Revista ESCRITORES DO BRASIL, do Grupo Literário A ILHA - Literatura Brasileira para o mundo.

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LITERATURA BRASILEIRA PARA O MUNDO Florianópolis, SC – Novembro/2019 – Número 06 – Edições A ILHA – Ano 02

QUINTANA NO VERÃO DE 87 CLARICE LISPECTOR ENCONTRA PABLO NERUDA

TRIBUTO AO POETA MAIOR: CRUZ E SOUSA ENTREVISTA: PEDRO BANDEIRA, O ESCRITOR DA JUVENTUDE


SUMÁRIO EDITORIAL.......................................3

A INFELICIDADE...........................32

A PONTE HERCÍLIO LUZ................4

AVESSOS........................................34

LEITURA E CULTURA

CONFISSÃO....................................35

NO VELHO MUNDO.........................5

FINADOS: TODO TÚMULO

PEDRO BANDEIRA, O ESCRITOR DA JUVENTUDE.....................................7 UM OLHAR DE ENCANTAMENTO....................10 TÚNEL DO TEMPO........................11 PARA REVERENCIAR NOSSO POETA MAIOR: CRUZ E SOUSA...12 NOSTALGIA....................................15 QUINTANA, NO VERÃO DE 87......16 UM POEMA DE MÁRIO:................20 MATRIOSKA PROVOCANTE........21

É UM POEMA.................................36 A REDOMA DA MORTE................38 EU SOU A SUA ROSA VERMELHA.........................39 CANTEIRO DE POEMAS...............40 LIVRE..............................................42 ALMA BASTARDA.........................43 LEMBRANDO A INFÂNCIA NO BRAÇO DO BAÚ..............................44 ESCREVO!.......................................45 A MÁQUINA DE FAZER

VALSA DERRADEIRA...................23

PENSAMENTOS.............................46

COMPANHIA..................................24

LISBOA, LISBOA............................47

COMBINAÇÕES QUASE

SILÊNCIO........................................48

IRREALIZÁVEIS.............................25 A PRAÇA – REDUTO DO TEMPO......................................27 HERÓIS E BANDIDOS....................28

LIVRO TRAÇOS DE ANTONIETA É LANÇADO.......................................49 MANISFESTO DAS DEUSAS.........50 CLARICE LISPECTOR

ANTES QUE A NOITE CHEGUE....31

ENTREVISTA PABLO NERUDA...51

VOCAÇÃO PARA

A MÚSICA DE ESFERAS...............55

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EXPEDIENTE Literatura brasileira para o mundo Edição número 06 – Novembro/2019 Publicação das Edições A ILHA Grupo Literário A ILHA Florianópolis, SC Editor: Luiz Carlos Amorim Contato: lcaescritor@gmail.com lcaeditor@bol.com.br Grupo Literário A ILHA na Internet: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br Todos os textos são de inteira responsabilidade dos autores que os assinam. Contate com a redação pelos endereços: lcaescritor@gmail.com lcaeditor@bol.com.br Veja a página do GRUPO LITERÁRIO A ILHA – ESCRITORES DO BRASIL no Facebook, com textos literários, informações literárias e culturais e poemas e a edição on line, em e-book, desta revista.

EDITORIAL ESCRITORES DO BRASIL PARA O MUNDO Chegando o fim do ano de 2019 e a mais uma edição da nossa revista ESCRITORES DO BRASIL vai chegando até os nossos leitores, com muita prosa, muita poesia e muita informação literária e cultural. O Grupo Literário A ILHA comemora o sucesso de mais este projeto que amplia o espaço para o escritor brasileiro, qual seja o de uma nova revista para que mais escritores brasileiros possam publicar a sua obra. Estamos na sexta edição de ESCRITORES DO BRASIL e cada vez mais escritores juntam-se ao nosso elenco para levar até o leitor a literatura que está sendo produzida no país. A cada ediçao o número de acessos aumenta: são milhares de leitores acessando a versão em e-book da revista, para conferir o que estamos produzindo. O Grupo Literário A ILHA seguirá publicando suas duas revistas, o SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA e ESCRITORES DO BRASIL, no novo ano que se avizinha, pois as duas alcançam leitores em todos os cantos do mundo e levam a produção literária dos brasileiros além fronteiras. Um excelente ano de 2020 para todos os nossos leitores e todos os nossos escritores. O Editor Visite o Portal do Grupo Literário A ILHA:

PROSA, POESIA & CIA

em Http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

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POESIA

JÚLIO DE QUEIROZ A PONTE HERCÍLIO LUZ Cimitarra de luz, à noite, a Ponte engalana os céus. É beleza. Durante o dia, suporta a nostalgia pela vida afastada. É esperança. A ferrugem da ponte baleteia no ar, ignorante das duas gravidades: a que atraca suas companheiras na terra e a que não lhe impede a leveza de ser sempre criança. Nem peso, ar marinho ou anos a cansaram. Para suportá-los, ela foi montada. Mas a constante embevecida admiração no olhar de todos não entrou no cálculo da engenharia. A ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, terá finalmente a sua reforma terminada, depois de décadas, ao apagar das luzes de 2020. Será aberta para uso.

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CRÔNICA

LUIZ CARLOS AMORIM LEITURA E CULTURA NO VELHO MUNDO Por Luiz Carlos Amorim - Escritor, editor e revisor, Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, com 39 anos de trajetória, Editor das revistas SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, ESCRITORES DO BRASIL e MIRANDUM,cadeira 19 na Academia SulBrasileira de Letras. http:// lcamorim.blogspot.com.br – http://www.prosapoesiaecia. xpg.com.br Muitas coisas têm me encantado nas visitas a países da Europa, como Portugal, França, Itália,

Espanha, Suiça, Croácia, Montenegro, Grécia, Turquia – acho que estive na parte européia, etc. Mas uma coisa que não posso deixar de notar é a quantidade de livrarias na França, na Itália, em Portugal. Em Genebra, encontrei oferta de livros a céu aberto, como também em Veneza. Em Lisboa existe uma livraria que atravessa uma quadra inteirinha, um monumento ao livro. São livrarias enormes, verdadeiros templos de cultura. E a gente encontra pessoas lendo sentadas à beira do Tejo, na

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Praça do Comércio, aos pés da Torre de Belém, perto do Monumento dos Descobridores, nos gramados e nos bancos das praças, no metrô, no trem, nos ônibus, nas barcas, etc. Na França também são muitas as livrarias. Na Itália, até em Veneza, apesar das “cales” estreitas, elas são numerosas. Em algumas das vielas de Veneza, vi diversas, uma ao lado da outra. Em Roma, ao lado do nosso hotel tínhamos uma e, na volta do jantar, à noite, havia como


que um auditório nela e um clube de leitura estava em plena atividade. Então leitura é uma coisa que faz parte do dia a dia dos europeus e pode ser até que o número de livrarias não pareça muito grande para quem vive ali, mas comparado ao que temos no Brasil, a diferença é bem gritante. As feiras do livro, os salões internacionais do livro, em países da Europa, são verdadeiras instituições. Há filas nos caixas de tais eventos para pagar os livros comprados. O público comparece e compra e lê. Uma beleza. Participei das Feiras de Livro de Lisboa e Porto e do Salão Internacional do Livro de Genebra e foi um privilégio fazer parte de

eventos tão importantes. Cultura é um diferencial no velho mundo, com certeza. A história secular de algumas cidades, ou milenar, como os casos de Roma e Veneza e algumas outras, é uma coisa que marca a gente. Não há como andar em Veneza, em Roma, sem pensar que estamos pisando em chão que foi pisado por personagens dos mais importantes da história do mundo. A cultura que se respira, que se pode testemunhar em lugares históricos, em cidades e monumentos tombados como patrimônios da humanidade é uma coisa

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que impressiona sobremaneira. A viagem de trem, de Roma para Genebra, principalmente depois de Milão, é de uma beleza indescritível. As vinhas, em Montreau, Sion e outras cidades pelo caminho, lembram o Douro, em Portugal. Mas há lagos, há os picos nevados, há a arquitetura, há também as árvores que lá ficam com as folhas mais amarelas do que em Portugal, parecendo flores. Viver essas visões, essas sensações, absorver toda essa beleza e toda essa informação e toda essa cultura não tem preço. É uma experiência única. Que pode se repetir e continuar única.


ENTREVISTA

PEDRO BANDEIRA PEDRO BANDEIRA, O ESCRITOR DA JUVENTUDE Pedro Bandeira é um dos autores de literatura juvenil mais consagrados do Brasil. Ele conta com dezenas de milhões de exemplares vendidos. Publicamos aqui uma entrevista com ele sem mencionar a data, pois independentemente de quando ela foi feita, continua muito atual. Pedro Bandeira de Luna Filho nasceu em Santos, São Paulo, no dia 9 de março de 1942. Em 1958 começou a participar do teatro amador. Em São Paulo, Pedro Bandeira se dedicou ao teatro profissional, trabalhando como ator, diretor, cenógrafo e também com teatro de bonecos. Em 1972 começou a escrever histórias para crianças, que eram publicadas em revistas das editoras Abril, Saraiva e Rio Gráfica. A partir de 1983, Pedro Bandeira passou a se dedicar integralmente à literatura. Publicou seu primeiro livro "O Dinossauro Que Fazia Au-Au" (1983), voltado para o público infantil, que fez um

grande sucesso.

