanto da lua fulgurante Seduz o olhar da noite solitária Entrega-se nos braços afoitos da imensidão!
Não mais te farei poemas em tardes mornas, amenas; procurarei abafar a voz do meu coração e ouvir a da razão, que diz: - Não espere mais, ele não virá jamais.
Relâmpagos rasgam a cortina celeste Pulsa na Ânfora quebrada O gemido do abismo cantante!
Tentarei te esquecer, baní-lo de meu viver; buscarei novos caminhos, arrancarei os espinhos da rosa, que tu me deste, apenas em pensamento, sem nenhum ressentimento. Se uma canção te lembrar, sem mágoas a irei escutar e direi, baixinho, à lua, que a saudade continua, mas embora ir-se-á, como vai um sonho lindo lá, na distância, sumindo. 45
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A ESTRADINHA Conto de Enéas Athanázio – Balneário Camboriú, SC
Sentei no banco gasto da velha estação ferroviária e espraiei o olhar pela vila onde passei muitos anos da infância feliz. Para trás estavam as ruas tortas em que se alinhavam velhas casas; à direita se avistavam as ruínas da antiga madeireira, a indústria que devorou as matas da região; à esquerda, menores do que eu imaginava, ficavam os morros misteriosos onde, como diziam nos meus tempos de
criança, viviam até bugres e onças pintadas. Mas à minha frente se estendia a paisagem que mais me dizia à saudade. Naquela campina plana, com o capim ralo queimado da geada inclemente, começava a estradinha que ligava minha vila ao lugarejo onde morava meu amigo Téo, um dos tantos que o tempo levou. Era uma estrada de poucos quilômetros, com o chão vermelho batido pelo caminhão velh o q u e p u xava madeira, cortando a mataria fechada, subindo e descendo as quebradas do terreno. Caminho pobre, onde quase ninguém passava, e cujos únicos ruídos eram o canto
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dos pássaros e o grito de algum bicho.Para mim, porém, aquela estradinha era a porta da aventura e da liberdade – era tudo. Por ela eu saía nas explorações solitárias do mato próximo e, mais tarde, com a espingarda nas costas, para algumas caçadas inofensivas. Por ela eu partia para acampar na companhia dos amigos, curvado ao peso da mochila. Mais crescido, já metido a homem, a estradinha servia para minhas andanças a cavalo e as corridas na bicicleta que ganhei de minha avó, a única da vila. Também era por ali que eu rumava para os primeiros bailes, nos sítios ou nas casas-de-festa das capelas, quando até arranjei uma namorada, caboclinha simplória e acanhada que também sumiu no tempo. Era ainda por ali, na fase da leitura apaixonada, que eu rumava para a casa
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de Téo, com quem trocava livros e revistas. Bem cedinho, mal engolido o café, eu enfrentava o frio e partia decidido. Quase sempre a pé, com o maço de leituras em baixo do braço, esticava o passo nas curvas sem fim, a batida dos saltos provocando um som cavo no chão vidrado. Nem saía da vila e me punha a cantar e assobiar, talvez para espantar o medo, a voz reboando nas canhadas e o eco respondendo longe. Às vezes treinava mesmo uns discursos e declamações para uma platéia invisível. Nessas visitas ao Téo acontecia encontrar por ali, pastando à vontade, o Rosilho, um cavalo muito velho que pertencia à minha família. Não servia mais para o serviço e fôra largado ao deus-dará. Muito barrigudo e de lombo agudo como facão, era o retrato da mansidão. Submisso sempre a
meus caprichos infantis, muito eu tinha brincado com ele. Eu então o montava em pelo, sem pelego e sem freio, e o colocava na estrada. Bufando e rebolando, o pobre me levava até a vizinhança do povoado do meu amigo, onde eu o largava, com um tapa amistoso no lombo. À noitinha, quando retornava, eu o encontrava quase no mesmo lugar, pastando em silêncio. Parecia que me esperava. Eu montava de novo e, entre bufos, ele me levava de volta. Para compensá-lo, eu lhe dava um trato de milho e alfafa e 47
servia-lhe água fresca. Com olhos imensos e plácidos, parecia agradecer. Depois, em passos curtos, sem pressa, retomava a liberdade duramente conquistada e cruzava a campina. Chegando em casa, nem descansado do passeio, eu já imaginava novas andanças pela estradinha. A estradinha que ficou para sempre na minha lembrança como o caminho livre do sonho e da fantasia. (Premiado no Concurso Nacional Monteiro Lobato promovido pela Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil (S. Paulo – 1990).
