Revista ESCRITORES DO BRASIL - 7 - fevereiro/2020 - Edições A ILHA - Literatura Brasileira pro mundo

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LITERATURA BRASILEIRA PARA O MUNDO Florianópolis, SC Fevereiro/2020 Número 07 Edições A ILHA Ano 02

BILAC: MESTRE DA ARTE POÉTICA

LITERATURA BRASILEIRA DOS CATARINENSES

MOACYR SCLIAR POR ELE MESMO

JACK MICHEL, A ESCRITORA 2 X 1

WILSON GELBCKE: A FALTA QUE UM GRANDE ESCRITOR FAZ


SUMÁRIO EDITORIAL ................................. 3

FAMÍLIA CAZUMBÁ ................. 40

POESIAR-SE ................................ 4

EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS..................................... 41

WILSON GELBCKE, A FALTA QUE UM GRANDE ESCRITOR FAZ ..... 5

POETA E REALIDADE – III ....... 42

A TRAJETÓRIA ........................... 5

MEMÓRIA ................................. 43

GELBCKE: UM AUTOR PRODUTIVO E TALENTOSO ...... 6

CELESTINO, UM LEITOR ILUSTRE ................................... 44

GELBCKE APRESENTA SEU SANTUÁRIO ................................ 7

POEMA DE NINAR PARA MIM E BRUEGEL ...................... 45

ARTISTA MÚLTIPLO ................. 8

BILAC: MESTRE DA ARTE POÉTICA ................................... 46

COMO E POR QUE ME TORNEI ESCRITOR ................................... 9

POEMAS DE BILAC: ................. 49

ANJOS E DESTINOS .................. 10

LÍNGUA PORTUGUESA ............ 49

SOU MAR, SOU AMOR.............. 11

ORA (DIREIS) OUVIR ESTRELAS! ............................... 49

ACONCHEGO ............................ 12 ENQUANTO O AMOR NÃO CHEGA .............................. 19

SCLIAR POR ELE MESMO ....... 51 SER POETA ............................... 55

“DESMUNDO” – UMA NOVA LÍNGUA? ................................... 20

GUIMARÃES FALA DE SAGARANA ............................... 55

PREFÁCIO ................................. 22

LITERATURA BRASILEIRA DOS CATARINENSES ............... 56

CONVERSANDO COM O POETA DO JACATIRÃO, LUIZ CARLOS AMORIM ................................... 23 NONA BUGRA ........................... 27

SEPARAÇÃO DIÁRIA ................ 58 NOITE ........................................ 59

POR TANTO TEMPO ................. 28

COMO SURGIU “MORTE E VIDA SEVERINA” .................. 59

HÁ SEMPRE .............................. 29

A ESCRITORA 2 EM 1 ............... 60

CLASSIFICADOS CURIOSOS .... 30

PAPATIPARAPAPÁ .................. 61

ALMA SOLITÁRIA .................... 31

SIXTIES..................................... 62

UM ANJO DE LUZ ..................... 32

JACK MICHEL RESPONDE ...... 63

VIVENCIANDO EM BONITO ..... 33

OH, RIO! .................................... 65

LUZES DE TODOS OS DIAS... ... 34

JORGE AMADO EM CORPO INTEIRO .................................... 66

PÂNICO ..................................... 35 A OBRA ..................................... 36 PESSOA NA ORIGEM ............... 37 BALADA DO FALSO POETA ..... 38 AMANTE ................................... 39

ABANDONEI-ME AO VENTO .... 68 O HOMEM DA MONTANHA ..... 69 A PONTE HERCÍLIO LUZ .......... 70 UM SOLO DE PISTÃO ............... 71

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EXPEDIENTE Literatura brasileira para o mundo Edição número 07 – Fevereiro/2020 Publicação das Edições A ILHA Grupo Literário A ILHA Florianópolis, SC Editor: Luiz Carlos Amorim Contato: lcaescritor@gmail.com grupoliterarioailha@yahoo. com.br Grupo Literário A ILHA na Internet: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br Todos os textos são de inteira responsabilidade dos autores que os assinam. Contate com a redação pelos endereços: lcaescritor@gmail.com lcaeditor@bol.com.br Veja a página do GRUPO LITERÁRIO A ILHA – ESCRITORES DO BRASIL no Facebook, com textos literários, informações literárias e culturais e poemas e a edição on line, em e-book, desta revista.

EDITORIAL A REVISTA INTERNACIONAL DA LITERATURA BRASILEIRA A revista ESCRITORES DO BRASIL continua a fazer sucesso, aumentando de tamanho e aumentando a sua popularidade por todo o mundo, divulgando a literatura dos brasileiros internacionalmente. A edição anterior teve mais de cinco mil acessos, até agora, tendo sido lida nos quatro cantos do mundo. É a produção do escritor brasileiro ultrapassano fronteiras, alcançando leitores em todos os lugares. Começamos o ano de 2020 com mais páginas, mais conteúdo, mais literatura. Fazemos uma homenagem ao grande escritor e amigo Wilson Gelbcke, que foi pro andar de cima fazer literatura com Júlio de Queiroz, Quintana e Coralina. Ele foi um dos mais importantes membros do Grupo Literário A ILHA por mais de vinte anos e continuará sendo, através da sua lavra, que continuaremos lendo e divulgando. Trazemos entrevistas com Ana Maria Machado e Moacyr Scliar, dois monstros sagrados da nossa literatura, além de matéria com Olavo Bilac, que não precisa de apresentação, mas é pouco conhecido dos novos leitores. Muita prosa, muita poesia e mais informação literária e cultural nesta edição da revista ESCRITORES DO BRASIL. Começamos, assim, muito bem o ano literário. O Editor Visite o Portal do Grupo Literário A ILHA:

PROSA, POESIA & CIA

em Http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

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POESIA

LUIZ CARLOS AMORIM POESIAR-SE É preciso salvar a beleza que emana da poesia. Há que se matar a indiferença e a insensibilidade que expulsam a poesia de nossa essência. É preciso ser poesia para gritar o que está preso na garganta e sussurrar vida ao pé do ouvido. E a poesia é o brado da alma é a voz da emoção, a cor da razão. Poesia é coração, é sentimento, é a busca do amor, todos os tipos de amor, qualquer tipo de amor… Então, Poesio-me! Poema da antologia POETAS DA ILHA, organizada por Luiz Carlos Amorim e publicada em comemoração dos 48 anos de existência do Grupo A ILHA.

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ESPECIAL

WILSON GELBCKE WILSON GELBCKE, A FALTA QUE UM GRANDE ESCRITOR FAZ Perdemos, recentemente, um dos maiores escritores de Santa Catarina. Ele não nasceu aqui no Estado, mas viveu grande parte da vida dele aqui e produziu quase toda a sua obra em solo catarina. Por quase duas décadas, ele fez parte do Grupo Literário A ILHA e escritores que passaram pela agremiação. Ele foi um dos escritores que sempre prestigiou os seus pares, comparecendo a lançamentos,

A TRAJETÓRIA Wilson Gelbcke nasceu em São Paulo, em 1933, radicando-se em S. Catarina no ano seguinte. No campo da Comunicação, em Curitiba, criou departamentos de propaganda para as empresas Ancora (1953) e Madison (1956), voltando para Joinville em 1962, contratado pela Indústria de Refrigeração Consul (hoje Whirlpool), para gerenciar os departamentos de Propaganda e Comunicação Social. Em 1992, foi para São

Paulo como Assessor de Comunicação Corporativa de todo o Grupo Brasmotor. Fez cursos de Marketing e Planejamento de Produtos, inclusive nos Estados Unidos, pela Whirlpool. E aposentou-se em 1994, passando a se dedicar à literatura e artes plásticas. O primeiro livro de W. Gelbcke foi “A Máscara de Capelle”, em 1997. E não mais parou de escrever romances, livros juvenis, contos, -

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reuniões, eventos literários. Ele nos deixou em quatro de dezembro de 2019, aos 86 anos. Uma grande perda para a literatura de nosso Estado. Mas ele deixa a sua obra, 17 livros que o tornam imortal para todos os seus leitores e todos aqueles que amam literatura. Então, aqui está a homenagem do Grupo Literário A ILHA para um dos grandes escritores que tivemos e continuaremos tendo, pois a sua obra é imortal.


tal de 17 obras. - Romances: A Máscara de Capelle, Vindita do Historiador, A Terceira Moeda, Ás de Ouros no Mundo da Comunicação. - Juvenis: Esses Duendes Tão Míopes, Por um Rio Você Pode Fazer Milagres, Quatro Anjos e Quatro Desti-

nos. Contos e Poemas: Causos de Minha Cidade, Receita Para o Amor. Foi membro da Associação das

Vida, Sangue Suíço...Coração Bra-

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GELBCKE: UM AUTOR PRODUTIVO E TALENTOSO Por Luiz Carlos Amorim Tenho lido bastante, ultimamente. E quando gosto de um autor, procuro ler sempre mais uma obra dele, porque já conheço o estilo e a criatividade e é quase certo, pelo que li até então, que será uma boa leitura. É o caso de Urda Alice Klueger, de Enéas Athanázio, Júlio de Queiroz, por exemplo. De Mário Quintana, de Zola, de Pessoa, também. É o caso de Jorge Amado, a não ser pelo seu primeiro livro. É claro que o autor lido, invariavelmente, será um escritor consagrado, com muitos títulos publicados. Errado. Não é tão claro

assim. Acabo de ler dois livros de um escritor que publicou seu primeiro livro depois dos sessenta anos: Wilson Gelbcke. O primeiro livro dele que eu li foi há algum tempo, quando fui jurado de um concurso de literatura e a obra dele foi premiada. Tratava-se de um livro infanto-juvenil, com o título de “Quatro Anjos – Quatro Destinos”. Uma boa história, contada por quem sabe contar histórias: uma fábula ensinando tudo sobre a reciclagem de lixo para termos um mundo melhor amanhã. A história é excelente, com ótimas personagens – envolvendo, além das crianças, anjos visíveis e

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invisíveis – com fundo educacional muito bem utilizado, não caindo no didatismo chato que afasta o leitor. As boas obras selecionadas no concurso foram uma agradável constatação e me de alguns autores. Então de ter se voltado para a literatura apenas depois de aposentar-se, Wilson já tinha meia dúzia de livros publicados e mais outro tanto pronto para publicar: romances, literatura infanto-juvenil, contos, poemas, E comecei a ler seu segundo romance, um volume alentado, de trezentos e vinte páginas, intitulado “Vindita do Historiador”. Confesso que o título não me atraiu muito, mas sempre defendi que não posso dar opinião sobre uma obra até que eu a leia – na íntegra. Não posso dizer isso ou aquilo de um livro do qual eu só li


orelha, ou só um resumo. E depois de ler as primeiras páginas de “Vindita do Historiador”, não pude parar mais. Só não li de um fôlego só, porque no primeiro dia, lá pelas duas da madrugada o sono bateu. O romance policial tem uma trama muito bem construída, que prende o leitor e cada página traz um motivo a mais para se continuar lendo. Sem contar que parte do cenário de fundo é a história da maior cidade catarinense. Ele tem o quilate de um Don Brown. Então parti para o terceiro

livro, outro infanto-juvenil, “Por um rio você pode fazer milagres”. Aqui também o autor usa personagens interessantes, como bichos falando com crianças, um velho simpático de longas barbas brancas que aparecia e desaparecia como por encanto, para mostrar a todos nós a importância de um rio na vida do ser humano, a necessidade de se preservar a água, já tão escassa e sem a qual o homem não terá futuro. Com a leitura desses três títulos de Wilson, convenci-me de que realmente

o escritor não precisa ser “monstro sagrado” para escrever bem, para fazer boa literatura. E, cá para nós, nem todo “monstro sagrado” é bom. três livros, acabei lendo toda a obra do autor, e valeu a pena. Gelbcke foi um grande romancista e dominava muito bem outros gêneros, um escritor dinâmico e versátil. Um expoente da literatura produzida aqui em Santa Catarina: sua obra permanecerá.

GELBCKE APRESENTA SEU SANTUÁRIO Jouber Castro “Eu acho que vou lutar para as pessoas saberem que devem gostar de ler”, diz o autor de mais de uma dúzia de livros, entre infantis, históricos, um de poemas,

nos convidou para conhecer o seu lugar de criação. Para chegar ao seu escritório, no oitavo andar de um dos prédios ao lado do Shopping Mueller, em Joinville, é necessário pri-

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meiro passar por um corredor estreito, que guarda os livros dispostos em sete grandes prateleiras. Na prateleira restante estão as pastas que guardam as recordações de todas as viagens realizadas com a esposa. Registros que acabam virando documentos de pesquisa. Um dos grandes romances escritos por Wilson, “A terceira moeda”, foi inspirado numa viagem à Grécia. Porém, os maiores tesouros gelbckianos não estão nessas prateleiras. Quebrando à direita no corredor, e entrando na primeira porta à esquerda, está o seu


“santuário”. “Todo mundo precisa de um canto só seu. O meu é esse”. O escritório tem uma bela foto do casal Gelbke andando de bicicleta num jardim florido. O computador está logo abaixo, ao lado de gravador. Atrás da cadeira, num aparador, os livros que escreveu e os que usa para escrever sob uma janela com vista para o estacionamento do shopping. O ouro verdadeiro do santuário está do

lado oposto. No canto, o espaço do Wilson Gelbcke pintor. Sua primeira obra, um grande barco num dia de tempestade, está no alto. Próximo, as tintas, os pincéis, o cavalete e os dois últimos quadros, também com barcos, ainda incompletos. “Eu respeito muito o mar, mas não me pergunte porque eu pinto barcos”. No armário à direita, estão guardados os originais de histórias em quadrinhos

que Wilson ilustrou entre 1946 e 1951, alguns ainda sem texto. Entre eles, uma versão em quadrinhos de “Hamlet”, do inglês William Shakespeare. Esse hobby fez companhia a Gelbcke quando veio com a família de Florianópolis a Joinville, em 1946, até quando foi fazer o 2º grau em contabilidade em Curitiba, no ano de 1951. Lá, começou a montar vitrines e trabalhar com publicidade.