pai como um herói, ou até mesmo o momento em que Em 1984, Pedro Bandeira essa imagem se desconstrói e publica o livro “A Droga da a figura paterna é criticada e Obediência”, iniciando uma colocada em dúvida. série de livros para o público infanto-juvenil denominada Depois da publicação de “Os Karas” - grupo formado diversas obras, em 2014, por cinco jovens – Crânio, passados 15 anos da publiMiguel, Chumbinho, Magri cação do último livro da série e Calu, que estudavam Os Karas, Pedro Bandeira no Colégio Elite e vivem publicou o sexto livro da diversas aventuras bancando série, “A Droga da Amizade”, detetives. onde conta o que aconteceu com os Karas quando se torPedro Bandeira publicou naram adultos. Sobre o livro, mais quatro livros da série disse Pedro Bandeira: “Meus “Os Karas”: “Pântano de leitores verão que os Karas Sangue” (1987), “Anjo da podem ter ficado coroas, mas Morte” (1988), “A Droga do jamais se tornaram caretas”. Amor” (1994) e “A Droga Americana” (1999), obras E S C R I T O R E S D O que conquistaram o público BRASIL: Você se inspirou infanto-juvenil, e passaram a em personagens reais para ser indicadas para leitura no criar a coleção dos Karas?
 ensino médio. PEDRO BANDEIRA: Os Karas são um grupo de um Buscou recursos dentro da sonho meu. Eu acho que psicologia do desenvolvi- os cinco integrantes dos mento das crianças para Karas são uma pessoa só. Eu compreender questões deli- imagino que o meu menino cadas que envolvem o leitor ideal, meu brasileiro ideal, infantil, tais como a idade em tem a liderança e a seriedade que as crianças enxergam o do Miguel, a inteligência do

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Crânio, a beleza e a coragem da Magrí, o charme do Kalu e o humor e brincadeira do Chumbinho. Todos são um só. Mas na verdade, eu acho que dentro havia uma inspiração que eu só notei depois, que são os Três Mosqueteiros e o também os Meninos da Rua Paulo. Eu gosto muito deste último livro e peguei para ler de novo. O personagem principal é igual ao Miguel. Tem um outro menino que é igual ao Chumbinho. Essas coisas ficam dentro de você e elas afloram e brotam sem que você perceba. Então eu acho que tem alguma coisa que vem deles. A união dos Três Mosqueteiros é igual a união dos Karas, com a diferença de que lá não tinha mulher e eu coloquei uma!

ESCRITORES DO BRASIL: E qual o seu personagem preferido?
 PEDRO BANDEIRA: São os cinco porque todos formam um só. São cinco aspectos importantes de um personagem. ESCRITORES DO BRASIL: Os seus livros são de sucesso absoluto entre os adolescentes. O que você acha que mais os cativa?
 PEDRO BANDEIRA: Livros que foram escritos antes do advento do celular, do computador, fazem sucesso. As crianças de hoje leem coisas, aventuras de pessoas que usam telefone público com fichinhas de metal que não existem mais! E eles adoram! Quando os personagens querem achar

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um arquivo, eles puxam aquelas gavetas de aço que tem aquelas pastas. Ninguém liga um computador para ver e isso não é problema para eles. E eu acho que isso acontece porque os meus livros tratam das emoções humanas. A tecnologia não é importante. Por que Shakespeare é importante? Ele fala sobre os reis ingleses? Não. Ele fala sobre a ambição, a cobiça, a vingança, o ciúme, o amor. Romeu e Julieta fala de emoções humanas. A peça dele tem mais de 400 anos e todo mundo assiste e se emociona. A literatura tem que tratar de emoções humanas, não de tecnologias. A tecnologia vence, mas as emoções humanas são sempre as mesmas. ESCRITORES DO BRASIL: E dos livros mais recentes, até de outros autores, qual você indica?
 PEDRO BANDEIRA: Eu queria indicar “O Poeta do Abismo”, escrito por Marisa Lajolo, uma das maiores professoras de literatura do Brasil. Ela é uma ficcionista de mão cheia! O livro é uma surpresa por conta da qualidade literária do livro. Ela faz um suspense em torno da história, só com a maneira que ela apresenta os fatos da história já vem o suspense. É uma habilidade de redação


incrível. ESCRITORES DO BRASIL: “Amor Impossível, Possível Amor” é um livro escrito a quatro mãos. Como foi isso?
 PEDRO BANDEIRA: “Amor Impossível, Possível Amor” é um livro muito importante para mim porque há anos eu tive um amigo muito caro, grande escritor e grande poeta Carlos Queiroz Telles. E ele faleceu. Mas a esposa dele achou um livro já iniciado no computador com os cinco primeiros capítulos. Ela me procurou e pediu para eu continuar. Então isso foi um desafio enorme! Primeiro: emocionalmente era uma pessoa que eu gostava. Segundo: artisticamente eu não podia ferir o estilo dele. Mas eu também não sabia onde o livro daria. Então foi um exercício intelectual muito importante e emocionalmente duro para mim. “Amor Impossível, Possível Amor” é um livro onde moram dois amores: o meu e o do Carlos Queiroz Telles. ESCRITORES DO BRASIL: Hoje em dia, você acha que os jovens e s t ã o l e n d o m e n o s ?
 PEDRO BANDEIRA: Então, todo mundo fala isso e eu acho interessante porque eu

fico pensando: ‘por que as pessoas falam isso’? Quando acabou a ditadura militar, não havia internet, celular e nem computador. Naquela época, a média de leitura do brasileiro era 1.8 livros por ano. Hoje, a média é 4.7 livros. A população naquela época era 90 milhões de habitantes. Hoje são quase 200! E cada um deles está lendo 4.7 livros por ano. Então eu não entendo de onde tiram essa história de que estão lendo menos. Estão lendo cada vez mais! Nos países adiantados como Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, estão lendo ainda mais. Nunca se vendeu tanto livro como agora! As pessoas estão dizendo que por causa da Internet ninguém mais lê e eu não entendo de onde vem isso. ESCRITORES DO BRASIL: Mas lê-se muito pela internet t a m b é m , n ã o é ?
 PEDRO BANDEIRA: Estão todos lendo pela Internet, mas não importa. Ainda tem que ter alguém escrevendo para alguém ler. Se estiver na tela do computador, no Ipad, ou em um guardanapo, ainda vão estar lendo. Talvez diminua muito o número de livros impressos. Se bem que livro de ficção ainda vai ter muito em papel. Mas livro

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didático é melhor você ter no Ipad do que ficar carregando aquele monte de livros na escola, com a mochila quase caindo. Agora você leva o Ipad e está tudo ali. Nos Estados Unidos, o livro electrónico chegou a ultrapassar a venda de livros impressos em papel. Para um país como o Brasil, é caro um livro de 30, 40 reais. Para a pessoa que tem dois, três filhos e tem que comprar livros e ganha pouco, é muito caro. ESCRITORES DO BRASIL: Nas suas histórias, os jovens sempre se unem em prol de um bem maior e são capazes de mudar o mundo. Quais são as principais ferramentas de mudança que os jovens de hoje em dia têm a sua disposição?
 PEDRO BANDEIRA: Eu não sei, mas eles têm que achar. O mundo mudou pouco para melhor. A única coisa é que não temos guerra há 70 anos. Essa é a única coisa que melhorou. Eu espero que eles encontrem essas ferramentas para um mundo de paz, um mundo justo. Mas em meus livros, os personagens são sempre éticos, justos, como o meu leitor quer ser.


POESIA

FLÁVIO ORSI DE CAMARGO UM OLHAR DE ENCANTAMENTO A tropa segue cansada por entre as casas da vila, tapada de sol, suor, poeira, vento e comprida. Tocando, vai um moço campeiro riscado de japecanga e marcado pelas butucas, sem saber naquele momento que era seguido pelas frestas, pelas frestas do bolicho, por um olhar de encantamento, destes que, tal qual um feitiço, tece um amor tento a tento, ali entre latidos, berros, sol, suor, poeira e vento.

fazem um vivente, num repente se deitar no meio do campo, só para escutar o canto dos grilos sentir o cheiro da amada e o sangue pulsar nas veias e ver seus pensamentos que teimam em não parar de pensar serem levados por tropilhas andarengas de nuvens que vão pra o mar.

Pelo corredor aramado se foi o moço campeiro, sem saber que levou consigo como fiel companheiro, aquele olhar bombeado da filha do bolicheiro. Foi aquele olhar, uma semente de amor, destas que quando brotam

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POESIA

TAMARA ZIMMERMANN FONSECA TÚNEL DO TEMPO Próximo às nuvens Cortando montanhas Viajando pela história Atravessamos a Mata Atlântica Em êxtase, Olhávamos atentas Ora para o horizonte que se abria Ora para as formas da mata Ora para as casas, devoradas pelo tempo, Dos operários que dedicaram Suas vidas para a construção Desse patrimônio. Cachoeiras, rios, pontes O cheiro da natureza, Cruzávamos a Serra do Mar! Cada detalhe nos inebriava. Ao apito do trem, Nosso sangue ferroviário fervia! Voltamos a ser crianças! No trem de Curitiba à Morretes Ouvimos histórias, Conhecemos heróis Sorrimos Nos encantamos E rejuvenescemos!

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REPORTAGEM

CRUZ E SOUSA PARA REVERENCIAR NOSSO POETA MAIOR: CRUZ E SOUSA Já são três os painéis de personalidades marcantes da nossa cultura catarina em Florianópolis. O primeiro foi de Franklin Cascaes, em 2017. Depois, em meados de 2019, foi a vez do nosso poeta maior, o Cisne Negro. E mais recentemente Antonieta de Barros foi imortalizada no centro de Floripa.

bertos.

Filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa nasceu na então Desterro, como se chamava a capital catarinense no ano de 1861, já em liberdade. Enfrentou a sociedade escravocrata da época com textos e críticas contundentes, como jornalista, professor e escritor. Como poeta, Já falamos, nas revistas do experimentou diferentes Grupo Literário A ILHA, do mural de Antonieta de Barros. Então é hora de falarmos do maior poeta simbolista brasileiro, o poeta Cruz e Sousa, catarinense da nossa Desterro, atual Florianópolis. Ele foi retratado em um painel que ocupa os três paredões de prédios ao lado da Praça XV de Novembro, em frente ao quintal do palácio que leva seu nome. Ao mesmo tempo em que homenageia o artista num dos mais célebres endereços da cidade, a pintura também reacende o debate em torno da figura dele, ajudando a fazer com que sua obra e legado sejam redesco-

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formas e assimilou variadas influências, até encontrar a maturidade no estilo que o consagrou: como simbolista, movimento literário do qual se tornou o maior ícone no Brasil. Pintado em preto e branco, o mural traz Cruz e Sousa em seu clássico retrato, cercado pela água do mar e ao lado de um cisne negro. O artista


— Muito bonito, já deviam ter feito há mais tempo, é algo que desperta a atenção da gente. Sobre o Cruz e Sousa, sei que é poeta, mas não li muita coisa dele. Segundo Rodrigo Rizo, a ideia da obra é justamente essa: chamar a atenção das pessoas para o artista e suscitar o debate sobre seu significado. E a leitura da obra do grande poeta.

Rodrigo Rizo, autor do painel, explica que a imagem teve como inspiração o universo do poeta, que é marcado por elementos místicos e que remetem à transcendência. O painel de 900 metros quadrados de extensão levou quatro semanas para chegar ao formato final e o artista estima que tenham sido usados nove galões de tinta e aproximadamente 150 latas de spray. Moacir Dias, 70 anos, morador do bairro Estreito, foi um dos muitos caminhantes que parou para observar o painel e, assim como outros tantos, aprovou a iniciativa, apesar de não conhecer muito bem o homenageado.

Cruz e Sousa é uma personalidade ilustre de Florianópolis que é pouco reconhecida pelas novas gerações. Quando uma obra como essa é feita, coloca em evidência uma parte importante da nossa cultura que não pode ser esquecida. Isso gera o debate e fomenta o conhecimento sobre o artista e sua obra. Além disso, promove a valorização do artista de rua como agente multiplicador da cultura, pois coloca a arte ao acesso de todos.

EVIDÊNCIA NECESSÁRIA Pesquisadora da vida e da obra de Cruz e Sousa, a professora aposentada do curso de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina Zilma Gesser Nunes avalia que recolocar o artista florianopolitano em evidência é

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necessário. Ela observa que, muitas vezes, o poeta é pouco reconhecido enquanto artista catarinense até mesmo nas universidades. — Eu achava impressionante quando eu começava a falar de literatura de Santa Catarina nas minhas aulas e os alunos, muitas vezes já na quinta, na sexta fase do curso de Letras, ficavam surpresos ao saber que Cruz e Sousa era catarinense. Ele precisa ser reconhecido como o poeta catarinense que foi, não só pelo fato de ter sido um grande simbolista, mas também pelo aspecto identitário, como um poeta negro — comenta Zilma. Entre as características da obra simbolista de Cruz e Sousa, a professora cita os aspectos da transcendência, do misticismo, o trabalho com ritmo, métrica e também a musicalidade dos textos, além de uma maneira de descrever marcada pela intenção. Nos últimos anos, Zilma tem se dedicado a pesquisar outro aspecto da produção de Cruz e Sousa: a presença dos temas ligados à negritude. O material reunido por ela ao longo desse trabalho faz parte do livro "Negro", saiu do prelo recentemente. A obra, organizada por ela e lançada


em 12 de setembro pela editora Caminho de Dentro, faz um apanhado de textos do autor que fazem referência a temas abolicionistas e à representatividade negra.

Luiz Alberto Souza lembra que a trajetória do poeta e de sua família é marcada por momentos de racismo explícito, incluindo ameaças de agressão física por textos escritos por ele, muitos dos — Esse lado do Cruz e Sousa quais mal recebidos justamuitas vezes passa desperce- mente porque ele era negro. bido. Mas ele é bastante presente, sobretudo nos primeiros — Cruz e Sousa era consideanos de produção dele. Esse rado um homem inferior por livro trará uma visão não usual conta de sua cor, algo que para do poeta, que vai permitir que ele era totalmente irracional. as pessoas vejam em conjunto Ele não conseguia coma obra dele, que destaca o preender como a cor da pele negro de modo mais amplo, de um homem poderia ser um tanto o negro sofrido, a luta sinal de inferioridade. pela abolição, como também toda a beleza e orgulho da raça O pesquisador acredita que a descritas por ele. luta representada por Cruz e Sousa continua atual e pertiLUTAS nente e avalia que o resgate de seu legado é um trabalho Para o pesquisador e histo- importantíssimo para inspirar riador Luiz Alberto Souza, novas e velhas gerações. resgatar a figura de Cruz e Sousa é importante não apenas para o contexto da cidade de Florianópolis e do estado de Santa catarina, mas também para a própria cultura brasileira. — Além de representante da literatura, ele também é um grande ícone do movimento de resistência negra no Brasil, um personagem que, no seu tempo, teve uma atuação importante no movimento abolicionista no contexto brasileiro.

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Cruz e Sousa é uma figura que, sobretudo como personalidade histórica, é uma personagem que diz muito sobre o nosso tempo. A experiência, a trajetória, aquilo que ele sofreu e que ele pregou, como intelectual, como artista, aquilo que ele tentou denunciar nos textos como poeta e jornalista, são temas que ainda não foram superados pela sociedade brasileira. O painel em homenagem ao poeta Cruz e Sousa é a segunda etapa do projeto Street Art Tour, que busca valorizar e incentivar a arte urbana em Florianópolis e tem patrocínio do município de Florianópolis e da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. (G. Simon e LCA)


POESIA

ADIR PACHECO NOSTALGIA (A meus pais, Uma nota de saudade) Sob as pedras te ocultas, paisagens partidas entre suspiros desertos. De medo tremo e o túmulo me amedronta. E amedronta-me a matéria, o tempo, o pó. As flores esmigalham-se na precária vida que me traz o silêncio. Calo-me ante a síntese de um passado raptado no tempo. E a brisa em sussurro, me afaga com o hálito da nostalgia e da saudade.

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ENTREVISTA

MARIO QUINTANA QUINTANA, NO VERÃO DE 87 (Entrevista concedida à Joana lhenta, um velhinho caminha Belarmino e Lau Siqueira em seu passo lento. Parece 16 de janeiro de 1987.) distraído, parece ausente, mas ele é todo atenção aos No verão de 87, a cidade ruídos, aos cheiros de pêsde Porto Alegre vai nos segos maduros e de jornais envolvendo aos poucos, com e aos sotaques dos turistas suas galerias, sua azáfama, a argentinos, uruguaios ou norvida escorrendo pelas suas destinos. ruas. Às três da tarde, a Rua da Praia ferve de gente. Na E se alguém o surpreende de praça da Alfândega, protes- olhos fechados e comenta: tantes com seus discursos "É o Mário Quintana, como inflamados e um cego está velhinho", não percebe tocando música nativa em que ele está se lembrando de sua gaita, disputam ouvidos outra cidade, a Porto Alegre indiferentes. Cinco da tarde, de sessenta, quarenta, oitenta o sol ficou mais fraco. Em anos atrás, tão mais calma, alguma calçada da rua baru- com suas carrocinhas de leite

nas portas. Encontramos o poeta no dia 16 de janeiro, no hotel onde reside. Mário tinha secretária. Ela disse que teríamos apenas meia hora para conversar com o poeta. Ele nos chamou para o seu quarto e pediu cafés. É alegre e simples. Já não ouve muito bem, mas ao longo desses anos todos, vividos quase que exclusivamente para a poesia, sua lucidez e um senso de humor incomparável mantém-se inalterados. Naquela meia hora alongada por vontade do poeta, sob os protestos da sua secretária, falou-se de poesia, de velhice, de Academia. Houve um tempo em que Mário Quintana ficou sem ter onde morar. Foi quando o expulsaram do hotel Magestic, no centro de Porto Alegre. Foi despejado, uma vez que o jornal onde trabalhava (Correio do Povo) tinha ido à falência. O poeta saiu e o hotel se transformou,

Casa de Cultura Mario Quintana

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ironicamente, na famosa "Casa de Cultura Mário Quintana". "Eu sou um eterno aprendiz de poeta e nunca soube fazer outra coisa na vida. No quarto ano do colégio, eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria. Então meu pai me fez trabalhar na sua farmácia, como prático. Depois de cinco anos fui fazer o que mais queria, trabalhar como jornalista no Jornal O Estado do Rio Grande". E Mário fugia de tudo para perseguir a poesia. Publicou seu primeiro livro aos 34 anos, apesar de fazer versos desde menino. Desde então, manteve a média de dois livros por ano. Acabamos a entrevista, já íamos sair quando o poeta nos mostrou um segredo: um painel de fotografias de Bruna Lombardi na porta do seu quarto. Confessou que não fica muito à vontade quando lhe pedem, frequentemente, para falar de sua relação com a atriz: "Que coisa chata, como é que eu vou explicar uma amizade? Acho também que a amizade é um tipo de amor que não acaba nunca".
 Pergunta - Existe alguma pergunta que os jornalistas

sempre fazem e que você que são as palavras. O poeta, considera chata?
 quando mais velho, tem tendência de ficar melhor, com o MARIO QUINTANA - Não. estilo mais depurado.
 O que existe é uma pedida chata. Há pessoas que dizem, Pergunta – Quem é Mario por exemplo: "Seu Mário, faz Quintana?
 uma dedicatória bem poética pra mim... Olha, o que eles MARIO QUINTANA - Olha, entendem por poética me eu sou um eterno aprendiz. deixa horrorizado. Porque o poeta que descobre uma fórmula, ganha renome, Pergunta - Quando foi que a não quer outra vida e fica poesia entrou na sua vida?
 conversando com os amigos, sentado em cima do muro MARIO QUINTANA - Eu sem se espetar. Esse está faço versos desde que me perdido, porque eu acho que entendi por gente. Eu acho a poesia não é mais que a que ser poeta não é uma procura da poesia, como acho maneira de escrever, é uma que também Deus se resume maneira de ser. Assim, como na procura de Deus. Eu nascem pessoas de olhos publiquei meu primeiro livro azuis ou pretos, nascem aos 34 anos. Foi "A Rua dos também os poetas. Mas eu só Cataventos". publiquei mesmo o meu primeiro livro muito mais tarde. Pergunta - O que você acha Os poetas novos tem ânsia de da velhice?
 publicar logo, eles deveriam esperar ficar mais amadu- MARIO QUINTANA - eu recidos pela vida, não é? E acho que é uma pena. Só que assim, iriam amadurecendo eu queria ter nascido 40 anos também o seu instrumento, antes e não oitenta anos antes.

