Revsita ESCRITORES DO BRASIL - Literatura Brasileira para o mundo

Page 1

LITERATURA BRASILEIRA PARA O MUNDO Florianópolis, SC – Novembro/2020 – Número 09 – Edições A ILHA – Ano III

A POESIA SURDA ANTONIETA DE BARROS, A PIONEIRA CRUZ E SOUSA SEM MÁSCARA

CRISTÓVÃO TEZZA, GRANDE ESCRITOR E GRANDE LEITOR O CENTENÁRIO DE CLARICE LISPECTOR


SUMÁRIO LUZBOA.................................................................4 CRUZ SEM MÁSCARA.......................................5 SONATA..................................................................7 O CENTENÁRIO DE CLARICE LISPECTOR...8 TIMIDEZ...............................................................11 E SE FOSSE VERDADE?................................. 12 A MÁQUINA DO MUNDO.............................. 14 A DESTERRITORIALIZAÇÃO E A PERDA DE SENTIDO DOS EXCLUÍDOS. A RETERRITORIALIZAÇÃO A PARTIR DAS CIDADES...............................................15 SABER VIVER................................................... 21 MUSEU CASA DE CORA CORALINA SERÁ REABERTO............................................. 22

PROFESSORES DE CRIANÇAS QUE LEEM POESIA.......................................... 47 INQUIETAÇÃO.................................................. 51 DIÁRIO DA PANDEMIA – LIVROS, NOBEL DE LITERATURA, TAXAÇÃO DO LIVRO........................................................... 52 PERSONAGENS................................................ 54 CRISTÓVÃO TEZZA, ESCRITOR CONTEMPORÂNEO......................................... 55 SAUDADE........................................................... 60 A SAUDADE BATE FORTE............................. 61 LIVRO DOS 100 ANOS DA ACL.................... 62 CIRANDA............................................................ 63 AVESSOS............................................................. 63

O TEMPO............................................................. 23

AS ROSAS........................................................... 63

BEM-AVENTURADOS..................................... 24

NATUREZA - MENSAGEIRA DE DEUS...... 64

OS QUE ANDARAM DE TREM..................... 24

ENCONTRO DE ESCRITORES...................... 65

MEUS OITO ANOS............................................ 27

AS POMBAS....................................................... 66

CRUZ E SOUSA PARA CRIANÇAS............... 28

JÂNIO QUADROS, O POLÊMICO................. 67

CATAR FEIJÃO.................................................. 29

NATAL.................................................................. 69

OS CAMBUCÁS DA INFÂNCIA.................... 30 VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA....... 31

ANTONIETA DE BARROS, A PARLAMENTAR NEGRA PIONEIRA QUE CRIOU O DIA DO PROFESSOR........... 70

ÉRICO VERÍSSIMO.......................................... 32

A CHAVE, A POESIA......................................... 76

TRAJETÓRIA MÍSTICA................................... 34

A POESIA SURDA TEM VOZ......................... 77

REFLEXOS DA ALMA..................................... 34

BURACO DA FECHADURA........................... 79

ALMA BASTARDA........................................... 35

VIDA DE POETA................................................ 79

MITOS DO CAMINHO..................................... 35

ARAUTO COLORIDO...................................... 80

DESNUDEZ DA SAUDADE............................ 36

A CRIANÇA QUE EXISTE EM VOCÊ.......... 81

ABISMO............................................................... 36

A QUEDA CÔMICA!......................................... 83

NAS MARCAS DO TEU CORPO................... 37

CASTIGO............................................................. 85

PROCURANDO MAMÃE................................ 38

OS OLHOS SEUS............................................... 85

TUDO É MUITO TÉCNICO............................. 40

UM CONTO EM PRETO E BRANCO............ 86

UMA FIGURA LIGADA À NOSSA HISTÓRIA:.41

LIVROS NOVOS................................................ 87

MIGUEL CALMON........................................... 41

LIVRO SOBRE LIVROS................................... 87

OUTONO............................................................. 46

LIVROS NA AMAZON..................................... 87

•2•


EXPEDIENTE Literatura brasileira para o mundo Edição número 09 – Novembro/2020 Publicação das Edições A ILHA Grupo Literário A ILHA Florianópolis, SC Editor: Luiz Carlos Amorim Contato: lcaescritor@gmail.com grupoliterarioailha@yahoo. com.br Grupo Literário A ILHA na Internet: h t t p : / / w w w. p r o s a p o e siaecia.xpg.com.br Todos os textos são de inteira responsabilidade dos autores que os assinam. Contate com a redação pelos endereços: lcaescritor@gmail.com revisaolca@gmail.com Veja a página do GRUPO LITERÁRIO A ILHA – ESCRITORES DO BRASIL no Facebook, com textos literários, informações literárias e culturais e poemas e a edição on line, em e-book, desta revista.

EDITORAL ESCRITORES DO BRASIL EM TEMPO DE PANDEMIA Apesar de 2020 ser o ano fatídico da pandemia, um flagelo que mudou o mundo, o Grupo Literário A ILHA e os escritores do Brasil não param e continuam produzindo e nós continuamos publicando. Até porque a literatura é uma das artes que está nos salvando, nestes dias terríveis de isolamento e de cuidados para a não propagação ainda maior da doença. Voltamos com mais uma edição da nossa revista ESCRITORES DO BRASIL, curiosamente com um aumento de páginas, justamente quando passamos por tempos tão difíceis. Literatura é resistência, além de cultura, conhecimento e entretenimento. Bem a propósito, publicamos a matéria “Professores de Crianças que Leem Poesia”: precisamos cuidar de nossos leitores em formação. Nesta edição, muito conteúdo: muita prosa, muita poesia, muita informação literária e cultural. Notícias sobre o Museu Casa de Cora Coralina, O Centenário de Clarice Lispector, Cruz e Sousa sem máscara, Érico Veríssimo, Entrevista com Cristóvão Tezza, matéria da jornalista Aline Torres, daqui de Floripa, publicada no jornal El país, sobre a nossa Antonieta de Barros e muito mais, com a obra de excelentes escritores brasileiros. Esperemos que gostem. Curtam a revista e comentem sobre o que acharam. O Editor Visite o Portal do Grupo Literário A ILHA:

PROSA, POESIA & CIA em Http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

•3•


POESIA

LUIZ CARLOS AMORIM LUZBOA Lisboa de tanta luz, Luzboa, com sua luz única, que adentra meus olhos míopes e os enchem de beleza. Lisboa, o Tejo que te banha, também te ilumina, apaixonado, e te confere essa luz sem igual, cúmplice do sol. Não espalhe,

minha querida Lisboa, mas és minha prisioneira: acomodei toda a tua luz boa e toda a tua beleza dentro dos meus olhos míopes e do meu coração antigo e nunca mais vou te libertar. Nem quando eu me quedar ao pé de ti nem quando me aninhar no teu regaço...

•4•


CRÔNICA

SÉRGIO DA COSTA RAMOS CRUZ SEM MÁSCARA Ofereci o abrigo do meu guarda-chuva para proteger a luzidia cabeça do poeta, que brilhava contra miríades de gotas d’água, cintilando sobre a ilustre carapinha. Paramos na esquina de Trajano com Conselheiro Mafra, pois, portando um guarda-chuva, somos incapazes de caminhar e conversar ao mesmo tempo, sem furar os olhos da humanidade em volta. Dobrei-me, reverente, diante

do príncipe do Simbolismo, e saudei o poeta com uma de suas aliterações mais brilhantes que os pingos da chuva: - Vozes veladas, veludadas vozes te saúdam, ó sinfônico poeta! Cruz e Sousa fez correr sob o bigode circunflexo um sorriso de amizade – a mesma genuína amizade que sentia pelos amigos sinceros, como Nestor Vitor: - Sabe como é, qualquer

•5•

Vento Sul eu aproveito a carona. E “baixo” aqui na terrinha, mesmo que o meu vento seja, às vezes, espantado por uma lestada... Cruz está aureolado pela luz iridescente dos seres evoluídos, já não sente a dor da tuberculose e do preconceito, o sofrimento da vida foi recompensado pelo repouso da morte e pela elevação do espírito. A dor que o poeta deveras sente ainda é pelos que aqui vivem


– “neste Vale de Lágrimas”, como dizia e repetia minha finada avó. Cruz já não sentia a hostilidade da usura, daqueles que não lhe perdoavam as dívidas, mesmo as “magras” como ele próprio. O poeta telefonou (simbolicamente, como convém a um Simbolista) aos seus colegas do Primeiro Mundo, o alemão Stefan George, o francês Baudelaire, o parisiense Mallarmé. Ao maldito de “As Flores do Mal”, perguntou: - A quem essa pandemia está afetando aí na França? O velho Charles Baudelaire sorriu, com o desprezo que devotava às instituições e às autoridades: - Aqui, o mal está escolhendo suas vítimas nos “banlieus” (subúrbios), entre os imigrantes argelinos e os árabes muçulmanos! - E aí, na Alemanha? Stefan George confirmou:

- Aqui na região do Euro já ti negro e duro... liberaram 1,5 trilhões para Neste instante, um pé de vento atravessou a Trajano calafetar os bancos! e o poeta, imune ao coronaMallarmé disse que em suas virus por já habitar o plano “Divagações” já alertara espiritual, apenas disse uma sobre a “degradação” da prece pelas vítimas da epiespécie humana e Baudelaire demia e clamou por miseligou para Edgar Allan Poe, ricórdia aos desvalidos que a quem muito admirava, perderam seu emprego. para saber o que diziam os *** “seus corvos”. O poeta e prosador de “Os assassinatos da Rua A “aparição” do simbolista Morgue” tomou um absinto não usava máscara. Não tinha motivos para esconder antes de responder: - Aqui nos EUA o Trump o rosto. E até aprovou a sua já imprimiu 5 trilhões de imagem grafitada no prédio dólares e a conta não para de “João Moritz”, vizinho do subir! Tudo para recuperar o Palácio que hoje leva o seu nome, na Praça XV, PIB em ano eleitoral! O Simbolista voltou ao - Bom trabalho! Estou nosso mundo, à esquina de me reconhecendo nesse Trajano com Conselheiro espelho! Mafra e, à luz do poste, bri- Dito o que, aproveitou lhou uma lágrima que lhe o sopro do vento sul desceu a face, até desapa- e p e g o u c a r o n a n o recer sob o colarinho duplo. s e u “ h e r ó i c o ” v â n - Vês, meu amigo? Os dalo, sumindo da vista pobres continuam contando dos viventes bem na apenas com a mãe-natureza, confluência das duas não é mesmo? Um décimo esquinas. desse dinheiro todo daria pra erradicar todas as doenças e a pobreza da face da Terra! Cruz declamou, então, os primeiros versos de “Vida Obscura”: - Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro/ Ó ser humilde entre os humildes seres/ Embriagado, tonto de prazeres/ O mundo foi para

•6•


GRANDES POETAS BRASILEIROS

CRUZ E SOUSA SONATA Do imenso Mar maravilhoso, amargos,
 marulhosos murmurem compungentes cânticos virgens de emoções latentes, do sol nos mornos, mórbidos letargos...

 Canções, leves canções de gondoleiros, canções do Amor, nostálgicas baladas, cantai com o Mar, com as ondas esverdeadas, de lânguidos e trêmulos nevoeiros!
 Tritões marinhos, belos deuses rudes, divindades dos tártaros abismos,
 vibrai, com os verdes e acres eletrismos
 das vagas, flautas e harpas e alaúdes!
 Ó Mar supremo, de flagrância crua,
 de pomposas e de ásperas realezas, cantai, cantai os tédios e as tristezas que erram nas frias solidões da Lua...

•7•


ESPECIAL

JÚLIA MOURA O CENTENÁRIO DE CLARICE LISPECTOR

No mesmo ano de seu centenário, Clarice Lispector ainda carrega em seu nome o peso da enigmática personalidade que também carregava em vida. Infelizmente, em reflexo de nossos sombrios e caóticos tempos de dilaceramento ético, a estátua em sua homenagem, amanhece muitas vezes deploravelmente cercada por lixo no Rio de Janeiro. Os holofotes de Clarice apenas aumentam quando é necessário lembrar que a publicação de suas cartas na coletânea “Todas as Cartas”, um dos lançamentos mais esperados em 2020, traz quase 300 correspondências escritas

por Clarice Lispector. Obra que em muito contribuiria para compreensão material do itinerário literário da escritora. Autora de romances, contos e ensaios, Clarice Lispector posiciona-se, segundo a fortuna crítica, como uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka. Sua obra está repleta de cenas cotidianas simples e tramas psicológicas densas, reputando-se como uma de suas principais características a epifania de personagens comuns em momentos do cotidiano, como eviden-

•8•

ciado em “Amor”, conto da autora. Quanto às suas identidades nacional e regional, declarava-se brasileira e pernambucana. Clarice Lispector estudou Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, apesar de, na época, ter demonstrado mais interesse pelo meio literário, no qual ingressou precocemente como tradutora, logo se consagrando como jornalista, contista e ensaísta, tornando-se uma das figuras mais influentes da Literatura Brasileira e do Modernismo, sendo considerada uma das principais


suas compras e parte em uma jornada complexa de dualidades presentes em si. Parte do cotidiano, passaria e ainda passa despercebida para a maioria das pessoas, mas provocou um efeito devastador em Ana, que em uma narrativa de um dia, debruça-se em diversos questionamentos que desestabilizam sua noção de mulher convencional em um profundo mal-estar diante do mundo.

influências da nova geração de escritores brasileiros. Sabe-se que Clarice Lispector dominava pelo menos sete idiomas: português, inglês, francês e espanhol, fluentemente; hebraico e iídiche, com alguma fluência; e russo, com pouca fluência levada da infância. Como tradutora para o português, entretanto, utilizou somente o inglês, o francês e o espanhol. Hoje, analisamos um de seus contos onde a característica padrão, a epifania, evidencia-se de maneira mais marcante. O famoso conto de Clarice, “Amor”, presente na obra Laços de Família, livro de contos,

com primeira edição pela Editora Francisco Alves, em 1960; carrega em si muito do que caracteriza a maior parte da produção da autora. “Amor” retrata um episódio da vida de uma mulher comum que, perante uma situação ou experiência cotidiana, sofre uma epifania que a faz refletir sobre si mesma e o mundo que a rodeia. Essa mulher é Ana, uma mãe, esposa e dona de casa que ocupa o seu tempo cuidando da família e das tarefas domésticas. A personagem, retornando de suas compras, avista um cego mascando chiclete em um bonde e, tomada por uma epifania, derruba

•9•

Aquela visão perturbou Ana como uma ofensa, já que, para ela, foi “como se ele a tivesse insultado”, porque a sua simples existência perturbava a sua paz alienada, porque a confrontava com a dureza da vida, a realidade nua e crua. A personagem, acomodada em sua rotina quase automática, foi despertada diante de “uma vida cheia de náusea doce”,


-epifania traduz que nem sempre a personagem se desloca para uma real alteração do curso de sua vida. As epifanias são comuns em personagens femininas de Clarice Lispector, embora novamente, a movimentação não estremeça de fato as estruturas materiais da vida das personagens. Ana desloca-se de sua vida e passa a estranhar o próprio lar, mas isso não faz com que ela escape autêntica, cheia de coisas da mediocridade e de sua inesperadas, de beleza e sofrimento. Nesse sentido, Ana se torna a única personagem a quem a autora confere densidade psicológica. Outro aspecto que provoca maior tensão ainda é o fato de a narrativa se passar em um único dia, algo que se assemelha ao romance Mrs. Dalloway (1980), de Virginia Woolf, e o jogo contínuo de reflexões e questionamentos que, apesar de inquietantes, não movem a personagem a uma transformação. Essa movimentação volátil pós-

tristeza com a precariedade da vida. Assim podemos admitir que o desfecho banal do conto acontece justamente pela não movimentação de Ana após sua epifania. Ana retornou para sua alienação e conforto da suposta ignorância, porque tem ciência do incômodo causado pelas revelações epifânicas da vida e, “antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.”

Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br • 10 •


GRANDES POETAS BRASILEIROS

CECÍLIA MEIRELES TIMIDEZ Basta-me um pequeno gesto,
 feito de longe e de leve,
 para que venhas comigo
 e eu para sempre te leve… - mas só esse eu não farei. Uma palavra caída
 das montanhas dos instantes
 desmancha todos os mares
 e une as terras mais distantes… - palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
 entre os ventos taciturnos,
 apago meus pensamentos,
 ponho vestidos noturnos, - que amargamente inventei. E, enquanto não me descobres,
 os mundos vão navegando
 nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando… e um dia me acabarei.