ARTISTA MÚLTIPLO Atualmente aposentado, Wilson escreve e pinta. “Quando eu tinha 60 anos comecei a escrever e pintar. Acho que a gente tem de ter coragem pra fazer as coisas”. Por isso, ele se classifica como “pintor e escritor tardio”. Mas o primeiro livro de Wilson Gelbcke não foi escrito recentemente. A história do homem que fica congelado durante 25 anos e depois retorna à vida foi esboçada ainda na juventude do escritor. Ficou esquecida alguns anos num baú que ganhou da avó e que já foi repassado para a filha. Retomada a história, o autor mudou um pouco o enredo do que acabou

virando “A máscara de mente Jovem”, de 1992. Capelle”, seu primeiro Hoje em dia, Gelbcke escreve histórias como se escrevia antigamente. “A história tem de ter algo de bom, de bem. Tenho de sentir que tem uma razão nas minhas histórias”. E Wilson Gelbcke não abdica do prazer de escrever. “Nada vai substituir o livro. Ele tem essa vantagem: não morre. Temos de arrancá-lo da prateleira e gostar de leitura”. E complementa, com uma r o m a n c e . “ U m t e m p o frase meio batida, mas depois que eu terminei, que serve de lição de teve um filme do Mel vida: “Para ser feliz não Gibson com a história se deve fazer o que se igual a que eu tinha gosta, tem-se de gostar escrito”, conta, referin- do que se faz”. do-se ao filme “Eterna-

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COMO E POR QUE ME TORNEI ESCRITOR Por WILSON GELBCKE Sempre gostei de desenhar e, ainda garoto, já fazia histórias em quadrinhos por puro diletantismo... Criando heróis como Capitão Audaz, Texas King e outros, capri chando nos enredos. A vontade de escrever começou cedo, lá por 1950 aos 17 anos de idade

caminhos em Curitiba, onde aquele curso de desenho muito me ajudou, deixando de lado alguns meses trabalhando como Técnico em Contabilidade e passando a ser vitrinista, dando início a minha carreira publicitária. Foram dez anos me aperfeiçoando em propaganda nas empresas Ancora Comercial e Madison, pro-

e aproveitando os finais de semana, pois naquele tempo em Joinville, o meu dia era para trabalhar e pagar estudos de contabilidade à noite. Enquanto trabalhava, fiz um curso de desenho artístico e comercial por correspondência, onde aprendi anatomia para as artes plásticas e disciplina para os anúncios comerciais. Em 1952 fui buscar novos

curando sempre criar bons anúncios, escritos e desenhados, até ser convidado para voltar a Joinville, em 1962, para gerenciar a área de propaganda e marketing da Indústria de Refrigeração Consul S.A. atual Whirlpool S.A. Já no primeiro ano eu lançava o Informativo Consul mensal, onde a parte redacional era muito exigida e despertando-me para a vontade de escrever,

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de contar, de transmitir ideias, de falar com pessoas através de textos bem elaborados. Para tanto... Importante era ler! Romances de M o r r i s We s t , S i d n e y Sheldon, Agatha Christie, Jorge Amado... E sentia dentro de mim o desafio de escrever também um romance. Anos e anos trabalhando numa empresa e desenvolvendo tecnologia, me levaram a pensar: O que aconteceria ao fechar os olhos e só abri-los após 25 anos? O avanço do design, da moda, dos transportes, da informática, da comunicação... Suficientes para deixar um personagem incrédulo. Era a história que eu queria escrever. O herói da história seria mantido em criogenia e acordaria 25 anos depois. O que ele ganharia? O que perderia? A história precisava de ingredientes e temperos certos como amor, ódio, suspeita... Depois de desenvolver o enredo e criar personagens, cheguei a 110 páginas. Li e reli. Era muita ficção, muita fantasia. Criogenia e voltar a viver? Bobagem... E as


110 páginas foram parar num velho baú de minha avó e lá dormiram por seis longos anos. Um dia, ao procurar uma foto antiga, abri o baú e vi

aquele fardo amarrado de Mel Gibson. A história de papéis. Ali mesmo, sen- alguém colocado numa tado no chão ao lado do urna de criogenia e que baú, voltei a ler o que eu acorda vinte anos depois. havia escrito. Eu não estava totalmente – Você é um idiota – disse errado... Aprendi que era para mim mesmo – A preciso acreditar e lutar história é boa e só está para vencer! faltando o tempero certo. Como escritor tardio, em Por que não termina o que 1997, aos 64 anos de idade, começou? lancei meu primeiro livro E a criogenia foi substi- "A Máscara de Capelle" e tuída por... Leiam o livro! não mais parei de escrever. Surgiram novos perso- Um livro a cada ano, num nagens e o número de total de 17 livros, entre páginas passou de 110 romances, juvenis, poesia para mais de quatrocentas. Depois do livro (Materia feita com a ajuda da Academia Joinvillense "Eternamente Jovem" com de Letras.)

ANJOS E DESTINOS Por Luiz Carlos Amorim Falava eu, em uma crônica recente, sobre o fato de que o gênero que vende mais, nas feiras do livro, é o infantil. E que desta fatia maior de livros infantis vendidos, boa parte é daquelas histórias tradicionais, como Branca de Neve, Cinderela, e tantas outras, publicadas em grandes tiragens, que por não terem direitos autorias, podem ser bem mais baratas. Mencionei que precisávamos comprar mais livros de autores brasileiros, que os temos e dos bons. Se os contos que vêm conquistando

estes ingredientes as suas histórias, impregnando-as, ainda, com lições de vida, moral e educação, sem cair no didatismo insosso que pode fazer a criança perder o interesse. Tivemos, nós brasileiros, e temos, atualmente - um time excelente de bons contadores de histórias, e aí incluo W.

crianças há várias gerações têm magia e encantamento, nossos autores infantis também sabem temperar com

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segurança que ele tem o dom de escrever para esse público exigente que é o infantil e infanto-juvenil, pois já li dois dos três livros do gênero que ele escreveu. Um deles, que não havia sido publicado ainda e agora ganha sua primeira edição, por ser um dos


vencedores do Prêmio Estímulo à Produção, da Fundação Cultural de Joinville, é “Quatro Anjos, Quatro Destinos”. Uma ótima história, uma fábula ensinando tudo sobre a reciclagem de lixo para termos, amanhã, um mundo com recursos naturais que garantam a sobrevivência do ser humano. A história é inteligente, com excelentes personagens –

envolvendo, além de pessoas comuns da comunidade, anjos visíveis e invisíveis – o que são as crianças, senão irmãs gêmeas dos anjos? - com fundo educacional muito bem aproveitado, com objetividade e criatividade. O autor, com sua habilidade de contar ensinando – não seria encantar ensinando? Os leitores que o digam – dá de presente para as crianças

a consciência de que precisamos ajudar a natureza, precisamos respeitar a natureza e preservar os recursos naturais para que o nosso futuro seja possível. Além de ser um bom contador de histórias, Wilson Gelbcke é autor das ilustrações do livro, que enriquecem ainda mais a qualidade do texto. Ele é artista plástico e desenha muito bem, o que favorece a narrativa, já que a ilustração está muito mais integrada à história do que se fosse feita por outra pessoa. E um livro de grande qualidade com esmerada apresentação que atrai a criança e faz novos leitores. Mais um ponto para o artista, que está conquistando, assim, leitores em formação.

Um poema do escritor também poeta:

SOU MAR, SOU AMOR Wilson Gelbcke

Ser gaivota, liberdade e ternura... Contemplo, escuto, me ponho a pensar: Pedra não sou... Gaivota? Por que sonhar? Sou mar! Quando revolto, águas são turvas... Assusto, amedronto, deixo marcas na areia. Depois, arrependido, busco a praia limpar. Quando sereno, águas são cristalinas...

Em sussurro, ondas te faço escutar. Não te assustes, oh praia, se pareço inconstante, não sou águas de rio, que fogem do leito para não mais voltar. Turvas ou cristalinas, minhas águas não fogem... Estão sempre contigo, sou mar, sou amor!

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POESIA

SÓLON SCHIL ACONCHEGO Como as gotas de chuva Que rolam pela vidraça, Vão meus pensamentos Pelo espaço que nos separa, Acumulando-se numa poça de saudade, Mansa, que não machuca, E dá-me a certeza de que te quero. Quero compartir meus dias contigo, Discutir problemas, fazer planos, Ou até ver novelas… E ao deitar, poder ouvir um boa noite, Sem ser o de minha própria voz Ecoando na parede fria. Quero sentir o calor do teu abraço E no teu beijo consumir-me lentamente. Quero perder-me na noite dos teus pelos

Galgar o cimo dos teus seios, Explorar cada curva do teu corpo. Quero sentir tua voz, macia e quente Balbuciando docemente em meu ouvido. Quero afagar teus cabelos E dizer palavras ternas Que só tu mereces ouvir. Quero olhar, atento, dentro dos teus olhos E absorver cada palavra dita por eles. Quero apertar-te contra meu peito E chamar-te de meu amor… Respeito e carinho. Amor é teu rosto, corpo e mãos macias E Deus não fez outro sorriso Igual ao teu…

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ENTREVISTA

ANA MARIA MACHADO infantis a fazer parte da ABL. Saiba um pouco mais sobre a escritora, na entrevista abaixo: Pergunta - Você acha que as crianças gostam mais da linguagem depurada? A Ana Maria Machado nasceu em Santa Tereza, Rio de Janeiro, no dia 24 de dezembro de 1941. Desde criança era apaixonada por histórias que ouvia de seus pais e de sua avó. Quando aprendeu a ler, antes dos cinco anos de idade, tornou-se uma leitora assídua. Depois de formada, Ana Maria Machado passou a lecionar Literatura Brasileira e Teoria Literária. Nessa época, recebeu a encomenda para escrever pequenas histórias para a revista infantil Recreio. Era o começo de sua carreira de escritora. Em 1977, Ana Maria Machado publicou seu primeiro livro infantil “Bento que Bento é o Frade” (nome da brincadeira também conhecida como Boca de Forno). Nesse

mesmo ano, recebeu o Prêmio João de Barro com o livro “História Meio ao Contrário”. Com o sucesso das obras, não parou mais de escrever. Em 1980, deixou o jornalismo e resolveu se dedicar exclusivamente a seus livros. Ana Maria Machado tem mais de cem livros publicados, entre eles nove romances, oito ensaios e especialmente literatura infantil e juvenil. São mais de 20 milhões de exemplares vendidos, publicados em vinte idiomas. Recebeu dezenas de prêmios, entre eles, 3 Jabutis, Machado de Assis e o Hans Christian Andersen. Em 2003, foi eleita para a cadeira nº. 1 da Academia Brasileira de Letras. Presidiu a Academia entre 2012 e 2013, sendo a primeira escritora de livros

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direta? ANA MARIA: Eu acho que elas gostam de um e de outro. Eu, quando escrevo, não me preocupo muito se as crianças vão ou não gostar. O que importa é que eu goste. Eu acho que o importante não é a idade de quem vai ler, é uma coerência interna do texto. Tem textos que pedem para ser contados muito devagarinho, com muita repetição. “Quem lhe disse isso?”, aí o outro diz “quem me disse foi compadre pato, quem disse para o compadre pato foi compadre galo, quem disse para o compadre galo, foi a comadre galinha...”. Você vai repetindo. É um tipo de barato contar assim. Tem um outro que é pontual. Você vai, cutuca e volta.


Quero dizer que cada texto determina a sua própria estrutura e a sua própria linguagem. E a gente tem de se treinar para detectar isso e obedecer a essa regra interna.

ANA MARIA: Ali, outro ali (diz ela, apontando para alguns dos muitos quadros na sala de seu apartamento).

da pesquisa, eu sempre li muito, sempre tive interesses muito variados, eu fui livreira, jornalista, professora e, antes de tudo isso,

diálogo. Mas há muito tempo que não faço expo- a faculdade no meio para sição. Fiz a última em Paris, fazer Letras, mas eu estudei, Pergunta - Parece que você em 1971. fiz vestibular, frequentei. está fazendo muita pesquisa, Então, tenho interesses já que trata de temas da Pergunta - Mas com essa ecléticos. Já escrevi outros nossa cultura. O livro da experiência, porque você livros. Quando me dá essa Companhia das Letrinhas, não ilustra? curiosidade, aí eu pesquiso por exemplo, “Histórias à um pouco. Por exemplo, brasileira”... ANA MARIA: Exatamente para “Abrindo caminho” eu porque eu pinto. Pintar para mim não é contar uma história. É resolver problemas Pergunta - Que estalo deu visuais, me expressar por para você querer concorrer uma linguagem de cor, de a uma vaga na Academia texturas, de transparência, Brasileira de Letras? composição, volume. Não tem narrativa. Mas hoje, ANA MARIA: Eu acho que assumidamente, eu sou uma é uma vontade de participar, pintora de domingo. Pinto é algo natural em quem pouco, muito menos do que escreve. É o mesmo que um eu gostaria. Ultimamente jogador de futebol querer eu tenho mexido mais com entrar para a seleção. É um têmpera. Houve uma fase desembocadouro natural. em que eu usei muita aqua- E eu era muito amiga do ANA MARIA: Não, eu rela. Mas eu volto sempre doutor Evandro. Quem ao óleo. Acho que o óleo acabou me ligando foi Portinari, mas eu já tinha é onde eu me sinto mais minha sobrinha, neta dele. feito o Volpi e um sobre arte segura. Mas não pretendo popular e um sobre Modi- fazer um livro ilustrado, gliani. E eu pinto. Então, ir não tenho vontade. Esse do e voltar da pintura para a Portinari tem algumas ilusescrita é algo que eu faço há trações que são desenhos 35 anos. Eu pinto há mais tempo que escrevo. ela era pequena, que eu misturei, porque eu conto Pergunta - Você tem de a história de uma menina. mostrar os seus quadros... Mas, voltando à questão

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Minha irmã é casada com acho que a Academia está mais do que preparada conviveu muito. Ele várias para receber a literatura vezes me falou que eu infantil brasileira. Porque deveria me candidatar, que é uma literatura de muito ele gostaria muito de me boa qualidade, respeitada ver na Academia. E quando no mundo inteiro, que vive ele morreu eu achei, bom, a ganhando prêmio fora e que hora é agora. ainda não teve na Academia um escritor reconhecido, Pergunta - Dá trabalho, né? primordialmente, por sua obra infantil. Monteiro ANA MARIA: Dá trabalho. Lobato tentou entrar e Mas tem coisas muito inte- não entrou, foi recusado ressantes. A gente chega na Academia. Então essa perto de pessoas muito interessantes. E se não fosse muito forte de que a Acaassim, não conhecia de demia rejeitou a literatura perto. infantil. O que é um pouco injusto, também, na medida Pergunta - Você enfrentou em que vários acadêmicos resistências por ser autora escreveram para criança e de texto infantil? alguns deles têm uma parte muito grande de sua obra ANA MARIA: Não tenho voltada para criança, como muito problema com isso, Viriato Correia, Orígenes porque eu ganhei o prêmio Lessa, se a gente for lá da ABL, há dois anos, pela longe, Olavo Bilac, se a obra de adulto. Então, eu gente olhar em volta, aqui, não tenho de provar na Rachel de Queiroz, Arnaldo Academia que eu também Niskier, Ledo Ivo, Josué escrevo para adultos. Agora, Montello, João Ubaldo... É é claro que existe esse lado ruim citar, porque acabamos do infantil, realmente eu esquecendo... Mas são todos

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autores que têm uma obra infantil aí publicada, estão sendo adotados por colégios. Pergunta - O livro infantil tem um mercado que só cresce. E a Bienal também tem muito essa vocação, de divulgar o livro. Isso é só no Brasil que é assim, grande? ANA MARIA: É só no Brasil. Mas é uma coisa grande, por uma razão simples, porque o principal comprador de livro é o governo, que compra livro para as escolas. Se as editoras brasileiras fossem depender da vontade do leitor brasileiro de entrar numa livraria e comprar um livro — já não estou nem falando do poder aquisitivo do leitor brasileiro, mas, digamos, da classe média, de quem tem um poder aquisitivo, de quem compra roupa e janta fora e, às vezes, num ano inteiro não compra um livro. Se as editoras fossem depender dessas pessoas, já tinham fechado há muito tempo. Se as editoras fossem depender da renovação de acervo de biblioteca para comprar esses livros, como é na Inglaterra, também já teriam fechado. A biblioteca brasileira, pelos mais diferentes motivos, não se constitui num mercado comprador


de livro. Então, na verdade, a partir do momento em que sucessivos governos, em diferentes instâncias — federal, estadual, municipal — têm procurado maciçamente comprar livros, para crianças e jovens das escolas, e que várias empresas têm projetos de compra de livros, é claro que isso desenvolve muito. Ninguém distribui livro para criança de escola como no Brasil. Cada criança de escola pública brasileira, de quarta série, cada uma levou para escola cinco de presente que o governo comprou, num programa que se chama Literatura em Minha Casa. A coisa mais parecida que existe é um programa do México, que foi copiado do Brasil e é um programa para comprar para ter na escola. Mas não é nesse sistema. É maravilho que seja assim no Brasil. Isso é uma chama acesa.