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Tudo isso eu já vivi, sabe? MARIO QUINTANA - As Quando o diabo me chamar minhas relações com a eu já estou pronto.
 Academia foram sempre boas, eu sempre me dei bem Pergunta - Você escreve com gente de lá. Não estou poesia com frequência? dizendo que "as uvas estão verdes", mas na verdade MARIO QUINTANA - eu nunca quis pertencer à Olha, eu não sei fazer outra Academia. O pessoal de coisa na vida. Este ano vou mentalidade futebolística publicar dois livros: Um não se satisfazia com apenas diário poético, com pensa- um nome gaúcho no time e mentos sobre cada dia. No achava que devia ter outro lá. dia universal da mulher, Resolveram me candidatar. por exemplo, eu escrevi o Quando me candidataram seguinte: " De cada dois da primeira vez, eu recebi gambás - eu não sei se na o recado de um senador, de Paraíba se usa a palavra que estava tudo preparado gambá para se definir um para entrar o Portela, os bêbado - um é porque não votos já estavam prontos e tem mulher e o outro é que eu deveria desistir... e eu porque tem.
 disse para ele, por telefone, que não haveria de desistir Pergunta - Já tentaram três porque o pessoal iria pensar vezes colocar o seu nome que era covardia minha. E na Academia Brasileira de seria muita desconsideração Letras. Qual é a sua relação de minha parte. Aliás, eu não com a Academia?
 gosto de Academia e jamais

quis pertencer a ela porque a gente perde um tempo enorme recebendo visitantes estrangeiros de valor muito suspeito. Pensa-se que ser estrangeiro é grande coisa, que ser francês ou inglês é uma raridade e não é bem assim. Depois, na Academia, começa-se a discutir quem vai ser o sucessor de quem, recebe-se impressões de toda a parte para se votar e eu acho que isso atrapalha a vida do camarada, não é? Eu acho que ultimamente a Academia virou um depósito de ministros e, com o perdão de alguns amigos que eu tenho lá, um asilo de velhos. Mas eu não tenho nada contra a Academia. De fato, não há contradição minha em lamentar que não tenha sido eleito, porque eu pretendia fazer tudo pela academia, se fosse eleito. Acho que, antes de tudo, ela deveria ter muita gente jovem. Eu acho que seria uma renovação e acabava com aquela coisa. Na academia, já não gostaram muito de mim porque, dois anos antes da minha candidatura, eu tinha dito que a Academia era uma espécie de sociedade recreativa e funerária.
 Pergunta - Como é o dia a dia de Mário Quintana?
 MARIO QUINTANA - Bem,

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astros, né? Vamos culpar os astros.
 Pergunta - Casou com a poesia? Ou a poesia não é um casamento, é um caso?
 MARIO QUINTANA - Ah... a poesia é um caso mesmo!

eu acordo de manhã, vivo de dia e durmo de noite. Não tem nada de especial. Eu escrevo, ando, visito amigos... Pergunta - Cite dois ou três poetas brasileiros que você considera bons.
 MARIO QUINTANA - Olha, eu não gosto de citar. Eu só citarei um para evitar, depois, emissões inadvertidas ou divertidas. Eu citarei o Carlos Drummond de Andrade que é um dos poetas mais complexos do nosso País.
 Pergunta - Mário, você fala muito do amor nos seus poemas, mas nunca teve um grande amor. Como explica isso?
 MARIO QUINTANA Talvez porque não tenha tido tempo. Eu andei muito. Antes eu trabalhava em Alegrete, cidade onde nasci. Ali fui

prático de farmácia. Mas quando estava esquentando uma coisa eu mudava para outra. No quarto ano do colégio eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria e um dia meu pai disse: "Olha, se você não quer estudar, é uma pena, mas vagabundo não te quero. Vais trabalhar na minha farmácia." E eu fui prático de farmácia por cinco anos. Depois quando ele faleceu, eu fui fazer a única coisa que eu gostava: fui trabalhar de jornalista no Estado do Rio Grande. Quando as coisas estavam esquentando de novo, o Governador mandou fechar o Estado do Rio Grande. Era o Flores da Cunha. Aí fui trabalhar na Gazeta de Notícias, no Rio. Isso em 1936. Estive lá dois anos e então fui trabalhar na Livraria do Globo. E sempre andando de um lado para o outro. E aí não tive tempo. Deve ter sido por causa dos

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Pergunta - Quantos livros você traduziu?
 MARIO QUINTANA - Eu traduzi para a Livraria do Globo, cento e trinta e oito livros. No tempo em que eu era criança, o francês era moda e a minha mãe era professora de francês. Então, quando a gente, por exemplo, não queria que os empregados soubessem o que a gente estava dizendo, aí se falava em francês. Grande parte da revolução de 23, por exemplo, foi preparada em francês, porque se reuniam as senhoras dos oficiais para tomarem chá e comunicavam as coisas todas em francês. Imagine que na minha terra, em Alegrete, se fez revolução em francês. Que barbaridade! Naquele tempo as comunicações com a Europa eram bem mais fáceis que hoje (1987). A França era a capital literária do mundo. Eu, quando estava na farmácia do velho, tinha conta numa livraria francesa. Eles mandavam os boletins e eu encomendava. Tudo vinha


direto de Paris para Alegrete.

MARIO QUINTANA - Ah, eu quase fui morar na Paraíba. Pergunta – Como a Paraíba Porque eu servi na revolução quase entrou na sua vida?
 de trinta e quando houve

aquela batalha de Itararé (que não houve) eu estava na cidade de Rio Branco, no norte do Paraná. Aí se chegou a um acordo e o tenente, que era da Paraíba, me ofereceu o cargo de tenente-contador. Mas eu disse pra ele que não pretendia ser soldado, nem prosseguir no serviço militar porque preferia voltar para o Sul. Isso aí por um lado foi bom, não é? Porque depois houve um golpe na Paraíba, imagine, eu poderia ter morrido...

UM POEMA DE MÁRIO: Os antigos retratos de parede
 Não conseguem ficar longo tempo abstratos.
 Às vezes os seus olhos te fixam, obstinados
 Porque eles nunca se desumanizaram de todo.
 Jamais te voltas para trás de repente.
 Não, não olhes agora!
 O remédio é cantares cantigas loucas e sem fim...
 Sem fim e sem sentido.
 Dessas que a gente inventava para enganar
 A solidão dos caminhos sem lua.
 (do livro "Esconderijos do Tempo composto após os 70 anos de idade)

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POESIA

PEDRO CABRAL MATRIOSKA PROVOCANTE O que será que permanece neste local de mim onde o vento passa envolto em segredos numa neblina de palavras indecifráveis, rumores vagos, onde o vento rouba à partitura as notas de uma sinfonia inacabada, uma obra por fazer, onde o chicote do vento corta para dentro em sombras negras uma breve menção a um eco inóspito e vazio . Que tiro eu dos bolsos da alma que tiro eu do avesso da carne que tiro eu de mim quando não dou, que tiro eu de mim se me recuso à partilha no medo que a partilha seja o recomeço para o nosso fim, e um grande horizonte gelado se aposse de nós nas curvas do caminho Que serei eu, que serás tu nesta romaria até ao dia em que as moscas me posem na cara até ao dia em que a porta se feche num estrondo de fim de festa até que luzes se apaguem e todos os fantasmas regressem ao sítio onde estão a hibernar as cavernas da solidão à espera de nova vitima.

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O que lembro com mais frequência é a precisão daquilo que queria esquecer. Pode ser que de um corpo outro saia como uma matrioska loura, rebelde, provocante a separar-me do solo o trigo do joio, pode ser que na areia rabisque com a ponta de um pau o esboço do futuro e recomece a vida na curva onde ela se perdeu para me levar o passageiro que trago guardado de volta ao gênesis, para que tenha paz e amainem os ciclos das tempestades e faça calar aqueles que, falando, não se ouvem. Aqueles que escrevendo, não escrevem e me permanecem sem que saiba porquê como peças de porcelana com efeitos de ouro incrustados no acto do fabrico.

PEDRO CABRAL é heterônimo de um escritor Português que tem na sua gênese uma homenagem à cultura Luso-brasileira e aos respectivos Povos. Nasce em Lisboa a 12 de Dezembro de 1954, onde estudou. Nota-se, na sua escrita, a influência de António Lobo Antunes e, noutra dimensão, o espirito do cinema neo-realista Italiano, autores americanos como Sam Sherpard, músicos como Chico Buarque, Sérgio Godinho, Adriana Calcanhoto ou Jaques Brel, ou ainda dos movimentos contestatários dos anos 60 e 70 do século passado, pressentem-se na obra do autor.