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ANSIEDADE Valmir Vilmar de Sousa -
Provocas dores insuportáveis Aceleras um coração descompassado Comprimes a garganta Promoves uma tosse insana Geras insegurança, medo Desconfiança e te alongas Alongas naquele ser incauto Desatento de suas atitudes Seus pensamentos imprevisíveis Seus conceitos prédeterminados Que faz deste ser Tua vítima fatal Olhando para dentro de si Se autoconhecendo Com uma reflexão profunda Tu serás abandonada Execrada, marginalizada Um ser equilibrado te repudia Te desconhece, não padece Enriquece, enobrece Reza uma prece Sente-se feliz, realizado Para que caminhar contigo? Se tua ausência me deixa FELIZ?
Valmir Vilmar de Sousa nasceu em Florianópolis (SC). Poeta, Contista, Artesão. É Membro fundador da ALBSC/ São José (Academia de Letras do Brasil/Santa Catarina seccional de São José), tendo como Patrono Júlio de Queiroz com a cadeira número doze. É Membro da ACPCC (Associação dos Cronistas, Poetas e Contistas Catarinenses). Seu primeiro livro lançado em setembro de 2018 tem como título: Viajando na Poesia. Participou da Antologia Mulher Destaque 2018. Participou da Antologia Literária Sinfonia 2018 da Academia de Letras de Palhoça, organizada por sua Presidente Sonia Ripoll. 48
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ALMA BASTARDA
APARÊNCIAS
Adir Pacheco – Florianópolis, SC
Adir Pacheco – Florianópolis, SC
Crepúsculo vazio nas trilhas do tempo. Em sonho, nas aparências das tardes surdas esperanças se erguem.
Minh’alma calada, recolhe-se indefesa entre ideias coaguladas.
E o sorridente raio fulge entre as nuvens.
Ante fantasmas diversos, a caverna me esconde.
Redimido, inclino-me às estrelas com os olhos da paz, na aparente vestimenta dos sábios, que se entreabre enfim na fumaça do nada.
Mendigo, fiz-me amigo dos vermes e das larvas, e me surpreendo indiferente aos horrores. O espírito em gargalhadas estranha a alma bastarda. E desprezo os mitos, os conceitos místicos, os profetas e ascetas. Contemplando o rio, integro-me no diálogo entre suas águas. 49
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DANÇA DA VIDA Adir Pacheco
CORAÇÃO DE CRIANÇA Adir Pacheco – Florianópolis, SC
Tenho medo do vazio que o nada me oferta. Quero a minha porta aberta, janelas sem trancas e o portão sem tramelas.
Brilha o sol, a vida, manhã de esperança, passos apressados concentrados.
Sem chorumelas envelhecer, ter sempre as mãos para estender a quem minha casa adentrar.
Caminhos que movem sonhos na sombra que acompanha. e, sem promessa, cobre a pedra que fere.
Assim eu quero viver: tendo o coração alegre, sorriso solto sem disfarce, de jeito um pouco moleque. E quando este mundo deixar possam todos compreender que o meu coração foi criança, temendo um dia morrer.
Enigma que acolhe na inocência do tempo, o sonho do ontem, o jogo do hoje no acaso. E no ocaso vejo a música a ecoar, que no ensaio da vida me convida pra dançar. 50
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ENIGMAS
Adir Pacheco – Florianópolis, SC
No enigma do tempo, vejo, o paradoxo da vida no silêncio nupcial da morte.