Pergunta - Você acha que banca de jornal e revista. isso tem efeito? E aí as próprias editoras, como a Abril, que editavam ANA MARIA: Eu diria as revistas, perceberam que que o que tem acontecido aquilo estava vendendo bem no Brasil hoje talvez seja e começaram a reunir as hisfruto disso. De você olhar tórias em livros separados e dizer, bom, votamos dife- para vender em banca. Isso rente, pensamos diferente, ainda no começo dos anos exigimos outras coisas, 70. E aí isso desenvolveu compreendemos outras coisas, eu acho que é uma lizou escritor. soma de gente que está lendo há algum tempo e Pergunta - E você já trabachegando na hora de votar. lhou em todas as partes: é Agora, o problema todo é leitora, escritora, já foi proque quando chega na ado- fessora (deu aulas na UFRJ lescência, para-se de ler. e na Sorbonne), foi livreira, Porque professor não lê. O só faltou editar... ANA MARIA: Fui sócia como coisa infantil. Então, da editora Quinteto, mas o no momento, temos um nó meu trabalho lá foi menos aí. A formação do professor editorial e mais de gerente não inclui o convívio com Isso tem de ser reforçado.

três anos, era uma editora feita por autores e ilustraPergunta - Você está mais dores, como a Ruth Rocha. otimista. Você acha que, Eles estavam com prodesde os anos 70, a situação melhorou? eu entrei para dar uma saneada, porque eu já tinha A N A M A R I A : M u i t o , experiência de ser gerente muito. Não acho não, são os números. A Bienal vende mais para criança, etc... Tudo isso. E por que vende mais para criança? Porque as crianças estão lendo mais. Começou antes de ter tanto livro para criança. Começou a partir de histórias em

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sartes. Fiquei três anos na editora e depois a vendemos muito bem, foi um sucesso. Mas eu não lidei tanto com a parte editorial, embora acompanhasse. Pergunta - Hoje, acompanhando o que se produz no país para criança, qual a sua avaliação? Por que parece que é difícil surgir um bom autor novo para criança.

gente se sente atraída para Acho que as editoras nem escrever para um segmento selecionam tanto. Tem lugar tão forte... para todo mundo. O leitor é que deve resolver. Se o ANA MARIA: Aí, você pega o seguinte: 9, 10 temente interessante para anos, são os que estão botar o dinheiro dele ali, vai lendo “Harry Potter”. Não em frente e corra o risco... tem nenhum problema. A gente lê aquilo do que nos Pergunta - Tem muita liteapropriamos. Meu fôlego ratura, hoje, que se faz para dá e pronto. E o escritor não criança e que é dirigida, pode partir disso, ele tem com algum propósito didápartes de várias idades con- tico.... vivendo dentro dele. Eu não sou capaz de dizer de um ANA MARIA: É, isso não livro meu para que idade ele é literatura. É um livro é. Já aconteceu várias vezes didático, tem o seu lugar. de eu entregar e dizer que Eu acho que tem lugar para acho que é para tal idade, e isso. Quando eu falo que a a editora dizer outra coisa... gente tem direito à literatura,

ANA MARIA: Nós só podemos existir porque existiu o Lobato antes. E eu acho que essa nova geração que está aí, está fazendo coisas maravilhosas, porque nós existimos antes. Eu diria assim, de saída, que existem em todas as áreas. Falo do tipo de livro que é tem dois que eu acho maravilhosos: Adriana Falcão e Roger Mello. O livro do Roger sobre o menino do mangue é uma obra-prima. E “Mania de explicação”, da Adriana, eu acho maravilhoso. “Clara Luna” eu acho bom. Mas eu acho que o problema começa quando se acha que é para essa idade ou para aquela. Aí, é um grande risco. Você fazer direcionado... Mas eu não acho que a Adriana vai fazer isso. É um risco para o escritor, para o resultado, para tudo. Pergunta - Mas muita

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ilargável, que você carrega para todo canto, que te faz sonhar, imaginar, faz ver coisas novas. Eu não sou especialista nisso: eu não posso falar disso, porque eu não conheço. Pergunta - Quando você escreve, tem uma preocupação nesse sentido? ANA MARIA: Eu tenho tanta preocupação com isso quanto Garcia Márquez quando escreve. Quanto Machado de Assis quando escrevia. Não é por isso que eu escrevo. Eu escrevo porque eu gosto da linguagem, porque eu sou assombrada por personagens, porque tem umas perguntas na minha cabeça às quais eu tenho de procurar dar vazão.

de escrever para adulto e para criança? Qual é a diferença, já que você é um dos poucos escritores que trabalha nesses dois registros? ANA MARIA: Tem duas ênfases diferentes no retorno. Mas todos os dois são muito emocionantes. O retorno do leitor é o grande prêmio do livro. Eu pelo menos acho. A gente escreve para alguém ler e dizer que leu. O retorno da criança em geral é muito afetivo. É muito bom, porque é muito afetivo. A criança chega perto da gente numa Bienal ou numa escola, e o olhinho brilha.

quando não gosta diz na maior. Adolescente diz logo: “Eu queria que ela tivesse um livro que às vezes causa muita reação, porque eles leem como se fosse a história de um primeiro amor para dar certo, chama-se “Isso ninguém me tira”. E na verdade é a história de um primeiro amor em que a menina cresce mais rápido que o menino, deixa ele para trás e vai cuidar da vida. Elas reagem: “Ela devia ter

“Por que, se era um grande amor, não deu certo?”. Cai no clichê emocional e elas vêm e reclamam. E é ótimo, porque aí discutimos. Os de vir falar com a gente e meninos às vezes não só diz: “Eu gostei”, ou “Eu gostam, porque percebem li”. E faz uma pergunta, um comentário. E é uma coisa de um afetividade muito e o adulto reage de maneira Pergunta - Como é o retorno grande, é muito bom. E maravilhosa. Eu adoro as cartas que eu recebo de adulto e às vezes nem as cartas, os encontros. Porque é uma reação intelectual, racional, verbalizada, mas a partir de um ponto que tocou em uma emoção. E eu acho que é um espaço de falar de certas coisas que nem sempre é fácil de a pessoa falar. Então, o leitor se sente à vontade de falar disso. E é muito emocionante.

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POESIA

MAURA SOARES ENQUANTO O AMOR NÃO CHEGA Enquanto o amor não chega, perco-me em devaneios, leio romances de amores fugidios como o nosso, na ânsia de que algo aconteça. já despetalada, jogada na sarjeta. Tento aspirar seu perfume, mas não me atrevo a juntá-la do chão para não parecer ridículo meu gesto diante da sociedade hipócrita na qual estou inserida. Ninguém, nem mesmo tu, meu amor, saberás o que eu senti naquela hora

no entanto, na clara luz do dia, condenam quem os faz sem pejo, sem remorso? Enquanto o amor não vem, quedo-me a cismar os maiores cismares e revejo neste longo poema o que sinto por ti: a tua ausência a embalar meus dias, os dias de tua ausência.

com a destruição. Faço um contraponto com a nossa situação. a minha angústia ao te esperar Será que ao pisá-la, transeuntes não estariam, sem querer, reprovando o nosso amor? Que sociedade é esta, mesquinha, que entre paredes, protagonizam os atos mais libidinosos e,

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RESENHA

LUIZ CARLOS AMORIM “DESMUNDO” – UMA NOVA LÍNGUA? Pediram-me que lesse “Desmundo”, de Ana Miranda, para que pudéssemos comparar opinões a respeito. Não tinha lido nada da autora, ainda, e a primeira impressão ao apenas folhear o livro não foi das melhores, confesso: páginas, quase todas, com blocos maciços de texto, sem parágrafo, sem nenhum espaço nem à direita, nem à esquerda das páginas. Isso, por si só, já dá ideia de cansaço na leitura. Mas o importante é ler a obra para saber de suas qualidades. Comecei a ler e veio a

confirmação: o romance realmente é cansativo, não só pelos blocos maçudos, compactos de texto, mas pela maneira como foi escrito, quase que sem pontuação e sem diálogos – daí a falta de parágrafos e, consequentemente, de espaços -, com emprego de muitas palavras em desuso nos dias atuais, prejudicando a compreensão. Além disso, a autora tentou – e conseguiu, acho – usar a maneira de falar da época da colonização do Brasil pelos portugueses, isto é: a maneira de falar dos portugueses de séculos

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atrás. E como a narradora é uma das órfãs que o reinado português mandara para o Brasil para casar com os homens que aqui estavam “em pecado”, o modo de falar não poderia ser dos mais cultos. Além da falta de pontuação, os períodos enormes e às vezes desconexos, complicam ainda mais a compreensão. Quanto às palavras novas – ou tão velhas que são desconhecidas, sem nenhum significado para nós, atualmente - precisaríamos de um dicionário aberto durante toda a leitura do livro, o que demandaria um enorme tempo para se conseguir terminar de lê-lo. Seria quase uma tradução. A história, sem dúvida, é boa: é o Brasil de quase cinco séculos atrás visto e sentido por uma mulher, uma portuguesa simples da época – simples, mas forte e densa, uma personagem interessantíssima.


O romance pode ter sido uma experiência linguística, uma pesquisa histórico-linguística para a autora, mas como ela própria afirmou, escrever o livro foi como aprender

uma nova língua durante um ano e meio, tempo que levou para concluir a obra. Mas há que se reconhecer que os leitores não aprenderam essa nova língua para ler o livro, o que o torna cansativo e difícil. Li o livro todo, resisti e não me arrependi, mas não posso garantir que, se não me tivessem pedido para lê-lo, eu não teria desistido. Abaixo, alguns trechos colhidos aleatoriamente das trezentas e tantas páginas de “Desmundo”, para que se possa ter uma pequena ideia de como é o livro: “O físico na fé de suas virtudes esteve um grande espaço tanto confuso,

determinou que nada mais da cozinha tomasse eu, no que passou a purgar com eleição a miserável doença...” “Vai-te d´hi, aramá vas.” “A cidade sem ter divisa de antiguidade, já como que em ruínas, fosse velho o lugar, ficava por trás de umas palmeiras de frutos verdes, tâmaras, parreiras, laranjais em f l o r, n e l a e s p a l h a d o s cheiro de bom odor desvestido e defumado de seu mau fedor, assim como ver de olhos tonteados pelo mar e qual a bebedice do amor e seus pecados e beberagens que embebedam e todas as coisas parecem boas.”

LEIA o Blog CRÔNICA DO DIA Em http://lcamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano, poesia. Todo dia um novo texto: um conto, uma crônica, um artigo, um poema. Leia e comente. Sua opinião é importante para que possamos melhorar o conteúdo. • 21 •


POETAS BRASILEIROS

MÁRIO FAUSTINO PREFÁCIO Quem fez esta manhã, Quem penetrou À noite os labirintos do tesouro, Quem fez esta manhã predestinou Seus temas às paráfrases do touro, A traduções do cisne: fê-la para Abandonar-se a mitos essenciais, Metamorfose alada, onde jamais Se exaure o deus que muda, que transvive. Quem fez esta manhã fê-la por ser Um raio a fecundá-la, não por lívida Ausência sem pecado e fê-la ter ter entre aurora E meio-dia um homem e sua hora.

PESSOA NA ORIGEM Robert Bréchon é um especialista francês em Fernando Pessoa. Ele escreveu um livro chamado "Fernando Pessoa - Estranho Estrangeiro", obra que mais contém informações sobre a fase em que Pessoa viveu em Durban, África do Sul. Baseado em uma pesquisa minuciosa, Bréchon conseguiu resgatar a formação intelectual do escritor português. Vale a pena conhecer mais a fundo as origens de um dos maiores escritores da lusofonia.

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ENTREVISTA

VANIA MOREIRA DINIZ CONVERSANDO COM O POETA DO JACATIRÃO, LUIZ CARLOS AMORIM

Vania Moreira, escritora de Brasília, entrevista o editor da revista ESCRITORES DO BRASIL: VMD – Podemos sentir que você é um grande admirador da poesia enquanto gênero, além de ser poeta. Nos fale um pouco da poesia, do que

registra e torna possível a recriação de sentimentos do poeta que ele não tem como disfarçar. A poesia é a alma do poeta, é a sua essência. Infelizmente os espaços para este gênero são pequenos, tanto no que diz respeito a jornais e revistas, como a publicação por parte das editoras. Mas o público parece estar descobrindo a poesia, com a criação de novos espaços como os varais de poesia, como o Projeto Poesia no Shopping, poesia em out-doors, o Projeto Poesia na Rua, que criamos aqui em SC e já se espalhou pelo país e outras alternativas que existem e estão aparecendo. E como a internet. Depende de nós, poetas, tornar a poesia mais popular.

como é sua relação com ela em um país onde se dá tão pouco valor ao poeta e sua obra. VMD – Luiz Carlos, conte-nos como nasceu o supleAmorim – Poesia, para mim, mento literário “A Ilha” e é emoção, é sentimento. como se deu a migração dele É, talvez, um dos gêneros para o mundo virtual. literários mais difíceis, mas também o mais sincero, pois Amorim – O Grupo Literário

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A ILHA nasceu em 1980 em São Francisco do Sul(SC), da necessidade de se criar espaço para a produção dos escritores locais, que enviavam trabalhos literários para o nosso jornal e não tínhamos espaço para isso. Dois anos depois, em 82, migrou para Joinville e lá permaneceu até 2000, integrando os autores do norte do estado. Em 2000 coincidentemente outra “Ilha”, e aqui estamos, agora integrando escritores do Estado todo, do Brasil e de outros países lusófonos. A


em Salões internacionais do Livro na Europa e em Feiras do Livro em países da América Latina e Portugal e Espanha. VMD – Como o projeto “A Ilha” é custeado? Você conta com patrocinadores? Amorim – Já contamos com país e até em outros países, patrocinadores há bastante como Suiça. tempo atrás, para publicar a revista Suplemento Literário VMD – Você acredita que a A ILHA, por curto período, pré-existência de seu projeto no seu início. Logo em tenha ajudado a torná-lo seguida ela foi publicada conhecido e respeitado? graças à venda de exemplares por parte dos autores Amorim – Acho que o fato que participam de cada de eu publicar meus artigos edição. Como já mencionei e crônicas, além de poemas e acima, não temos e não quecontos em jornais e revistas pelo país e exterior, fez com cial. Atualmente, as revistas que meu trabalho chegasse a do Grupo A ILHA não são leitores bem distantes. Meu mais impressas, são apenas blog, as revistas SUPLE- virtuais, mas tem uma peneMENTO LITERÁRIO A tração muito maior em todo ILHA e ESCRITORES DO o mundo. BRASIL, on-line para todo o mundo, além da publicação VMD – Você é formado em de crônicas, artigos, contos Letras. Foi isso que o levou e poemas em revistas e a escrever? Como você se em cadeias de jornais, os iniciou na literatura? espaços para divulgação de novos escritores, tudo Amorim – Não, acho que junto é que fez com que eu não foi isso, não. Pelo chegasse mais longe e fosse mais conhecido no meio gostava de escrever. Sempre literário. li muito e sempre gostei de Tenho representado a litera- escrever, desde os tempos tura do Estado, Santa Cata- do primeiro grau. Meu pririna e a literatura brasileira meiro prêmio literário foi

Lançamento em Genebra, no Salão Internacional do Livro.