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CRÔNICA

ELOAH WESTPHALEN NASCHENWENG VALSA DERRADEIRA Quero dançar esta valsa derradeira, para que o tempo imóvel possa recolher e trazer luares perdidos e na alma o tremor e a agitação à espera de um longo voo. Nas cores de auroras e no calor abrasado do sol anunciante, em tuas mãos buscarei o toque seguro e no encanto, o compasso e o descompasso de um coração esperançado. No ritmo e nos volteios cautelosos e tímidos dos passos, terei teu sorriso abrandado e o teu olhar cheio de luz.

mudo de um sentimento que se redime. Alheia e silenciosa, serei a quieta planície, a terra que revolta cria novas raízes, a rústica planta perdida, as flores faceiras, as rosas rainhas, o eco e o suspiro do mundo, a chama viva e a alma do universo. Agarrada a este céu de encantos que no tempo o amor guardou, cúmplice deste sonho que nos enleia, farei deste Verei a emoção mover-se momento íntimo, mesmo agarrando-se ao momento que por segundos, o céu e no arrepio da pele que pleno revoa. espantada, o renascer

Eloah Westphalen Naschenweng é poeta e escritora, nascida em Jaraguá do Sul/SC. Reside em Florianópolis. É Professora. Ex- Presidente do Grupo de Poetas Livres, membro da LITERARTE - Associação Internacional de Escritores e Artistas, membro do Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de Portugal, da Divine Académie Française des Arts Lettres et Culture, membro da Academia de Letras do Brasil, seccional Suiça, Diretora Institucional da Academia de Letras de Palhoça/Santa Catarina, cadeira 27, Diretora Cultural da Academia de Letras de São José/Santa Catarina, cadeira 8 da Academia Desterrense de Literatura.Tem 14 livros publicados e participou de 51 Antologias sendo 14 em Portugal, 3 em Paris e 3 na Suiça.

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POESIA

LUIZ CARLOS AMORIM COMPANHIA A poesia me acompanha, Aonde quer que eu vá. Está no rosto das pessoas, Nos lugares por onde passo, A adentrar meu olhar, A encantar os meus olhos, Porta de entrada da alma. Ela está na música, Nos sons da vida, Da natureza,

Ela está na voz das pessoas, Nas palavras que eu ouço, Nos risos e nos sorrisos. A poesia está em tudo. Ela mora em mim, Em meus amigos, Em meus amores, também. Por isso estou sempre com ela Minha eterna companheira.

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CRÔNICA

MARIA TERESA FREIRE COMBINAÇÕES QUASE IRREALIZÁVEIS Um encontro a ser marcado. Entre mulheres. Grupo pequeno, oito aproximadamente. A negociação inicia. Uma não pode segunda, terça, quarta, quinta e sexta viaja com o marido. Ou seja, não pode nenhum dia. Mas, por honra de um café com amigas queridíssimas, abrirá uma brecha na sua agenda tão lotada. Que generosa! Entretanto, a brecha tem que combinar com o dia

em que as outras estão disponíveis. Aí, a negociação arrefece, ou melhor, desanda. Um dia, alguém não pode por causa de sei lá o que, em mais outro alguém tem compromisso e vão tentando. Vão e vêm mensagem por whats. Combinam, ou descombinam (ainda não sei bem) sobre o encontro, e aproveitam para enviar figurinhas, imagens, coraçõezinhos, bichinhos, tudo amorequinho. Mas

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o encontro está encruado. É consulta médica, neto para cuidar, outro ‘lanche’ para comparecer, buscar família no aeroporto, levar para o aeroporto, enfim, atividades aqui e acolá. Uma montanha de compromissos que são tão... digamos, compromissados, que dificultam o sonhado acordo. Todavia, depois de mais de duas semanas acertando as impossibilidades, acabam por definir o quase indefinível: dia e


hora para o tal café!

tante. Será?

Ainda assim, uma ou outra informa na última hora que não será possível comparecer, por conta de .... ah! Já nem lembro mais! São muitas justificativas, às vezes, meio aguadas. Que seja. De tantas, meia dúzia aparece. Número até respeitável, levando-se em conta agendas repletas. Porém, a conversa animada e o vozerio impressionante faz parecer um encontro de dezenas. Contam novidades alegres, algumas tristonhas, de si mesmas, de outras conhecidas, de tempos passados, futuros. Questionam, respondem. Entusiasmadas em se verem, prometem outro encontro, não muito dis-

Ah! E o jantar das mulheres que viajam juntas, de vez em quando? Adiado, é a palavra de ordem. Sempre tem gente indo ou chegando. Não dá para juntar todas. E esmorecem. De repente, alguém pergunta: e o nosso jantar? Os entendimentos iniciam novamente. O local até que não é complicado. Central, para facilitar a todas. E repetem o restaurante, que geralmente agrada. A mesma coisa para definir o dia: vão e vêm mensagens no whats, até que um acordo é firmado. Parece até negociação internacional sobre meio ambiente. Vamos defender a Amazônia! Ops! O dia

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do jantar! Resultado: noite marcada, restaurante reservado. Aguardam o dia. Alguém desmarca de última hora. Inevitável! Afinal, o grupo é quase todo formado por mulheres... Mas, perpetuando a tradição, a animação corre solta, em clima de alegria em ver uns aos outros. Viagens juntos para relembrar. Viagens separadas para relatar. Locais novos para serem conhecidos. Aventuras a serem descritas. Muita novidade para atualizar e futuras viagens a planejar. Assim como outro jantar. Em um futuro não muito distante. Será?


POESIA

PÉROLA BENSABATH A PRAÇA – REDUTO DO TEMPO Das recordações da infância, sobrou aquela praça, banhada ao sol, chovendo pirraça. Eu-menina corria alegre, descalça.

Colhi flores soberanas no encalço da única esperança, na firmeza da louca inocência, no acato da mais pura infância.

Lá eu brincava desgrenhada, cabelos ao vento, e no regaço da euforia, a todos lançava arrelia.

EU e a PRAÇA Nas manhãs ensolaradas – eu amava, nas frias tardes vazias – um romance desfolhava.

A praça foi mãe e amiga, me ensinou coragem e alegria. No jogo da vida – eu perdia, eu ganhava, no anoitecer da praça – eu chorava, eu sorria.

A praça me viu amadurecer vadia, ensimesmando temas, fazendo poesia. Foi testemunha do primeiro beijo Que fez da criança – mulher um dia!

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ENSAIO

ENÉAS ATHANÁZIO HERÓIS E BANDIDOS

O escritor alemão Karl May (1842/1912) foi um dos autores mais lidos no Brasil, em especial pela juventude. Suas obras, traduzidas, eram publicadas pela Editora Globo, de Porto Alegre, em primorosas coleções encadernadas e ilustradas por desenhistas de renome. Produziu grande quantidade de livros de aventuras ambientadas em diversas regiões do planeta e envolvendo incontáveis personagens que se

tornaram célebres, entre os quais se destacavam Winnetou, o poderoso cacique apache, Mão de Ferro, capaz de matar com um simples soco, Mão de Fogo, dono de temida espingarda milagrosa, Tia Droll, estranhíssima figura de bandoleiro que se vestia de mulher, Assef, o “servo” que portava um nome quilométrico e fazia questão dele, além de um esquisito lorde inglês viciado em apostas e

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um caçador que se expressava em versos rimados. O próprio narrador às vezes se travestia em herói, adotando posturas de grande valentia, habilidade e inteligência sem par. Dizia-se que Karl May escreveu suas obras sem sair da Alemanha, baseado em mapas e livros de viagens, mas é uma meia verdade porque, embora não tenha viajado muito, conheceu vários países onde colheu abundante material para seus escritos. De qualquer forma, impressiona a quantidade e a exatidão dos detalhes que descreve a respeito do relevo, da flora, da fauna, do clima, da rede fluvial, dos caminhos, das línguas e dialetos locais e tudo o mais. Karl May escrevia de maneira simples e clara e era preciso nas suas descrições. É curioso observar que usava a segunda pessoa do singular, o que torna a leitura um tanto estranha para os brasileiros em geral, em especial nos diálogos.


Eles, por sinal, são quase sempre longos e minuciosos, mesmo em momentos cruciais, fato que os deixa às vezes um tanto inverossímeis. Comparados aos textos mais modernos, seus escritos deixam a impressão de necessitar de rigorosa “poda.” Os índios, muito presentes em suas histórias, são descritos como seres nobres, de caráter irretocável e de atitudes rigorosamente éticas. Os negros, no entanto, não merecem realce; são apenas “os negros” ou “o negro”, inominados, sem quaisquer detalhes. Por vezes, no entanto, afloram passagens que revelam arraigados preconceitos, como se verifica nas aventuras ambientadas no Oeste americano. Em certa passagem, referindo-se a um espetáculo, escreveu: “Os dois índios não haviam sido consultados se queriam tomar parte nele. Não era de bom tom que se admitisse dois índios entre um grupo constituído unicamente de senhoras e cavalheiros...” Mais adiante: “Um negro, que trabalhava na casa das máquinas do navio, não pode resistir à curiosidade e aproximou-se da jaula. O capitão, que o observava, ordenou-lhe que fosse pegar imediatamente o seu

trabalho. Como o negro não obedecesse em seguida, o capitão deu-lhe alguns golpes com um cabo que segurava nas mãos.” Em outra passagem, após ter salvo uma menina do afogamento, pequeno índio é tratado como “gato sarnoso.” Quando alguém afirma

nem sequer poderia haver negociação alguma. Outras tantas passagens poderiam ser lembradas. Winnetou, chefe dos apaches, é aureolado de todas as virtudes. É que ele se aliou aos brancos. Uma espécie de cacique Condá norte-americano. Aliás, impressiona a quantidade de subtribos pertencentes aos apaches e que o escritor levantou uma por uma. Em todas as oportunidades, em especial nos encontros de compatriotas, a superioridade da raça alemã é sempre ressaltada.