ENCONTRO Adir Pacheco Florianópolis
Ergo aos céus os meus olhos e lágrimas contemplam a noite no grave momento da agonia.
Mundo complexo de universo lógico. Nexo, ilógico, no arbítrio livre da multiplicidade em desencanto.
Vigiado pelas sombras, sinto no invisível a incógnita do ser.
Palavras, fatos, atos. E o manto da apologia cobre o pobre, o nobre.
E meu ego reclama do mundo o eco. Da promessa muda que não vingou. Do sonho que se perdeu no meu grito que emudeceu.
Porém a morte que tudo vê me descobre na agonia da vida, vem ao meu encontro e me abraça comovida. 51
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dúvida, a justificativa “falta de tempo”, tão desgastada, é verdadeira. Há fases na vida em que ficamos enredados em obrigações, em HATERS Sônia Pillon – que os ponteiros Jaraguá do Sul, SC do relógio parecem De uns tempos pa- c o r r e r f r e n e t i c a ra cá, sou presença mente, como num discreta nas redes f i l m e d o s t e m p o s sociais. Discretíssima. Já se foi o tempo de ficar até altas horas interagindo com “amigos” virtuais. Do outro lado do teclado existem muitas armadilhas que a experiência nos ensina a ter cautela. Mas, confesso, não estou dando a atenção devida nem aos que mere- d o c i n e m a m u d o . cem, infelizmente! Sim, porque cada “ S ô n i a , v o c ê a n - vez mais nos falta da sumida! O que tempo para sociaa n d a f a z e n d o ? ” . lizar de verdade, São perguntas que a b r a ç a r e o l h a r e s c u t o f r e q u e n t e - olho no olho. Mal mente. conseguimos proPoderia enumerar ferir um “bom dia” o s m o t i v o s p a - e perguntar “tudo ra esse aparente bem?”. Relações “isolamento”. Sem p r o t o c o l a r e s , e m 52
preto e branco. Cada um no seu quadrado... Mas, confesso, não é somente a Síndrome do Coelho Maluco reclamando “Não tenho tempo, não tenho tempo!”… A verdade é que o mundo anda polarizado demais para o meu gosto. Nas rodas de conversa, mas principalmente na web, é triste constatar que as pessoas desaprenderam o que é diálogo. Não existe mais troca inteligente de ideias, em que o crescimento mútuo é oportunizado por uma boa argumentação. Em suma, ouvir o outro. A o r d e m é a t a c a r, hostilizar, julgar e condenar sem avaliar os dois lados da moeda. Comentários maldosos e preconceituosos aumentam a cada
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dia. Parece um campo de batalha onde a intolerância fala mais alto. Com raras exceções, essa é a realidade com que nos defrontamos na atualidade. Falta conhecimento sobre os temas abordados. Agora é moda ser radical! Na política e na vida, radicais de direita, ou de esquerda, são sempre r a d i c a i s . Te r o p i nião contrária virou insulto, e sempre rejeitei os extremos. Vi v o d i z e n d o q u e bom senso, meio termo, equilíbrio, respeito e ética são palavras em desuso. Nostálgica?
Nem ta n to… Hoje as pessoas querem ter razão quando não têm: os egos falam mais alto, assim como a raiva direcionada aos que vencem com argumentos. Outra constatação: as novas gerações não foram ensinadas a lidar com perdas, muito menos com a rejeição. E o resultado disso é o acirramento da violência em todas as esferas. "Haters gonna hate" é uma expressão em inglês que na tradução literal seria "odientos vão odiar". Os haters de plantão, os "odiadores", ou "odientos", segundo 53
o dicionário, estão dominando o campinho das ideias na web. Com suas metralhadoras em forma de texto, detonam na internet, apontam o dedo, difamam, exterminam o humor e massacram a autoestima dos mais fragilizados. Ganham adeptos, legiões de seguidores! Por tudo isso, perdi o encantamento inicial com o fascinante universo da rede mundial de computadores e sou pontual em meus posicionamentos e postagens. Dizem que a maturidade faz a gente ser mais seletiva. Deve ser… Como diz Maísa, a adolescente que começou como menina-prodígio e hoje tem seu próprio programa de televisão: “Haters, pro ralo!”.