• 11 •


CONTO

LUIZ CARLOS AMORIM E SE FOSSE VERDADE? Num dezembro pas- outras pessoas acredisado, há mais de vinte tassem nele. anos, nasceu, numa - Um dia, todos vamos família humilde, numa embora com Ele, se p e q u e n a c i d a d e d o merecermos. – repetia, interior, um menino convicto. diferente dos outros. A s o u t r a s c r i a n ç a s , Cristian era, sim, um quando era ainda adomenino que crescia lescente, chegavam a saudável e feliz, mas criticá-lo por ser muito era muito comportado, c e r t i n h o e a l g u m a s muito educado, acatava pessoas até o achavam o que seus pais lhe estranho, um pouco diziam, respeitava a fanático, por falar tanto todos, principalmente em Deus. Mas ele não as pessoas mais velhas se aborrecia e contie acreditava num Deus nuava a sua missão de que ele chamava de Pai. pregar o nome do Pai. Gostava de falar do Pai, - Esse menino pensa de fazer com que as que é santo – diziam

• 12 •

alguns. Já adulto, fazia grupos de oração, benzia pessoas, tentava melhorar a vida das gentes que o cercavam. O número de pessoas que acreditavam nele aumentava, algumas até pensavam ter sido curadas por ele, enquanto outras faziam chacota, chamando-o de charlatão. Ele ficava feliz com os seus seguidores que oravam com ele, que tinham fé no Deus Pai que ele professava, mas ficava triste, por outro lado, ao ver como caminhava a humanidade. Ele sabia que não era um homem comum, que estava aqui por uma razão especial, e sofria ao ver como os homens eram materialistas, calculistas, destrutivos, talvez mais do que quando estivera aqui em outros tempos. - O ser humano parece não se preocupar com o futuro - pensava Cris-


tian, com frequência. Não se conformava com o que via, as coisas pareciam não ter mudado muito, parecia que a civilidade, as novas tecnologias, ao invés de melhorarem o homem, o estavam tornando ainda mais desalmado, mais insensível.

ser humano está se o mundo. Precisava encarregando de tornar fazer com que toda a o mundo inviável – gente soubesse quem concluía Cristian. - O Ele era, mas sabia que descaso para com o quase ninguém acredilugar onde vivem já dá taria. Tinha um árduo sinais bem claros – as trabalho pela frente. estações não estão mais Falsos profetas existiam definidas, a natureza aos milhares, usando o vem se rebelando, mos- nome de seu Pai para trando as catástrofes arrancar dinheiro dos que o próprio homem humildes que procuprovocou, em várias ravam alguma coisa em - O homem não tem, partes do mundo. E que acreditar. nos nossos dias atuais, os homens não se dão - É muito provável que o menor cuidado com conta de que este é um eu venha a ser sacrifia natureza, pelo con- sinal do Pai de que Ele cado, de novo. trário: destrói o meio não está feliz com o ambiente, poluindo ar, que seus filhos estão Cristian não queria isso, os rios, o mar, a água, a fazendo. não por Ele, mas pela terra, tudo. A ganância, - Quando vão acordar? humanidade. A alma a corrida desenfreada Quando não houver das pessoas estava cada pelo lucro fácil passa m a i s n a d a p a r a vez mais estéril, cada por cima de qualquer preservar? vez mais vazia de senc o i s a . A v i o l ê n c i a Cristian tinha vontade timentos, de solidarieaumenta cada vez mais de chorar, mas ao invés dade, de amor. Não era e a vida, infelizmente, disso, tentava trazer isso que ele queria ter parece não ter o menor mais seguidores para encontrado. Temia que valor para muitos, nessa a sua fé, pois essa era os homens não o dei“ s o c i e d a d e ” c o n t e m - a sua missão: salvar xassem, de novo, fazer porânea. A corrupção a humanidade, salvar o seu trabalho. e a impunidade nos altos escalões da administração pública, em quase todos os países, vai tornando a vida das pessoas cada vez mais difícil. - Será que não aprenderam nada, nesses dois mil anos? O próprio

• 13 •


POESIA

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE A MÁQUINA DO MUNDO quantos sentidos e intuições restavam
 a quem de os ter usado os já perdera

E como eu palmilhasse vagamente
 uma estrada de Minas, pedregosa,
 e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus sapatos
 que era pausado e seco; e aves pairassem
 no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo
 na escuridão maior, vinda dos montes
 e de meu próprio ser desenganado,

e nem desejaria recobrá-los,
 se em vão e para sempre repetimos
 os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em coorte,
 a se aplicarem sobre o pasto inédito
 da natureza mítica das coisas.

a máquina do mundo se entreabriu
 para quem de a romper já se esquivava
 e só de o ter pensado se carpia. Abriu-se majestosa e circunspecta,
 sem emitir um som que fosse impuro
 nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção
 contínua e dolorosa do deserto,
 e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende
 a própria imagem sua debuxada
 no rosto do mistério, nos abismos. Abriu-se em calma pura, e convidando

• 14 •


ENSAIO

URDA ALICE KLUEGER A DESTERRITORIALIZAÇÃO E A PERDA DE SENTIDO DOS EXCLUÍDOS. A RETERRITORIALIZAÇÃO A PARTIR DAS CIDADES INTRODUÇÃO Não é neste momento do começo do século XXI que o mundo urbano passa a ser o refúgio dos que já não tem refúgio, dos seres humanos desterritorializados do seu torrão de origem: inúmeras são denúncias feitas através da Literatura e da História desde tempos antigos: citamos o exemplo do romancista Victor Hugo (Os Miseráveis, escrito no século XIX); os pesquisadores Anne e Serge Golon, com a série Angélica (escrito no século XX, mas trazendo à luz pesquisas sobre o século XVII) e tantos dados que se têm sobre tempos como os do Império Romano, dentre outros tempos. Raras são as obras de Literatura que nos trazem heróis que se refugiam na mata e/ ou no rural como reterritorialização e busca de sentido para suas vidas, como

o caso de Robin Hood, herói mítico inglês. Na grande maioria das vezes, as denúncias literárias ou referências históricas sobre o destino dos deserdados da sorte nos conduzem ao

refúgio das cidades. Neste começo de novo milênio a situação da população mais desvalida se alterou em muito pouco, e é sobre tal situação que pretendemos discutir neste artigo: a(s) relação(s) das gentes mais pobres da nossa sociedade com o mundo

• 15 •

urbano que lhe serve de refúgio e lhe retorritorializa, mesmo que nem sempre venha a lhe devolver o sentido perdido da(s) sua(s) vida(s).

OS CAMINHANTES Logo no começo do milênio fazíamos o trajeto Blumenau/Florianópolis todas as semanas, além de percorrermos outras estradas em diversas direções, principalmente no Estado de Santa Catarina, e se tornava impossível não se prestar atenção a determinado tipo de viajante que sempre estava em tais trajetos, viajantes que não houvera em passado próximo: os caminhantes, quase sempre homens, solitários, em dupla ou pequeníssimos grupos, sujos, barbados, com nada ou pouquíssima coisa de bagagem. Via de regra, tais caminhantes eram homens – muito raramente uma mulher os acompanhava. Passamos a prestar


sempre mais atenção a eles, curiosa com o fato de nunca pedirem carona, enquanto inúmeros veículos trafegavam ao seu lado. Sempre que possível, passamos a falar com tais homens, tentando saber mais do seu universo e da sua realidade, e em setembro de 2003 escrevemos a crônica intitulada Também temos as vinhas da ira (Anexo 1), publicada inicialmente no Jornal Diário Catarinense, a qual provocou diversas manifestações de leitores. Nestes tempos de comunicação rápida, não nos surpreendeu muito recebermos uma manifestação da cidade de Joanesburgo/ África do Sul, mas sim o teor da mensagem recebida: Ulemo Mtekateka, de lá, nos dizia que: Muito lindo, o seu texto, e só para clarificar, aqui na República da África do Sul também existem esses

tipos, também só homens, também sujos, também com fome e sem mulheres. (…) E aqui, também, aliás, principalmente, ninguém pára para fazer as perguntas, porque a maioria é negra. Há alguns brancos, mas esses têm um sistema de apoio, deixado pelo governo anterior.” Portanto, o fenômeno dos caminhantes era muito mais amplo do que pensáramos anteriormente, e então escrevemos como que uma segunda crônica chamada Ainda as vinhas da ira, publicada uma semana depois no mesmo jornal Diário Catarinense. Nossa atenção e preocupação em relação ao fato havia aumentado, e passamos cada vez mais a aproveitar as oportunidades que surgiam para tentarmos contato com esses homens que caminhavam entre as cidades, e que depois se internavam nelas, vivendo

• 16 •

nos seus esconsos, como em casas abandonadas, sob pontes e marquises, em albergues públicos, etc. Nem sempre tal contato foi fácil: diversos homens contatados estavam sob efeito de álcool ou de alguma droga e pouco conseguiam acrescentar ao nosso interesse, mas diversos deles se encontravam perfeitamente lúcidos e se detiveram a conversar demoradamente, respondendo a tudo o que perguntávamos. Alguém de quem lembramos muito é de um homem que se chamava Antônio. Encontramo-lo como aos demais, sujo, barbado e com os cabelos compridos, pedindo algum dinheiro para poder comer. Almoçamos juntos e conversamos longamente. Sua história não diferia muito da de outros: morador de Criciúma/SC, desterritorializara-se ao ouvir falar que no norte do estado


havia emprego e, de bicicleta, empreendera a longa viagem de cerca de 350 km até a cidade de Joinville/ SC, onde não encontrara emprego algum. Continuara, no entanto, a procurar trabalho nas cidades vizinhas, até que a fome obrigou-o a vender a bicicleta para transformá-la em alimento. É de se imaginar que a essa altura sua imagem já estivesse alterada pela sujeira, má alimentação e falta de cuidados, o que dificultara ainda mais o encontro do emprego sonhado, e que uma perda de sentido estava a minar-lhe as forças e a resistência. Houve um momento limite, onde Antônio entendeu que o melhor que faria seria voltar para a sua cidade natal, onde tinha diversos familiares que poderiam ajudá-lo, e encetou a longa viagem de volta à pé, já agora sem praticamente nenhuma bagagem além de uma garrafa para carregar água e uma pequena sacola de plástico, e foi na metade desta sua volta que o encontramos. Antônio nos contou muitas

coisas, mas em nenhum momento falou da possibilidade de ter ido em busca de uma reterritorialização na área rural. O que nos falou sobre as regiões rurais por onde passou foram coisas ruins. Muito lhe doía o tratamento dado nas áreas rurais a pessoas como ele. Uma das coisas que mais lhe doía (e que seria confirmada por outros caminhantes, em outras conversas) era a forma como as pessoas do campo reagiam diante de tais seres: a aproximação de residências campestres, mesmo as situadas à beira das principais estradas, causava profundas reações de repúdio nos moradores. – Saíamos para viajar com a nossa garrafa de água e na metade do dia a água acabava, e então havia que se pedir água em alguma casa… As lembranças de Antônio eram cruéis. Longe de alguma cidade, a única fonte de água era a casa de algum agricultor, e ele (e outros, certamente) se aproximavam respeitosamente, e batiam palmas, este nosso antigo costume trazido desde a Ásia pelas navegações portuguesas. Queriam água, precisavam de água, quiçá conseguissem algum alimento, e o respeito era

• 17 •

mais do que necessário, mas não era compreendido. As populações rurais temiam pela própria segurança, e açulavam os cães contra os viajantes, quando não os recebiam a pedradas e impropérios. – Temiam que nós os roubássemos, temiam que roubássemos suas crianças – explicaram-me Antônio, e também outros com quem falamos. Havia que amargar a sede, então, e ir embora, até se deparar com um ribeiro, um posto de gasolina ou algo assim. Havia um outro dado que nos chamava a atenção: – Muitas vezes nos chamavam de ciganos… – o que denota um outro preconceito sobre essa gente que tem uma territorialidade própria e móvel sobre o qual não ouvíamos falar há décadas, mas que deve


estar latente na população, o que poderia dar origem a um estudo específico. Tomamos Antônio como exemplo, mas ele é como que um somatório das muitas conversas que tivemos com caminhantes desterritorializados nas estradas do sul do Brasil. Simplificando as observações dos contatos que tivemos, dizemos que praticamente todos tinham como meta a cidade próxima, ou alguma cidade. Sua segurança era a cidade. Na pior das hipóteses, na cidade haveria lixo onde poderiam procurar alimento e outras coisas, ou mesmo uma festa de Natal organizada por mendigos e catadores de lixo, conforme a crônica constante no Anexo 2. As cidades produziam água potável para as suas garrafas de plástico, tanto em bares quanto em pontos de táxis, postos de gasolina, chafarizes, etc. As cidades produziam cozinhas comunitárias e albergues organizados pelas prefeituras, por

religiosos ou por ONGs, além da alternativa do lixo, que além de conter comida, continha outras coisas que poderiam ser encontradas e vendidas, como papelão ou latinhas de refrigerante. As cidades tinham abrigos para a chuva, como marquises, a parte inferior das pontes, casas abandonadas, conforme já falamos, e outros. As cidades tinham como que “irmandades” de outras pessoas tão desvalidas, desterritorializadas e sem sentido de vida quanto as que conhecemos – nas cidades podia-se alugar um carrinho coletor de lixo e pagar o aluguel com a própria produção do próprio

• 18 •

trabalho, quiçá até comprar o carrinho, se esses homens tivessem sorte e trabalhassem muito. Nas cidades poderia até acontecer o milagre do tão sonhado emprego. Se chegasse o inverno e o frio fosse muito grande, prefeituras e organizações humanitárias distribuíam cobertores para esses homens que vínhamos observando nas estradas sempre a caminhar. Em caso de doença, as cidades tinham hospitais e outros recursos que só nelas existia. Nas cidades sempre se podia pedir alguma coisa, como comida ou dinheiro, pois quase sempre havia alguém que dava. – Se bem que é mais fácil nos darem cachaça do que pão… – explicou-nos um velhinho – e cito tal coisa aqui porque faz-nos descortinar a existência de uma outra camada da população sobre a qual costumamos não lembrar, a dos bebe-


REFLETINDO

dores de álcool, que, pelo visto, é mais generosa do que o cidadão comum. E nas cidades, também, havia as mulheres e as crianças. Entendemos então porque as mulheres não estavam nas estradas caminhando: a existência das crianças prendiam-nas às cidades, faziam com que lá sobrevivessem, mesmo que em empregos menores ou degradantes, pois era mister que as crianças sobrevivessem. Se um homem daqueles que se movimentava entre as cidades tivesse sorte, poderia ser aceito por uma daquelas mulheres e ir morar no seu quartinho ou outro abrigo precário, e então teria como banhar-se, cortar a barba, quem sabe conseguir roupas limpas, tornando-se de novo apto a procurar emprego, e sua sorte poderia mudar a partir de uma mulher. Eram

muitas as maravilhas que uma cidade oferecia a quem não tinha nada, a quem era escorraçado por cachorros e pedradas da área rural. Há que se pensar, também, que tais relações e redes de relações que se criam nas cidades são próprias dessa população excluída – que mesmo quando um desvalido dorme sob a mais luxuosa das marquises, em pontos valorizados das cidades, não faz ele parte daquele lugar, mas pertence a um outro extrato social, a uma outra população que se “infiltra” nas diversas áreas das diversas classes, mas que pertence a um mundo periférico e que habita lugares de baixa qualidade e esconsos muitas vezes impensados. De qualquer forma, é a cidade o seu abrigo e o seu destino, é na cidade que ele consegue sobreviver.

• 19 •

Esta distância existente entre as diversas classes sociais das cidades, no caso, notadamente a dos excluídos, faz-nos pensar no que escreveu Doxiadis (1966, s/p), “Enquanto nossas cidades crescem, a distância entre os homens aumenta”. Milton Santos vai se manifestar a respeito do funcionamento das nossas cidades de hoje, a cidade que vai como que “engolir”, e ao mesmo tempo servir de abrigo aos desterritorializados pela pobreza e que já não encontram um sentido para a vida, e que caminham pelas nossas estradas: “A própria cidade converteu-se num meio e num instrumento de trabalho, num utensílio como a enxada na aurora dos tempos sociais. Instrumento de trabalho sui generis, pois sua matéria é dada pelo próprio trabalhador. Quanto mais o processo produtivo é complexo, mais as forças materiais e intelectuais necessárias ao trabalho são desenvolvidas,


e maiores são as cidades. Mas a proximidade física não elimina o distanciamento social, nem tampouco facilita os contatos humanos não funcionais. A proximidade física é indispensável à reprodução da estrutura social. A crescente separação entre as classes agrava a distância social. Os homens vivem cada vez mais amontoados lado a lado em aglomerações monstruosas, mas estão isolados uns dos outros. Assim, os homens que caminham em todas as direções por este mundo afora e que têm por abrigo as cidades na sua busca de sentido e de reterritorialização têm-na, na verdade, em condições precárias. Ao mesmo tempo em que nas cidades encontram a ajuda necessária para a sobrevivência, são também marginalizados provavelmente ainda mais do que um dia já o foram na sua cidade ou local de origem – párias das estradas, escorraçados da área rural, os caminhantes das estradas ocupam nas cidades a maior distância social possível das classes mais altas. Mesmo assim, a cidade continua sendo o seu abrigo, a sua busca de sentido e de território, o único abrigo real que conseguem avistar.

Segundo Sartre (1960, p. 427-428), “o objeto reúne os esforços dos homens em sua unidade desumana”, e não se torna muito difícil comprovar tal coisa em se tratando dos mais desvalidos, que vivem precárias vidas em precários lugares dos aglomerados humanos aos quais chamamos de cidades. Relacionado com o processo de desenvolvimento que envolve o modo de produção capitalista e a

se expressam todas as nossas contradições sociais (Moragas, 2006). É a dialética do estar vivo, do querer e do não querer. Parece-nos que na cidade todos os problemas são evidenciados, viram notícias, todas as mazelas sociais são mais profundas, pois no campo elas também existem, mas na cidade há um caráter próprio dela que é o de aglomeração, enquanto no campo é o da dispersão. De acordo com Santos (1997, p.22) apud Ribas (1998), “os homens vivem cada vez mais amontoados lado a lado em aglomerações monstruosas, mas estão isolados uns dos outros”, gerando com isso uma certa passividade em relação às decisões que atingem diretamente sua vida. Nas grandes metrópoles isso vem ocorrendo com maior ênfase, dando lugar muito mais ao consumidor do que ao cidadão. (continua na próxima edição)

cidade, o território produzido pelo homem assume características complexas que guardam as evidências do desenvolvimento contraditório, combinado e nos dias atuais, mais “Trabalho apresentado à discomplexos. Essas evi- ciplina de Multiterritorilidade, dências podem ser anali- modernidade-mundo e vínsadas a partir das diversas culos territoriais, ministrada categorias geográfias que pelo prof. dr. Álvaro Luiz procuram compreender a Heidrich, do Programa de realidade produzida pela Pós-graduação em Geografia relação entre o espaço e a (doutorado), da Universidade Federal do Paraná. Curitiba sociedade. A cidade é o locus onde - 2010”

• 20 •


GRANDES POETAS BRASILEIROS

CORA CORALINA SABER VIVER

Não sei…
 se a vida é curta
 ou longa demais para nós.
 Mas sei que nada do que vivemos
 tem sentido,
 se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser:
 colo que acolhe,
 braço que envolve,
 palavra que conforta,
 silêncio que respeita, alegria que contagia,

lágrima que corre,
 olhar que sacia,
 amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo:
 é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela
 não seja nem curta,
 nem longa demais,
 mas que seja intensa,
 verdadeira e pura…
 enquanto durar.

• 21 •


REPORTAGEM

DIÁRIO DA MANHÃ MUSEU CASA DE CORA CORALINA SERÁ REABERTO

O Museu Casa de Cora Coralina, situado na cidade de Goiás, foi reaberto. A reabertura ocorre após aprovação do auxílio financeiro no valor de R$ 120 mil, que foi disponibilizado pelo Governo de Goiás. O repasse foi feito para auxiliar o local com relação às necessidades financeiras ocasionadas pela pandemia do novo coronavírus. Os recursos foram entregues pelo governador do Estado. A ocasião também contou com a presença do secretário de Cultura de Goiás. Em decorrência da Covid-19, o retorno das

falou sobre as ações de prevenção do local. “Como é uma residência, tem as suas limitações. Nas visitas, entram 6 pessoas por grupo, num intervalo de 20 minutos. Os turistas entram por uma porta e sairão por outra, assim, nenhum grupo se encontra”. O atividades do museu local fica com as janelas segue as medidas de abertas que possa ter prevenção estabelecidas uma ventilação adequada. pela Organização Mun- O público pode ter dial da Saúde (OMS), acesso ao museu de pela vigilância sanitária terça-feira a domingo, municipal e, também, das 9h às 13h. Para visipelo Conselho Inter- tação, o horário pode ser nacional de Museus/ agendado por meio do ICOMOS. telefone 3371-1990 ou A diretora do museu, e-mail: museucoracoraMarlene Gomes Vellasco, lina@gmail.com.