revista Suplemento Literário A ILHA nasceu junto com o grupo e a migração para o mundo virtual deu-se por necessidade de nos adaptarmos a essa nova tecnologia que é a Internet, que torna o nosso trabalho visível e acessível em todo o mundo. Nossas revistas literárias, que eram impressas, agora são on-line. Estamos em http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br . VMD – E como é a sensação de manter por dezenas de anos um trabalho cultural em um país onde cultura é “aperitivo para poucos”? Amorim – É bastante difícil e só é possível pela integração de alguns escritores dedicados. Ainda mais que não nos atrelamos à cultura ratura de encomenda. Mas é muito bom ver o esforço da gente reconhecido, quando vemos nosso exemplo ser seguido em outros pontos do

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Lançamento na Feira do Livro de Lisboa.

um primeiro lugar num concurso de redação, na quinta série, aos treze ou quatorze anos. Depois, com quinze anos, ganhei um prêmio em dinheiro de uma revista em um concurso de contos. Escrever é uma necessidade, acho.

rente literária possa estar se formando com a internet? Amorim - Acho que falar em uma nova corrente talvez seja exagero, mas a grande democracia que há na internet faz com que muita coisa seja mostrada, seja publicada, apesar de nem tudo ser bom. Mas aparece muita coisa boa, também. O importante é a criação de novos espaços para os novos escritores, sem altos custos. VMD - No “Prosa, poesia & Cia”, do Grupo Literário A ILHA, como se dá a divisão de tarefas? Existem colaboradores? Amorim – Eu faço a edição, e seleção do material, contato com os autores convidando a enviarem textos,

VMD – O que acha da proliferação de sites literários? tarefa que gosto de assumir. Acredita que uma nova cor- M u i t a g e n t e c o l a b o r a enviando textos e também divulgando. VMD – Com grande quantidade de livros publicados no Brasil e exterior, como você avalia sua carreira? Amorim – A “carreira” está em andamento, mas fico feliz de conseguir chegar até os leitores através de jornais, revistas, blog, sites, livros. Não consigo, ainda viver da literatura, mas penso que é

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só escrevendo mais e sempre que posso esperar melhorar o que escrevo. Consegui fazer muito, até aqui, e meus quase trinta e tantos livros publicados, mais o trabalho de editor, revisor e jornalista, é que me deram um nome conhecido respeitado. VMD – Acha que a internet facilita essa carreira? O que mudou desde então? Amorim – Acho que pode facilitar, se considerarmos que através da Internet conhecemos muita gente do meio e a remessa de trabalhos para publicação é muito mais fácil, imediata, eu diria. O que mudou, com a Internet, é que sou muito mais lido, pois meus textos podem ser acessados em qualquer parte do mundo. O acesso à nossa produção é muito mais facilitado.


VMD – Qual sua atividade principal? Aquela que lhe traz fonte de renda? Amorim – Fui bancário e professor. Hoje sou aposentado e continuo trabalhando como editor, revisor e jornalista. VMD - Fale um pouco de sua vida pessoal. Como consegue conciliar tantas atividades: agitador cultural, escritor, editor do Suplemento Literário A ILHA e de ESCRITORES DO BRASIL, jornalista, coordenador do Grupo Literário A ILHA, etc?

Posse de Amorim na Academia Sulbrasileira de Letras

19 da Academia Sulbrasileira de Letras é uma honra, uma questão de valorização, de reconhecimento do meu trabalho como escritor.

VMD – Diga-nos qual seus escritores preferidos e Amorim – Gosto de ter porquê. pouco tempo, pois só assim aproveito melhor qualquer Amorim – Gosto muito de instante disponível. Se Coralina e Quintana, porque houver muita folga, a gente são muito autênticos, origivai deixando tudo pra depois nais, sinceros, verdadeiros. e acaba não fazendo nada. Gosto também de Urda Faço um pouco de cada Alice Klueger, romancista da coisa e ainda consigo ter a nossa Santa e bela Catarina, minha vida familiar, ter con- gosto de Júlio de Queiroz, tato com a natureza, assistir um dos maiores poetas e bons filmes, ouvir boa grande contista da literatura música, ler bons livros, etc. brasileira, gosto de Jorge Também faço tai-shi, hidro, Amado, Zola, Camus e estudo inglês e faço aulas de Steinbech. Gosto de Pessoa, dança e de pilates. de Mia Couto e Manoel de Barros. Pergunta: Você é imortal da Academia Sulbrasileira de VMD – O que achou da Letras. O que representa sua nomeação do escritor Paulo eleição para a cadeira 19 Coelho para ocupar uma daquela casa? cadeira da ABL? Amorim – Ocupar a cadeira

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Amorim – Sou suspeito para responder isso, pois nunca consegui ler um livro inteiro desse autor. Porque será que nhas nem sempre tão representativas da literatura brasileira e grandes nomes como Quintana, por exemplo, morreram sem que tivessem conseguido entrar para ela? No mínimo questionável os parâmetros para eleição de candidatos escritores, que nem sempre são tão escritores assim. VMD qual o conselho ou dica que você deixa ao novos autores que surgem a cada dia? Amorim – Meu conselho é ler muito e escrever sempre e se fazer ler, pois escritor não é aquele que escreve ou que tem livro publicado. Escritor é aquele que é lido. E é o leitor que vai nos dizer se o nosso trabalho é bom ou não é.


POESIA

FLÁVIO AUGUSTO ORSI DE CAMARGO NONA BUGRA Amélia, nona bugra de cabelos negros e colo macio, que bom que teria sido se o tropeiro biriva tivesse te encontrado quando te banhavas nas águas do Rio Canoas nas plagas de Urubici. Ou até que tivesse te laçado quando tu corrias pelos campos e com aconchego te levado lá pra Coxilha Rica. A realidade no entanto Esta ave de rapina fez de teus sonhos pesadelos. E neles, por dezenas de luas sempre e sempre: Cães brazinos de

Nos pinheirais, o alarido das gralhas. A procissão de meninas, amarradas e puxadas por sovéus para serem vendidas nas fazendas. dos poucos dos teus que escaparam

O relampejar do facão bugreiro.

até se perderem de mansinho no nevoeiro da serra do Corvo Branco e que deles só restou o rasto ao longo dos rios que um dia foram caminhos e nos paredões soprados pelo vento, lamentos. Que se passou contigo, Nona Bugra? Perdida pelas fazendas,

Estampidos. Gritos de desespero. No balaio, vertente de sangue, orelhas decepadas.

a saudade dos parentes, a língua desconhecida, quantas dores recolhidas no silêncio das madrugadas. Numa de suas andanças

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o tropeiro te encontrou e com muita manha e paciência aos poucos teu coração conquistou. Te levou pra Coxilha Rica e lá plantaram um rancho, e nele em teu colo macio Amélia, hoje eu te escuto no barulho das cachoeiras no silêncio dos descampados e até nas quaresmeiras que enfeitam as encostas da serra. Algo de ti restou em mim. Como explicar não sei só me resta tentar cantar como talvez meus antepassados Xoclengs cantavam.... Aire , Aire Aiure He, he, aire...


POESIA

ELOAH WESTPHALEN NASCHENWENG POR TANTO TEMPO Tomaste-me pelas mãos caminhaste comigo no tempo, por tanto tempo… Juntos, mesmo que a distância teimasse em te deixar levar, abrimos muitas portas e fechamos outras. Nos sonhos, silenciosamente, abastecemos as lacunas que nos acompanhavam. Companheiros, perdidos nas quimeras, entre segredos e doçuras, agasalhados,

captamos o entusiasmo pela vida e neste casulo encantado fomos esboçando a nossa história. O texto não foi escrito, foi vivido apenas. Vivido intensamente nas dobras dos dias e em toda as vias. O sopro do amor, da alma e do espírito com o tempo navegou em trevas revoltas…e se foi. As velhas lembranças despertas na memória sobrevivem ainda intocadas na saudade que deixaste a vagar no sonho adormecido.

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POESIA

ELOAH WESTPHALEN NASCHENWENG HÁ SEMPRE Há sempre o luar perdido, uma luminosidade escondida, um coração disposto a amar. Há sempre uma dor mais forte, um momento inesquecível e um coração amoroso a lembrar. Há sempre um beijo desejado, nunca doado e perdido na travessia do tempo. Um abraço apertado uma saudade louca com gosto de ausência.

Há sempre lágrimas sofridas, sombras e dias de sol, o riso, e muitos sorrisos pairando no ar. Há sempre poesia no olhar São forças caladas, extraviadas, esquecidas… que despertadas, entoam na alma sons de versos

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INFANTO-JUVENIL

ELSE SANT´ANNA BRUM CLASSIFICADOS CURIOSOS Cri-Cró era um grilo muito esperto. Sua cor verde musgo o diferenciava de todos os outros grilos que moravam na Vila Griléria. Esta vila, no início, só tinha grilos como moradores, mas com o tempo foram vindo outros bichos. O nome, no entanto, continuou o mesmo. Cri-Cró havia tido um problema que o tornou muito conhecido na Vila. Ele não conseguia falar cri-cri como os demais grilos. Falava cri-cró daí o seu nome. Entretanto, com o auxílio de uma fonoaudióloga, indicada

pelo doutor Sapão, renosultório de aconselhamento na Vila Griléria, o problema foi resolvido. Um dia Cri-Cró lembrou que, quando foi fazer a consulta com o doutor Sapão, de bichos e, conversando com eles, percebeu que o caso de muitos deles se resolveria com um simples anúncio. Mas, pensou ele, anunciar onde? Como a Vila não contava com nenhum órgão de comunicação, Cri-Cró teve a idéia de fundar um jornal. Chamou alguns amigos que eram jornalistas e em pouco tempo nascia “A CORNETA”, um jornal completo com vários cadernos muito bem elaborados. cados Cri-Cró contratou o macaco Barnabé, criativo jornalista que entendia do assunto como ninguém. Entre anúncios de vendas, compras, trocas e serviços saíam alguns bem interessantes e que chamavam a

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atenção: “Precisa-se de um tatu experiente para cavar uma grande toca. Tratar com dona Onça Pintada, no Taquaral.” “Compro rebolo para amolar bico. Falar com Picapau na peroba grande perto do rio.” Tratar com dona Aranha, debaixo da escadaria ao lado da igreja.” O jornal tinha ótima aceitação e os anunciantes faziam bons negócios. Certo dia foi publicado um anúncio que deixou muitas perguntas nas cabeças dos leitores do jornal. “Vende-se um filhote de chupim. Tratar na Rua do Arvoredo número l0.” Quem estaria vendendo um chupim? Será que os colecionadores de pássaros vão comprar um chupim? Bem cedo ao ler o jornal, Cri-Cró chamou Barnabé para saber quem tinha colocado aquele anúncio. Ele já havia recebido alguns telefonemas e queria esclarecer o assunto. - Foi um tico-tico, senhor


diretor, disse o macaco. Eu até questionei e ele me explicou: - Olhe, quase toda a minha vida eu crio filhos de chupim e os meus próprios filhos morrem de fome. Agora cansei. Se ninguém aparecer para comprar, quem sabe o pai aparece e

eu garanto que vai aparecer muito gato querendo comprar um passarinho para o almoço ou jantar. Cri-Cró sorriu e comentou: -Ah! Se pudéssemos dar um jeito em todos os chupins...! Você sabe que não é só em ninho de tico-tico que aparecem chupins, não é? Dias depois um repórter do

GRANDES POETAS BRASILEIROS

CRUZ E SOUSA ALMA SOLITÁRIA Ó Alma doce e triste e palpitante! que cítaras soluçam solitárias pelas Regiões longínquas, visionárias do teu Sonho secreto e fascinante! quantos silêncios, quantas sombras várias de esferas imortais, imaginárias, falam contigo, ó Alma cativante! que chama acende os teus faróis noturnos e veste os teus mistérios taciturnos dos esplendores do arco de aliança? Por que és assim, melancolicamente, como um arcanjo infante, adolescente, esquecido nos vales da Esperança?!

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jornal trouxe a notícia de que a mãe do chupinzinho tinha ido até o ninho do Ele aproveitou a oportunidade e fez uma reportagem interessante com dona Chupim, mas esta é uma uma outra vez!


CRÔNICA

EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA UM ANJO DE LUZ (Homenagem, ao jovem artista Ramon Struck-In Memoriam) As portas do céu se abriram, hoje dia 07 de julho de 2019, para um anjo de luz receber! Feliz, sorridente, violão abraçado, Ramon, jovem, lindo e inteligente nos emocionava. Amante da música, poeta do violão, compositor das canções que nos embalava nos bares e festas comemorativas, onde mostrava o seu talento desde muito jovem. Futuro planejado, como um mapa traçado passo a passo, sonho de grandes apresenta-

ções em palcos iluminados e famosos. Seus sonhos não eram fantasias; caminhava para o sucesso, aplausos da multidão. Mas, tudo se desintegrou, foi interrompido pelo destino ou por Deus. O sorriso, a alegria, o amor pela vida,

“ Não há medida humana capaz de determinar o tamanho do amor de Deus , mas a fé nos permite vislumbrá-lo .”

no asfalto impiedoso da BR 470... Enquanto seu espírito iluminado caminhava para o céu em forma de anjo. O som do seu violão e sua voz melodiosa, permanecerão no coração daqueles que o conheciam e amavam .

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POESIA

TAMARA ZIMMERMANN FONSECA VIVENCIANDO EM BONITO Foi numa tarde de maio Era um lindo dia de sol Nos encantos da cidade de Bonito Divertíamo-nos como adolescentes. Quatro cinquentões e uma senhora octogenária! Após sairmos das águas cristalinas do rio Formoso Onde nadamos ao lado de milhares de peixes Seguimos a trilha que nos levava Ao esporte radical que seria Descer pelas corredeiras Do rio Formoso Ora sentados, ora deitados, em uma boia Boia-Cross, o nome dado a

nossa nova brincadeira! Mamãe, a octogenária, a mais animada O rio, a boia, as águas, nós quatro e mamãe com seus 80 anos! Como uma jovem de vinte anos, Mamãe se jogou nas águas, Sentou-se na boia e foi seguindo rio abaixo Em meio à natureza Naquele momento, reunidos, Divertindo-nos, aproveitamos Cada minuto dessa aventura louca! Faça como mamãe, Se jogue também, A vida é muito boa, Divirtam-se!

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CRÔNICA

MARIA TERESA FREIRE LUZES DE TODOS OS DIAS... Amanhece. Vagarosamente, vezes buscam suas formas o sol se levanta, espraiando extravagantes ou comuns de diversão. Mergulham indôo universo. Diz à lua: “vai mitos nas águas ondulantes. minha amada, vai descansar, Persistem em vencer ondas agora tomo conta do mundo. fortes e descansam nas Leve meu amor com você, marolas suaves. mas deixe minha luz para Amplio minha visão e consiluminar a escuridão em tato que todos (ou quase que você brilha, única, soli- todos) os seres humanos aproveitam a minha lumia próxima oportunidade de nosidade para laborar com lhe abraçar por inteira e ser eclipsado por você. siasmo. Alguns nem tanto, E, sofrendo, ao vê-la partir, preferem a eterna preguiça minha lua adorada, olho que nada constrói. ao redor e observo pes- Brilho forte e intenso, para soas ativas porque é dia alegria de muitos. Outros claro. Nas areias douradas me preferem brando, apenas aguardam o mar revolto, as a minha claridade. Sou o vagas bravias ou a imen- que sou, dependendo se sidão tranquila, as ondas estou mais perto ou mais suaves. Homens, mulheres longe desse mundo glorioso, e crianças quedam-se indo- inglório. Bondoso, nefasto. lentes sob o meu calor, por Criador, destruidor. Exuberante, deplorável. Competente, negligente. Feito de opostos, de comportamentos antagônicos, de incongruências. Ilumino-o mesmo assim, aqueço, favoreço, todavia não consigo melhorá-lo. Aos poucos vou-me reco-

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lhendo, escondendo-me na escuridão que emerge, trazendo minha amada lua, que inspira amores, paixões; que faz suspirar os solitários, acompanhados; que inspira poesia; que traz um fulgor diferente, uma cintilação anseio por Ela. Todavia, a negra noite nos separa”. Anoitece. Vagarosamente, o sol se põe. Ainda colore nuvens e se abriga por trás de montanhas e se esconde de nossa visão. Lentamente, a lua surge. Seu mistério, suavidade, encanta a todos. Assim, as luzes do mundo se alternam. Sol e lua. Lua e sol. Dia e noite. Noite e dia.