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e ninguém pra me salvar Não consigo acreditar, não posso entender porque tanta defesa, tanta máscara entre as pessoas, se no fundo precisamos tanto um dos outros
ÍCONES
André Galvão – Amargosa, BA
Quando as lágrimas vêm aos olhos é sinal de que muita coisa não anda bem
A noite nem começou e a escuridão parece cada vez maior enquanto nos escondemos nos escombros do nosso egoísmo idiota
E de repente, as paredes se agigantam, permanecem muros ameaçadores: o escuro é apenas um refúgio, sombra de um sonho ruim que não acabou
É tarde, não há o que fazer É tarde, não há o que conversar
As noites continuam vazias, comumente cheias de nada o que fazer, apenas ver a alegria daqueles que aparecem sorrindo, amando, encontrando quem queriam encontrar
Resta esperar que o sono perdido nos absolva de tamanha escuridão: tão poucos com tantos sonhos coloridos, muitos com pesadelos tão reais.
O conceito de solidão parece bem maior do que se pode imaginar... Talvez só seja percebido no forte barulho que o silêncio deixa em nossa mente Nada funciona, não há com quem conversar são só lágrimas 54
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O ANO CULTURAL CORA CORALINA
Júlia Moura e Luiz Carlos Amorim
A celebração dos 130 anos que a poetisa goiana Cora Coralina completaria, se ainda estivesse viva, agitou a Cidade de Goiás, local onde Cora nasceu (que na época, era chamada de Vila Boa de Goiaz), viveu e fez sua carreira como poeta. A poetisa foi registrada como Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, em 1889, e criou o pseudônimo depois dos 14, quando começou a escrever seus contos e versos. Segundoela,CoraCoralina significava “coração vermelho”. Ao longo de sua vida, Cora chegou a morar em São Paulo. Lá, ela teve seis filhos com o
marido Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, que veio à óbito em 1934, fazendo com que Cora retornasse a sua cidade natal. Cerca de 30, dos 95 anos de vida que teve, foram vividos na casa onde é hoje o Museu Casa de Cora Coralina, que mantém viva a história da ilustre goiana. “Ela falava que a arte de cozinhar era a mais nobre de todas e que a escrita vinha depois”. Foi aos 67 anos que Cora Coralina retornou para a Cidade de Goiás, após o falecimento do
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marido, e começou a vender doces na porta de casa para sustentar os filhos. Cora já tinha milhares de poemas escritos à mão quando, aos 70 anos, passou a aprender a datilografar para facilitar o acesso aos seus versos. Ela fez muitas publicações por todo o Brasil e ganhou o reconhecimento de Carlos Drummond de Andrade, além de ser a primeira pessoa a ser nomeada doutora pela Universidade Federal de Goiás (UFG), entre outros vários prêmios. Na terça-feira, vinte
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de agosto, quando a poeta Cora Coralina completaria 130 anos de idade, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, assinou o decreto que institui o período de 20 de agosto de 2019 a 20 de agosto de 2020 como o Ano Cultural Cora Coralina, como homenagem a mais importante poeta do seu Estado e um dos grandes nomes da Poesia Brasileira. Pouca coisa mudou naquele casarão de esquina à beira do Rio Vermelho, na pacata cidade de Goiás, desde que Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas partiu. Inédita, a iniciativa tem como objetivo voltar as atenções para aquela que é uma das maiores artistas da história de Goiás. A assinatura do decreto deu-se no Museu Casa de Cora Coralina, local onde a poeta esteve a maior parte da vida, ora escrevendo versos, ora
fazendo doces. “Cora Coralina é um nome reconhecido no Brasil e no exterior, é motivo de orgulho para nós. Precisamos celebrar seu nome e homenageá-la sempre que possível”, ressaltou o governador. Na verdade, ela é um ícone da poesia nacional, é simplesmente uma das nossas maiores poetas. Durante o Ano Cora Coralina, o governo estadual planeja promover uma variedade de eventos em homenagem à escritora, desde saraus
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literários, oficinas e concursos de redação e de poesia, até exibições audiovisuais e exposições. Isso levará o nome da grande poeta brasileira a ser lembrado por todos os cantos do país e deverá levar mais leitores a recriar a sua obra. É a maior homenagem que podemos fazer em tributo à Coralina. Este Ano Cultural Cora Coralina deveria ser estendido para todo o país, pois Coralina é uma dos grandes nomes da nossa literatura e é lida e amada no Brasil inteiro.