• 22 •


GRANDES POETAS BRASILEIROS

MARIO QUINTANA O TEMPO A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
 Quando se vê, já é sexta-feira…
 Quando se vê, passaram 60 anos!
 Agora, é tarde demais para ser reprovado…
 E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
 eu nem olhava o relógio
 seguia sempre em frente… E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

• 23 •


CONTO

FLÁVIO JOSÉ CARDOZO BEM-AVENTURADOS OS QUE ANDARAM DE TREM Às cinco e pouco, a estação era um impreciso corpo: lâmpadas amortecidas pela neblina, plataforma ainda tomada de trevas, uma sala em que se amontoavam fardos e caixas. Da cidadezinha, nada se via – nem igreja, nem Castelo, só a luz de alguns postes a revelar gente de todos os arredores, do Barro Branco, do Guatá, do Rio do

Rastro, do alto da Serra, ali de Lauro Müller mesmo. Todos vinham na sua roupa mais quente e bonita, e as mulheres se aconchegavam num banco ao lado do guichê e os homens preferiam ficar de pé, esfregando as mãos e conversando num tom murmuroso, uma fumacinha saindo atrás de cada palavra. Vou a Orleans, dizia um.

• 24 •

Vou a Pedras Grandes, a Tubarão, diziam outros. E falavam sobre minas, sobre dinheiro e doenças. Mas não levava muito, cortando a conversa, um velhinho com um boné de abas abotoadas no queixo abria uma janela e todos iam comprar suas passagens. Bem me lembro: um cartãozinho com um número sem fim, as iniciais da EFDTC em vermelho. Com ele no bolso, aguardávamos que o trem viesse, saído do pavilhão em que pernoitava, e aqueles infinitos minutos doíam como uma queimadura. E quando, enfim, ainda lá em seu abrigo ele acendia o olho, e esse olho soberbo desvendava um pedaço do rio e fazia os trilhos luzirem até uma curva, a gente aí já se preparava com um quase desespero, ficava aflito e bobo como se ele fosse passar por nós na disparada. E, no entanto,


apesar dos chiados, das patinadas e chispas, ele encostava manso como um burrico de velhas histórias e todos se acomodavam à vontade. Caixas e fardos subiam ao vagão cargueiro. O velhinho do boné, sem mais o que fazer, vinha tiritar à porta. Eram então seis em ponto: um silvo firme e nobre anunciava a partida. Partíamos numa doce vagareza, nosso amigo parecia estar ainda com sono, mas era só aquela preguiça normal de quem se levanta: logo as suas tantas rodas estariam cantando, aço no aço, e eu sustento que elas cantavam mesmo como diziam os velhos: café com pão, manteiga não, café com pão, manteiga não, café com pão, manteiga não, cantoria ritmada em soco e estalo, belíssima já no trecho Oratório-Orleans, uma descida em que os maquinistas, vingando adiantado a volta arrastada de logo mais, soltavam a máquina toda e só a prendiam nos freios perto da ponte de ferro. Entrávamos em Orleans num trotezinho maneiro, como convinha. E aí a gente descia e ia

comer uma boa rosca de polvilho. Orleans nunca era vista, vivia na cerração e no mistério de um morro, mas dela já bastava a rosca de polvilho, eta rosca! Era lá também que embarcava o imperador da viagem, o patrão daquela travessia. Seu Antônio Francisco, magrelão, pernalta, uniformizado em cáqui, com um quepe em que rutilavam as iniciais da Estrada. Em Santa Clara, uma parada enjoada, sem paisagem: o trem punha-se a beber água durante longos minutos. Depois, de barriga cheia, se l a rg a v a c o m g o s t o a caminho de Pindotiba. Os milharais fugiam e os postes voavam desatinados. Costeando o rio pedrento, todo curvilíneo, a linha permitia prazeres memoráveis, como aquele de se ver,

• 25 •

do último vagão, a preta locomotiva lá adiante, obstinada cabeça de dragão batida agora por um ameaço de sol. Pindotiba passava. E o sol só era pleno em Pedras Grandes, faiscante nas rochas e na água ainda fumacenta do rio, nas dúzias de laranja-cravo que os meninos vendiam, nas fachadas das casas em que não faltavam moças rindo e abanando. Já em Pedrinhas o deslubramento ganhava um quê de ironia: lá é que as pedras eram sem peso e medida, montanhas loucas de granito. E em Pedrinhas é que o imperador da viagem, arquiduque daquela aventura que já durava quase duas horas, magrelão e de quepe, vinha com seu estranho alicate perfurar as passagens. Olhava-nos duma grande altura e quem disser que não


sentia um certo medo está mentindo. Às nove horas, alcanç á v a m o s Tu b a r ã o , a cidade. Cauteloso, o trem passava por um casario alegre, cruzava ruas de movimento, apitava solenemente, atracava enfim na colossal estação. Ele ia seguir até Laguna, Imbituba, nós ali ficávamos. Ali, na vasta civilização. Eram prédios de até três andares, lojas encadeadas, poeira e barulho, letreiros que à noite piscavam, estação de rádio, campo de aviação, cinema com cadeira estofada. O ouro dos anéis numa relojoaria parecia tão farto como carvão em mina de céu aberto. Era ali

naquela cidade que o velho empreiteiro Ruzza, diziam os mineiros, encomendava seus ternos de casimira. Às quatro e pouco, na plataforma populosa, havia um cansaço bom pelo corpo. Esperávamos que o trem voltasse das incalculáveis distâncias. Chegava mais carregado do que viera de manhã e era todo paciência na tumultuosa troca de gente, caixas e fardos de todos os tamanhos. Às cinco em ponto, punha-se com apetite na trejetória de volta. De Tubarão à Guarda ia num pulo, da Guarda ao Rio do Pouso noutro pulo. Em Pedras Grandes já encontrava a noite mal-

-disfarçando as casas onde moças abanaram e riram na manhã de sol. Nas curvas de Pindotiba, a cabeça do dragão cuspia fogo, pertinaz como nunca, cheia de pressa. Mas em Orleans, ah! quem quisesse teria tempo para comer todas as roscas de polvilho que por lá sobrassem, porque ali nosso valente búfalo quase sempre ia e voltava, voltava e ia num arranco sofrido. A subida vingava-se agora do desenfreio da manhã. Até o Oratório aquele santo trem pagava os seus ralos pecados, se é que os tinha, e a vontade que dava era a de socorrê-lo naquela penitência. Mas ele vencia sozinho. Engrenava então uma marcha triunfante, uma cantoria final de soco e estalo, e era uma apoteose de fumo e fagulha, de apitos que reboavam pelos eucaliptos e deviam chegar ao pé da Serra. O velhinho de boné esperava na porta da estação, curioso das coisas. E ficava um som de metal embelezando a noite.

Flávio José Cardoso é um dos mais importantes cronistas de Santa Catarina, um ícone da literatura catarina. Esta crônica faz parte do livro Sopé, publicado com o selo da Unisul.

• 26 •


GRANDES POETAS BRASILEIROS

CASIMIRO DE ABREU MEUS OITO ANOS Oh! que saudades que tenho
 Da aurora da minha vida,
 Da minha infância querida
 Que os anos não trazem mais!
 Que amor, que sonhos, que flores,
 Naquelas tardes fagueiras
 À sombra das bananeiras,
 Debaixo dos laranjais! Como são belos os dias
 De despontar da existência!
 – Respira a alma inocência
 Como perfumes a flor;
 O mar é – lago sereno,
 O céu – um manto azulado,
 O mundo – um sonho dourado,
 A vida – um hino d’amor! Que auroras, que sol, que vida,

Que noites de melodia
 Naquela doce alegria,
 Naquele ingênuo folgar!
 O céu bordado d´estrelas,
 A terra de aromas cheia,
 As ondas beijando a areia
 E a lua beijando o mar! Oh! dias de minha infância!
 Oh! meu céu de primavera!
 Que doce a vida não era
 Nessa risonha manhã!
 Em vez das mágoas de agora,
 Eu tinha nessas delícias
 De minha mãe as carícias
 E beijos de minha irmã! Livre filho das montanhas,
 Eu ia bem satisfeito,
 Da camisa aberto o peito,
 – Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas

• 27 •

À roda das cachoeiras,
 Atrás das asas ligeiras
 Das borboletas azuis! Naqueles tempos ditosos
 Ia colher as pitangas,
 Trepava a tirar as mangas,
 Brincava à beira do mar;
 Rezava às Ave-Marias,
 Achava o céu sempre lindo,
 Adormecia sorrindo
 E despertava a cantar! Oh! que saudades que tenho
 Da aurora da minha vida,
 Da minha infância querida
 Que os anos não trazem mais!
 – Que amor, que sonhos, que flores,
 Naquelas tardes fagueiras
 À sombra das bananeiras,
 Debaixo dos laranjais!


RESENHA

LUIZ CARLOS AMORIM CRUZ E SOUSA PARA CRIANÇAS

Comentamos, em outra crônica, o fato de que nossos leitores em formação, e até os adultos, não raro, não sabem quem foi Cruz e Sousa. Aqui mesmo em Florianópolis, berço do grande poeta, realizou-se uma pesquisa entre adultos e crianças em idade escolar para se saber o quanto conhecemos o maior poeta da terra e houve até quem respondesse que se tratava de nome de rua.
Então, numa das últimas feiras do livro eu me deparo com o livro “Cruz e Sousa – Além do horizonte da Poesia”, de Sérgio Mibielli. Um pequeno-grande livro, de quarenta e quatro páginas, feito para o público infanto-juvenil, mas que pode e deve ser

lido por leitores de todas as idades. A editora é a Papa Livro, daqui mesmo de Florianópolis. O livro tem uma apresentação impecável, com ilustrações coloridas e fartas, numa linguagem clara e objetiva. O autor, dando voz à Fada Poesia, em tom coloquial, quase poético, conta a história do nosso João da Cruz e Sousa, desde o seu nascimento até a sua morte, mostrando trechos da sua poesia. 
Um dos poemas de Cruz e Sousa que estão no livro é “Pátria Livre”, um hino de amor à liberdade e à igualdade dos seres humanos: “Nem mais escravos e nem mais senhores! / Jesus descendo as regiões celestes, / fez das sagradas, perfumosas vestes / um sudário de luz p´ra tantas dores. // A terra toda rebentou em flores! / E onde haviam só cardos e ciprestes, / onde eram tristes solidões agrestes / brotou a vida cheia de esplendores. // Então Jesus que sempre em todo o mundo

• 28 •

/ quis ver o amor ser nobre e ser profundo, / falou depois a escravas gerações: // - Homens! A natureza é apenas uma... / Se não existe distinção alguma / por que não se hão de unir os corações?”
Como diz a narradora do livro, a Fada Poesia, “Joãozinho, meu afilhado, amava a beleza e sua alma iria transbordar poesia por toda a vida.”
Fiquei muito feliz por ver que finalmente existe uma obra que conta a história do maior poeta simbolista do Brasil de maneira cativante e atraente, para que nossos leitores em formação saibam, desde cedo, quem ele foi e sintam curiosidade de ler a sua poesia e orgulho por ele ser catarinense.


GRANDES POETAS BRASILEIROS

JOÃO CABRAL DE MELO NETO CATAR FEIJÃO Catar feijão se limita com escrever:
 Jogam-se os grãos na água do alguidar
 E as palavras na folha de papel;
 e depois, joga-se fora o que boiar.
 Certo, toda palavra boiará no papel,
 água congelada, por chumbo seu verbo;
 pois catar esse feijão, soprar nele,
 e jogar fora o leve e oco, palha e eco. Ora, nesse catar feijão entra um risco,
 o de que, entre os grãos pesados, entre
 um grão imastigável, de quebrar dente.
 Certo não, quando ao catar palavras:
 a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
 obstrui a leitura fluviante, flutual,
 açula a atenção, isca-a com risco.

• 29 •


RESENHA

FLÁVIO JOSÉ CARDOZO OS CAMBUCÁS DA INFÂNCIA

O autor deste livro tem um currículo admirável: é poeta, contista, cronista, já publicou 32 livros, escreve assiduamente em jornais e revistas do Brasil e exterior, é membro atuante de várias associações culturais. Fundou e lidera há 40 anos o grupo A Ilha que, com seu suplemento literário, é um caso de valente permanência na cultura catarinense. A tudo isso, ele acrescenta uma atividade especial, quem sabe até a que mais lhe dá prazer - ser o escritor informal dos fatos e encantos da terra natal. Aqui temos uma amostra da relação de amor que Amorim mantém com a sua Corupá de

ontem e de hoje. As crónicas de O VALE DAS ÁGUA são crônicas que recuperam a doce paisagem da infância e exaltam com orgulho as belezas que lá continuam para quem quiser ir ver. Despidas de qualquer afetação de estilo, as palavras dizem que os anos passaram e não passaram, que tudo de bom sobrevive na magia da memória. São pessoas queridas: a mãe lutadora, os irmãos, a vó Grande e a vó Pequeninha, o vô Lúcio com suas balas coloridas, o vizinho que tinha um cambucazeiro de dez metros e deixava a garotada se servir à vontade, a primeira professora, Elizabete, que sempre começava as aulas contando uma historinha. É a natureza opulenta: dezenas de cachoeiras, ipês, cerejeiras, manacás, flamboaiãs, jacatirões; e frutas: tucuns, goiabas, babaçus, araçás, grumixamas, cambucás, frutas saborosas já na sonoridade dos nomes. O cronista declara saudades da cuca de carambola, dos biscoitos de melado, da torta de ricota, daquele pirãozinho d´água com peixe defumado que só vó Pequeninha sabia fazer.

• 30 •

O trem era um ente íntimo. Na companhia ferroviária trabalhavam a mãe e os tios. Muito que o menino passeou naquele trem familiar e era se equilibrando nos trilhos que ele ia toda manhã para a escola. Nem a chuva de Corupá é esquecida: Amorim confessa que, às vezes, se imagina “um maluco descalço e de peito nu a cantar na chuva da infância”. No embalo desse lirismo, o leitor sente o ar puro daquilo tudo e acaba querendo conhecer também Corupá, coisa que certamente vai tornar ainda mais feliz o menino que se fez o poeta e cronista da cidade. Assim seja.


GRANDES POETAS BRASILEIROS

MANUEL BANDEIRA VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA Vou-me embora pra Pasárgada
 Lá sou amigo do rei
 Lá tenho a mulher que eu quero
 Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada
 Vou-me embora pra Pasárgada
 Aqui eu não sou feliz
 Lá a existência é uma aventura
 De tal modo inconseqüente
 Que Joana a Louca de Espanha
 Rainha e falsa demente
 Vem a ser contraparente
 Da nora que nunca tive E como farei ginástica
 Andarei de bicicleta
 Montarei em burro brabo
 Subirei no pau-de-sebo
 Tomarei banhos de mar!
 E quando estiver cansado
 Deito na beira do rio
 Mando chamar a mãe-d’água

Pra me contar as histórias
 Que no tempo de eu menino
 Rosa vinha me contar
 Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo
 É outra civilização
 Tem um processo seguro
 De impedir a concepção
 Tem telefone automático
 Tem alcaloide à vontade
 Tem prostitutas bonitas
 Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste
 Mas triste de não ter jeito
 Quando de noite me der
 Vontade de me matar
 — Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
 Na cama que escolherei
 Vou-me embora pra Pasárgada.

• 31 •


BIOBIBLIOGRAFIA

SABRINA VILARINHO ÉRICO VERÍSSIMO tura brasileira.

OBRAS R o m a n c e : C l a rissa(1933); Caminhos cruzados(1935); Música ao longe(1935); Um lugar ao sol(1936); Olhai os lírios do campo(1938); Saga(1940); O resto é silêncio(1942); O tempo e o vento: I - O continente(1948), II - O retrato(1951), III - O arquipélago(1961); O senhor embaixador(1965); O prisioneiro(1967); Incidente em Antares(1971).
Conto e novela: Fantoches(1932); Noite(1942).
Memórias: Solo de clarineta I(1973); Solo de clarineta II(1975).
Publicou ainda várias obras de ficção didática e literatura infantil, além de narrativas de viagens.

Érico Lopes Veríssimo nasceu em Cruz Alta, em 1905 e faleceu em Porto Alegre, em 1975. Concluiu o 1º grau (antigo ginásio) em Porto Alegre. De volta a sua cidade natal, empregou-se no comércio, foi bancário e sócio de uma farmácia. Em 1930, transferiu-se para Porto Alegre, onde, depois de trabalhar algum tempo como desenhista e de publicar alguns contos na imprensa local, empregou-se na Editora Globo como secretário CARACTERÍSTICAS do Departamento EditoDA OBRA rial. Viajou duas vezes aos Estados Unidos, onde Costuma-se dividir a obra ministrou cursos de litera- de Érico Veríssimo em

• 32 •

três grupos:
 1) Romance urbano: Clarissa, Caminhos cruzados, Um lugar ao sol, Olhai os lírios do campo, Saga e o Resto é silêncio. As obras desta fase registram a vida da pequena burguesia porto-alegrense, com uma visão otimista, às vezes lírica, às vezes crítica, e com uma linguagem tradicional, sem maiores inovações estilísticas.
Desta fase destaca-se Caminhos cruzados, considerado um marco na evolução do romance brasileiro. Nele, Érico


Veríssimo usa a técnica do contraponto, desenvolvida por Aldous Huxley (de quem fora tradutor) e que consiste mesclar pontos de vista diferentes (do escritor e das personagens) com a representação fragmentária das situações vividas pelas personagens, sem que haja no texto um centro catalisador. 2) Romance histórico: O tempo e o vento. A trilogia de Érico Veríssimo procura abranger duzentos anos da história do Rio Grande do Sul, de 1745 a 1945. O primeiro volume (O continente), narra a conquista de São Pedro pelos primeiros colonos e é considerado o ponto mais alto de sua obra.

3) Romance político: O senhor embaixador, O prisioneiro e Incidente em Antares. Escrito durante o período da ditadura militar, iniciada em 1964, denunciam os males do autoritarismo e as violações dos direitos humanos. Desta série destaca-se Incidente em Antares. Considerada como pertencendo ao Realismo Mágico, a obra Incidente

em Antares (1971), de Érico Veríssimo, foi uma das últimas criações do escritor gaúcho. A história, dividida em duas partes (Antares e o Incidente), gira em torno de uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul que tem a sua rotina completamente virada de cabeça para baixo após uma greve geral. Operários, garçons, bancários, enfermeiros, funcionários do cemitério... todos aderiram a greve e a cidade parou. Diante da impossibilidade de serem enterrados os sete cadáveres que faleceram durante aquele período, os defuntos se levantam dos seus caixões e passam a perambular pela cidade.

REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com

• 33 •


POESIA

ADIR PACHECO REFLEXOS DA ALMA

TRAJETÓRIA MÍSTICA Uma voz e um grito na imensidão dos astros. E o verbo ressoa no eco do infinito Mergulhado na noite entre sons esparsos, Vibrando com as estrelas como um astro inaudito. E atravesso a ponte da realidade Com traços sensíveis coroados de mistérios, Em trajetória mística de deidade Absorvendo as lições do monastério. E como místico entrego-me ao universo Amparando-me às vibrações cósmicas, Mergulhando a alma em espaços diversos Com o olhar voltado ao afago da lógica. E sigo a jornada embriagado pelo silêncio No colorido que se perde no poente, Ante o espaço infinito reverencio A vida plena de mensagens eloquentes. E um olhar doce na aurora radiosa Contempla a festa inebriante da vida, Debruçado à janela de essência auspiciosa, Entre as carícias e vibrações comovidas.

De pé pus-me a chorar Os erros da vida. A alma sedenta Em cárcere na matéria Apresenta-se em silêncio Ao diálogo do corpo. E se encanta Com a natureza. Na miragem das colinas, O nômade errante, Os segredos da vida, E o movimento das mãos. E apresenta-se ao pó Que reflete, A natureza do silêncio. E beijei o altar Com lágrimas nos olhos Tendo a alma abençoada Pelas pedras da estrada.

Na Amazon

• 34 •


POESIA

ADIR PACHECO ALMA BASTARDA

MITOS DO CAMINHO Um tempo, o reencontro, e uma cabana na serra. Uma imagem que consiste o hoje no isolamento da noite cobrindo a terra.

Minh’alma calada, recolhe-se indefesa entre ideias coaguladas. Ante fantasmas diversos, a caverna me esconde. Mendigo, fiz-me amigo dos vermes e das larvas, e me surpreendo indiferente aos horrores. O espírito em gargalhadas estranha a alma bastarda.

Um olhar para dentro e o repensar sem rumo nos caminhos que se abrem na análise do espelho. E os laços se encontram nos mitos do caminho. Abro os meus braços e vejo o mundo. Abraço-me ao universo, a terra, e às calamidades vivendo o pó no apelo ignorado, e tudo estava acertado. O eco dos vales interrogando a natureza com sonoridade generosa, desperta-me a visão com extremada sutileza e sabedoria luminosa.

E desprezo os mitos, os conceitos místicos, os profetas e ascetas. Contemplando o rio, integro-me no diálogo entre suas águas.

• 35 •


POESIA

ADIR PACHECO ABISMO

DESNUDEZ DA SAUDADE Enquanto a noite desce envolvendo a rua, Cantos e súplicas fenecem sob a terra E anjos e mártires vicejam ante a lua Na atmosfera que o sentimento modera. E a lua manifesta-se soberana Ante a doce saudade que se desnuda, Numa sutil cumplicidade profana Lendo um poema de Pablo Neruda. E neste envolvimento da noite radiosa, Sublimam-se ternos e enamorados Ante a luminescência majestosa, Corações marcadamente consternados. E esta saudosa lembrança refletida Neste espaço que à noite consagra, Almas amantes outrora consumidas Em nostálgica nudez se embriagam. E esta embriaguez da saudade aflorada, Reflete lúcidas imagens bailarinas Entre emoções sutilmente adornadas Sob a altivez da alma peregrina.

Um mendigo, a piedade dos homens. E a matéria em voz alta grita nos abismos. São ruínas da realeza que a natureza difama e se ri na ironia da fama. E reclama o eco distante do cinismo desenhado nos holofotes apagados. Desnuda, entre as tragédias, levanta-se a alma renegando as misérias. E o templo se apresenta no coração do sábio, superando a dor com a essência suave do perfume de uma flor. E recitei no silêncio de meus lábios o mais belo poema de amor.

• 36 •


POESIA

MAURA SOARES NAS MARCAS DO TEU CORPO Quero, à noite, ler todas as linhas do teu corpo, a começar por tuas mãos, com minha letra desenhada. E, em cada marca de cicatriz, pousar meu beijo doce como o mel, saboroso como o chocolate. Saberás também ler, em mim, todas as marcas dos tempos em que passamos longe um do outro. Deixarás para depois, a leitura das linhas dos sofrimentos, das angústias, das dores, da solidão. Só lerás as marcas deixadas pelas linhas da alegria quando nos encontramos. E, quando no auge do amor nossa leitura se completar, deixaremos o livro das nossas vidas aberto na última linha antes da palavra Fim, para acrescentarmos mais páginas e completarmos novas edições. (3.1.2017) Maura Soares é editora da revista literária VENTOS DO SUL, do Grupo de Poetas Livres, sediado na capital catarinense.

• 37 •


CRÔNICA

HARRY WIESE PROCURANDO MAMÃE Procurei minha mãe e não a encontrei. Fui a sua casa na colina, vasculhei-a da varanda à cozinha, do sótão ao porão e ela não estava lá. Fui ao jardim das zínias e hortênsias que ela cultivava com esmero, nenhum sinal de sua presença. Caminhei pelas trilhas do campo, mas só encontrei o gado pastando. Rastreei as veredas beira-rio e os bambuzais, só havia pássaros pulando de galho em galho e a água correndo sobre as pedras. A vizinha amiga me disse que faz tempo que ela não aparece. Então, preocupei-me ainda mais e a chamei em alta voz: – Mamãe! Mamãe! Um menino que andava pela estrada, recolhido em seus pensamentos, olhou-me aflito e com espanto. Assustado, parou alguns instantes e logo se recompôs e correu pela estrada em inigualável velocidade. É comum que mães procurem os filhos e não que os filhos procurem as mães,

mas eu procurei minha mãe intensamente. Lembrei-me, então, de locais diferentes onde ela pudesse estar. Sim, ela poderia estar nas roças, no fundo das terras distantes, ao pé das montanhas, talvez tenha levado o almoço para papai,

mas era improvável de que papai estivesse lá; ou foi buscar batatas e milho para tratar os animais, mas isso ela não fazia com frequência. A aflição foi tanta que bati com força no meu peito com as duas mãos. Foi quando percebi que meu corpo estava arrepiado e encharcado de suor. Oh! Meu Deus! Que alívio... acordei. Acordar em momentos de desespero é como encontrar um oásis no deserto ou se molhar na chuva depois de intensa

• 38 •

estiagem. Sonhos são reais enquanto sonhos, depois são sonhos somente. São incompreensíveis fatos, mas sempre há alívio ou decepção após um sonho. Sonhos fazem pensar. Se penso, existo, disse Descartes! A existência é essencial e a essência é fundamental também, mas a essência tem sua base na angústia e no desespero. São assim as circunstâncias da vida, mas hei de encontrar mamãe. Encontrar mamãe era essência urgente. Sou existencialista, portanto, procuro consolo na filosofia da existência. Kierkegaard em sua essência afirmou que “Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se”. Assim, não posso me perder nem perder mamãe. Se procuro alívio e solução, ora... ora... eu mesmo poetizei sobre a procura em uma das minhas odes: “Procuro-me em tantas procuras e procuras tantas


que é um procurar constante a fortuita imagem de procurar”. Sim, precisava procurar e ousar com a intenção de encontrar mamãe, mas essa atribuição passou por complicações e infortúnios. Como eu poderia encontrar mamãe na casa da colina se a casa não existe mais, se as roças de papai não existem mais e se ele, meu pai, também não mais existe? Se o riacho é só um filete de água poluída, se os bambuzais secaram e se o pasto virou especulação mobiliária? Como eu poderia encontrá-la? Mesmo assim, consolo-me por não estar sozinho. Adélia Prado compartilha a poética quase real: “Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, trinta anos depois. Não encontrei minha mãe”. Quem foi aquele menino assustado que me viu aflito procurando mamãe? Não

sei, nunca o havia visto. Só sei que preciso ousar, não posso e não devo perder-me, nem posso perder mamãe. Retornei à estrada e o menino estava ali novamente. Existem coisas que não podem ser explicadas e nem compreendidas. Questionei-o sobre minha aflição. Como um menino poderia saber de minha mãe? Todavia, crendo ou não, há meninos-prodígio em momentos de desconsolo. – Pense com maestria – disse ele convicto – vá direto ao único local onde sua mãe possa estar e a encontrará. Vá, veja e vença! – Eu já havia ouvido isso em algum momento de outra maneira. Como ele poderia ser tão sábio? A sapiência produziu a humanidade e a humanidade me ofereceu um menino sábio. Refleti sobre a simplicidade e a profundidade de

• 39 •

suas palavras. Pense com maestria, disse ele e eu pensei com maestria e encontrei mamãe no único lugar onde ela poderia estar: mamãe estava e está no meu pensamento. Ela não pode mais estar em outro lugar. Mamãe mora no meu pensamento. Meu pensamento é a sua casa. Quem poderia ser tão culto e me dizer tamanha maravilha? Eu sou parte de mamãe e ela é parte de mim. Ela me carregou no ventre e agora eu a carrego no pensamento. Se penso, existo e se mamãe está no meu pensamento e penso, meu pensamento é meu e dela. Somos o que um dia desejamos ser. Não há mais preocupações de que ela possa se perder; não há mais a angústia de que ela possa morrer. Se ela mora ali, ela estará comigo enquanto a vida me permite a existência. Penso e existo e mamãe existe porque penso. É maravilhoso! É fantástico! É essência! A existência me fascina!


POESIA

SAVAGÉ COSTA TUDO É MUITO TÉCNICO Tudo é muito técnico, material… superficial… Estamos esquecendo da alma, do espírito… do natural… Agimos mais como robôs. Já não sabemos por onde vamos, nem como estamos indo. Reclamamos de tudo e nos contentamos com nada. São poucos os pensamentos que se salvam. A mente humana anda desumana. É incrível como nos assassinamos… Precisamos, urgentemente: Parar… Pensar… Meditar… DESPERTAR!

• 40 •


ENSAIO

ENÉAS ATHANÁZIO UMA FIGURA LIGADA À NOSSA HISTÓRIA: MIGUEL CALMON Embora natural da Bahia, Miguel Calmon du Pin e Almeida é uma figura que ficou ligada à nossa História, em especial pela sua atuação como homem público na primeira década do Século XX, merecendo por isso algumas considerações, uma vez que é pouco conhecido entre nós. Nascido em Salvador, no bairro do Caquende, em família rica e influente, integrada entre muitos outros pelo poderoso Marquês de Abrantes, em 18 de setembro de 1879, recebeu primorosa educação nos melhores colégios de então. A família descendia de franceses, daí o nome “du Pin”, adotado por seus membros. Aos 16 anos, muda-se para o Rio de Janeiro, onde faz os preparatórios para ingressar na célebre Escola Politécnica, na qual fez um curso brilhante e se embebeu da filosofia positiva, influenciado por Augusto Comte. Em 30 de março de 1900, aos 21

anos, estava formado em engenharia civil e disposto a dar o salto em direção às grandes realizações. Levava consigo a fama de

excelente estudante. Durante o curso teve como colega o futuro escritor Lima Barreto (1881/1922), que não chegou a se formar. Enquanto Calmon era rico, sempre bem posto

• 41 •

e vivendo à larga, Lima beirava a miséria, vestia-se mal e não se interessava muito pelo estudo. Afirmando que Calmon o desfeiteara, criou por ele profunda antipatia que se estenderia por toda a vida. Tão logo Calmon galgou posições de relevo, Lima assumiu contra ele nítida postura de oposição. Para ele, o antigo colega era exemplo do sucesso fácil, baseado no dinheiro e na influência familiar. Sobre ele escreveu páginas que hoje integram suas Obras Completas onde o coloca em situações constrangedoras, comparando-o inclusive a Bel Ami, célebre personagem de Maupassant. Quando embriagado, Lima afirmava ter comprado uma espada para “matar o Bel Ami.” Calmon, no entanto, parece não ter dado maior importância ao fato, pelo menos não me consta que a ele se referisse uma única vez. As críticas de Lima soam algo exageradas, uma


vez que Calmon se revelaria técnico competente e exímio administrador. Por vias traversas, porém, elas contribuíram de alguma forma para a permanência do baiano na História. Formado, Calmon decide regressar à terra natal. Queria mostrar aos conterrâneos seu saber e suas habilidades. Entrega-se, então, a febril atividade, envolvendo-se em diversas empreitadas. Movimenta uma empresa de lenha econômica, em Itaparica, que não parece ter prosperado. Torna-se professor da jovem Escola Politécnica da Bahia, título que usará com orgulho pelos anos a fora. Em 1902, aprofunda-se em estudos sobre álcool combustível e energia solar, temas em que ninguém falava e dos quais foi precursor. Tudo isso chama a atenção e desperta interesse por sua pessoa, não tardando a ser convidado para a Secretaria Estadual da Agricultura, cargo que assume em 26 de setembro de 1902, com apenas 23 anos de idade. Sua gestão é ativa e realizadora, assim reconhecida, e permanece no cargo até 14 de julho de 1905, credenciado a disputar uma vaga no Parlamento. E de fato, no ano seguinte era

eleito deputado federal pela Bahia, integrando a bancada conservadora, seguidora do laissez faire, laisser passer. Junta-se a outros deputados moços, formando-se a chamada bancada da juventude, por alguns rotulada, em tom sarcástico, como jardim da infância. Mas é ativo e estudioso, fala bem e sua

presença não tarda a ser notada. Para surpresa de muitos e desagrado de outros, recebe convite espontâneo do Presidente Afonso Pena para integrar sua equipe de governo como Ministro da Viação. Depois de consultar o Conselheiro Rui Barbosa, seu líder político no Estado natal, assume o cargo em 1906. Nesse Ministério trabalhava Machado de Assis, modesto e dedicado

• 42 •

funcionário, de quem Calmon foi chefe. Tinha 27 anos de idade, o mais jovem ministro da História do país. Tão logo assume, entrega-se a febril atividade, envolvendo e animando todo o corpo de funcionários da pasta. Viação e povoamento, água para o Rio de Janeiro, saneamento, portos e ferrovias, legislação da área, linhas telegráficas, radiocomunicação, ampliação e melhoramento dos correios, apoio à ação de Rondon e outros assuntos são enfrentados com decisão. Avulta em sua gestão a Exposição de 1908, realizada na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, para marcar o centenário da abertura dos portos brasileiros. O evento tem repercussão internacional e projeta o jovem ministro em todo o país. Tão logo é empossado parece tomado de autêntica febre ferroviária. Entrega-se de corpo e alma à construção de ferrovias, consciente de que elas integravam o país e constituíam as veias para circulação da riqueza nacional. Inicia trechos e conclui outros, mais curtos ou mais longos, espalhados por todo nosso território. Essa atividade é constante em toda sua gestão, iniciando-se em


1907, perpassando 1908 e prosseguindo em 1909. No período foram construídos trilhos em quilometragem que suplantou tudo que fora construído até então. Como diz seu biógrafo, Pedro Calmon, “foi o seu maior título de benemerência (...) Pela primeira vez, enfim, a construção de estradas de ferro em nosso país atingia a mil quilômetros em um ano!” (“Miguel Calmon, uma grande vida”, Rio, José Olympio/INL, 1983, pp. 57/58). Trilhos entram Mato Grosso a dentro, furando uma região erma e isolada, a despeito da descrença de muitos: nasce a Noroeste do Brasil (NOB). Eles infletem para o sul, ligando o sudeste ao Prata – é a São Paulo-Rio Grande, interligando São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, cruzando nosso território pelo Vale do Rio do Peixe, desde Porto União até Marcelino Ramos (RS). Essa ferrovia, no entanto, só ficaria concluída em 1910, quando Calmon já não ocupava o Ministério da Viação, embora a ele se deva a iniciativa e a construção de sua maior parte. É nesse período que ele se liga mais de perto à nossa História, merecendo inclusive a homenagem

de uma estação com seu nome, hoje o município de Calmon. Não se sabe e não consegui esclarecer se ele veio à região e visitou a estação que levava seu nome. O Presidente Pena também mereceu homenagem semelhante, dando seu nome a outra estação. Seja como for, Calmon está ligado para sempre ao nosso Estado. Em 14 de junho de 1909 falece Afonso Pena, alterando a fundo a política do país e Miguel Calmon deixa o Ministério. Sai dele consagrado como grande ativista e realizador, ainda que fosse vítima de muitos boatos e suposições maliciosas, inclusive partindo do biógrafo de Percival Farquhar. Mas tais coisas parecem inevitáveis no mundo da política e em nada afetaram o jovem ex-ministro. Em 24 de agosto do mesmo

• 43 •

ano, para surpresa geral, casa-se com Alice da Porciúncula, moça de família antiga e tradicional do Rio Grande do Sul, muito rica, em separação de bens, como de praxe. A união do baiano com a gaúcha daria bons frutos, como logo se verá. Rumam para a Europa, onde ele faz atentas observações sobre a educação, tema que o absorve. Voltando, é eleito deputado federal pela segunda vez e o casal vai residir num palacete da rua São Clemente, no Rio, que seria sua morada definitiva. Estuda muito e escreve sobre educação, economia e agricultura. Posiciona-se em favor do catarinense Lauro Muller para candidato à Presidência, sem resultado. Deixando a Câmara, retorna à Europa, agora em pé de guerra, na fase em que as hostilidades estão prestes a começar,


e entende que nova e angustiante fase histórica iria transformar o mundo, como de fato aconteceu após a I Guerra Mundial (1914/1918). Volta impressionado com o poderio bélico e os preparativos dos países europeus, e, em conseqüência, percebe a importância da segurança e da defesa nacionais, não com fins belicistas ou militaristas, mas como pressuposto da soberania. Integra o grupo que batalha pela criação do serviço militar obrigatório, junto com Olavo Bilac e outras figuras de relevo, e a Liga de Defesa Nacional. Custeava de seu bolso as viagens e despesas de Bilac que, com sua musa e seu verbo, esquentava a campanha pelo serviço militar. Nessa época o país é assolado pela gripe espanhola, ocorrendo milhares de mortes e deixando um rastro de tristeza que estendeu um manto de medo e desolação. Na Bahia, Calmon trabalha por Rui Barbosa, como candidato à Presidência, pela segunda vez, mas é derrotado. Campanha violenta e agressiva, quando atentados se sucederam e Calmon revelou inigualável coragem em um deles, escapando ileso por verdadeiro milagre. É outra

vez eleito para a Câmara Federal com votação consagradora (1920). Agora sua atuação se volta para o aspecto social e o nacionalismo. Mostrava que a exploração colonial de Java e da Índia, pela metrópole britânica, nada rendera àqueles países, pelos quais muito havia andado. Estavam as coisas nesse pé quando sobrevém novo convite para o Ministério,

desta vez para a pasta da Agricultura. Em 1922 assume a pasta que era um desafio neste “país essencialmente agrícola”, cuja agricultura se desenrolava em moldes primitivos e ultra-conservadores. Nela permanecerá até 1926, quando novos movimentos já começavam a se anunciar no horizonte e desembocariam na Revo-