POESIA

JURANDIR SCHMIDT PÂNICO Vejo-me maior a cada instante crescendo, crescendo, provocando tristeza, desolação. Vejo-te gigante no espaço total, devorando seres, espécies. Vejo-te único, senhor do mundo, poderoso, Vejo-te lúgubre, criado pela raça, irmão da gente; arma da gente, veneno da gente, poluição…

A REVISTA MAIS PERENE DO GÊNERO Leia também a revista SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, do Grupo Literário A ILHA, há quarenta anos em circulação no Brasil e no mundo. É a revista que sempre divulgou a literatura dos escritores catarinenses, brasileiros e lusófonos, tanto na versão impressa como na versão digital. É a revista que dá espaço para o autor brasileiro e lusófono, esteja ele onde estiver. São quarenta anos de literatura. Em março, uma nova edição. Leia na página do Grupo Literário A ILHA no Facebook,

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CONTO

FELIPE MELO A OBRA Se cansou aos quarenta e dois anos e foi para o terreiro de casa. Lá jazia uma laranjeira, morta havia pelo menos um ano. Ele vestiu um kimono e foi até ela. Arrancou-lhe os galhos mais depreciados e começou seu trabalho, o mesmo que seria seu destino daquela decisão em diante. Consigo levou um conjunto de pincéis, três para ser mais exato, e uma faca cega. Iniciou sua obra. Passava lentamente a faca por sobre o tronco da velha árvore, que parecia agradecer com um sorriso por ser lembrada após tanto tempo. A cada pequeno corte, alguns minutos de pinceladas para remoção da fuligem. Todo cuidado era

necessário, pois ali estava Mas após alguns meses, escondida a razão da exis- acreditando que por lá nintência daquela constituição guém mais dava as caras, julgaram que o trabalho maior importância para seria perda de tempo, o os demais, posto que seu que deu espaço ao lixo que sumiço sequer fora notado. começou a ser trazido pelos Mas agora, aquele corpo poucos vizinhos, que viam que não pedira para nascer no local um atalho para seus seria lembrado e festejado, despejos. pois a obra de uma vida em Como o lugar fora dado por breve se mostraria naquela abandonado, adolescentes madeira já morta, ou no que buscando por sossego em um dia terá sido tal coisa. eventuais cópulas furtivas - ou por novos estados de seio e tinha muro baixo, o consciência também faziam que atraía para o jardim uso da construção, sem muita sujeira da rua. Alguns imaginar que logo ali no tercarteiros continuaram tra- reiro, logo abaixo daquela zendo correspondências, de sacada suja e lodosa, vivia início, pois a fachada ainda um igual sem tempo para insinuava vida. Contas de vícios humanos. Ali vivia luz, de água, de telefone, alguém que deixaria sua Internet (e outras coisas das marca para e na posteridade. quais ele tinha se cansado). Alimentando-se de plantas que por ali cresciam em liberdade ele continuou a trabalhar incessantemente. Se irritava ao ter que interromper a obra por coisas mundanas como necessidades fisiológicas. Quase não dormia. Estava obcecado em talhar aquela

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madeira e extrair dali o que já esperava para ser libertado desde o surgimento da semente. Talhava com calma monástica, limpava, alisava com os dedos e até com a língua, pois nada além da perfeição seria aceito. E por quatorze anos essa busca se prolongou. E dois dias antes de seu aniversário de cinquenta e seis anos, a obra estava concluída. Sentou-se próximo a ela e observou. Seu organismo não era mais capaz de produzir lágrimas, dada a maneira como fora negligenciado na última década e meia. Ventava e relampeava como nunca se vira. Em estado de contemplação ele se manteve por mais vinte e seis horas, avaliando todos os detalhes da lembrança

que deixaria para as próximas gerações. Sentiu-se orgulhoso por ter materializado, talvez, a maior égide à criatividade humana. Deitou. Adormeceu. Não voltou a se levantar. o cheiro putrefato tomou conta da vizinhança, que após tanto tempo crescera notavelmente. Julgaram todos que por ali era seguro de haver uma ninhada

inteira tendo com a parca. A prefeitura ouviu as reclamações e mandou demolir o local. Um trator adentrou e cumpriu a ordem, colocando tudo abaixo, sem arrependimento. O operador da máquina, ao revirar os escombros, percebeu um toco de madeira com formato estranhamente arredondado. Achou curioso. Colocou tudo na caçamba e foi embora.

SOBRE O AUTOR: Felipe Melo é Engenheiro de Software, Escritor e Baterista. Publicou em 2015, pela Editora Estronho, a novela surrealista Ele Precisava Ir, que vem ganhando ares de obra cult pela temática, formato da narrativa latórios, que vem ganhando projeção ao apresentar situações cotidianas através de uma lente surrealista (http://parlatorios.blogspot.cz). Atualmente reside em Praga, República Tcheca.

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POESIA

ANDRÉ GALVÃO BALADA DO FALSO POETA Nunca escrevi poesia... Insisto apenas em tentar Conectar palavras soltas Que invadem meus dedos Enquanto brigam freneticamente Com as teclas iluminadas Nunca escrevi poesia... Apenas atravesso madrugadas Procurando explicação Para as ideias soltas

Que jogo apressadamente Na maciez insana do papel Nunca escrevi poesia... Na ilógica caminhada irreal Em que trafegam minhas frases Buscando um conectivo ou uma luz Dentro da mais densa escuridão E assim sinto a vida pulsar Dentro de mim.

André Galvão mora em Amargosa-BA. Mestre em Literatura (UEFS) e Doutor em Ciências da Educação (Universidade do Minho/Portugal). Coautor do livro pelo Selo Editorial Letras da Bahia (1998) e do livro , pela Editora CRV (2018). Autor do livro de poemas das Eras, pela Editora Penalux (2018) e do livro , pela Editora UFRB (2018). Participou de antologias literárias no Brasil e em Portugal e escreveu artigos para jornais e revistas no estado da Bahia.

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POESIA

SANDE MORAIS AMANTE Andei buscando um grande amor E um dia te encontrei... Quando percebi que não era um sonho, Eu estava assim: perdidamente apaixonada. E aquele amor que no momento Chamei de aventura, Não foi acaso do destino. O nosso amor estava escrito... O tempo passou! E ainda sinto a mesma emoção Ao tocar você. Quisera eu, ter-te comigo todos os dias. Não queria ter-te apenas por um momento Em cada semana ou em cada mês. Eu queria ter-te na primavera,

No verão, no outono, No inverno, em todas as estações... E em cada amanhecer, em todas as línguas, Poder dizer: "Eu te Amo! Esta frase já tão gasta e comum entre os apaixonados Mas, ainda a mais pura, Quando no dicionário Não encontramos palavras para Expressar um sentimento. Condene-me se for preciso, Mas me deixa respirar Enquanto há vida. E te encontrar toda vez que O amor mandar!

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CRÔNICA

URDA ALICE KLUEGER FAMÍLIA CAZUMBÁ Fico aqui pensando: a vida imita a arte ou a arte imita a vida? Penso num romance que escrevi faz tempo, e que se chama Cruzeiros do Sul, onde acompanho uma família chamada Souza durante três séculos e meio pelas antigas vastidões ermas de Santa Catarina até os tempos mais recentes. Famílias como essa devem ter existido, e garimpei os acontecimentos históricos do estado através de livros

contando a história de Santa Catarina, mesmo que tenha sido a grosso modo. Foi um ato de arte a imitar a vida. E agora leio essa admirável Família Cazumbá (Família Cazumbá – As peculiaridades dos descendentes de africanos nos últimos anos da escravidão e no pós-abolição – Recôncavo da Bahia – c. 1879-2015 – autoria de José Bento Rosa da Silva) e dou-me conta do inverso: a vida também imita a arte, sem dúvida. Bento, que um dia já foi nos altos e baixos por onde meu professor, mergulhou a família andou, acabei na senda que trilha essa família Cazumbá que hoje está, inclusive, nas redes sociais, e a trouxe desde o século XIX, passo a passo pelos caminhos do Brasil, essa gente que conserva um sobrenome africano, coisa tão rara no nosso país. Seu livro é precioso em minúcias e investigações, e de mãos dadas com a família Cazumbá, Bento andou com ela por três séculos, subindo e descendo os tantos caminhos da vida, como uma vez

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imaginários que usavam o nome Souza. Fui ao facebook agora ver mais de perto a família Cazumbá, e ela está lá, com muitas e muitas pessoas, e teria sabido delas se o Bento não tivesse escrito esse livro – vieram-me à mente, então, os tantos personagens dos tantos livros que li, desde a infância, e que se tornaram muito fortes dentro do meu cérebro ou dentro do meu coração. Toda essa gente que me habita, hoje, está viva em mim e comigo, às nas mais inesperadas atividades. Moro numa casa com muitas vidraças luminosas e muita água de cachoeira na torneira, onde lavar louça é algo muito prazeroso, uma pensando durante o trabalho, e como penso, nessas horas, em personagens que existiram ou não no mundo, mas que acabaram chegando até


mim dentro de livros! Eu não saberia delas e não as teria como companheiras, hoje, caso não tivesse lido as suas histórias. Seria uma pessoa bem solitária, creio, não fosse a companhia delas, que sempre estão por perto e sempre me fazem sobre suas épocas e suas histórias, além de trazerem nos seus embornais os aromas daqueles dias em que as conheci dentro de livros, com informações adi-

cionais, como, por exemplo, se era dia de chuva ou dia de recém-abertas flores de laranjeiras, talvez. É bem grande esse círculo de amigos que me acompanha vida afora – agora, por conta do Bento, também a família Cazumbá tem frequentado a minha cozinha de muitas vidraças e muita água de cachoeira, e ao meu redor eles, os Cazumbá, andam e conversam, tanto aqueles lá do século XIX, quanto os jovens que foram

encontrados na internet. Como é bom quando chega nova gente nos velhos anos mágicos que se vive! Parabéns, Bento! A vida imita a arte, sim!

GRANDES POETAS BRASILEIROS

MÁRIO QUINTANA EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS Eu queria trazer-te uns versos muito lindos colhidos no mais íntimo de mim... Suas palavras seriam as mais simples do mundo, porém não sei que luz as iluminaria que teria que fechar teus olhos para as ouvir... Sim! uma luz que viria de dentro delas, como essa que acende inesperadas cores nas lanternas chinesas de papel. Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento da Poesia... como uma pobre lanterna que incendiou!

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POETAS BRASILEIROS

JOSÉ CARLOS CAPINAM POETA E REALIDADE – III Dou ao meu verso usos de clareza de um rio coerente à sua limpeza. Não desvirtuei a cidade que percebi, denunciei o fruto como o recebera. Não me veio pressa ao fazer ou adquirir. em corpo, o que adquiri foi bom, sendo por carência. Antes tive fome e sede, depois o gosto. Como se alternaram os caminhos, preferi aquele que ao mar se prestaria qual raiz de acontecimento. E alguma vez me encontrei perdido. Ante desvio e ponte arruinados surpreendido o verso é grave e pesa, o verso é grave. Mas como tudo, sei, guarda um sentido nenhuma tristeza tenho da realidade.

José Carlos Capinam, mais conhecido como Capinam ou Capinan, é um poeta e músico brasileiro, imortal da Academia de Letras da Bahia.

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POETAS BRASILEIROS

WALY SALOMÃO MEMÓRIA A memória é uma ilha de edição – um qualquer passante diz, em um estilo nonchalant, e imediatamente apaga a tecla e também o sentido do que queria dizer. Esgotado o eu, resta o espanto do mundo não ser levado junto de roldão. Onde e como armazenar a cor de cada instante? Que traço reter da translúcida aurora? Incinerar o lenho seco das amizades esturricadas? O perfume, acaso, daquela rosa desbotada?

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CARTA

CELESTINO SACHET CELESTINO, UM LEITOR ILUSTRE O professor Celestino Sachet é um leitor assíduo das revistas do Grupo Literário A ILHA e dos livros publicados pelas Edições A ILHA. E ele sempre nos escreve cartinhas, de próprio punho, comentando o que leu. A Revista Vento Sul, do Grupo de Poetas Livres, tem até uma seção que publica as cartas do professor, e eu vou plagiar, publicando a última cartinha dele para nós. Não havíamos enviado a ele quase todas as edições das revistas SUPLEMENTO LITERÁRIO A

ILHA e ESCRITORES DO BRASIL do ano passado e mandamos, no final do ano, quase tudo de uma vez. E aqui está a carta-resposta datada de dezembro: “Nestas vésperas festivas de mais um Natal, resolvi meter-me nos livros que espiam diariamente e me questionam, apertados em suas prateleiras: - Quando é que o senhor vai percorrer nossas páginas? Vá correndo, pois na sua idade os tempos correm a 900 quilômetros por hora! Não sei que anjo bom me empurrou até o espaço das prateleiras onde moram os anos de trabalho do Luiz Carlos Amorim. Rapaz, que festival de letras e de artes literárias. Aqui etão as seis edições d e E S C R I TO R E S D O BRASIL, a nova revista do Grupo Literário A ILHA, a mais recente com o Cruz e Sousa na capa, querendo me puxar as orelhas. E tem a anto-

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logia POETAS DA ILHA, com o Júlio de Queiroz – atualmente morando no andar de cima – me questionando quando é que vou publicar meu próximo livro. E, ainda, mais seis diferentes edições do Suplemento Literário A ILHA. E encerrando a coleção, teus livros “A Luz dos Seus Olhos”, “Livro de Natal”, “A Primavera Sempre Volta”. Estive lendo, estou lendo, estarei lendo tudo, pois me recuso ir para o andar de cima antes de terminar a tarefa. Por agora, quero aplaudir com todas as mãos que ainda comando a “ E S C R I TO R E S D O BRASIL”, revista na qual você aplicou uma linha de edição, um método de organização que aplaudo: um elevado número de páginas, como no caso do volume seis, apresenta o nome do autor, a fotografia dele, o título do poema, a composição a seguir e uma ilustração.


Aplaudo sua decisão, pois entendo que mais do que uma biografia, o autor, talvez pouco conhecido, precisa entrar em contato com o texto, para que o leitor mergulhe nele apenas para fruir-lhe a beleza das ideias na originalidade das palavras e

na estrutura da estética. E não na biografia . Claro que, junto aos novatos, você presta homenagem ao Pedro Bandeira, ao Cruz e Sousa, ao Quintana, ao Enéas, à Urda, à Clarice. A tutti quanti! Rapaz, com tua inteli-

gência, teu esforço e teus anos de trabalho, a literatura dos catarinenses está viajandoo dentro de um sol e de um mar de estrelas. Um abraço e mil aplausos do Celestino.