Dois aspectos também chamam a atenção: a que o território americano extrema violência e o pertencia aos índios e que permanente propósito de eles deveriam ser respei- vingança. tados, outro retruca: “Hum! É verdade o que estás Eliminar, esfaquear, atodizendo. Mas os vermelhos caiar, apunhalar, estrandevem desaparecer, devem gular, enforcar, tirotear, extinguir-se. Esse é o seu escalpelar são expressões destino!” Ainda, em outro correntes. Cenas de inauponto: “Mão de Fogo dita violência aparecem dividiu estes peles-verme- descritas em minúcia, não lhas, outrora tão soberbos faltando as horrendas e agora degenerados, em torturas praticadas contra dois grupos.” Mais adiante, os inimigos amarrados diz um oficial: “Não tem nos “postes dos martírios.” senso os brancos admitirem Cortar orelhas e narizes, que os índios lhes façam manter os inimigos com propostas”, significando pés e mãos amarrados e que com os indígenas impedidos de articular

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páginas, desenrolando tropelias que se enlaçam uma na outra sem perder a sequência e envolvendo incontáveis personagens e lugares.

por apertadas mordaças são cenas corriqueiras. Também acontecia ser estipulado prêmio por inimigo morto; “Estes sujeitos não são guerreiros com os quais se possa lutar honradamente, mas são cães sarnentos que se devem matar a chicotadas” – afirma Mão de Fogo em certa situação. Os inimigos são sempre cães e quanto mais odiosos maiores tormentos deverão padecer.

Com a curiosidade de que foi maniqueísta na construção dos personagens; ou eram bons e puros como os verdadeiros heróis, sem qualquer laivo de maldade, ou eram maus, sem a menor Relido com os olhos de réstia de bondade. Herói é hoje, não me parece que, herói, bandido é bandido. do ponto de vista pedagógico, os livros do escritor Dizia-se que ele foi o alemão sejam os mais escritor predileto de Hitler, indicados para a juventude. mas não posso afirmar Por outro lado, se com- que não se trate de lenda. parados a certos filmes e Também informam seus programas televisivos exi- biógrafos que, no final da bidos nos dias atuais, não vida, foi perturbado por contêm nada de incomum. processos que lhe moveram pessoas simplórias aleA v e r d a d e , p o r é m , é gando ter praticado na vida que suas histórias fasci- real fatos descritos em suas navam os jovens leitores obras envolvendo crimes e e também os adultos. As atos menos abonadores. figuras criadas pelo plácido alemão, no conforto do seu Embora pouco lembrado, gabinete, em plena Ale- Karl Friedrich May cativa manha, ganharam o mundo com suas longas e minue os corações das pessoas. ciosas narrativas.

A vingança, por outro lado, é uma prática impositiva entre os índios. Ofensa grave exige vingança e, quanto mais dolorosa, melhor. É a forma de lavar a alma da afronta recebida. Dono de inesgotável imaginação, Karl May era capaz de estender suas narrativas por quinhentas

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POESIA

MAURA SOARES ANTES QUE A NOITE CHEGUE Quero aproveitar o dia e desfrutar aquilo que ele tem de melhor: andar na areia da praia, sentir meus pés afundando, cabelos em desalinho com a brisa do mar, sentir a maresia, olhar o pescador colocando seu barco na água para mais uma luta diária, observar a criança construindo seus castelos de areia, outras jogando bola e outras, com suas pequenas pranchas brancas ensaiando um surf. Antes que a noite chegue, quero sentir a liberdade o calor do sol, a música que vem de um rádio de pilha de algum banhista. Quero sentir tudo isso enquanto caminho sem grandes pretensões em encontrar alguém. Imersa em meus pensamentos e observando tudo ao meu redor, vejo que a tarde cai, os banhistas se despedem de mais um dia e eu me encaminho para casa, para o aconchego do local onde a música também tem lugar é o meu canto onde posso escrever e contar o dia... antes que a noite chegue.

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CONTO

URDA ALICE KLUEGER VOCAÇÃO PARA A INFELICIDADE Passava eu uns poucos idílicos dias em Aruba. Aruba é uma ilha de 35 quilômetros quadrados ao norte da Venezuela, jóia preciosa engastada no mar transparente do Caribe, minúsculo país que já foi colônia holandesa, e que hoje fala uma interessantíssima língua chamada papiamento. A única atividade econômica de Aruba é o turismo, e 600.000 turistas vão lá todos os anos. Assim, tudo naquele país onde só vivem pessoas ricas, é feito para o prazer do turista. Até para se caminhar na praia há caminhozinhos de cimento, para que o turista não tenha

que sujar os pés na areia. Verdadeira ilha da fantasia. Aruba é perfeita e maravilhosa, embora nos deixe na boca um travo de falsificação quando se vai embora e a falsificação da irrealidade; a vida, lá, não é verdadeira, não é intensa como o resto do mundo. Em todo o caso, é um paraíso terrestre para alguns poucos dias, e achava que era impossível alguém sentir alguma coisa negativa no meio daquela maravilha rodeada por águas verdes e transparentes. Eu estava caminhando por um dos caminhozinhos de cimento de uma das praias de Aruba, quando, na minha

frente, vi um casal que tinha toda a pinta de ser brasileiro. A moça era muito elegante: usava uma canga colorida como nós usamos no Brasil; um par de brincos de casca de coco dava-lhe um ar sofisticado. No meio daquela imensidade de estadunidenses deselegantes que lá passam suas férias, ela chamava a atenção, e eu a julguei brasileira. Apressei o passo para ouvir o que o casal falava, e não deu outra: falavam português! Fazia dois dias que não encontrava brasileiros, e os abordei de imediato. Foi ótimo, eles foram super-receptivos, convidaram-me para a barraca deles, não paramos de conversar no caminho. Daí, chegamos à barraca. As praias de Aruba são cheias de barracas simétricas, direitinhas, com telhado de palha, onde há espreguiçadeiras já com toalhas, uma das tais mordomias de Aruba. Chegamos à barraca do casal brasileiro e lá já

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havia outro casal. Os dois havia outras pessoas na dita casais viajavam juntos e aí barraca. eu vi o que é vocação para infelicidade. Aquilo foi uma tragédia para a mulher. Ela infernizou Os brasileiros haviam che- todo o mundo o tempo gado em Aruba fazia dois todo, fez o gerente do dias - chegaram e foram imenso hotel vir à praia para olhar a praia, e acharam-na reclamar, não aproveitou maravilhosa. Daí a mulher nada o dia inteiro. Havia do outro casal disse : dezenas de outras barracas vazias, de frente para o mar, -Eu quero aquela barraca lá bem ali, mas ela conseguiu para amanhã! ficar infeliz e revoltada por todo o dia porque alguém As barracas são todas iguais, estava na barraca que ela mas aquela era a primeira queria. de uma série de frente para o mar. Capítulo dois: na manhã seguinte, quando os enconNa manhã seguinte ela trei, a dita mulher havia levantou-se às SEIS DA acordado às CINCO DA M A N H Ã ( e m p l e n a s MADRUGA para reservar férias) para ir à portaria de novo a tal barraca. Deve do hotel reservar a dita ter infernizado a vida do barraca. Deve ter voltado marido, de novo, pois de para o quarto e infernizado novo só desceram para a o marido um pouco, pois praia às oito. Adivinhem o só desceram para a praia às que tinha acontecido! Tinha oito. E o que aconteceu? Já gente na dita barraca de

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novo! A mulher só faltou endoidar! Foi quando os encontrei. Não foi nada agradável ouvir toda aquela história da boca da mulher, que, além de tudo era feia e estava transida de raiva. Tentei pôr água fria na fervura, falei-lhe aquelas coisas assim: você está de férias, esqueça isto, olhe só quantas barracas vazias, olhe como o mar está lindo! - sem o menor sucesso. A mulher só faltava espumar como um cão raivoso, estava perdendo mais um dia que poderia ser maravilhoso naquela ilha paradisíaca! Caí fora, é claro. Caí fora com pena do marido dela e do outro casal, aquele da mulher elegante e bonita. É claro que a mulher feia e braba estava estragando as férias dos quatro. Haja vocação para a infelicidade!


POESIA

RITA QUEIROZ AVESSOS Escrevo para dar sentido Ao abismo que me habita Caos, princípio, meio e fim... Escrevo... osso duro de roer Espinha na garganta Lágrimas que corroem a caminhada Escrevo (in)certezas Avessos de mim Imagem que não se reflete no espelho Escrevo...

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POESIA

RITA QUEIROZ CONFISSÃO Como Ícaro, construí asas Vesti-me de poesia Voei sobre o Saara! Como Penélope, teci rendas Costurei versos Desfiz-me em prendas! Como Lua, recortei quadrantes Desenhei-me no mar Ressurgi na maré vazante! Como Sol, brilhei no infinito Dormi nas estrelas Acordei no labirinto! Como Céu, me pintei de azul Colori o arco-íris Sorri como Afrodite e Oxum! Como Rita, sou sol Sou lua, sou o arco-íris Sou toda nua!

Rita Queiroz é professora universitária, poeta, escritora. Nascida na Bahia de todos os Santos, aos 22 dias do mês de agosto. Tímida na infância e na adolescência, vem desde sempre ressignificando sua vida através da palavra. Graduada em Letras, misturou o verbo e os textos manuscritos no Mestrado e no Doutorado através de pesquisas em acervos públicos e privados. Vida e verbo, visceralmente, tingem o/s papel/is desta baiana, leonina, amante do verso que a faz inteira. Assim, as dores se fizeram palavras e as cicatrizes, risos.