• 44 •

lução de 1930, provocando profundas mudanças no país. Em sua gestão, voltou os olhos para o álcool combustível, sua produção e consumo, para o trabalhismo pacífico, sem luta de classes, crédito e transporte para a lavoura e tomou medidas administrativas na área do abastecimento, como a criação da Superintendência do Abastecimento, a implantação de feiras livres, levando os produtos diretamente do produtor ao consumidor, sem intermediários, além de incentivos aos produtores. Procurou por todas os meios modernizar a agricultura. Segundo seu biógrafo, já referido, foi uma gestão inovadora e corajosa. Mas era necessário prosseguir na carreira política. Em 1927 é eleito senador pelo Estado natal. Sua eleição é contestada por adversários rancorosos, mas, apesar de tudo, é reconhecida. Também é eleito presidente do Partido Republicano da Bahia, o que, junto ao novo mandato, lhe confere invulgar posição. Dedica-se com esmero à nova função parlamentar enquanto o clima revolucionário vai se implantando no país. A disputa entre Getúlio Vargas e Júlio Prestes é ferrenha,


inclinando-se Calmon por este último. Como tantos de seu tempo, não viu com clareza e os ventos do sul impuseram novas e profundas mudanças ao país, afastando-o para sempre do cenário político. Com a vitória da Revolução de 1930, refugia-se na Embaixada da Romênia e nela permanece até que baixe a poeira. Depois, com mais calma, ruma para o Exterior, só retornando em 1931 e já sem mandato. Como se dizia na época, era mais um dos “decaídos” ou “carcomidos”, e tratou de se recolher à intimidade do lar e aos negócios particulares. Considerou finda sua longa e vitoriosa carreira política. Não se entregou, porém, ao desânimo e continuou estudando, escrevendo, proferindo palestras. Continuava ligado às entidades de defesa da agricultura e conservou intacta até o fim sua fé na democracia, ainda que nos moldes clássicos, como predominara na República Velha. Não viveria muito, no entanto, na nova era implantada por Vargas. Em 24 de fevereiro de 1935, aos 56 anos, falecia no Rio de Janeiro, ainda moço e preparado para dar muito ao país. Mas as pessoas na época morriam cedo, a média de

vida no Brasil era baixa, roubando das atividades construtivas muitos que acabavam de completar seu preparo intelectual. O sepultamento foi consagrador Ciosa da memória do marido, sua viúva doou ao Museu Histórico Nacional grande coleção de objetos que justificaram a criação de uma sala especial e lá permaneceram por muito tempo, até que foram dispersos no acervo da instituição. O livro acima mencionado, de autoria de Pedro Calmon, o antigo reitor da Universidade do Brasil, parece ser a única biografia de Miguel Calmon ou, pelo menos, desconheço a existência de outra. O batismo da cidade catarinense com seu nome foi, no entanto, a maior homenagem a ele prestada. Nela nasceram e continuarão

• 45 •

nascendo inúmeras pessoas que levam e levarão o nome de “calmonenses”, assim como tudo que diz respeito à cidade, perpetuando a memória de seu patrono. Algumas fontes: “Miguel Calmon, uma grande vida”, Pedro Calmon, Rio/Brasília, José Olympio/INL, 1983. “Feiras e Mafuás”, Lima Barreto, S. Paulo, Brasiliense, 1956. “A vida de Lima Barreto”, Francisco de Assis Barbosa, Rio/ Brasília, José Olympio/INL, 6ª. ed., 1981. “Chatô, o rei do Brasil”, Fernando Morais, S. Paulo, Cia. das Letras, 1994. “Farquhar, o último titã”, Charles Anderson Gauld, S. Paulo, Editora de Cultura, 2006. “A fabricação do imortal”, Regina Abreu, Rio, Lapa/Rocco, 1996. Trabalhos de minha autoria, publicados em “Blumenau em Cadernos” e no “Jornal Página 3.”


POESIA

PIERRE ADERNE OUTONO

o outono vem chegando com seus tons de damasco e sapoti vem estender o tapete pra ela desfilar pintando o chão com a seda do jacarandá já ouço sua voz já sinto sua luz vem a passos de vento do Tejo pro Rossio trazendo nas mão folhas para os versos que crio quase na hora da lua se esconder pra árvore se despir quase na hora das vinhas vestirem dourado e castanho pra pintar esse amor sem peso e sem tamanho

• 46 •


REPORTAGEM

ARIANA LOBO PROFESSORES DE CRIANÇAS QUE LEEM POESIA

Quando o assunto é leitura, os brasileiros quase sempre perdem se comparados aos outros países. Uma pesquisa sobre hábitos culturais realizada pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro revela que sete em cada dez brasileiros não leram um livro sequer em um ano. Entre os jovens, o cenário não muda. A Prova Brasil, o Enem, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos, entre outros instrumentos, revelam que somente 5% dos jovens brasileiros têm nível considerado “ade-

quado” de leitura. E quando falamos de leitura de poesia, as estatísticas tendem a se agravar. Frases como “poesia é difícil”, “poesia é chata”, “poesia é ultrapassada”, são realidade na rotina da maioria dos professores de literatura. Diante disso, os professores precisam se desdobrar em atividades criativas e dinâmicas para despertar nos alunos o gosto pela poesia. É o caso de Poliane V. Nogueira, professora do campus Anápolis do Instituto Federal de Goiás,

• 47 •

que sempre inclui leitura de poesia em suas aulas. Ela afirma ser complicado pensar em “gosto pela poesia” quando a maioria das crianças não têm acesso a livros. “Os livros que a maioria das nossas crianças conhecem estão na escola, pois não temos uma cultura de leitura em casa, a maioria dos pais não leem com seus filhos (e não “para” eles, ler “com” aproxima mais a criança da poesia e lhe dá direito a voz). Em boa parte das famílias reina a televisão, poesia é considerada matéria de escola”, defende. Ela explica que os professores responsáveis por apresentar a poesia para as crianças, também não leem muito, pois não há tempo com a carga horária que a maioria deles fazem, além de levar muito trabalho para casa. “Muitos professores assumem também não gostar de ler, algo muito difícil de entender, uma


nem todas possuem alguém que “guarde esse segredo”. “Para mim, a infância é a fase em que a poesia mais toca o leitor, as crianças estão abertas para brincar com o poema e o fazem, para elas tudo é novidade, mas é necessário dar a elas o acesso ao livro, apresentar a poesia aos pequenos. O ritmo, as rimas e, principalmente, as imagens poéticas mexem com a imaginação da criança”, explica Poliane.

vez que a escolha da profissão prevê leitura constante. Se ao longo da vida escolar e da formação docente deste sujeito não for despertado o gosto pela poesia, dificilmente ele conseguirá despertar PAPEL DA ESCOLA este gosto nas crianças”. Para Poliane, a escola é COISA DE MENINA importante na formação É certo que o gênero do leitor de poesia, já poesia acaba sendo pre- q u e d i f i c i l m e n t e e s t e judicado também por e n c o n t r o s e d á e m preconceitos que a acom- o u t r o e s p a ç o . M a s é panham como: “poesia importante que haja um é muito difícil”, “poesia mediador que facilite este é muito sublime” ou encontro. “Eu tento ser mesmo “poesia é coisa essa mediadora, costumo de menina”. “Me lembro começar sempre a aula que quando meu afilhado com um poema para que tinha mais ou menos 4 os alunos se acostumem anos e eu lia poesia com ele, ele dizia que este era o nosso segredo, porque o pai e os colegas podiam achar que era coisa de menina e ele sabia que não era”, recorda Poliane. Por conta destes esteriótipos criados em torno da poesia, muitas crianças deixam de ler, já que

• 48 •

com a linguagem poética e consigam dissociá-la um pouco da prova ou da tarefa escolar, de modo que possam pensar sobre ela desarmados”. Ela conta que participou de dois projetos de poesia com crianças e jovens: a Oficina de Literatura do IFG que lê textos poéticos com alunos de ensino médio e EJA e realiza saraus com as turmas e a Oficina de Leitura Oral de Poesia em Corpo de Voz, em que além de apresentar poemas focados na performance vocal, também leva a oficina para várias escolas públicas de Goiânia. “Nestes dois projetos não há como não nos surpreender. Ouvimos tanto que os jovens não leem e não gostam de poesia, mas não houve uma turma sequer que não pedia para que retornássemos com mais poesia” declara. A professora afirma que


os preconceitos que envolvem a leitura de poesia e a relação que a escola costuma criar, associando a poesia a uma tarefa escolar, sendo a poesia um texto que precisa ser dissecado e que cabe ao aluno escolher a resposta certa, afasta o leitor da poesia. “Infelizmente, a escola tem realizado um desserviço para a poesia e, ainda assim, é o lugar mais propício para que essa leitura aconteça. Meu afilhado de 9 anos, por exemplo, está em crise com a leitura escolar, não se interessa por ler o que vem da escola, mas os livros de literatura e poesia que tenho em casa, sempre que vai para lá quer ler comigo”.

Eduardo, que hoje está com 9 anos. Ele é um leitor assíduo de poesia desde bem mais novo, pois a madrinha e os pais sempre leram com ele, o que acabou despertando o gosto pela poesia. “Sempre li poesia com meu afilhado e sempre o presenteei com livros, a mãe também lê com ele, aos poucos ele foi passando a escolher os livros de sua preferência. Costumo levar ele na livraria para que ele escolha os livros que lhe interessa e eu sempre escolho mais um ou dois títulos que eu gostaria que ele lesse”, conta. Para ela, três coisas são essenciais para que um leitor seja formado. Primeiro: acesso ao livro. PAPEL DA A criança precisa pegar, sentir o objeto livro, além FAMÍLIA de acessar seu conteúdo. Poliane tem um afilhado, Segundo: hábito. Ler com

• 49 •

frequência para a criança aumenta o interesse. Terceiro: respeito. “Se lemos para criança como quem ensina, perdemos a cumplicidade, temos que curtir a poesia junto com ela e deixar para a escola o trabalho de ensinar. Não ensinamos ninguém a gostar de ler, ensinamos a compartilhar a experiência da leitura, isso cria laços com os livros e com as pessoas”, explica Poliane. Ela conta que Eduardo hoje é leitor assíduo de José Paulo Paes. “E agora quase não leio para ele, ele quem lê para mim, lemos um com outro e nos divertimos com isso”.

EXERCÍCIOS DE PENSAR CRIANÇA Poliane publica frequentemente em sua rede social o que ela chama de “exercício de pensar criança”, com as falas mais curiosas de seu afilhado em relação à poesia e literatura. “Essa é uma forma divertida que encontrei de registrar o pensamento do meu afilhado enquanto ele cresce, a medida que ele fala algo que acho interessante compartilho com meus amigos no facebook e salvo de recor-


dação”, conta Poliane. Ela conta o o que ela considera a história mais linda com poesia que já vivenciou: o encontro de uma criança com um poeta: “Desde pequeno, entre os livros que eu lia para o meu afilhado, Eduardo, o preferido dele era ‘O menino que carregava água na peneira’, de Manoel de Barros. Carinhosamente, o Eduardo se referia a seu poeta preferido como ‘meu poeta de barro’. Na minha formatura, apresentei meu orientador, o professor e poeta Jamesson Buarque, para o meu afilhado (que na época tinha 4 anos) como poeta, não disse nome nem nada, só disse que era poeta. Ele ficou em estado de admiração e nem respondeu ao poeta que falava com ele. Quando teve certeza que o poeta já tinha ido embora, me perguntou: ‘Madrinha, porque poeta fala com

palavras e não fala com poesia?’. Expliquei que poeta era gente de como a gente, mas que escrevia poemas. Não convenci muito. Quase uma semana depois, ele me diz: “madrinha, pergunta para o seu poetinha se ele carrega água na peneira, porque o meu poeta de barro carrega”. Como eu ainda tinha contato com o meu orientador, estava na fase do mestrado, perguntei a ele.

• 50 •

O poeta entrou na brincadeira e mandou dizer ao Eduardo que ele não só carregava água na peneira, mas também guardava segredos no bolso. Assim que contei isso para o menino, ele colocou a mãozinha na boca com uma cara de espanto, que logo passou e me respondeu ‘Ih, meu poeta de Barro, cria peixes no bolso, muito mais massa’ e saiu correndo, brincando.


POESIA

JÚLIO DE QUEIROZ INQUIETAÇÃO Que queixas tereis, amantes saciados de passados, de ternuras amadurecidas e aquietadas nos baús tranquilos da memória? O que dói - e disso jamais sabereis – é a presença cega, o corpo vivo, morto ao afago pressuroso, e a certeza de que o gosto de madrugada numa boca sabe a flores murchas noutra boca…

• 51 •


CRÔNICA

LUIZ CARLOS AMORIM DIÁRIO DA PANDEMIA – LIVROS, NOBEL DE LITERATURA, TAXAÇÃO DO LIVRO Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completa 40 anos em 2020. Http://luizcarlosamorim.blogspot.com.br Dia lindo de sol, este 10 de outubro, mas ainda um pouco frio na sombra. Parece que estamos no outono, quase inverno. Mas hoje, graças a Deus, está com mais cara de primavera, já que o sol brilha glorioso. Meu jardim agradece, pois os hibiscos e dálias continuam desabrochando, cheios de cores. Hoje saí para ir na quitanda, comprar verduras e frutas, que amanhã é domingo e estará fechada, e não quero ir a grandes supermercados, onde o contágio do coronavírus é um risco maior. Se bem que na segunda vou ter que ir, pois chegamos em casa recentemente e precisamos abastecer a despensa. Quase caio de costas quando vejo os preços das coisas. Muita inflação.

Hoje li um pouco: li Enéas Athanázio, o grande contista regional e ensaísta catarinense, que me enviou dois novos livros, os dois primeiros da coleção LIVRO SOBRE LIVROS. O volume um é sobre a obra de Ernest Hemingway. O volume dois é uma seleção de resenhas da obra de autores catarinenses. Fico muito

• 52 •

honrado ao ver que Dr. Enéas dedicou 14 páginas deste livro à obra deste humilde autor que lhes escreve. Fala sobre a minha obra pessoal e sobre a minha obra maior, o Grupo Literário A ILHA, que completou 40 anos de literatura neste ano de 2020. Obrigado, mestre. Li também a poesia da Maura, romântica, passional


e ousada. E também li Quintana, Pessoa e Coralina, meus monstros sagrados. Falar em Pessoa me faz lembrar que este ano fui passear na Rua dos Douradores, rua famosa de Lisboa por ser personagem do Livro do Desassossego, o que me deixou um pouco decepcionado, pois a rua está quase abandonada. Uma pena. Devia ser um marco cultural e turístico na capital portuguesa. E por falar em livros, saiu o Prêmio Nobel de Literatura: a romancista polonesa Olga Tokarczuk e o escritor austríaco Peter Handke ganharam este ano. Os dois vencedores são quase inéditos no Brasil. Olga tem só um livro lançado aqui, e Handke tem dois. Hoje não falamos com o Rio, meu neto português, pois ele tinha

compromissos sociais, e acabamos não dando os parabéns para o nosso menino, que está de desaniversário – ou “mesversário”, como diz a vó dele. Completa um ano e meio, o carinha. E está cada vez mais lindão, mais grandão, mais esperto. Ontem ele conseguiu tirar uma alça do macaquinho que estava vestindo. Tomara que ele não aprenda a fazer isso, pois daqui pra diante só vai esfriar em Portugal e ele não poderá tirar a roupa. Se bem que num clima mais frio, como o inverno da Europa que está vindo aí, os macacões serão mais fechadões. Na última viagem para lá, no primeiro semestre, levamos um macacão de flanela, bem quentinho e grandão, que ele cresce muito rápido, para servir no

• 53 •

inverno. E a politicagem continua no Brasil, cada vez pior. Já não basta a pandemia, o desemprego, a miséria, ainda querem taxar os livros em 12%. Miséria e ignorância, coisas que i n t e r e s s a m a o p o d e r. Atualmente, os livros não possuem essa taxa, pois o objetivo disso (quando propos to por Jorge Amado) era tornar o acesso à cultura mais fácil, possível para todos. Infelizmente, sabemos que esse acesso já não é tão fácil assim, mesmo sem a taxação. Se aprovado o Projeto de Lei 3887/2020, os livros irão se tornar mais caros e inacessíveis do que já são para grande parte da população. Afetando, assim, não somente os que têm apreço à leitura e à cultura, mas também os trabalhadores do mercado editorial. O consumo de livros já é elitizado, imagine se a proposta for aprovada e os livros ficarem mais caros do que já são. A média de leitura do brasileiro é de APENAS dois livros por ano e, mesmo assim, a reforma foi encaminhada. A cultura e a educação não têm vez mesmo, neste governo.


POESIA

JACQUELINE AISENMAN PERSONAGENS Mas tem horas que me sinto tão distante de tudo como se eu não fizesse parte desse presente. Como se fosse uma personagem de uma história colocada em outra história: Lobo Mau interpretando Robin Wood, Branca de Neve saltitando em Peter Pan, Cinderela buscando os comprimidos pra dormir na gaveta da Bela Adormecida, Alice voando com Wendy pelas ruas… E de longe o sorriso de um gato, e o olhar malicioso de alguma bruxa má!