POETAS BRASILEIROS

ROBERTO PIVA POEMA DE NINAR PARA MIM E BRUEGEL Eu te ouço rugir para os documentos e as multidões denunciando tua agonia as enfermeiras desarticuladas

nas desertas ferrovias

A noite vibrava o rosto sobrenatural nos telhados manchados Tua boca engolia o azul Teu equilíbrio se desprendia nas vozes das alucinantes madrugadas Nas boites onde comias pickles e lias Santo Anselmo

As leguminosas lamentavam-se chocando-se contra o vento drogas davam movimentos demais aos olhos Saltimbancos de Picasso conhecendo-te numa viela maldita

nos topos umedecidos dos edifícios nas bebedeiras de xerez sobre os túmulos

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ENSAIO

JOSÉ EMÍLIO M. NETO BILAC: MESTRE DA ARTE POÉTICA Olavo Bilac (1865-1918) é um dos poetas brasileiros que mais sofreram com a dura crítica dos modernistas de 1922 à tradição poética existente antes da Semana de Arte Moderna. Lembre-se da irônica Andrade no ínício do prefácio de seu romance “Serafim Ponte Grande”: “O mal foi ter eu medido o meu avanço sobre o cabresto de duas remotas alimárias – Bilac e Coelho Neto. O erro foi ter corrido na mesma pista inexistente.” A primeira frase do Modernismo consagrou o repúdio veemente à arte parnasiana, considerada o exemplo máximo do tradicionalismo literário e do esteticismo poético. Segundo as vanguardas, o Parnasianismo representava a síntese de todos os equívocos da arte oitocentista. Ainda segundo os modernistas, o Parnasianismo havia afastado a poesia da vida, transformando-a em mero jogo formal com as

palavras. O gosto parnasiano pelas inversões sintáticas (o hipérbato), o vocabulário rico e requintado, a preferência pelos temas clássicos e mitológicos, o

cação, o emprego constante do soneto (forma clássica por excelência) fariam da escola o exemplo acabado do formalismo e do tradicionalismo literário. A crítica modernista procede, pois no início do século 20 as novas condições históricas e sociais, advindas principalmente do primeiro pós-guerra, exigiam outras formas

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de expressão e uma linguagem adequada às novas e traumáticas experiências da vida moderna. É nesse contexto que se encontra a radical e demolidora crítica das vanguardas à toda tradição literária destituída de verdadeira inserção no seu tempo histórico. Com o passar dos anos e o esfriar dos ânimos, é possível olhar com distanciamento e perceber que, se os modernistas da primeira hora tinham razão na sua crítica ao Parnasianismo como forma de expressão poética caduca e decadente, nem por isso o que foi produzido por essa estética está totalmente destituído de valor ou de importância histórica e literária. Olavo Bilac é um bom exemplo desse processo obrigatório de revisão do passado anterior ao Modernismo brasileiro que a passagem dos anos nos impôs. Sua obra é, sem dúvida alguma, uma das mais importantes de toda a lírica nacional.


coisas do mundo.

Profundo conhecedor do idioma, Bilac tem o mais absoluto domínio de todas as possibilidades expressivas da língua e sua mais brilhantes entre nós produzidas. Mestre consumado no domínio da forma clássica, particularmente do soneto, muitos de seus poemas permanecem até hoje como modelo máximo de nosso movimento parnasiano. Além disso, há no conjunto de sua produção momentos poeticamente fascinantes. Por mais que se encontre no autor de “Via Láctea” o culto da forma pela forma” ou l´art pour lárt (a arte pela arte), há nele uma verdadeira sensibilidasde poética que muitas vezes é regida por um impulso romântico – quando não decadentista diante das

As atmosferas de saber “oriental”, marcadas muitas vezes pelo exotismo, são um sintoma dessa tendência. O “orientalilsmo” do poeta se confunde com o seu culto à Antiguidade Greco-Latina e aponta para os tênues limites existentes entre o Parnasianismo e Simbolismo. Um bom exemplo da sensibilidade bilaquiana se encontra na sua lírica amorosa que, ao mesmo tempo em que prima pelo mais absoluto rigor formal, não está destituída da sincera expressão dos estados mais que a experiência amorosa pode produzir. Veja-se o famoso soneto Nell Mezzo del Camin.Nele, a dor da separação dos amantes nição – é tratado ao mesmo tempo de maneira sóbria e intensa. Nada falta e nada sobra. Este equilíbrio entre forma e expressão – várias

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vezes alcançado pelo talento inspirado do poeta – faz com que, para lá das classificações didáticas sempre cômodas e generalizantes, Bilac deva ser considerado, mais do que um poeta parnasiano, um poeta clássico, no sentido mais profundo do termo. Devemos lembrar, ainda, que além de sua importante obra poética e de sua vasta colaboração com a imprensa, principalmente poeta público que abraçou várias causas de caráter nacionalista ou cívico, tais como: a erradicação do analfabetismo, a institucionalização do serviço militar obrigatório e a campanha da vacinação obrigatória contra a varíola, promovida por Oswaldo Cruz no governo do presidente Rodrigues Alves. Aliás, Bilac é o autor da letra do Hino à Bandeira e foi agraciado em 1966 - no início da ditadura milutar -, com o título de patrono do Serviço Militar. Em certo aspecto, considerando-se a época da nomeação, esse desonroso título talvez tenha lhe valido também uma boa e injusta dose de desafeto no imaginário de alguns dos nossos jovens. Não costumava agradar a ideia de servir ou lidar


com uma corporação que, naqueles anos nefastos, representou tão infeliz papel na vida nacional. Para ter uma dimensão do sucesso de público que costumava ter anos antes, é bom lembrar que ele foi eleito em 1913 pela revista Fon-Fon o “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, numa eleição na qual votaram 104 escritores brasileiros. Ao lado desses aspectos da caso que vale a penas citar, pois dimensiona a inserção de Bilac no seu tempo: ele esteve envolvido no primeiro acidente automobilístico registrado no país. O poeta se encontrava ao volante do carro de José do Patrocínio – um dos heróis do movimento abolicionista e o primeiro a possuir auto-

móvel no Rio de Janeiro no início do século 20, quando perdeu a direção e se chocou contra uma árvore. O acidente relatado é sintomático do processo de transformação do Brasil naquele período por nós conhecido como La Belle Èpoque. O Rio de Janeiro, sob o governo do prefeito Pereira Passos, já vivia o espirito do “bota-abaixo”, responsável pela abertura da Avenida Central e pela remodelação urbanística que transformou a velha cidade colonial e imperial na moderna Capital Federal. Remodelação baseada no modelo francês e posto em execução pelo Barão Haussmann em Paris. Momento de mudanças e transformações que marcaram o início da nossa República, da qual Bilac participou intensamente e foi uma das vozes mais importantes. Ele foi, também, um ferrenho admirador e defensor de Santos Dumont e chegou a se envolver nas experiências frustradas de José do Patrocínio com balões. Sobre sua vida amorosa, circulam insinuações jamais comprovadas de homossexualismo e necrografos registram sempre suas infelizes relações com

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Amélia Mariano de Oliveira, irmã de Alberto de Oliveira, poeta parnasiano e grande amigo de Bilac. Ele e Amélila chegaram a mais velho era contrário ao casamento, em função da vida boêmia que o poeta levava. O casamento nunca se realizou e, mesmo após a morte do poeta, Amélia jamais se casou. Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac é o nome completo do poeta e, se de sílabas poéticas aí presentes é 12. Ou seja, o nome completo do poeta é um verso alexandrino (dodecassílabo): um dos mais clássicos e eruditos metros da língua. Bilac: alexandrino no nome, clássico na poesia e brasileiro na alma.


POEMAS DE BILAC: LÍNGUA PORTUGUESA

ORA (DIREIS) OUVIR ESTRELAS!

Olavo Bilac

Olavo Bilac

a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela…

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto …

Amo-te assim, desconhecida e obscura, Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amote, ó rude e doloroso idioma,

E conversamos toda a noite, enquanto A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para

Em que da voz materna ouvi: “meu no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

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ENTREVISTA

MOACYR SCLIAR

Moacyr Jaime Scliar nasceu em Porto Alegre, em 23 de março de 1937. Moacyr passou a maior parte da infância no Bom Fim, o bairro porto-alegrense onde se instalou a maioria dos judeus que escolheram a capital do Estado para morar. Foi alfabetizado pela mãe, que era professora primária. A partir de 1943, cursa a Escola de Educação e Cultura, conhecida como Colégio Lídiche. Em 1948, transferiu-se para o Colégio Marista Rosário, concluindo o ensino médio. Em 1962, após se formar pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciou sua vida como médico, fazendo residência médica.

Especializou-se no campo da saúde pública como médico sanitarista. Iniciou os trabalhos nessa área em 1969. Em 1970 frequentou curso de pós-graduação em medicina em Israel. Posteriormente, tornou-se doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública. Foi professor da disciplina de medicina e comunidade do curso de medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Scliar faleceu em 27 de fevereiro de 2011, em Porto Alegre. O autor publicou mais de setenta e quatro livros. Seu estilo leve e irônico lhe garantiu um público bastante amplo de leitores, e

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em 2003 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tendo recebido antes uma grande quantidade de prêmios literários como o Jabuti (1988, 1993 e 2009), o Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) (1989) e o Casa de las Américas (1989). Suas obras frequentemente abordam a imigração judaica no Brasil, mas também tratam de temas como o socialismo, a medicina (área de sua formação), a vida de classe média e vários outros assuntos. O autor já teve obras suas traduzidas para doze idiomas. Em 2002 se envolveu


em uma polêmica com o escritor canadense Yann Martel, cujo famoso romance A Vida de Pi, vencedor do prêmio Man Booker, foi acusado de ser um plágio da sua novela Max e os felinos. O escritor gaúcho, no entanto, diz que a mídia extrapolou ao tratar do caso, e que ele nunca

teve o intuito de processar o escritor canadense. Entre suas obras mais importantes estão os seus contos e os romances O ciclo das águas, A estranha nação de Rafael Mendes, O exército de um homem só e O centauro no jardim, este último incluído na lista dos 100 melhores livros

de temática judaica dos últimos 200 anos, feita pelo National Yiddish Book Center nos Estados Unidos. Foi o sétimo ocupante da cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras. Foi eleito em 31 de julho de 2003 e recebido em 22 de outubro de 2003 pelo acadêmico Carlos Nejar.

SCLIAR POR ELE MESMO

Em 73 anos de vida, Moacyr Scliar escreveu mais de 70 livros. Foi da prosa à poesia, transitando por quase todos os gêneros, com a mesma versatilidade. Embrenhou-se na difícil tarefa de escrever para crianças e adolescentes. Apurou seu senso narrativo e de síntese nas obrigações dos espaços limitados de um jornal, com as crônicas que escrevia para a Folha de São Paulo e Zero Hora, entre outros. Publicou “Os Deuses de Raquel” – 1974, sua única incursão na poesia.

resposta seja que esse autor é um narrador por excelência, ou seja, um exímio contador de estórias e da História. Esse talento se originou na infância, ouvindo seus pais contarem as narrativas de Monteiro Lobato e de Hans Christian Andersen. Crescer no ambiente familiar judaico também foi essencial para muitos dos temas religiosos desenvolvidos pelo escritor, como em “A Mulher que Escreveu a Bíblia”, pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti de melhor romance de 2000, e em “Os Vendilhões do Templo”, que ele mesmo considera seu livro mais complicado, que levou 13 anos para ser concluído.

A difícil tarefa de dominar tantos gêneros literários foi realizada com maestria por esse escritor gaúcho em mais de cinco décadas dedicadas à Literatura e à Medicina. Como muitos já sabem, Moacyr Scliar também é médico sanitarista e se valeu da experiência em asilos e hospitais mais pobres como fonte inesgotável de sua Membro da Academia narrativa. Brasileira de Letras desde 2003, sua eleição foi unano bom sentido do termo, nimidade entre os gaúchos, ainda mais como resposta palavras? Talvez a melhor à decisão da Academia em

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preterir o poeta gaúcho dois elementos forjaram o Mario Quintana no início escritor Moacyr Scliar? dos anos 90. Mas isso não Moacyr Scliar – A Medicina bairrista na escrita. Pelo representa um verdadeiro contrário, sua literatura nada mergulho na condição tem de regional, alcançando humana, porque na doença, o universal de forma simples sobretudo na doença grave, e poética. Para falar sobre caem todas as máscaras. sua produção, nada melhor A pessoa se revela como do que ele mesmo, em é. Médicos e escritores uma entrevista concedida a valorizam a palavra; os priSérgio Vale em 2007: meiros como instrumento Pergunta - O senhor teve de diagnósticos e terapia; os uma infância lúdica, ima- segundos como ferramenta ginativa, com presença dos estética. E a Saúde Pública, seus pais como narradores a qual me dediquei, foi uma inventivos. A infância foi porta para a realidade brafundamental para desen- sileira. Quanto à tradição volver sua escrita? judaico-cristã, ela se baseia na Bíblia, que é uma esplênMoacyr Scliar – Foi, por dida colectânea de narrativas várias razões. Em primeiro (mesmo para o leitor não-relugar, pelo bairro onde nasci ligioso, como o meu caso) e me criei, o Bom Fim de e uma vivência emocional Porto Alegre, um lugar de transcendental. intensa vivência comunitária, onde as pessoas (imigrantes, Pergunta – Ainda sobre esses em geral) se reuniam para dois elementos, o senhor contar suas histórias. Depois, acha que os trata de maneira diferente, hoje, do que fazia mestre na arte de narrar no começo da carreira, sua histórias, e de minha mãe, professora e grande leitora. E por último, a imaginação infantil, no meu caso, sempre funcionando a todo vapor. Pergunta – A Medicina e a tradição judaico-cristã costumam formar as bases de sua literatura. Como esses

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visão sobre esses dois temas mudou ao longo da vida? Moacyr Scliar – Sim, fui mudando ao longo de minha vida e acho que hoje abordo estas temáticas de forma mais madura. Mas ainda não as esgotei. Ainda falta muito para dizer a respeito… Pergunta – Na sua juventude, o senhor sentia a necessidade de fazer uma literatura engajada. Esse engajamento ainda é forte na sua escrita? Moacyr Scliar – É forte, mas é diferente. Não está mais atrelado à ideologias e sim a princípios gerais, como a necessidade de combater a desigualdade e a injustiça social. Pergunta – Tendo praticado quase todos os gêneros liteuma preferência pelo conto ou pelo romance? Moacyr Scliar – Gosto de


ambos os gêneros, mas dos índios. Mas o Brasil ainda acho que o conto também soube reagir contra essa melancolia; o futebol e É mais difícil escrever um o carnaval são provas disso. bom conto do que um bom Acabaremos superando essa romance. Este pode ter penosa herança. partes melhores e partes piores; será avaliado pelo Pergunta – Num mundo em conjunto. O conto, não: que o visual tem tomado o nasce bom ou nasce ruim e, lugar da escrita, como fazer neste último caso, na minha um aluno do Ensino Fundaexperiência, não tem con- mental até o Ensino Médio serto… ter interesse pela palavra? Que obras poderiam instigar Pergunta – Em “Os Contistas”, o senhor brinca com o desprezo que certos editores nutrem por esse gênero. O senhor acha que ainda pelos editores como forma literária menor?

Moacyr Scliar – Na infância, Monteiro Lobato. Na juventude, Érico Veríssimo e Jorge Amado. Depois, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Clarice Lispector, Graciliano Ramos… Pergunta – Clarice Lispector costumava jogar livros inteiros fora por causa de uma crítica negativa de um amigo. Como é seu processo de escrita? As leituras de pessoas próximas já tiveram força para mudar os rumos de suas narrativas? Moacyr Scliar – Sim, também já joguei fora textos por causa de críticas negativas. Hoje em

Moacyr Scliar – Sim, ainda existe uma prevenção em relação ao conto. Os editores relutam em arriscar nesse género. Pergunta – Num de seus livros não-ficcionais, “Saturno nos Trópicos”, o senhor trata da melancolia camente, como ela foi abordada no Brasil. O senhor acha que, no fundo, os brasileiros são melancólicos?