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CRÔNICA

HARRY WIESE FINADOS: TODO TÚMULO É UM POEMA Um dia de cada ano é dedicado aos que já viveram e jazem em cemitérios, mas que permanecem vivos, em forma de lembranças, em nossas mentes. Associo-me, assim, aos que refletem sobre o dia da morte e escrevem sobre ele. Finados lembra os mortos e os mortos lembram cemitérios. Muito se tem dito e escrito sobre a morte e cemitérios quando a data se aproxima. Todo ano surgem novas e também repetidas mensagens. Sermões são pregados e orações entoadas, com o objetivo de serenar saudades e vivificar recordações.

critiva o texto ideal para a passa, os poemas no seu efeméride. esconderijo aumentam e, de forma mágica, em E m u m a c o m p o s i ç ã o algum momento de pura metafórica, todo túmulo magia se transformam em é um poema. Todavia, livro, em site ou blog, e, são poemas muito dife- então, ressuscitam em toda rentes, são semelhantes glória e exaltação! É nesse aos feitos e guardados momento que se eternizam na gaveta. Todo poeta na ação do tempo e a guarda poemas na gaveta. poesia cumpre sua função Entenda-se gaveta também poética e literária. como arquivos de computadores. Permanecem na Diante dos fatos narrados solidão, escondidos, até o me lembro de Rubem Alves autor voltar a vê-los algum que disse que “A vocação tempo depois. Em seguida da poesia é pôr palavras voltam ao descanso, longo nos lugares onde a dor é sono, sono sem sonhos e demais. Não para que ela sem vida. Os poemas estão termine, mas para que ela mortos como os cadáveres, se transforme em coisa mas eles existem. O tempo eterna e quando isso acon-

Muito refleti sobre a condição humana e suas consequências, sina, destino, insígnia, fado e não consigo me animar diante do que nos aguarda. Assim, como uma das funções da literatura é fuga, sigo pelo caminho que me é peculiar: refletir sobre a morte e encontrar na poética des-

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bela é a dor suavizada pela lembrança boa. A beleza da dor é o choro silencioso, às vezes sufocado, e a saudade amenizada, o trauma controlado. A beleza está nas lembranças em tempo de vida e dá vontade de gritar em alto tom: “como foi bom aquele tempo!” tece a dor se transforma em entre soluções, lembranças poema”. e lágrimas. Pensar o poema à beira do túmulo é a sina Como em todo túmulo humana consumada. há uma dor sepulta, todo túmulo é um poema. O Tudo isso tem a ver com poema se revela cada vez o amor e o esquecimento. que chegamos à sepultura. Quanto maior é o amor Então, nossa mente regride em vida, tanto maior é e busca o poema entre a dor na morte. Com o preces e recordações, que tempo passando, o esqueemanam das profundezas cimento diminui o amor e da alma e da sepultura. consequentemente alivia a Assim, poemas, preces e dor. Nisso tudo o tempo é recordações se misturam fundamental. O tempo atua em uma linguagem que sobre as lembranças, amenão pode ser falada, mas niza a dor e a transforma essencialmente murmurada em coisa bela. A coisa

REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com

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Se todo túmulo é um poema, o poema são as flores, mesmo que de plástico ou papel; são os epitáfios, mesmo os apagados; as lápides; as cruzes e as coroas. São poemas também as orações e os pensamentos, ah, sim, os pensamentos, que vão além da vida. Concluindo, compartilho as palavras do poeta mexicano, Octávio Paz: “O fim da história é o começo da paz” e, assim, todo túmulo é um poema digno de ser ouvido e vivenciado!


POESIA

MARIA DA CONCEIÇÃO CORREIA A REDOMA DA MORTE Quero fugir não vejo saída Quero gritar não tenho voz Sei que eu errei com vocês Fiz tudo errado foi minha culpa Não era a minha intenção! Matei o nosso pequeno amor sem querer Você não sabe o quanto eu sofri Pressinto que mesmo se soubesse Que eu iria sofrer com tanta agonia e padecimento Nada entre nós mudaria! Ficar preso aqui pelo resto da minha existência Dentro desse ataúde de madeira Vendo e acompanhando o corpo do nosso filho Apodrecendo e se decompondo lentamente É o pior castigo que eu poderia imaginar Que você desejaria me infligir Por ser eu o algoz da morte do nosso único filho! Você nunca me deixará esquecer aquele dia fatídico Em que atropelei e matei sem querer a nossa criança Ser enterrado junto com ele nessa prisão de cristal Que você com o seu poder invocou à meia noite Só para se vingar de mim é uma loucura E totalmente sem sentido! Não consigo fechar os meus olhos Porque você os quer sempre abertos Estou preso eternamente nessa redoma transparente Vendo e acompanhando pelo

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resto da minha sofrida vida Os efeitos chocantes da morte no corpo do meu filho! Se hoje eu pudesse fazer apenas um pedido Para ter fim esse meu eterno sofrimento Seria suplicar a ELE lá no céu Ou a ELE lá no inferno Que me deixasse morrer apenas uma única vez nessa vida!

EU SOU A SUA ROSA VERMELHA Ontem ele me deu uma rosa vermelha de presente. Do fundo do meu coração, como eu queria ser os espinhos dessa flor, para encravá-los profundamente na sua carne e prazerosamente ver o sangue escorrer das suas mão. Assim, quem sabe eu ficaria realizada com o seu sofrimento e gritos de dor!

relação conflituosa que não me satisfaz há muito tempo. Os meus amigos nunca perceberam o meu ódio e asco por ele! Mas como eu queria que eles soubessem... Afinal sou uma ótima atriz e represento muito bem o meu papel de mulher satisfeita e apaixonada.

Mas, hoje, acordei e decidi que vou ser a sua eterna rosa vermelha, cheia de espinhos e dessa forma transformar a sua vida num calvário de sofrimento, tortura e padecimento durante todos os dias da sua existência.

Quem sabe assim poderei Sair e fugir dessa relação, ser um pouco mais feliz... infelizmente, é impossível Como é triste sofrer em para mim, os nós foram silêncio dentro de uma bem atados por ambos!

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RESENHA

LUIZ CARLOS AMORIM CANTEIRO DE POEMAS Acabo de ler o livro de poemas "Canteiros", antologia dos poetas de São Bento do Sul que participaram da Oficina da Palavra, uma oficina literária sobre poesia, promovida pela Fundação Cultural daquela cidade.
A Oficina tinha o propósito de descobrir poetas na cidade, dar-lhes orientação, estimular a sua produção, reuní-los para troca e aquisição de experiência e consciência poética e motivá-los a conquistar seu espaço.
O livro é bom: os quarenta poetas que terminaram o "curso" de poesia, como ficou conhecida a Oficina da Palavra, fizeram uma seleção da grande produção alcançada no período de estudo, juntaram recursos de cada um e publicaram a antologia.
Há muita gente boa em "Canteiros", esforçada e batalhadora, com vontade de fazer boa poesia. Gente que dá

mostras, pelo que apresenta neste livro, de nos brindar com uma obra consistente e madura, no futuro, se continuar produzindo.
É o caso de Nathanael, Jean, Andréa, Raquel, Samanta, Sarah, Lu, Vera, Andrea Cristine, Sheila, Chirle, Luiz, Rosina e Simone. Não que os outros não tenham futuro, mas estes apresentaram um resultado melhor.
O que esses poetas deixam transparecer, nos dois poemas de cada um que há no livro, é a necessidade de se libertar da linha diretiva do orientador, fazer valer sua própria personalidade e criar seu estilo próprio.
Os poemas contidos na antologia são muito uniformes, as construções são parecidas, as figuras e os temas também, dá até a impressão de que o autor é um só. A influência do ‘professor` da Oficina é muito frequente em todos os

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t r a b a l h o s . 
A s m e s m a s palavras chave são claramente perceptíveis em mais de um poema: sonho, cristal, anjo, diamante, jardim, epifania, vento, arco-íris, azul, pedra, areia, jasmins, rosas, catavento, puro, sinfonia, lua, plenilúrio e outras.
Exercitar a criatividade, a capacidade de provocar a inspiração: esse era o objetivo da oficina. E foi feito muito bem. Só que publicar uma seleção de poemas onde facilmente se percebe que todos os poetas construíram poemas partindo de uma mesma palavra é, talvez, um pouco cansativo para o leitor, sujeito à variações sobre os mesmos temas.
As palavras não usuais, que permeiam o livro também refletem uma tendência adquirida pouco recomendável, que terá que ser repensada por quase todos os poetas. Simplicidade é ser entendido pelo


leitor, é promover a efi- " e s q u a l o " , " b a f á r i " , cácia da comunicação. " c a b u r é " , " p l e n i l ú n i o " , E se usarmos palavras "alamanda", "agapanto", difíceis, que não são " g a l r a " , d e n t r e o u t r a s . empregados no dia a dia São palavras que podem do leitor mais erudito, soar bem, mas não são palavras que tem que ser usadas e prejudicam a p e s q u i s a d a s n o d i c i o - compreensão do poema nário, essa comunicação, e aí a magia da emoção t ã o i m p o r t a n t e p a r a se perde.
Conversei com expressar sentimentos e alguns poetas presentes emoções, estará seria- n a a n t o l o g i a e p u d e mente comprometida. A constatar que eles conpoesia não será recriada tinuam estudando e proe poesia que não é lida, duzindo, construindo um não é recriada e, conse- estilo próprio, cuidando quentemente, não existe. para não lançar mão de Falo de palavras como c l i c h ê s e p r o c u r a n d o

imprimir ritmo aos seus poemas, ao invés de enveredar pelo perigoso uso da rima. Aliás, vale lembrar que soneto não é simplesmente colocar um texto na forma de um soneto, ou seja, dois quartetos e dois tercetos: o soneto é uma composição de forma fixa, com métrica, rima, ritmo, encadeamento, cadência, musicalidade.
Estão lendo bastante, também, o que os ajudará no seu crescimento poético.