• 54 •


ENTREVISTA

AUTOR CATARINENSE – ESCRITOR BRASILEIRO CRISTÓVÃO TEZZA, ESCRITOR CONTEMPORÂNEO Um dos grandes nomes da literatura contemporânea brasileira é entrevistado para a nossa revista por diferentes entrevistadores. Autor do celebrado e premiado romance “O Filho Eterno” (2007), o catarinense radicado em Curitiba deu entrevista sobre temas diversos, das permanentes crises sofridas pelo mercado editorial ao promissor cenário da literatura nacional na atualidade. Um dos mais recentes livros de Tezza é “A Tirania do Amor”. Conta um dia crítico na vida de um economista empregado em uma empresa investigada por esquema de corrupção, envolvendo políticos Tezza ainda conversou sobre como é escrever em um Brasil turbulento e instável, detalhou obras que o marcaram profundamente e revelou seus hábitos de leitura, divididos entre livros de papel e três leitores digitais.

mostra “Eu, Leitor”, você fala sobre Lord Jim, de Conrad, e a importância de Monteiro Lobato, Julio Verne e Arthur Conan Doyle na sua vida. Como esses escritores ajudaram a te formar como leitor? TEZZA - Primeiro, pelo fascínio narrativo. Lembro que a leitura de A Chave do Tamanho, de Monteiro Lobato – o primeiro livro de maior fôlego que me lembro de ter lido inteiro–, foi uma alegria extraordinária para mim. Uma vida nova começou ali para mim. Passei a ler o Lobato inteiro, e não parei mais. Julio Verne e Conan Doyle (via histórias de

Pergunta: No programa da

• 55 •

Sherlock Holmes) vieram em seguida. São leituras típicas da primeira metade do século 20, que de certa forma “formataram” boa parte das cabeças dos anos 1950, da minha geração. E isso diz alguma coisa: são autores “iluministas”, que acreditam no poder da razão e da inteligência, intelectuais no sentido clássico da palavra. Num segundo momento, já adulto, a leitura de Lord Jim, de Conrad, foi outra revolução, tanto existencial (Joseph Conrad influenciou minha primeira escolha profissional – fui para a escola de oficiais da Marinha Mercante do Rio de Janeiro, tentando


ser piloto, um projeto que ficou pela metade…), como literária: o impacto de Lord Jim na minha cabeça delimitou, de certo modo, o que penso que a literatura pode fazer que nenhuma outra linguagem alcança. É um romance extraordinário, tanto temática quanto formalmente.

Saiu em 1988, pela Brasiliense, então um dos mais importantes selos literários do Brasil, e teve uma repercussão muito boa, realmente excepcional para os padrões da época, ainda mais considerando que eu vivia exilado em Curitiba, uma cidade fora do eixo editorial relevante no Brasil (que era basicamente Rio, São Paulo e Porto Alegre). Naqueles anos, viver fora desse eixo significava um verdadeiro exílio literário. Depois de Trapo, nunca mais tive problemas para editar meus livros por editoras grandes. Foi uma libertação, digamos assim.

número de leitores, a distribuição do livro é estrangulada, o ensino médio é trágico e a violenta recessão dos últimos anos não ajuda em nada a melhorar o panorama. Mas o ato de escrever não tem nada a ver com isso – ninguém deixa de escrever porque a recepção será difícil; fosse assim, a literatura brasileira já teria desaparecido completamente há muito tempo. Pergunta: Qual o papel do escritor em tempos tão instáveis?

TEZZA - O mesmo em qualquer época: pela via da ficção, criar hipóteses de Pergunta: Dois de seus existência que deem algum livros mais recentes, “A sentido ao mundo, e partiTradutora” e “A Tirania lhá-las com os leitores do Amor”, lidaram um pouco com a situação tur- Pergunta: Que avaliação bulenta e crítica do Brasil você faz da literatura brasinos últimos anos. Como é escrever em um país tão caótico e instável?

Pergunta: Seu romance Trapo ganha edição comemorativa de 30 anos. Qual o impacto desse livro na sua carreira de escritor durante os anos seguintes? TEZZA - Escritor não escolhe país: é a língua TEZZA - Trapo foi muito que você fala e o espaço importante para mim, uma em que você vive. Do primeira virada na minha ponto de vista profissional, vida de escritor. Terminei nosso atraso civilizatório é de escrever em dezembro terrível para quem escreve, de 1982, e, naqueles porque as crises editoriais tempos pré-internet, levei são permanentes. Patiseis anos para conseguir namos há uma década com praticamente o mesmo publicá-lo.

• 56 •


tante rica, ainda que eventualmente imatura. Afinal, a literatura é uma arte lenta. Mas sou bastante otimista; há muita coisa de qualidade surgindo na nova literatura brasileira. Pergunta: O que mais tem gostado de ler? Usa gadgets como e-reader ou prefere o formato tradicional?

leira contemporânea? TEZZA - Acho que um conjunto de fatores da vida brasileira, na virada do século 21, criou as condições de uma transformação bastante significativa na nossa literatura. A relativa modernização do país a partir do Plano Real e da estabilidade econômica, o advento e a consolidação da internet e suas consequências culturais, uma certa internacionalização de temáticas e referências literárias e linguísticas, e o advento de uma nova geração não mais vivendo sob o ideário que marcou profundamente os anos 1970 e décadas seguintes, a revolução feminista e os movimentos identitários, tudo isso vem fermentando uma nova produção bas-

TEZZA - Como sempre, leio um pouco de tudo, mas tenho privilegiado bastante a leitura de ensaios, filosofia e história. Gostaria de ter mais tempo de leitura. O tempo é a mercadoria mais escassa para quem gosta de literatura… Sim, diariamente uso leitores digitais; tenho o Kindle, o Kobo e um iPad. Mas a preferência, sempre que posso, ainda é pelo livro do papel, ainda que as tabuletas digitais sejam cada vez mais imprescindíveis, pela praticidade e pelo acesso instantâneo, quando você precisa de uma referência, ou uma leitura urgente. Pergunta: Existe “bom leitor” ou é uma brincadeira? TEZZA - A literatura virou quase um nicho de mercado. Todo leitor é bom, porque é uma coisa

• 57 •

tão rara hoje em dia… Mas o “bom leitor” de quem falo é alguém que vê literatura como um tipo de linguagem que não se encontra em nenhuma outra linguagem social à disposição. Lendo Kafka, Thomas Mann, lendo escritores que marcaram a literatura do século XX, você vai criando um porto de mundo, de especulação sobre a realidade, uma hipótese existência que você não acha em outro lugar. O papel da literatura é esse. Pergunta: E a poesia? Como você se relaciona com ela? TEZZA - Houve uma época em que fui poeta, como todo mundo - a poesia é uma face imprescindível de quem escreve.


recepção, uma leitura mais organizada, sistemática. Quando estou escrevendo um romance, gosto de ler poesia, que é uma forma poderosa de sugestão. Mas o tempo todo estou lendo ficção, sempre com uma pilha de livros em torno. Sou também um bom leitor de jornais, hoje via internet - em geral de manhã dou aquela passada cruzada Pergunta: Qual é o seu ter- sobre o que está acontecendo e me detenho aqui e ritório de leituras? ali no que me interessa. TEZZA - Eu leio de tudo, mas durante períodos Pergunta: No mundo todo, específicos tenho natural- é possível manter uma carmente me concentrado em reira editorial publicando algumas áreas. Nos últimos um livro a cada dois ou anos, por exemplo, li muita três anos. Essa perspectiva teoria - que é um tipo também existe no Brasil? de leitura que exige um TEZZA - Bem, depende modo muito particular de do que entendemos por Hoje sou um bom leitor de poesia, ainda que não esteja acompanhando a produção contemporânea como gostaria. O tempo vai ficando curto. E a poesia foi, afinal, o tema central da minha tese de doutorado - a discussão da natureza de sua singularidade com relação à prosa. É uma área teórica que me fascina.

• 58 •

carreira editorial. Publicar um livro de ficção a cada dois ou três anos é perfeitamente possível - aliás, foi o que fiz, desde meu primeiro livro. Já viver desses livros, aí a conversa muda. É uma questão de aritmética. Na média, os ficcionistas razoavelmente conhecidos, publicados por editoras grandes, levam de um a três anos para esgotar uma edição de 3000 exemplares. Isso explica por que os escritores são sempre alguma coisa a mais - ou, parodiando Ortega y Gasset, são eles mesmos mais as suas circunstâncias... Mas o fato de o escritor, hoje, representar um valor social mais simbólico do que concreto - todos amam a literatura mas quase ninguém lê - também nos dá uma liberdade interessante. É nesse sentido que eu vejo o ato de escrever basicamente como uma atividade ética. O segredo é que o trabalho do escritor não é solicitado pela sociedade. Não há anúncio nos jornais procurando poetas ou romancistas. Escrever é uma escolha minha, unilateral, solitária, independente, intransitiva. Como cidadão, o desprezo ao livro, à palavra escrita, me horroriza; mas como escritor,


não tenho o direito de do professor Manuel, no exigir que me leiam. Assim, livro, é um palco perfeito! todo leitor é uma dádiva. Muito do que escrevo vai se fazendo pelo diálogo, Pergunta: A sua ficção tem pelo espaço entre as pespontos de contato com duas soas, pela noção de tempo outras artes, o teatro e a do teatro. Já a pintura é pintura. As suas experiên- uma curtição pessoal. Nos cias nessas áreas ajudaram meus 18, 20 anos, cheguei a desenvolver o seu estilo a fazer cópias primárias de ou sua maneira de ver a quadros famosos - tenho literatura? até hoje um Van Gogh e um Matisse aqui em casa. TEZZA - O teatro foi uma Mas nunca tive nenhum influência muito forte na projeto nem talento nessa minha literatura. Afinal, foi área. A influência na litepela porta do teatro que eu ratura talvez se resuma entrei no mundo da arte. numa frase: o meu mundo é Participei de movimentos de teatro de vanguarda na Curitiba de 68, 69 - fui sonoplasta da primeira peça de Denise Stoklos -, participei daquelas montagens delirantes do Ari Pára-Raio, e em seguida integrei a comunidade dirigida por W. Rio Apa em Antonina, que me marcou profundamente. Li e escrevi muito teatro nesse tempo. Alguns dos meus livros têm essa "marcação" cênica. Lembro que quando Ariel Coelho m o n t o u Tr a p o , n u m a adaptação teatral para mim inesquecível, marcante, com Marcos Winter fazendo o personagem central, o texto se transplantou para o palco quase sem modificação. A sala

• 59 •

visual. Escrevo o que vejo. A minha frase é antes um olhar que um pensamento. Pergunta: Sartre dividiu a vida dele em dois movimentos: ler e escrever. Como se dá isso com você? TEZZA - Acho que do mesmo modo. Pensando bem, absolutamente tudo que faço desde os meus 12, 13 anos passa pelo filtro da palavra lida e, quase que em seguida, escrita. Ler o mundo e escrevê-lo - não há como escapar.


POESIA

SELMA FRANZOI DE AYALA SAUDADE Tenho saudade… Tenho saudade de um sorriso, de um nome, de um tempo… Tenho saudade de uma vida, de um amor, de um momento… De uma velha paixão incontida, de uma certa solidão escondida… Tenho saudade de uma saudade, de um outro mundo e de um momento que marcou no tempo e que doeu profundo…

Tenho saudade de um certo olhar, de um certo ser… que soube ser… e, na verdade, é você! É você, que hoje traz saudades e na nostalgia da lembrança do pouco de nós, eu fiquei com muito mais… Eu fiquei com a parte maior, eu sei: fiquei com toda saudade que você deixou e um pouco mais que eu guardei…

• 60 •


CONTO

MARIA TERESA FREIRE A SAUDADE BATE FORTE Em noite tranquila, um grupo reúne-se cabisbaixo e desanimado. Permanecem em silêncio um bom tempo. Até que um dos membros fala: “ Pessoal a saudade está sendo demais. Não sei como faço para aguentar essa ausência. E vocês como estão?” Com jeito afobado, um membro responde: “Oi pessoal, estou me juntando a vocês agora e ouvi a pergunta; respondo dizendo que fico nostálgico todas as tardes quando a saudade bate forte e acabo em lágrimas. As caixas de lenços de papel já se esgotaram”. Outro integrante interrompe e comenta: “Sabem o que faço? Distraio-me assistindo zilhões de séries! Morro de rir com os chineses que voam quando lutam! Não consigo fazer igual a eles! Rsrsrs!” Uma participante diferente explica: “Eu fico ouvindo as conversas

pelo whats – reclamações porque não podem sair, só ir ao mercado e farmácia (ora, só se pode comer e comprar medicamentos?); reclamações sobre política (vixe! Falam muito mal dos políticos (Deus me livre dessas faladeiras!); reclamações sobre a falta de água (não podem gastar nem um pingo; será que tomam banho?? Iiii!) na verdade reclamam de tudo! Mulheres!!” “Pessoal”, intervém uma participante, “nada de bom? Eu ouço música,suave, romântica, inspi-

• 61 •

radora; fico bem quieta, sonhando e devaneando com os sons divinos”. “ Vo c ê s n ã o a s s i s t e m televisão?” Pergunta o parceiro que se movia inquieto, “não estou falando dos programas azedos que só dão notícias desagradáveis (arre!) mas dos shows gravados, dos filmes de ação (cada mocinho tão bonito!) aqueles com as loucuras de Missão Impossível; montanhas de séries para assistir, não sobra tempo para mais nada!” Mais outro acrescenta:


“De vez em quando tem gente caminhando pela sala parecendo zumbi, sem direção, procurando algo ou alguém (Santo céu! Até parece alma penada!).” O membro do grupo que puxou a conversa, retoma destacando as salas vazias de pessoas: “Parceiros, sinto falta das g a rg a l h a d a s , d a s c o n versas desinibidas (põe desinibida nisso!); do movimento de entra e sai; da mulherada chique (até demais!), de salto alto! E contavam tantas coisas...

sempre rindo. Meio bobas!” “Nada disso”, intervem uma participante, “de bobas não tinham nada! Eram bem alegres e se divertiam!”. “Epa!, exclama outra integrante, “às vezes saía fofoca; se contarmos elas estão ferradas; tem sempre alguém de quem se falar mal”. “Que coisa, grupo! Vocês devem ser discretos. Na realidade, estamos sentindo falta de tudo que era bom e do que não era. E na hora do café? Que conversa-

rada, sempre elogiavam os bolos!”. “Faz tempo, né, pessoal que isto não acontece. Quando havia montes de gentes, as luzes brilhavam, as flores resplandeciam, os copos tilintavam e a louça se exibia”. “Agora é tudo diferente”, replica um integrante, “até pratos de papel querem usar! Que descalabro! A que nível chegaram!” “Bem pessoal”, interfere um participante até agora quieto, “a verdade é que estamos solitários, torcendo para que as reuniões recomecem e a alegria impere novamente”. Todos concordaram com ele. E assim, os sofás, as poltronas, as mesinhas de centro e laterais, o aparador, a mesa de jantar e as cadeiras emudeceram. Em total silêncio retomaram seus lugares. Sem mais nada a dizer.

LIVRO DOS 100 ANOS DA ACL O principal registro a assinalar o centenário de fundação da Academia Catarinense de Letras está sendo a publicação de livro documentário de autoria do professor e escritor Celestino Sachet,

a maior autoridade em literatura estadual e o principal pesquisador das letras catarinenses. A obra tem 280 páginas, resgata a criação da entidade, os principais eventos e a relação completa de todos

• 62 •

os titulares das 40 cadeiras ao longo dos 100 anos, com suas obras e pequenas biografias. Trata-se do mais completo histórico e inventário sobre a Academia Catarinense de Letras escrito até hoje.


POESIA

RITA QUEIROZ CIRANDA O desejo tem gosto de abacaxi Feito de pedaços de sonhos Suspiros cor de carmim O desejo tem sabor de domingo Com segredos das horas Lembranças de corais de marfim O desejo tem cheiro de chuva Enigmático fluir da fênix Eclipse do sol e da lua O desejo é carrossel de ilusões Delicada coroa de flores Confluência de signos na penumbra

AVESSOS Escrevo para dar sentido Ao abismo que me habita Caos, princípio, meio e fim... Escrevo... osso duro de roer Espinha na garganta Lágrimas que corroem a caminhada Escrevo (in)certezas Avessos de mim Imagem que não se reflete no espelho Escrevo...

AS ROSAS O horizonte vislumbra as rosas Que habitam em mim... Ficaram os espinhos!

O desejo é seda, é ar, é vida Nasce e morre Nas curvas e esquivas!

• 63 •


CRÔNICA

TAMARA ZIMMERMANN FONSECA NATUREZA - MENSAGEIRA DE DEUS Outro dia, numa tarde dessas bem quentes, para tentar amenizar o calor, estava em nosso jardim apreciando as cores da primavera, aproveitando a sombra de nosso querido pé de canela, que há 29 anos participa de todos os acontecimentos familiares. À sua volta, folhagens, orquídeas coloridas e delicadas, samambaias, antúrios, copos de leite, e uma variedade de outras flores; nossos cachorrinhos Piti, Pepé, Neném e Floor espertamente e preguiçosamente

também se aproveitavam e estavam largados em meio ao gramado. Eu, com os pés descalços na grama, relaxava e saboreava esse momento, quando num piscar de olhos, Deus envia para todos nós um ventinho daqueles que a gente suplica quando o calor toma conta de tudo. No instante seguinte, todas as folhagens e galhos bailavam como se a brisa fosse uma orquestra animando os casais na pista de dança. Na calçada de casa, na rua,

• 64 •

temos também a árvore do “Mano“, apelido carinhoso de meu sobrinho Rodolfo, que não escapou da festa, parecia até que ouvia uma boa valsa, para lá e para cá o bailar de seus galhos longos. A canela é a árvore do meu sobrinho Gustavo, ambos ganharam no dia em que nasceram, o vento animava até os cachorros que corriam e saltavam pelo jardim latindo de felicidade. Como uma criança, eu sorria e me divertia, foi um momento prazeroso onde todas as preocupações, em tempos de Coronavírus, deram espaço para receber uma dose alta de serotonina, dopamina, endorfina e ocitocina! Um detalhe na árvore do Mano me chamou a atenção, ”obra” feita pelo profissional que cuida delas na poda para que fiquem sadias e não cresçam demais, a ponto de nos colocar em perigo, por estarem muito próximos a nossa casa. Olhei atentamente, fixei


meu olhar naquela “cicatriz“ e mais uma vez percebo que a natureza é mesmo a mensageira de Deus. A cicatriz na árvore nasceu de uma poda, foi-lhe tirado um galho. Resistente, ficou mais forte. Segue as mudanças das estações, estamos na Primavera, suas folhas dia a dia colorem seus galhos com um verde esperança, e também brotam flores amarelas que completam a aquarela, enquanto o céu serve de moldura para deixá-la ainda mais bonita. Por vezes, acontecimentos viram nossas vidas, nos desesperamos, choramos, fazemos drama, ficamos atordoados. Devemos saber e crer que isso tudo passa e a vida continua, nos adaptamos, vamos nos fortalecendo dia a dia, assim

como a árvore quando podada. Quando a gente menos percebe, nossos sorrisos estão como as flores que brotam e embelezam. Nossa esperança e nossa fé, há de serem como as raízes firmes e fortes!

Senti o vento acarinhando meu rosto, olhei mais uma vez para a festa no jardim, olhei para a árvore na calçada e agradeci a Deus por ser uma criança que percebe as belezas e as mensagens trazidas pela natureza.