Pergunta – Quais escritores foram fundamentais para sua formação?

a leitura para esse adolescente?

crítico interior que todos temos. Ao escrever, parto de uma ideia que pode ter sido gerada por uma notícia de jornal, um episódio histórico, uma história que me contaram, um trecho da Bíblia ou vinda da imaginação; procuro, então, construir a história de acordo com a lógica dos próprios personagens. Escrevo e reescrevo muito e, não raro,

Moacyr Scliar – A regra básica é: não forçar. Indicar obras cuja temática esteja ligada à experiência jovem, mas deixar que o jovem escolha. A casa da literaMoacyr Scliar – Sim, o tura tem muitas portas; não Brasil é a soma histórica importa por onde se entra, da melancolia dos portu- importa entrar. uma forma satisfatória. gueses, dos escravos negros,

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Pergunta – Gostaria que o senhor falasse um pouco da polêmica do livro do canadense Yann Martel, “The Life of Pi”, a quem se acusa ter plagiado seu romance de 1981, “Max e os Felinos”. Moacyr Scliar – Foi assim: em 2002 Martel, até então um escritor pouco conhecido, ganhou o prêmio literário mais importante da Língua Inglesa, o Booker Prize, com “The Life of Pi” (A Vida de Pi). À ocasião, vários críticos o acusaram de plágio, já que o mote do livro, um náufrago que se salva junto com animais selvagens, é o mesmo de meu livro “Max e os Felinos”, traduzido para o inglês sob o título de “Max and the Cats”. Recebi várias sugestões e mesmo convites de advogados para processar o autor. Mas não levei o caso adiante. Não havia consenso quanto à existência de plágio: havia uma cópia da ideia, mas não uma cópia literal, uma transcrição pura e simples de texto. Aproveitar ideias é coisa que ocorre em Literatura e, se Martel tivesse me comunicado que pretendia escrever a sua versão da história, eu teria concordado. Mas ele não fez isso. Pior, disse que nunca havia lido “Max e os Felinos” e que, do livro,

conhecia apenas uma breve sinopse, feita, segundo ele, por um resenhista estadunidense, que classificava “Max and the Cats” como obra menor. Tal resenha nunca apareceu. Martel corrigiu-se, em parte, mencionando no prefácio de seu livro a sua gratidão a meu trabalho. Essa admissão, aliada a minha escassa vontade de promover uma ação que eu desse o incidente por encerrado. Escrita à época da ditadura militar, “Max e os Felinos” é uma alusão ao clima político então reinante naquela fase. O jaguar parece-me um claro símbolo do autoritarismo. Mas outros componentes faziam parte da conjuntura: a ideia da supremacia da economia de mercado, da concorrência como forma de alcançar a

Tropicais” para o cinema? ao meu livro e tem uma bela reconstituição daquela época. Pergunta – Dos seus mais de 70 livros, qual foi o mais complicado para escrever? Tem algum predileto? Moacyr Scliar – O mais complicado foi “Os Vendilhões do Templo”, que levei 13 anos para concluir. E gosto muito de “O Centauro no Jardim”. Pergunta – Em alguns de seus textos, o senhor fez críticas ao funcionamento do sistema econômico como perpetuador de injustiças contra os indivíduos. Ainda pensa assim?

parecia apenas um ténue Moacyr Scliar – Sim, ainda disfarce para a introdução penso que o sistema em do darwinismo social. que vivemos é injusto. Mas acho que buscar soluções Pergunta – O que achou da para isso demanda racionaadaptação do livro “Sonhos lidade e maturidade.

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POESIA

FÁBIO CARDOSO SER POETA Eu sei que, às vezes, Sonho muito. Tropeço no sono. E que quando acordo, Não fujo do engano. A amargura me faz pensar E esboçar o sentimento todo De uma época viva… Também, pudera, Sou poeta…

GUIMARÃES FALA DE SAGARANA Na década de 1950, a ext “Os Arquivos Implacáveis de João Condé”. O titular da coluna foi um dos pioneiros do jornalismo cultural no Brasil. É justamente em carta de 1946, ao Condé, que o grande Guimarães Rosa registra as circunstâncias em que escreveu seu livro de estreia em prosa, “Sagarana”: “O livro foi escrito quase todo na cama, a lápis, em cadernos de cem folhas, em sete meses; sete meses de exaltação, de deslumbramento. Depois, repousou durante sete lucidez. Lá por novembro, contratei com uma datilógrafa a passagem a limpo. E a 31 de dezembro de 1937, entreguei o original na Livraria José Olímpio. O título escolhido era “Sezão”, mas para melhor resguardar o anonimato, pespeguei no catapácio, à última hora, este rótulo simples: “Contos”, título provisório, a ser substituído por Viator. Porque eu ia ter de começar longas viagens, logo em seguida. Por ora, Condé, aqui está o que eu pude relembrar acerca do Sagarana. Se você quiser, eu poderei contar, mais tarde, num exemplar da segunda edição,algumas passagens históricas , ocorridas entre o dia 31 de dezembro de 1937 e a data em que o livro foi entregue à Editora Universal. Serve?”

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RESENHA

LUIZ CARLOS AMORIM LITERATURA BRASILEIRA DOS CATARINENSES

Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completa 40 anos em 2020. Http://lcamorim. blogspot.com.br – http:// www.prosapoesiaecia.xpg. com.br Depois da obra A LITERATURA DOS CATARINENSES – Espaços e caminhos de uma

identidade, de Celestino Sachet, um amplo painel da literatura produzida por catarinenses, em 2012, o autor lança, agora, em 2020, em parceria com seu irmão Sérgio Sachet, a coleção LITERATURA DOS CATARINENSES, em quatro volumes. O Livro 1 e o livro 2, tratam do tema RAÍZES DE UMA IDENTIDADE. O Livro 3 e o Livro 4 tratam do tema HISTORIOGRAFIA E PÓS-LITERATURA.

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Celestino é um estudioso da literatura praticada pelos catarinenses, respeitado e admirado por estar sempre atento ao que está sendo produzido e publicado. Sua constante atualização na leitura de tudo o que vai sendo publicado no Estado o elege a maior autoridade no assunto. É um trabalho de pesquisa minucioso e constante, que serve de pesquisa, de divulgação e de sugestão de leitura. Se quisermos saber quem está escrevendo ou escreveu em Santa Catarina, o que escreveu e o que foi publicado, precisamos ler a obra de Celestino Sachet. Então o nosso professor Celestino Sachet pega a sua obra anterior e a amplia, nos brindando com uma coleção de quatro volumes sobre a literatura dos catarinenses. Ele e seu irmão, Sergio, “um estudioso da história e da economia da gente catarinense, a quem coube destacar


como essas realidades contribuíram para consolidar uma literatura que não é do Estado: é DOS CATARINENSES.” A Celestino coube, é claro, especialista em Literatura Catarinense que é, a análise e a redação dos textos. Conforme a apresentação do primeiro volume, “os autores Celestino e Sérgio Sachet estão de dedicando a essa obra desde 2005. São 14 anos de trabalhos conjuntos envolvendo

que formam a nossa Santa Catarina.” Ta m b é m n a a p r e s e n tação, a razão porque a coleção de quatro livros se chama “Literatura dos Catarinenses”: “sendo um entidade única, dentro do contexto brasileiro, a

apreciação das obras de cada autor listado em cada um dos volumes, até a análise das diferentes escolas literárias e a pesquisa da Economia, da História e do Modo de Ser de cada um dos grupos étnicos

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literatura produzida entre nós também é única. E – importante – ela não é estadual, ela não se considera catarinense. Não sendo catarinense, ela é dos diferentes povos que movimentam a vida cultural de Santa Catarina. Daí, a adequação do nome: L I T E R AT U R A D O S CATARINENSES.” É uma obra de referência, é um estudo riquissimo e completo para que conheçamos a produção literária dos escritores nativos ou que vivem em Santa Catarina. O trabalho do professor Celestino, em parceria com seu irmão, Sérgio, revela-se cada vez mais importante para a cultura de Santa Catarina, para se conhecer dentro e fora do Estado as letras que produzimos.


POESIA

LUIZ ANTONIO GOMES SEPARAÇÃO DIÁRIA Quanta alegria inconsciente meus olhos provam, ao desabrochar tua presença, nas esquinas da manhã. Em meu peito, coração batuqueiro, despojando o sono profundo, desperta sobressaltado. Saindo do ritmo, coração moleque, bate descompassado quase perdendo o tom. Como bálsamo, tua presença Enche o ar de novos alentos. Já quase nos tocamos entre olhares dispersos e vadios. As preocupações comuns se fazem presentes com palavras cortadas ao meio. nos leva à labuta diária. Um discreto bom dia marca indelével presença, ora num olhar mais denso, ora num pequeno beijo e o sorriso se perde na breve separação de todos os dias.

Poema da antologia FIM DE NOITE, organizada pelo poeta e radialista Sólon Schil, que comandava o programa radiofônico do mesmo nome, de onde foram selecionados os autores

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POESIA

GLADES MACHADO NOITE Escuridão que me domina, me enfraquece, solidão que chega e o meu ser padece. A noite cai, cai como que sobre mim levando-me a uma batalha O canto já não encanta e quem toma conta de mim é o desencanto. A mata já não é vegetação, o verde agora é escuridão. A luz não brilha,

vou atrás do vulto, seguindo a trilha. O homem animal torna-se completamente irracional. A lua berrante traz o uivo ainda distante. A tristeza maldita que minha cabeça ocupa já não é controlável. A vida, por sua culpa, tornou-se eternamente melancolia. Eternamente desilusão, eternamente uma noite sem perdão…

COMO SURGIU “MORTE E VIDA SEVERINA” A dramaturga mineira Maria Clara Machado, autora de uma celebrada obra dirigida ao público infanto-juvenil, encomendou a João Cabral de Melo Neto uma peça. O poeta escreveu, entre 1954 e 1955, nada menos que “Morte e Vida Severina” – trabalho, aliás, que ele nunca apreciou. Maria Clara era diretora do grupo de texto saiu discretamente no livro “Duas Àguas” e somente dez longos anos depois Paulo, o Tuca. A música era de um jovem de 22 anos, à época, Chico Buarque de Holanda, que enveredava cada vez mais pelos caminhos da poesia e da música popular brasileira. O resto já sabemos: a peça correu continentes em inúmeras montagens, ganhou vários prêmios e agora é eterna.

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CAPA

JACK MICHEL A ESCRITORA 2 EM 1 JackMichel é o primeiro grupo literário composto por duas escritoras: Jaqueline e Micheline Ramos. São irmãs e nasceram em Belém – PA (Brasil). O tema de sua obra é variado,visto que têm livros escritos nos gêneros ficção, poesia, romance, fábula e conto de fadas. Publicações: Arco-Jesus-Íris (Chiado Editora), LSD Lua, 1 Anjo MacDermot, Sorvete de Pizza Mentolado x Torpedo Tomate, Ovo e Fadastafadasbumplel (Drago Editorial), Sixties e Tim O Menino do Mundo de Lata (Helvetia Edições), Anotações Da Lagarta Papinha, O Príncipe Milho e Fabulário JackMichel (Editora Leia Livros), Papatiparapapá e Lobistratusdilapirulobis (Editora Illuminare). É associada em ACIMA (Associazione Culturale Internazionale Mandala), LITERARTE (Associação Internacional de Escritores e Artistas), AMCL (Academia Mundial de Cultura e Literatura), UBE (União Brasileira de Escritores)

e Movimiento Poetas del Mundo. Seus contos e poemas constam em antologias internacionais bilíngues. Também foi destaque em

e no II Concurso Cultive de Literatura “Prix Cultive de Littérature”. Conquistou o Prêmio Talentos Helvéticos-Brasileiros IV, o 3º lugar

diversos jornais e revistas de literatura, artes e cultura. Participou de salões literários na Europa e no Brasil. Recebeu Menção Honrosa no Concurso da Coletânea Literária Internacional em Prosa & Verso “Conexão México” – Sem Fronteiras pelo Mundo... “Conectando Mentes & Cultura ACIMA de Tudo!”, no Prêmio de Excelência Literária “Troféu Corujão das Letras”

no Concurso Cultive de Literatura “Prix ALALS de Littérature” e no I concurso literário da Casa Brasil Liechtenstein e o 1° lugar no II Festival de Poesia de Lisboa. Seu slogan é “A Escritora 2 Em 1. Website JackMichel A Escritora 2 Em 1 jackmichelaescritora2em1. com/

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PAPATIPARAPAPÁ Jack Michel Muitas vezes paro o mundo, pensando no que não há... Penso em cobra-marimbondo, papatiparapapá! Um dia, lá na moenda, a nega gritou: “Carcará!”... Rosa Branca era a fazenda, papatiparapapá! Viro a cabeça para o lado, para cima, para lá... Tentando ver de um tudo, papatiparapapá! Desbravando tudo que é mato, de repente achei manacá... papatiparapapá! Chico Rico cavouca o chão, usando só uma pá... Chão limpinho, limpeza boa, papatiparapapá! Quando eu canto uma canção, mergulho sempre no Fá... Meu vozeirão no espaço ressoa, papatiparapapá! Querendo comer diferente, fui provar do munguzá... Prato novo, comida simples, papatiparapapá! Brincando de ser poetisa, poetei por poetar... Verso curto, rima rica, papatiparapapá!