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MAIS UM POEMA TRISTE
SOMBRA
Rita Marília – Florianópolis, SC
Harry Wiese – Ibirama, SC
Sou sombra da nuvem rebelde, sem determinação para formar essências cristalinas. Não sou e não fui a Via-Láctea de teu sonho fugaz. Imagino as condições que te guiam na longinquitude aparente e sei que não acredito em palavras estéreis. O teu retorno será insípido como a neblina matinal, translúcida. Não há portas abertas e as janelas estão lacradas. O que foi não mais será! Sou sombra da nuvem rebelde, Só.
Quero fazer um poema Que seja só eu Que tendo início No fim, o Morfeu. Um poema tristonho Comprometido com a dor Um poema caduco Como num galho, a flor. Quero fazer um poema Que diga todos meus “Ais” Que diga todos meus “Oh!s” Escondendo meus ideais. Um poema de vida inteira Um poema assim a escorrer Pingo a pingo De uma geleira! 57
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MORRER EM LA PAZ
Urda Alice Klueger - Palhoça, SC
Os 150 km que separam Blumenau de Florianópolis impediram que eu vivesse mais perto do Dr. Carlos Humberto Pederneiras Correa, confrade tanto na Academia Catarinense de Letras quando no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e então não tivemos uma amizade, realmente, mas eu o admirava muito, principalmente pela seriedade com que dirigia o IHGSC, e quando o encontrava, tinha um enorme prazer de chamá-lo de “meu presidente!”, com grande respeito e muito carinho. Ele sempre foi muito cordial e bom para comigo – pelo menos da minha parte, a relação que tinha
para com ele era de consideração e admiração. Foi como um soco no peito saber, de uma hora para outra, lá no final de 2010, que ele tinha partido sozinho numa rua de La Paz. Não sei muitos detalhes, mas sei que estava lá representando Santa Catarina num sério congresso – e como estava só, sua falta só foi sentida um dia depois, quando alguém quis saber “onde estava aquele brasileiro”. Se foi triste para mim, imagino como o foi para a família e os amigos mais próximos, mas, de uma certa forma, o invejei. Explico: Eu amo La Paz. Nos últimos anos estive lá
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por cinco vezes, e em La Paz a gente está tão perto do céu, num lugar tão alto que o ar de pouco oxigênio se torna transparente e brilhante, e o grande éter acima parece tão próximo e é tão azul que, apesar dos males da altitude, a gente fica tomada de uma etereidade única e como que flutua dentro daquele riqueza cultural ímpar que lá existe, e nas noites o céu aveludado fica pejado de grandes estrelas tão próximas que tenho sempre a sensação, lá, que posso erguer a mão e segurar uma delas. Não é brincadeira, no entanto, os quase 4.000 metros de
Florianópolis–SC • Setembro / 2019 • N. 150 • Edições A ILHA • Ano 39
altitude. Na penúltima vez que estive lá, quando cheguei à rodoviária de La Paz, vinda de Santa Cruz de La Sierra, tive a sensação de que não teria forças para me levantar, saltar do ônibus, pegar minha mochila e chegar ao hotel próximo. Fiz tudo muito devagarinho, então, e consegui cumprir aquelas poucas atividades até entrar no hotel, onde me sentei ao chão e esperei que cuidassem de mim, pois aquela gente de lá já sabe em que situação chega essa gente que vive ao nível do mar. Na última vez em que lá estive, vivi um momento pior: voltava do centro para o hotel pelas seis da tarde, o que significava caminhar por uma suavíssima subida, coisa imprópria para gente que vive por aqui, e que comumente faço de táxi. Naquele horário, no entanto,