ENCONTRO DE ESCRITORES A Associação das Letras, fundada no ano de 2012, contando agora com oito anos de existência, em todos esses anos vem realizando o encontro de escritores estabelecidos em Santa Catarina, dando continuidade à série de encontros de escritores catarinenses que o Grupo Literário A ILHA já havia iniciado nos anos 80. Neste ano de 2020, a homenagem vai para o maior poeta catarinense – CRUZ E SOUSA, que é nosso destaque nacional e internacional. E para falar de Cruz e Sousa a Associação das Letras apresentará diversos palestrantes. O Encontro Catarinense de Escritores, promovido pela Associação das Letras, entidade que reúne escritores e amantes da literatura de Joinville e região, este ano será online. Em virtude da pandemia de covid-19, o encontro segue as recomendações de saúde, e será realizado de forma virtual. As palestras serão realizadas pelas plataformas meet e também pelo canal Associação das Letras no youtube.

• 65 •


GRANDES POETAS BRASILEIROS

RAIMUNDO CORREIA AS POMBAS Vai-se a primeira pomba despertada…
 Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
 De pombas vão-se dos pombais, apenas
 Raia sanguínea e fresca a madrugada. E à tarde, quando a rígida nortada
 Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
 Ruflando as asas, sacudindo as penas,
 Voltam todas em bando e em revoada. Também dos corações onde abotoam,
 Os sonhos, um por um, céleres voam,
 Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam,
 Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
 E eles aos corações não voltam mais.

• 66 •


CRÔNICA

EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA JÂNIO QUADROS, O POLÊMICO Dizia ele, em suas inúmeras entrevistas aos jornais, TV e revistas, durante sua campanha eleitoral: “Dizem que a minha expectativa em torno de minhas atitudes no governo tira o sono a muita gente. Não me julgo responsável pela insônia de terceiros.“ “Não existe democracia sob ditadura económica. De maneira idêntica, não há porque cuidar de um sistema de liberdade, se a miséria rói as entranhas da maioria que trabalha, enquanto poucos se locupletam ociosos e inúteis. O que cumpre é disciplinar o livre empreendimento, impedindo-o de se contrapor aos superiores interesses da comunidade.“ “Cumpre saber de fato, se é ou não possível, entre nós, o governo nascido das urnas e a um tempo austero, rigoroso e justo. Para mim, não tenho duvidas: não creio nas concessões demagógicas. Não creio na mentira das promessas, não creio nos desmaios da autoridade. Não creio no pensamento limitado. Não creio na incontinência orçamen-

tária. Não creio na desordem administrativa. Não creio nas soluções centralizadoras. Não creio na intolerância das filosofias e das confissões. Não creio nas ditaduras de qualquer tendência. Não creio nos sindicatos violentados. Não creio nas previdências das espórtulas constrangedoras. Não creio no latifúndio antissocial. Não creio nos privilégios ao arrepio da lei. Não creio, enfim, no que se vê ao nosso alcance e à nossa roda como se fora democracia, quando é a sua caricatura, a sua cárie. Não serei na Presidência da República nem mais nem menos nacionalista do que fui no Governo do Estado de São Paulo. “Prometo

• 67 •

um governo honesto e corajoso, um governo humano, preocupado com os humildes, os pequeninos, os injustiçados. “

ALGUMAS OPINIÕES DE POLITICOS SOBRE JÂNIO QUADROS. “Jânio foi a UDN de porre.” (Afonso Arinos) “É o maior ator nacional.” (Prestes Maia) “Cinco figuras históricas parecem haver influenciado o senhor Jânio Quadros: Jesus Cristo, Shakespeare, Lincoln, Lenin e Chaplin. O problema é que nunca se sabe quando ele imita esta ou aquela personalidade. Muitas vezes procu-


ramos Cristo e damos de cara com Lenin.” (Mario Martins) “Desde jovem, possui espírito inabalável. Certa feita, num colégio de Curitiba, não titubeou em arremessar um tinteiro na testa de um padre confessor... O que acredito é que, elegendo-se, Jânio não titubeará em dissolver o Congresso Nacional, pois já revelou com sobras a sua vocação para caudilho. E será uma espécie de Idade Média brasileira o panorama do país, uma vez elevado ao cargo máximo da nação. “(Gabriel Quadros, ex-deputado, pai de Jânio Quadros). “O senhor Jânio Quadros não tinha estabilidade emocional, imprescindível a quem deveria governar um país com problemas tão complexos como o Brasil. “(Mal. Teixeira Lott).

CARTA RENÚNCIA “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação. Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando nesse sonho a corrupção, a mentira e a covardia, que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior... Forças terríveis levantaram-se contra mim... A mim não falta a coragem da renuncia... Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Tra-

balhemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria. Brasil, 25 de agosto de 1961. (Pesquisa realizada: Enciclopédia Nosso Século, volume 09, páginas 35, Editora Abril Cultural.)

JÂNIO QUADROS EM AGOSTO DE 1991- 30 ANOS DEPOIS Diante da TV, envolta em emoções, assisti ao embarque do estadista e ex-presidente da República, Sr. Jânio da Silva Quadros, para Londres. Polêmico, discutido, amado, odiado, mas respeitado como homem público, Jânio apareceu no vídeo emocionando o Brasil, com sua figura doente, frágil, envelhecida. Nem de longe fazia lembrar o homem magro, desgrenhado, com voz calma que magnetizava multidões; decidia, planejava e concretizava. Distante, muito distante do governador dos paulistas, que às oito horas da manhã se apresentava nas repartições públicas, mantendo-se ao lado do relógio de ponto, surpreendendo os relapsos, punindo funcionárias que tricotavam, conversavam ou faziam as unhas durante o expediente. Nem de longe, a imagem do homem que dirigiu os destinos da Nação durante alguns meses tumultuados: Vereador, Prefeito, Governador de São Paulo e Presidente da Repu-

• 68 •

blica. Sem dúvidas, cargos importantes. E, ao vê-lo totalmente indefeso e dependente, com pessoas determinando seus passos e atitudes, se devia ou não viajar para Londres para assistir a formatura do seu neto, lembrei-me de um velho amigo que um dia disse-me, após vinte e cinco anos distanciado e que encontrei muito bem posicionado. Ao vê-lo, não pude conter minha surpresa: – que beleza, Deni, como você se tornou um homem importante! Ao que ele retrucou: - Não, minha boa amiga, importante é essa mesa e esta cadeira. Ao sair daqui, ou seja, ao deixá-la, serei apenas um homem comum, com a minha essência! Um homem comum. Era, para Tutu, ex-deputada, filha de Jânio Quadros, tudo o que desejava para o pai naquele momento, em que seu coração de filha explodiu, quando respondeu irritada para um repórter: “– Meu pai precisa viajar, ele está sendo muito bem cuidado, recebendo muito carinho de todos nós. Deixem-nos em paz, temos esse direito! Não somos propriedade pública!” Sem o peso dos cargos importantes que ocupou, longe das mesas e das cadeiras que tornaram famoso o homem público, Jânio Quadros, homem comum, levou para Londres apenas a sua essência!


POESIA

CÉLIA BISCAIA VEIGA NATAL Se Cristo por acaso resolvesse Descer à terra pra comemorar O aniversário, arrepender-se-ia Ao ver em que o Natal foi virar… O consumismo é o único interesse. O povo só quer saber de comprar… Como se só o dinheiro é que valesse E não valesse nada se doar. Só em casos extremamente raros Não se preocupam com presentes caros E pensam só no aniversariante… Quando a humanidade lembrará O que é Natal e compreenderá Que o amor e a paz são os presentes importantes?

• 69 •


ESPECIAL

ALINE TORRES – In El País ANTONIETA DE BARROS, A PARLAMENTAR NEGRA PIONEIRA QUE CRIOU O DIA DO PROFESSOR Uma das três primeiras mulheres eleitas no Brasil, sua bandeira política era o poder revolucionário e libertador da educação para todos

Antonieta de Barros, primeira mulher negra eleita no Brasil

Um menino no interior do Maranhão comemora o 15 de outubro, assim como uma menina gaúcha. O dia do professor é celebrado em todo o Brasil. Sabem esses estudantes quem é a extraordinária heroína brasileira que criou a data? Seus feitos, sua história? Sabem os professores destes estudantes algo sobre ela? Ou será que esta personagem fantástica, mulher e negra, foi invisibilizada?

Antonieta de Barros foi excepcional. Está entre as três primeiras mulheres eleitas no Brasil. A única negra. Foi eleita em 1934 deputada estadual por Santa Catarina, mesmo ano que a médica Carlota Pereira de Queirós foi eleita deputada federal por São Paulo. Sete anos antes, Alzira Soriano

Viagem às raízes do Brasil negro

• 70 •

havia sido eleita prefeita num pequeno município do Rio Grande do Norte, primeiro estado a permitir disputas femininas. Expoente da ideia “anárquica” de que as mulheres deveriam ter direito ao voto, a bióloga Bertha Lutz trocou inúmeras cartas com Antonieta na década de 1930.


O discurso de medo na sessão do Senado que aprovou a abolição

Vale lembrar, Antonieta foi eleita menos de meio século após a abolição da escravatura e apenas dois do sufrágio —que deu às mulheres direito ao voto facultativo. Num país fortemente preconceituoso quanto à classe, cor e gênero, tinha orgulho de sua história. Nasceu em Desterro, como era chamada Florianópolis, no dia 11 de julho de 1901. No registro de batismo, na Cúria Metropolitana, realizado pelo Padre Francisco Topp, não aparece o nome do pai. A mãe era Catarina Waltrich, escrava liberta. No imaginário popular, a verdadeira paternidade estaria ligada à família Ramos, uma das mais tradicionais do Estado.

A bandeira política de Antonieta era o poder revolucionário e libertador da educação para todos. O analfabetismo em Santa Catarina, em 1922, época que começou a lecionar, era de 65%. Isso que o Estado, sobretudo pela presença alemã, aparecia com um dos

• 71 •

índices mais altos de escolarização do país, seguidos por São Paulo. Segundo conta Karla Leonora Dahse Nunes na sua dissertação de mestrado, Catarina teve três filhos e os sustentava como lavadeira, serviço comum às mulheres negras da época. Também teve, com a ajuda financeira de Vidal Ramos, uma pequena pensão para estudantes. Foram esses jovens que ensinaram as letras tardiamente para a curiosa Antonieta. Alfabetizada, m e rg u l h o u p o r c o n t a própria no universo dos livros. Professora formada, tinha 17 anos quando fundou o curso particular “Antonieta de Barros”, com o objetivo de combater o analfabetismo de adultos


Honesta, enérgica e humana, era respeitada e admirada por seu espírito de justiça. Tinha voz numa época que as mulheres eram silenciadas. Escreveu dois capítulos da Constituição catarinense, sobre Educação e Cultura e Funcionalismo, até ser destituída do cargo pelo golpe de Getúlio Vargas.

carentes. Sua crença era que a educação era a única arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidão. Sua fama de excelente profissional, no entanto, fez com que lecionasse também para a elite nos Colégio Coração de Jesus, Dias Velho e Catarinense. Se existissem barreiras, lá estaria Antonieta para rompê-las. Sua defesa acirrada pela educação fez com que ocupasse as páginas dos jornais. Além de professora, virou cronista. Não havia outra mulher em

posição semelhante no Estado. Em 23 anos de contribuição à imprensa escreveu mais de mil artigos em oito veículos e criou a revista Vida Ilhoa. De seus opositores nos jornais e nas bancadas, ouviu que “mulheres não deveriam opinar, pois nasceram para servir”, “que a natureza não dá saltos, cada ser deve conservar-se no seu setor, e a finalidade da mulher é ser mãe e ser rainha do lar” e que “não seguisse o exemplo de Anita Garibaldi, uma vagabunda”. Mas aqueles homens brancos da elite oligárquica e política, não a intimidaram. Antonieta era forte, mulher de fibra. Não havia quem tivesse argumentos para calá-la. As calúnias eram rebatidas com intelecto e

• 72 •

destreza nos artigos assinados sob pseudônimo Maria da Ilha. Sua caneta era afrontosa. Escrevia sobre educação, os desmandos políticos e a condição feminina. Dizia que as mulheres não deveriam ser “virgens de ideias”. Em 1937, publicou o livro Farrapos de Ideias. Os lucros da primeira edição foram doados para construção de uma escola para abrigar crianças, filhas de pais internados no leprosário Colônia Santa Tereza. A obra teve outras duas edições. Uma das poucas frustrações da carreira de Antonieta foi não ter cursado o ensino superior. Seu sonho era a Faculdade de Direito, exclusiva para homens. Mas na política ela brilhou, foi eleita novamente em 1947.


carentes e concursos para o magistério, para elevar o ensino público e evitar apadrinhamentos. Antonieta deveria ser uma espécie de Frida Kahlo brasileira. Foi feminista numa sociedade conservadora, negra e mulher numa terra de oligarquias, mestre de centenas de jovens da elite branca que jamais deixaram de reverenciar sua cultura e personalidade. E é a prova que não são apenas as manifestações de raiz açoriana que sustentam a cultura de Florianópolis. “A grandeza da vida, a magnitude da vida, gira em torno da educação”, escreveu em seu livro. Seu nome deveria ser conhecido por cada criança que homenageia seus professores no dia 15 de outubro. Por cada mulher que exerce seu direito ao voto e disputa vagas nas eleições. Por fim, por cada brasileiro que sai às ruas indignado com os preconceitos de cor, classe e gênero.

Desde sua vitória, apenas outras 15 mulheres ocuparam uma cadeira na Assembleia de Santa Catarina. Nenhuma negra. Antonieta ainda não teve herdeira de luta. A primeira grande lei educacional do Brasil foi sancionada por dom Pedro I em 15 de outubro em 1827, um marco para a educação brasileira. A data era comemorada informalmente, mas foi um projeto de Antonieta a lei que criou o Dia do Professor e o feriado escolar nessa data (Lei Nº 145, de 12 de outubro de 1948), em Santa Catarina. A data seria oficializada no país inteiro somente 20 anos 213 ANOS DE depois, em outubro de 1963, pelo presidente da ESCRAVIDÃO: República, João GouA HERANÇA DE lart. Outras leis imporANTONIETA tantes foram concessões de bolsas de cursos superiores para alunos Para percebermos como

• 73 •

Antonieta foi célebre basta entender um pouco do contexto histórico de Santa Catarina, o Estado com maior população dita branca do país. Da primeira expedição de Martim Afonso de Souza, em 1531, até o último navio negreiro que aportou no Rio de Janeiro, em 1856, quatro milhões de africanos foram sequestrados para se tornarem escravos em solo brasileiro. Desterro (Florianópolis), território Guarani, foi povoada em 1675, quando o bandeirante Francisco Dias Velho, vindo da Capitania de São Vicente (São Paulo), se apossou das terras com sua família e uma comitiva de 400 pessoas, a maioria, indígenas e negros escravizados.


Há inegáveis traços africanos na construção da identidade catarinense, mas eles são apagados. A presença negra não é lembrada pela história p o p u l a r, e m b o r a , n o século 19, 20% da população de Desterro tenha sido negra. No mesmo período, no Planalto Serrano, de onde veio Catarina, mãe de Antonieta de Barros, chegava a 50%, de acordo com o livro Negro em Terra de Branco, escrito por Joana Maria Pedro, Ligia de Oliveira Czesnat, Luiz Felipe Falcão, Orivalda Lima e Silva, Paulino Francisco de Jesus Cardoso e Rosângela Miranda Cherem. Segundo o livro, a economia da província não se baseava em latifúndios, mas a presença

negra não era, de modo algum, inexpressiva. O negro escravizado desempenhava funções na pesca de peixes e baleias. Trabalhava com seus senhores nas plantações de arroz e mandioca. Exercia ofícios de sapateiros, pedreiros, marceneiros, ferreiros e soldados. Servia para os cuidados domésticos da elite burocrática e militar. E ainda como lava-pés e cadeirinhas. A resistência à escravidão é bastante documentada do começo a metade do século 19. Da criação de grupos cívicos à fundação de irmandade como a Nossa Senhora do Rosário, que coletava fundos para compras de alforrias. A opressão não era pouca. Negros não p o d i a m s e a g l o m e r a r, “vadiar” pelas ruas, nem cantar e dançar sob pena de 50 chibatadas. No livro Navegadores e Exploradores de Santa Catarina, Roberto

• 74 •

Wildner traz a figura do naturalista Langsdorff. É do cientista o relato cruel sobre o comércio em Desterro, em 1803: “A quantidade de escravos negros de ambos os sexos que se veem aqui é estranha aos olhos desacostumados de um europeu qualquer. Despertou-me revolta especial quando vim pela primeira vez a Nossa Senhora do Desterro e vi um grande número destas criaturas abandonadas, nuas, deitadas frente às portas de ruas laterais e oferecidas à venda. Apenas as regiões púbias estavam cobertas com um velho pano rasgado que após alguns dias eram substituídos por um grosseiro tecido azulado”. Em Florianópolis, a primeira vez que esse tema apareceu no mundo acadêmico foi em 1960, na pesquisa dos jovens sociólogos, à época, Fernando Henrique Cardoso e Otavio Ianni, reeditada como Negros em Floria-


nópolis. Na obra, ficam claro os preconceitos de cor e o quanto Santa Catarina se esforçou para ser a “Europa dentro do Brasil”. Não foi o espírito humanitário que engajou as campanhas abolicionistas. Foi a esperança no branqueamento da população que ansiava pela modernidade econômica. O negro não cabia nesse plano, pois era visto como atraso, um impeditivo aos novos tempos. O resultado da repulsa pelos negros foi que os abolicionistas não lutaram por retratação histórica, nem se preocuparam com o destino de milhares de pessoas após a abolição. Desterro ansiava pela chegada dos europeus, que deixariam a população de pele e olhos

claros e teriam vocação para o trabalho e o progresso. Tinha pressa. Foi a terceira capital da abolição. Jornais da época tinham como principais produtos de beleza, o “Cremme Oriza, para branquear, abrandar e refrescar a pele” e o “Tônico Oriental para cabelos finos como seda”. No entanto, nos portos aos quais chegaram os imigrantes, primeiro os açorianos, depois alemães e italianos, eram os negros que trabalhavam de estivadores. Já no início do século XX, o início da modernização arquitetônica modificou a imagem de Florianópolis. Os casebres dos negros, situados no centro da cidade, foram demolidos. O de Antonieta permaneceu em pé por interferência da família Ramos. Criou-se, então, a lei das tábuas. O governo deu tábuas para os negros com a condição que construíssem suas casas longe da vista. Aí começou a ocupação dos morros. Surgiram as comunidades do Morro da Caixa

D'Água, da Coloninha e do Continente. Em seguida, nasceram clubes como União Recreativa 25 de Dezembro, Brinca Quem Pode, Flor da Mocidade, Flor do Abacate, Tiramão. Houve o florescimento de uma intelectualidade negra, Ildefonso Juvenal da Silva, Trajano Margarida, João Rosa Júnior, Amália Efigênia da Silva, Maria da Rosa Lapa, Demerval Cordeiro dos Santos, Maria Carlita, Dorvalina Machado Coelho e Maria Venânia —professores, jornalistas, poetas, compositores, músicos, oradores da geração de Antonieta—, costumeiramente desdenhados pela elite branca. Antonieta era a exceção. Era aceita pelos brancos. Mas, vale ressaltar que, de 1929 a 1951, escreveu em oito jornais sem nunca ter falado de sua cor. O que não foi impeditivo para ouvir de um colega de bancada parlamentar, o médico Oswaldo Rodrigues Cabral, que ela escrevia “intriga barata de senzala”.