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SIXTIES Resenha de C. Charriot O livro Sixties, como num ritual xamânico, evoca a Era 60. Sua lembrança viva traz à tona toda uma torrente de modismos que com o correr das décadas caíram em desuso. Anjos assim como demônios, desaparecidos há muito, atrás da porta de incontáveis verões, estão de volta na forma de 65 poemas salopantes escritos à moda antiga por JackMichel. O Copo de Leite de Bruce Brown: “Diga porque você é você? Diga porque o Auditorium 4664 Bateria John Box John : “Isso é o tempo em que os Stones urinam nos postos de gasolina, E os Beatles são mais populares do que Jesus Cristo!”; 25U$, 4 Rapazes De Óculos escuros E 1 Single Fantástico: “Somos jovens!” Disseram eles na manhã do dia. É assim que todos dizem quando deixam de ser crianças, E começam a jogar.” E Tc h a u , E s c o l a ! O l á , Mundo Da Liberdade!: “Pobres porcos pirados são aqueles que acreditam que na escola, se aprende a viver num mundo onde

a ilusão põe a mesa para a realidade!...” ditam o urbanismo das mentes distorcidas de outrora. Na Rua da Calça Jeans: “Pensando estar num mundo vi

Bacon, Ovos E Terrymicktin: “Psiu! Talvez, eu possa te dizer, Que hoje eu pensei em você, Na minha mente lisa e fria, recheada de marrom-glacê.” e Dave’s Music Music Music: “Sábado à tarde... que olhar...”; Círculos De legal! Cheiro de pipocas... Cinzas De Cigarros: “Ei, vou sair de casa. Vamos Jesus! Ei, Jesus Cristo! lá?”, descrevem a transiVê se desce um pouco daí momento vespertino. Bruchebruchetorpehorpe: “ Vo c ê s a b e o n d e f i c a Bruchbruchtorpehorpe? Alguém já me levou até lá!” e Sábado Insterestelar Sorvete de Morango: “Pessoal, subi com minhas botas de chiclete, lá nas nuvens de estrelas de papel” mostram que a magia é viável pela crença do querer possível. Seja Como Os Mágicos Olhos da Papoula!: “Eu s o u ! Vo c ê s e r á ! N ó s seremos! Papoulas, e olha para mim”; Kafka p a p o u l a s , p a p o u l a s ! Psicotrópico Lilás: “Estra- M á g i c o s , m á g i c o s , nhei quando voei além dos mágicos!” e FlakerBameus passos, Num giro de kerWaterloo: “Pois se os macia margarida metamor- sapos cantam, Os pássaros foseada.” pulam, Os gatos falam, A Tarde É Azul: “Vi dentro Os crocodilos gritam, Eu do azul, Do meu azul, A também posso ser um tarde azul”; Casa Da Festa Napoleão!” conjugam o Prateada: “As bandejas verbo de todas as possibipassam, com sanduíches... lidades. e daí? As bandejas passam, Quem É Jack Ship?: “É com drinks... e daí?”; aquele que viaja em seu

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leve navio de plumas de águia” pergunta por um alguém que é fruto de uma existência cerebral. Gregolander Esporos de Jasmim 8ADD: “Pinte, agora, aquele nosso banco de jardim, Onde, com certeza, iremos nos sentar, Após séculos cor de ouro, e Um Pedacinho do teu Sorriso de Pizza: “Você é um pedacinho de mim, E eu um pedacinho de você!” transbordam de amor retrô. Isto sem falar no Vietnã da Flor: “Aqui, neste Vietnã,

trocam-se capacetes de aço uma Bronze Star!” que cantam a morte-vida nos sonho e ilusão”e Fotogra- destroços do ontem. : Um tiro de cultura na “Sentido, soldado, Que cabeça de cada leitor. eu quero pôr no teu peito,

JACK MICHEL RESPONDE 1 – Falem sobre vocês, Helvéticos-Brasileiros na sobre a sua atividade lite- categoria Infantil/Infantorária. juvneil, o 3º lugar no Concurso Cultive de Literatura Resposta: Somos duas em e no I concurso literário da uma somos Jack Michel, Casa Brasil Liechtenstein e grupo composto por duas escritoras: Jaqueline e Micheline Ramos. Somos irmãs e nascemos em Belém – PA (Brasil). O tema de nossa obra é variado, visto que temos livros escritos nos gêneros ficção, poesia, romance, fábula. Nossos contos e poemas constam em antologias internacionais bilíngues. Participamos de salões literários na Europa e no Brasil. Conquistamos o IV Prêmio Talentos

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o 1° lugar no II Festival de Poesia de Lisboa. Nosso slogan é “A Escritora 2 Em 1”. 2 – Como é o seu processo


de criação? Resposta: Jack e Michel não escrevem juntas. A concepção de uma obra é planeada pelo conhecimento técnico e criativo de ambas; já o critério utilizado para a elaboração da escrita se dá unindo as cotas de texto a posteriori. Trocando em miúdos: às vezes, Jack escreve a maior parte de um livro e separa trechos para Michel preencher... outras, esta cria o título e aquela a compõem... trabalho, não se consegue detectar os enxertos realizados, tão coesos são os resultados. Uma mescla perfeita tal qual o queijo com a goiabada. 3 - Tem quais livros publicados? Resposta: São vários: Arco-Jesus-Íris (Chiado Editora), LSD Lua, Anjo

MacDermot, Sorvete de Pizza Mentolado x Torpedo Tomate, Ovo e Fadastafadasbumplel (Drago Editorial), Sixties e Tim O Menino do Mundo de Lata (Helvetia Edições), Anotações Da Lagarta Papinha, O Príncipe Milho e Fabulário JackMichel (Editora Leia Livros), Papatiparapapá e Lobistratusdilapirulobis (Editora Illuminare).

Bienal Internacional do Livro do Rio 2017, 6ª Feira do Livro Livre de Buenos Aires, 31º Salão do Livro e da Imprensa de Genebra, Salão Internacional do Livro do Rio 2018, 18° Salão Salon du Livre et des Cultures du Luxemburg, e 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, 5º Salão do Livro de Nova York. Além destes, tomamos parte também em 4 - Sabemos que têm projetos como 8º Encontro participado em eventos e de Poetas em Cuba “La Isla atividades internacionais. en Versos. Quais os projetos dos quais participaram? 5 - Como o leitor interessado deverá proceder Resposta: Participamos do para adquirir seus livros e XXIX Salone Internazio- saber um pouco mais sobre nale del Libro Torino-Itália, vocês? Feira dell’a editoria italiana “Tempo Di Libri” Milão-Itália, Resposta: Acessando WebBUK Festival Della Piccola site JackMichel A e Media Editoria/Modena- Escritora 2 Em 1 -Itália, I Salão do Livro de Berlim-Alemanha, I Salão jackmichelaescritora2em1. do Livro de Lisboa, XVIII com/

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POESIA

LORENA ZAGO OH, RIO! Por entre águas... pedras... E as silenciosas margens do rio, Vão singrando suas notas de emoções. Observando, com saudade e nostalgia, As lembranças suscitando memórias

Que os céus já puderam, no tempo, serenar. A meiguice e candura da formosa donzela, Vendo tal sutileza, se preenche de esplendor. E, ao admirar a paisagem singela,

Aos mais puros sentimentos da infância.

Inusitadas emoções se aviltam em seu Ser.

As cores que se envolvem e se conectam, Espelhados nas águas do plácido rio. E, brincando entre as pedras, as águas carregam Em suave dança, as espumas mescladas, Ao longo do leito que margeia a paisagem. Singrando leveza, beleza e encanto Ao olhar que contempla tão bela imagem,

Emanai aos humanos tua beleza cadenciada E a bondade da acolhida entre teus lençóis benfazejos, Cultuando as mais nobres intenções de desvelo, De levar e lavar as almas e os corações.

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RESENHA

ENÉAS ATHANÁZIO JORGE AMADO EM CORPO INTEIRO Jorge Amado foi dos poucos brasileiros que viveu na plenitude a vida do escritor. Foi profissional das letras e delas tirou o sustento. Nunca quis escrever memórias ou autobiografia. Em sua obra, o livro que mais se aproxima do gênero é “Navegação de Cabotagem”, repertório de recordações de pessoas, lugares e fatos, embora sem a ordem e o método costumeiros. Relatou muito de sua vida em entrevistas mas isso nunca foi organizado e publicado em conjunto. É curioso notar que só teve um biógrafo em vida, Miécio Tati, mas parece que o livro não mereceu boa aceitação e foi pouco comentado. Agora, porém, surge uma biografia para valer, compensando a ausência de outras. Trata-se de “Jorge Amado – Uma biografia”, de autoria de Josélia Aguiar (Todavia Editora – S. Paulo – 2018 – 635 págs.). Baiana de

Salvador, radicada em São Paulo, a autora é jornalista e historiadora. Foi correspondente da “Folha de S. Paulo” em Londres, editora da revista “Entrelinhas” e curadora da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP). Dedicou nada menos que sete anos à confecção desta obra. A narrativa tem início nos dias do menino grapiúna correndo solto no meio cacaueiro da Bahia, convivendo com as pessoas e absorvendo a cultura local. Depois, os duros tempos do internato, de onde foge e vai se abrigar na casa do avô, fazendo longa caminhada a pé e sozinho. Acontece a pri-

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meira paixão, ardente e arrebatada, mas que acaba em nada. A mudança para o Rio de Janeiro para estudar Direito, entregando-se a intensa militância literária, escrevendo para os jornais, e exercendo grande atividade política. Nesse período faz amplo relacionamento com numerosas pessoas com as quais se cruzará em muitas outras oportunidades. Com o lançamento do primeiro romance, “País de Carnaval”, tem início a carreira literária. Embora o autor fosse muito jovem e com pouca experiência, o livro desperta a atenção da crítica e agrada aos leitores. A


partir daí, não cessa de escrever e publicar. Com o passar dos anos sua obra vai se aprimorando, é muito lida e ele se transforma no escritor mais célebre do país. Viaja muito, conquista prêmios e distinções, seus livros são traduzidos para 49 idiomas. É dos raros brasileiros que enriquece com a literatura. A militância política não cessa e as perseguições acontecem em vários períodos de nossa confusa vida institucional. Eleito Deputado Federal por São Paulo, tem o mandato cassado em 1948 por decisão da Justiça Eleitoral, em pleno regime democrático e na vigência da Constituição de 1946. Têm início os diversos exílios a que é forçado. Esconde-se em Estância, no interior de Sergipe, onde fica em paz e muito escreve. Mais tarde iria para a Argentina, o Uruguai e Paris, sendo expulso da França por pressão do governo brasileiro, e para Dobris, na antiga Tchecoslováquia. Lá, ele e a esposa Zélia vivem por longo tempo e nasce a filha Paloma. Regressando ao país, vai se afastando da militância política, ingressa na Academia Brasileira

cruciais é abordado pela autora com clareza e segurança, sempre com base em sólidas fontes. Jorge Amado jamais abdicou de suas convicções políticas e formou sempre com as correntes progressistas . Assim foi, em largas pinceladas, a rica existência de Jorge Amado. A autora esmiúça todas as fases da vida do escritor com impressionante quantidade de detalhes e de Letras e se muda para informações. Para isso se Salvador, passando a viver valeu de imensa bibliona célebre Casa do Rio Vermelho, à rua Alagoi- revistas e jornais velhos, nhas 33. Conhecido em arquivos e documentos, todo o mundo, vive cer- sem falar nas incontáveis cado pelos amigos, seus entrevistas que realizou e romances são adaptados nas constantes releituras para o cinema, o teatro da obra do próprio bioe a televisão, e continua grafado. Rico álbum de viajando. Como diz a biógrafa é ali, na Bahia, mais a obra. Os admiraque se dá o outono do dores do escritor baiano patriarca. podem ter agora um retrato O pensamento do escritor em corpo inteiro de Jorge e suas variações no correr Amado e a resposta para do tempo sobre temas todas suas indagações..

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POETAS BRASILEIROS

CARLOS NEJAR ABANDONEI-ME AO VENTO Abandonei-me ao vento. Quem sou, pode explicar-te o vento que me invade. E já perdi o nome ao som da morte, ganhei um outro livre, que me sabe quando me levantar e o corpo solte o seu despojo vão. Em toda a parte o vento há-de soprar, onde não cabe

a morte mais. A morte a morte explode. E os seus fragmentos caem na viração e o que ela foi na pedra se consome. Abandonei-me ao vento como um grão. Sem a opressão dos ganhos, utensílio, eterno. Mas o amor guardou meu nome.

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CONTO

SONIA PILON O HOMEM DA MONTANHA A barba comprida e grisalha, as roupas surradas, a despreocupação com a higiene pessoal, a aparência desleixada e a expressão carrancuda eram características que já denunciavam a personalidade de João Bonamigo. Ironicamente, apesar do sobrenome, era um homem que não cultivava amizades. Era por isso, se mantinha sempre à espreita. Temia que ladrões quisessem invadir a propriedade, herança de família, do tempo em que seus ancestrais chegaram para se estabelecer no lugar, criar gado e plantar. Como era de se esperar, gostava mais de animais do que

de gente. O velho homem da montanha beirava os 65 anos. Porém, por causa da notória falta de vaidade e do modo de vida rústico, tinha sulcos profundos na face e aparentava bem mais. Sim, tinha uma aparência assustadora! João raramente descia para a “civilização”, a não ser para comercializar frutas, legumes e o queijo que produzia. À sua chegada, causava estranheza nas pessoas, especialmente entre as crianças, que arregalavam os olhos e se agarravam nas saias das mães. Ele sabia que causava medo e parecia gostar disso. Quando sentia a aproximação de desconhecidos, nos limites

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de suas terras, atirava para o alto. Não por acaso, era chamado de “Jack Espingarda” pelos moradores da localidade. Morava em um rancho de madeira, nos fundos da extensa propriedade, rodeado de cães mal-encarados e raivosos. Lembrava um daqueles personagens lendários, com o Abominável Homem das Neves. Pouco se sabia sobre ele, a não ser que tinha mais quatro irmãos que moravam em outro estado e nunca o visitavam. O pai havia morrido de enfarte quando tinha oito anos. “Jack Espingarda” era à mãe, uma mulher devota de Nossa Senhora Aparecida que mantinha uma capela nos fundos da casa. Quando a mãe dele morreu de câncer, dizem que ele apareceu no enterro de óculos escuros e a partir daquela data se refugiou ainda mais no isolamento. Muitos o achavam um ser bizarro, riam dele pelas costas, enquanto outros se perguntavam se ele não sentia solidão.


denciou no Bar do Gregório que Jack Carabina era virgem e que nunca havia se envolvido com nenhuma mulher. Disse que chegaram a levá-lo para um cabaré bastante frequentado na região, mas ele fugiu assustado e nunca mais apareceu por aquelas bandas. - Mas e então, o que aconteceu com esse homem? Ainda está vivo?, perguntou o jovem Alexandre, sem esconder a curiosidade.

temporal, os sete cães da propriedade uivavam insistentemente, chamando a atenção de um vizinho que passava próximo à cerca de há uns cinco anos, numa Jack Espingarda. Os uivos noite de forte tempestade... eram de arrepiar e o homem Na manhã seguinte ao achou melhor avisar a Polícia

para conferir o que havia acontecido. Jack foi encontrado caído junto à mesa da maram que tinha sido um enfarte fulminante. Morreu só, como sempre se manteve em vida.

POESIA

JÚLIO DE QUEIROZ A PONTE HERCÍLIO LUZ Cimitarra de luz, à noite, a ponte engalana os céus. É beleza. Durante o dia, suporta a nostalgia pela vida afastada. É esperança.

Nem peso, ar marinho ou anos a cansaram. Para suportá-los, ela foi montada. Mas a constante embevecida admiração no olhar de todos não entrou no cálculo da engenharia.

A ferragem da ponte baleteia no ar, ignorante das duas gravidades: a que atraca suas companheiras na terra e a que não lhe impede a leveza de ser sempre criança.

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POESIA

LUÍS LAÉRCIO GERÔNIMO PEREIRA UM SOLO DE PISTÃO Acordo e já estou cansado, mas ainda é manhã; No corpo sinto um enfado, agarro-me ao meu divã, Quando ouço na casa ao lado, uma espécie de dobrado Ou um Solo de Pistão. Agenda da minha rotina, a labuta no estandarte, No quarto afasto a cortina, ainda em meu baluarte, me acalma e me anima, É o som da primeira arte! Agora estou no trabalho, em meio a todo frisson, Com papéis eu me embaralho, mas preciso manter o “boom”, Por um momento distraio-me, suspiro, relaxo e me acalmo, Lembro o Solo de Pistão. A tarde já está na cara e a noite ameaça chegar,

E o Solo insiste em tocar, anestesiando quem o ouve, Desperta-me o desejo de amar e uma saudade me aprouve, Com o peito a palpitar, danço uma ópera à Mozart E uma sinfonia à Beethoven. Com a música torpedeado, repousei, num sono bom, Porém acordei assustado, busquei as marcas do batom, Sonhei estar enamorado, num longo beijo embalado, Ao som de um Solo de Pistão.

O trabalho me exaure, e o corpo começa a penar, À noite em minha seara, ouço o “Tema de Lara”,

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“A antologia poética que deu o título de PERSONALIDADE LITERÁRIA do ano a Luiz Carlos Amorim pode ser solicitado ao e-mail lcaescritor@gmail.com “


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