parecia que todos os táxis estavam lotados, e resolvi ir andando devagarinho, tentar chegar com as minhas pernas. Em vão! Pela metade do caminho foi tão forte uma sensação de morte que me acometeu, que entendi que morreria se continuasse tentando a natureza. Tive o bom senso, então, de parar num café cibernético por uma hora – quando saí, já havia táxis disponíveis. Penso que meu presidente viveu alguma coisa assim. Forçava-se a andar por alguma rua e sentiu aquele sensação de morte que eu senti – mas era um homem forte, e achou que se forçasse mais um pouquinho, chegaria ao hotel dele. Não deu, como não dá, e enquanto sua matéria tombava na calçada, sua energia saiu dele e voou célere para aquele céu tão próximo, para aquele azul transparente 59
que de noite é veludo negro iluminado de grandes estrelas – e, de uma certa forma, eu sinto um pouco de inveja dele. Deve ser muito bom morrer em La Paz! Está-se tão pertinho daquele céu único que deve ser uma delícia flutuar por ali! Historiador que era, ele deve ter aproveitado a oportunidade para dar uma espiada flutuante sobre os tantos câmbios de História que estão acontecendo por esta América! Entre morrer numa cama de hospital ou partir para o maravilhoso céu de La Paz, eu não titubearia na escolha! Só espero que não tenha doído muito, meu presidente! Quem sabe um dia a gente se encontre nos muitos milhares de metros de altura dos céus que encobrem os Andes! Por enquanto, choro um pouco de saudades, mas espero que o senhor esteja feliz!
LITERARTE EVENTO CULTIVE EM FLORIANÓPOLIS A Cultive - Association Internacional D'Art, Litérature et Solidarité, com o apoio do Grupo Literário A ILHA, do Grupo dos Poetas Livres, Academia de Letras e Artes de Florianópolis e do Instituto Geográfico e Histórico de Santa Catarina promovem o evento Intercâmbio Cultural Brasil-Suiça, em Florianópolis. O encontro acontecerá nos dias 12 e 13 de setembro no CIC-Centro Integrado de Cultura de Florianópolis e no Instituto Geográfico e Histórico de Santa Catarina.
Do programa constam palestras, lançamento da antologia Cultive, da revista Cultive, da revista Artplus, Sarau poético, posse dos membros catarinenses da Cultive-Genebra.
FEIRA DO LIVRO DO PORTO O Grupo Literário A ILHA estará participando da Feira do livro da cidade do Porto, em Portugal, com a apresentação das revistas ESCRITORES DO BRASIL e SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA e lançamento dos livros “Portugal, Minha Saudade” – crónicas,
“Nação Poesia” e “La Couleur du Soleil” (A Cor do Sol) – poemas em português, francês, espanhol, italiano e inglês, de autoria do presidente e fundador da mais antiga agremiação literária de Santa Catarina, Luiz Carlos Amorim. A feira, uma das mais importantes e mais tradicionais de Portugal, acontece de 6 a 22 de setembro, nos jardins do Palácio de Cristal, e contará com cento e trinta pavilhões: nove livrarias, quarenta e seis editoras, vinte e um alfarrabistas e seis distribuidoras.