Aline Torres é jornalista, escritora e criadora da Construtores de Memórias, uma agência de narrativas, especializada em transformar lembranças afetivas em livros, reportagens e documentários. Construtores de memórias: https://www.facebook.com/construtoresdememorias/

• 75 •


POESIA

AFONSO ROMANO DE SANT´ANNA A CHAVE, A POESIA Tendo em mente um poema passei dois dias, no entanto, consertando a porta. A porta podia esperar. O poema, não. Entre marteladas e apertos de parafuso vi a poesia afastar-se. Ao fim e ao cabo, estavam consertadas a porta e a fechadura. mas eu não tinha à mão a poesia que é chave pura.

• 76 •


EVENTO POÉTICO

MARCUS VINÍCIUS A POESIA SURDA TEM VOZ

Nossa sociedade é bastante auditiva e não conhece muito a linguagem poética que não seja por meio da palavra e s c r i t a . Te n d o c o m o objetivo engendrar a cena literária de surdos, o festival Arte como respiro - edição poesia surda abriu no dia 10 de

outubro com reflexões sobre empoderamento feminino a partir da estética poética feita por surdos. Ao longo do mês serão distribuídos outros três eixos temáticos como Empoderamento surdo, cotidiano e reflexões Poética. Com apresentação do

• 77 •

poeta, ator e pedagogo Edinho Santos, um dos artistas mais importantes do meio literário não ouvinte, a Edição Poesia Surda será interpretada em língua portuguesa ou visual vernacular, conhecida como libras 3D, recurso artístico e poético próprio das línguas de sinais. No entanto, não há tradução direta, já que neste caso, a imagem equivale ao discurso e apenas as apresentações em libras vão contar com legenda. Para a primeira edição do evento foram contemplados pelo edital Arte como respiro, 35 poetas. No primeiro eixo as obras reunidas dialogam com questões pertinentes à sociedade brasileira e tiveram a participação de 12 poetas. reflexões de temas como liberdade, corpo e gênero se misturam a experiência de mulheres surdas,


ampliando nossas percepções sobre o que significa de fato o conceito de empoderamento, abordando-o de forma plural, com peculiaridades, vivências e experiências de cada um. É o que pretende fazer a professora de libras Andréia Cristina, goiana que sempre lecionou literatura para crianças não ouvintes e se tornou uma referência. “Aqui em Goiás não tínhamos acesso a arte. Lá em São Paulo, a gente tem um fluxo maior com bastante acesso à arte, diz Lima em entrevista realizada por meio de vídeo conferência. Dona de currículo extenso que conta com a participação em festivais, ela relata que passou a compreender o cerne dos elementos poéticos a partir de seu filho, que morou em São Paulo e gostava de literatura. “As metáforas são de cultura ao ouvinte”, sentencia ela, cuja poesia Mãe e Filho Eram Mãos” estará sempre no eixo temático Empoderamento surdo.

temática, com “Língua Está Morta”, o goiano Roberto silvestre conta que o ofício de escrever poesia é comum a qualquer pessoa que deseja fazê-lo. “Essa é uma importante oportunidade de apresentar nossa poesia em nossa língua, afirma. Designer gráfico e proprietário de canal no YouTube onde fala sobre história, ele teve seu primeiro contato com poesia em São Paulo. “Esses tempos de coronavírus são muito difíceis, por isso temos usado outras plataformas e o exercício poético foi se adaptando. O grupo explora obras de poetas que abordam a luta da comunidade surda, por visibilidade, igualdade e direitos. Os

Também fazendo parte do grupo de artistas que integram essa

• 78 •

poemas, interpretado em libras, destacam as diferenças de oportunidade entre a população ouvinte e não ouvinte. Os afetos do cotidiano vêm à tona com apresentações de sete poetas, todas feitas em visual vernáculo, aguçando os sentidos do público ouvinte. Para interpretar, será preciso se aproximar ainda mais da construção de sentido sugerida pelos gestos do poeta em cena. Na última série da edição, com a entrada no site do Itaú, divagações e reflexões políticas são expressas através da poética de oito artistas que transitam entre temas diversos, indo de um mergulho no mar aos assuntos do coração, além de solidões e alegrias.


POESIA

ANNIE GUSTIN BURACO DA FECHADURA

VIDA DE POETA

sol e gelo gota na testa cacho de cabelo olho na fresta pupila brilha verde claro fosforesce... leitores, que me perdoem sou poetisa honesta mas esta poesia, não tem maçaneta.

eu não tenho pai nem mãe. nasci do sorriso de uma criança quando ela se distraiu e olhou pro mar. carrego toda ferida viva como lenha nas costas, para quando eu morrer, poderem dizer que eu realmente senti cada palavra cair da pele e alvorecer― não apenas embelezei estas folhas de papel.

Annie Gustin é uma poeta brasileira que mora nos Estados Unidos. Ela foi professora/ tradutora de línguas durante 20 anos—na Universidade de Yale, no Centro Internacional da Cidade de New Haven, para Berlitz Internacional e a Associação Alumni em São Paulo. Ela tem mais de 70 poemas publicados em jornais e revistas literárias nos Estados Unidos, Brasil, França e Japão. Incluídos entre esses, poemas estilo haicai e tanka, pelos quais já foi premiada em várias ocasiões. Para Annie, ver sua poesia publicada no seu país nativo é sempre motivo de felicidade.

• 79 •


POESIA

LUIZ CARLOS AMORIM ARAUTO COLORIDO

Sem o jacatirão nativo, no verão, sem o manacá-da-serra, o jacatirão de inverno, e sem a quaresmeira, no outono, a mesma flor de árvores irmãs gêmeas, apenas de épocas diferentes,

quem vai confirmar a primavera e anunciar o verão, o Natal e o Ano Novo , o inverno e a Páscoa? Quem me ensinará a ver com a mesma beleza que ainda sou feliz?

Histórias de Natal

por LUIZ CARLOS AMORIM eBook Kindle Gratuito com assinatura ilimitada Kindle

R$ 11,00 para comprar na Amazon Histórias para elevar o seu espírito de Natal. Acesse e compre pelo link: https://amzn.to/3oRqzrM

• 80 •


CRÔNICA

MARIA LEFEVRE A CRIANÇA QUE EXISTE EM VOCÊ A criança que existe em você, no seu âmago, na sua alma, no pen drive da sua existência, seu backup, determina, de certo modo, ou de modo certo, a sua idade biológica, posto que a cronológica é aquela mesma que consta na sua certidão de nascimento. Quanto mais leve e sensual, mais brincalhão e positivo, mais criativo e passional, mais flexível e menos turrão, mais focado

em coisas boas e menos ligado em tragédias, ou mais resiliente, palavra super em moda para quem dá a volta por cima de problemas sérios na vida, mais jovem você será, ao menos mentalmente. É claro que sua criança interior não vai impedir as rugas de aparecerem, nem fazer com que os cabelos embranqueçam ou diminuam de volume, mas para isso, existem o botox, as tintas e colo-

• 81 •

rantes e as perucas e/ou implantes capilares, se for o caso... eu, pessoalmente, acho homens calvos charmosos. As academias de ginástica também auxiliam na manutenção da boa forma, relaxam e ajudam a sua criança a se manifestar, mas a boa forma mental depende dela, muitas vezes esquecida lá no fundo da sua mente e, pior, muitas vezes assassinada por você, ao ceder às pressões, reais, é bem verdade, do dia a dia. Nosso cotidiano é selvagem, cheio de péssimas notícias que nos enfiam goela abaixo diariamente, de doenças que nos aparecem e contra as quais temos que batalhar, de guerras, fome e poluição, dos silêncios e cuidados que temos que ter por causa do politicamente correto, que nos priva da espontaneidade natural da nossa criança, da política nojenta e da corrupção que grassa em nosso país e no mundo que, se Deus quiser (e Ele quer), vai diminuir


(porque acabar, é impossível), da falta de dinheiro e de emprego, etc... Mesmo assim, e apesar de tudo isso, temos que pensar na nossa criança e dar voz a ela que, embora relegada a um nível de menor importância por nós mesmos, nos salva... e como! Uma lembrança das nossas traquinagens, um modo de agir meio infantil, vez em quando, um olhar menos adulto sobre algum assunto pesado, brincadeiras, risos soltos, piadas, beijos inocentes e pueris, conversas sobre nada, bobeiras e sonhos economizam-nos muitos anos biológicos, aliviam o estresse e nos fazem mais felizes, devolvendo-nos brilho ao olhar, um sorriso luminoso, viço à pele, simpatia e, definitivamente, um pouco mais de juventude. Pense

nisso e considere uma D A S U A P R Ó P R I A mudança interior! Resgate MORTE! sua criança, trate-a bem, * Os desenhos usados para mime-a pra valer, dê mais ilustrar este texto são de liberdade a ela e, defi- autoria de minha neta nitivamente, NUNCA A Letícia Lefèvre Daxbacher, DEIXE MORRER ANTES que tinha 9 anos então.

• 82 •


CONTO

LORENA ZAGO A QUEDA CÔMICA! Numa sexta-feira do mês de dezembro, no calor abrasador do sol a pino, Gabriela e seu irmão Rafael decidiram aproveitar a hora da sesta dos pais para aprontar travessuras. Pé por pé, silenciosamente, conduziram-se até o pasto, que ficava atrás dos ranchos dos bovinos e suínos, para buscar o cavalo Baio, encilhá-lo e apostar corrida na estradinha estreita que ladeava o terreno do Sr. Genésio, pai das crianças. Gabriela tinha 9 anos e Rafael, seu irmão, 7. Porém, a pouca idade não limitava as peripécias dos dois. Ela era uma menina magrinha, com vasta cabeleira, geralmente presa por uma ou duas tranças. Ele era um menino de estatura mediana, muito corajoso e valente, quando se tratava em lidar com cavalos. Herdara este dinamismo de seu pai Genésio. Não bastava o cavalo

Baio, novo e xucro. Rafael encilhou também uma égua velha e mansa, de nome Morena, para fazer a aposta de corrida com sua irmã Gabriela. Sem ninguém perceber, os dois peraltas levaram os cavalos encilhados até a porta principal dos ranchos, traçaram uma linha de saída para a corrida, conduziram os animais até lá, montaram-nos e, ao contarem até três, saíram em disparada. Tudo estava a contento. Rafael, o mais experiente em montaria, distanciou-se com moderada rapidez, troteando garboso no

• 83 •

lombo da égua Morena. Mas, aos poucos, foi sentindo falta de sua irmã, que montara o cavalo Baio e não aparecia para comemorar a aposta de ligeireza e capacidade de montaria. Desconfiado, Rafael olhou para traz e nada viu, nem ouviu. Pensou: - Onde estaria Gabriela e o cavalo Baio? Muito astuto, virou-se e foi em busca dos desaparecidos. Ao galopar até próximo dos ranchos, de onde haviam partido, observou pasmo, e rindo descontroladamente, Gabriela, que levantava-se com dificul-


dade e com ar de choro pelo desconforto em todo o seu corpo, porque ao dar saída para a corrida, deu com as esporas nos flancos do cavalo Baio, e este, mais que depressa, saiu em disparada, passando por um limoeiro, que tinha sob sua sombra, uma porção grande de areia. E, ao passar correndo por lá, ela ficou presa num galho dele, por uma de suas tranças. O cavalo, assustado, desviou o caminho, deixando a menina presa pelo cabelo, até o galho do limoeiro quebrar-se, fazendo Gabriela se esborrachar sobre o monte de

areia, ficando lá, até ser encontrada pelo irmão Rafael. Assustada e toda dolorida, ela ergueu-se com a ajuda do irmão. Uma vez de pé, aos prantos, mancando, com parte dos cabelos arrancados e fixos no limoeiro, implorou a seu irmão que chamasse seus pais, para que a socorressem. Quando os pais das crianças souberam do acontecido, socorreram-na e, após uma bronca, e esclarecerem que este tipo de brincadeira podia ser muito perigosa, advertiram que na próxima vez que quisessem galopar,

• 84 •

deveriam pedir ajuda aos adultos e, sob a vigilância deles, poderiam fazê-lo, com precaução e segurança. Deste dia em diante, as crianças andaram muito no lombo dos cavalos, mas sempre acompanhados de adultos, que podiam intervir nos momentos que se fizessem necessários. Galopar era um dos esportes preferidos de Gabriela e seus irmãos Rafael, Roberto, Marina e o pequeno Manoel. E, sob o cuidado de seus pais e avós, estas crianças galoparam felizes, por muitos anos, sobre pradarias e campinas.


POESIA

RITA MARÍLIA CASTIGO Mira teu castigo
 Eu
 Mira meus olhos
 Teus
 Mira minha boca
 Oca
 Mira meu pescoço
 Colosso 
Mira meus seios
 Meios
 Mira minha cintura
 Pura
 Mira minha pele
 Desvele
 Mira meu ventre
 Entre
 Mira! Mira e atira.

OS OLHOS SEUS

Eu sou uma pandorga
 A balançar pelo ar
 E você é o menino
 A me levar a voar Olha, solta, estica, larga
 Corre atrás e torna a puxar
 É assim que você menino
 Faz a pandorga voar Lá longe muito distante
 Olhos atentos aos céus
 Todos olham a pandorga
 Ninguém olha os olhos seus.

Rita Marília é escritora e fotógrafa e assina um blog de prosa, poesia e fotos, em ritamarilia.com.br. Conheça mais sobre a autora, lendo suas crônicas e seus poemas e admirando suas fotos.

• 85 •


CONTO

SÔNIA PILLON UM CONTO EM PRETO E BRANCO Passava da meia-noite e me preparava para dormir. A Rua dos Cinamomos estava vazia naquele fatídico sábado, em janeiro de 1948. Apenas um Hudson vermelho permanecia estacionado no fim da via, iluminada parcialmente por um único poste. Um homem alto e magro, vestindo um elegante terno cinza-chumbo e chapéu preto, caminhava apressadamente, olhando sorrateiramente para os lados. O silêncio noturno foi rompido pelo calçado de couro preto no chão de pedra. A sirene da Polícia começou a ser ouvida ao longe, o que fez o homem se virar para trás, assustado, e começar a correr. Eu assistia toda a cena da janela do quarto, espiando pelo canto da cortina e com o coração aos pulos. A luz estava apagada e isso me protegia do fugitivo, que

se escondeu atrás de uma árvore. A rua estava escura, o rosto dele estava em parte sombreado pelo chapéu, mas deduzo que o homem tinha pouco mais de 30 anos. A sirene se aproximou e o camburão policial entrou na rua. Os policiais olharam rapidamente e, não encontrando ninguém, continuaram a ronda pelas ruas centrais. E quando o som da sirene deixou de ser audível, o homem misterioso saiu lentamente do esconderijo, em meio à penumbra. Foi então que ele olhou mais atentamente para os detalhes da rua e mirou a minha janela. Tremi. - E se ele desconfiar que o espiei o tempo todo?, pensei, apavorada. Mas foi só um instante. Depois vi bem quando ele puxou cuidadosamente um objeto embrulhado em um pano branco, que parecia um lenço. Pelo tamanho, deduzi que possivelmente era um revólver. Vi quando ele se abaixou, levantou a tampa da boca-de-lobo e jogou o objeto lá no fundo. De repente, uma surpresa.

• 86 •

Sempre olhando para todos os lados, o homem se dirigiu ao carro vermelho. Ouço o ronco do motor. Ficou claro que o homem do carro vermelho estava escondido, aguardando o sinal para a fuga. Acompanho o trajeto do veículo com os olhos até sumir de vista. No dia seguinte, ligo o rádio e fico sabendo que uma dançarina havia sido assassinada com sete tiros em frente ao Cabaret Palace, não muito distante dali. O suspeito era um homem magro e alto, que ninguém sabia o nome e fugiu com a arma do crime, sem deixar pistas. “Ao que tudo indica, foi um crime premeditado”, declarou o delegado ao repórter da emissora. Pouco tempo depois, me mudei daquela rua. Nunca mais tive notícias do fugitivo, nem vi mais aquele Hudson vermelho.


LIVROS NOVOS LIVRO SOBRE LIVROS

O escritor catarinense Enéas Athanázio, contista e ensaísta, tem dezenas de livros publicados. Neles publica contos, gênero no qual é um dos principais nomes em Santa Catarina, e também ensaios e resenhas. Ele comenta quase tudo o que lê – e ele lê muito. Divulga a obra tanto de autores brasileiros como de nomes internacionais, mas o seu foco maior é mesmo sobre os escritores do Brasil. Então, nada mais normal do que iniciar uma coleção para falar de livros, coisa que ele fez sempre. E continua fazendo. Dr. Enéas lançou, neste ano de 2020, de pandemia, quando não se está publicando quase nada, os primeiros volumes

da coleção LIVRO SOBRE LIVRO. No terceiro volume, focaliza Autores Catarinenses. Dezenas de escritores de Santa Catarina são resenhados e fico muito feliz de ter merecido a atenção do grande estudioso das letras em 14 páginas

LIVROS NA AMAZON Mais dois livros deste do Natal. E o novo livro que vos escreve estão “O VALE DAS ÁGUAS”, sendo colocados à dis- que terá o lançamento posição na Amazon, a d a v e r s ã o i m p r e s s a exemplo do que já foi assim que essa pandemia feito com “PORTUGAL, acabar, será colocado na MINHA SAUDADE”. Amazon ainda este ano. O livro “HISTÓRIAS Trata-se de crônicas sobre DE NATAL” acaba de a Cidade das Cachoeiras, estrear na plataforma, já Corupá, no norte de Santa que a época é propícia, Catarina e aos pés da pois estamos às portas Serra do Mar.

• 87 •

sobre a minha obra e sobre o meu trabalho mais importante, o Grupo Literário A ILHA, que completou 40 anos de literatura neste ano de 2020. Uma obra monumental sobre livros e escritores, essa coleção Livro Sobre Livro.


Livro novo, breve na Amazon e impresso assim que a pandemia acabar.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.