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Em http://lcamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano, poesia. Todo dia um novo texto: um conto, uma crônica, um artigo, um poema. Leia e comente. Sua opinião é importante para que possamos melhorar o conteúdo. • 41 •


POESIA

ANDRÉ GALVÃO LIVRE A cada dia respiro meus espinhos em torno das luas que atravesso E os muros, quantos existem diante de meus olhos? Não preciso a caminhada porque não sei aonde ir numa estrada estreita sem início, nem fim

André Galvão - Mestre em Literatura (UEFS) e Doutor em Ciências da Educação (Universidade do Minho/Portugal). Coautor do livro Redescobrir-se: poesias de fim de século (1998) e do livro Crítico Intrépido! Filósofo Tímido? Sílvio Romero e o ensino secundário de Filosofia no Brasil (2018). Autor do livro de poemas A Travessia das Eras, (2018) e do livro O Coronelismo na Literatura: Espaços de Poder, (2018). Associado ao NALAP – Núcleo de Artes e Letras de Portugal e membro da ANE – Associação Nacional de Escritores (Brasil).

E as pontes, quantas derrubei atrás das minhas mãos? Penso novamente: uma música suave desliza impacientemente para dentro dos meus ouvidos Um dia hei de cansar das repetições insanas que reverberam os meus sentidos E aí, enfim, estarei livre.

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POESIA

ADIR PACHECO ALMA BASTARDA Minh’alma calada, recolhe-se indefesa entre ideias coaguladas. Ante fantasmas diversos, a caverna me esconde. Mendigo, fiz-me amigo dos vermes e das larvas, e me surpreendo indiferente aos horrores. O espírito em gargalhadas estranha a alma bastarda. E desprezo os mitos, os conceitos místicos, os profetas e ascetas. Contemplando o rio, integro-me no diálogo entre suas águas. O poema ALMA BASTARDA faz parte do livro "Infinito Contido". É um livro com crônicas, contos e poemas. Foi lançado em outubro de 2018, prefaciado pela escritora Maura Soares, apresentação do escritor Roberto Menezes. Publicado pela Editora Clube de Autores -www. clubedeautores.com.br, nas versões, impressa e e-book. Sinopse: uma viagem pelo mundo da poesia, diversificando os estilos, proporcionando ao leitor leveza e bons momentos de leitura. Os motivos espiritualistas são marcantes nesta obra, em uma busca incessante de entendimento homem/espírito, em suas idiossincrasias constantes de crescimento, negação e desprendimento do ego.

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CRÔNICA

EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA LEMBRANDO A INFÂNCIA NO BRAÇO DO BAÚ Ao completar meus oitenta e cinco anos recordo, com alegria e saudade a minha primeira infância. Essa lembrança tão distante, me alimenta e conforta e me pergunto: quais lembranças da infância as crianças do século XXI levarão para o futuro?

nhos; deslizando sobre cascas de coqueiros morro abaixo; procurando ninhos de passarinhos nas grandes árvores a caminho da roça, onde ia levar o almoço para meu pai; ou ainda ovos de gansas, patas e marrecas a beira da cachoeira e das lagoas; e dos laranjais plantados no pasto, onde eu É sabido, não escondo o e minha irmã caçula Mirian orgulho de haver nascido ficávamos várias horas chuneste lugar de gente forte. pando mexericas. Nasci no Braço do Baú, então distrito de Itajaí, no dia 31 de Lembro-me, saudosa, da dezembro de 1934. Até os seis minha querida primeira proanos, gozei de uma infância fessora, jovem ainda, dona tão bonita e saudável que, Judith Mendes, por quem mesmo vivendo depois disso fui alfabetizada. O Braço do na cidade maravilhosa do Rio Baú, por muitas gerações, foi de Janeiro, em Copacabana, posto 6 e, posteriormente aos vinte e um anos em São Paulo, onde me radiquei por muito tempo, jamais esqueci minha terra e a felicidade na primeira infância: brincando com meus primos e irmãs, na grande roda d’água que movia os engenhos; pescando na cristalina cachoeira que cortava nossas terras; pulando em montes de bagaço de cana, nos fundos dos enge-

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privilegiado em matéria de educadores e professores. Dona Judith Viera, de Itajaí, com dezesseis anos, em idade para lecionar, conheceu o jovem Luiz Mendes, com quem se casou. Lecionou para as crianças do Braço do Baú por vinte anos, a alegria da vizinhança dos meus tios. Primos prevalecem até hoje em minha trajetória de vida. Doces lembranças da infância que me fortaleceram em momentos difíceis. E foram muitos! E as crianças de hoje terão do que sentir saudades da infância, no futuro?


PROSA POÉTICA

RITA PEA ESCREVO! Despi a roupa que tinha no corpo. De olhos fechados bebi o último trago de vinho que restava na taça. Respirei fundo, coloquei os Noturnos de Chopin para ouvir e deixei cair o meu corpo na cama. Estava contagiada pela ansiedade de ouvir os teus passos subirem a escada. Queria ouvir

a chave rodar na fechadura para abrir a porta do Abismo. Naquele momento senti-me frágil. O silêncio da poesia coloca-me a cada madrugada, na boca do lobo.

guisse tocar o teu rosto, no reflexo do espelho. Imaginar a tua presença diante do meu corpo sedento das águas do rio…

Escrevo! Escrevo de forma O momento em que te sôfrega, ávida, alucinante… espero… escrevo! Assim sente a minha alma, a vida, por inteiro. Escrevo como se conse-

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CONTO

RITA MARÍLIA A MÁQUINA DE FAZER PENSAMENTOS Era 6h46min de uma e s t a r r e c i d a , a q u e r e r manhã gelada de inverno. entender tal briga de gigantes diante de mim. Acordei, talvez, uma hora atrás e percebi que minha Como pacificadora tentei, máquina de fazer pensa- de todas as formas, harmento estava e continuava m o n i z a r o a m b i e n t e , trabalhando a todo vapor. entretanto pouco resultado Uma revolução ímpar de obtive. Cada qual trazia pensamentos, imagens e em si armas e argumentos emoções passavam por dos mais variados, revesmim, cada qual com mais tidos de cores e imagens pressa e desejo de ser p a r a i m p r e s s i o n a r e meu eleito. Porém um, de fazer-me decidir. menor possibilidade, frágil, de luz viva, porém discreta, Foi difícil este momento se escondia e, mesmo p o r q u e , d o t e r r o r a o escondido, era ainda mais sublime amor, todas as empurrado para o lado imagens, todas as emoções enquanto diziam que ele, e todos os pensamentos que era feito sem nenhum percorreram o estreito argumento, débil, muito caminho da decisão. pouco robusto, não tinha nenhum valor. Os mais ousados e assustados vinham com imagens tristes, lembranças de pânico, sugerindo tragédias impossíveis de vencer. Os idealistas, mais seguros de si, vinham com argumentos plausíveis, amorosos, edificantes. Permaneci assim parada,

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Estive neste desfile de pensamentos, emoções e sentimentos, impossibilitada de uma tomada de decisão assertiva. Deixei digladiarem-se, certa de que o mais forte venceria. Porém, qual foi minha surpresa quando percebi que não era o mais forte que me levava para a escolha, mas aquela luz timidamente brilhante, aquela luz que a um canto ficara.

E de repente tudo escureceu. Neste instante percebi, perplexa, que quem iluminava a briga dos gigantes era tão somente


aquela luzinha que ficara naquele breu e então, eu esquecida a um canto; gritei: aquela luzinha tênue, frágil, tímida. - Basta, basta, basta! A escolha já foi feita! Não tive mais dúvida. T u d o s e e s c l a r e c e r a Todos pararam imóveis. A

máquina de fazer pensamento estancou no silêncio que em mim se fez audível, e eu, serena, sentenciei: - Não tenho mais dúvida: o vencedor é o Sonho!

POESIA

PIERRE ADERNE LISBOA, LISBOA Lisboa, onde andarás ?

mesmo com lenços e guitarras,

hoje bati a tua porta.

já ninguém é Português…

se tu fugires desse amor

Lisboa,

para mim mais nada importa.

das minhas tascas

Lisboa, sei que Alfama

onde eu bebia teu olhar

já não é lar de portugueses.

a madragoa, a madrugada,

Lisboa,

luz amarela a te banhar.

te esperei, te esperei,

Lisboa, se tu partires

chorei por ti todos os meses…

não há mais lar pro meu amor

Lisboa,

hei de encontrar um outro fado

se hoje o fado

noutro rio, noutro lado,

é cantado em inglês,

para confortar a minha dor…

Bairro Madragoa, em Lisboa

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POESIA

SUZANA ZILLI DE MELO SILÊNCIO Sigo em silêncio Pela vida afora, Não tenho medo Da despedida, Me visto de esperança E confiante, sem olhar Pra trás, vou embora. Na bagagem restos De sentimentos, sorrisos, Saudades e determinação. Sigo em silêncio, Busco na fé, uma aliada constante A clarear meu caminho. E no meu silêncio, não me sinto Sozinha, na ânsia deste caminhar. Sigo em silêncio, Na vida, Na arte, Na contradição Do meu jeito de te amar.

PROSA E VERSO: 223 LIVROS PUBLICADOS DE UMA VEZ Vá ao Google e veja qual foi o lançamento literário que apresentou mais livros e mais escritores de uma vez só, que colocou mais novidades no mercado editorial em uma única oportunidade. Foi? Você deve ter encontrado a Coleção “Goiânia em Prosa e Verso”, iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia. Pois no dia 28 de outubro último, a entidade lançou 223 livros, de uma tacada só, na oitava edição dessa brilhante iniciativa. Publicar mais de duzentos livros de uma vez só é um feito inédito, e essa é a oitava edição do projeto. É isso mesmo: 223 livros. Isso é que é incentivo à escrita, à produção literária e à leitura.

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REPORTAGEM

NEY BUENO LIVRO TRAÇOS DE ANTONIETA É LANÇADO Com a vida inspirada em Antonieta de Barros, a pioneira deputada catarinense, a tenente-coronel da reserva da Polícia Militar, especialista em atendimento à criança e ao adolescente e em gestão de segurança pública, Edenice Fraga, lançou, na Assembleia Legislativa, o livro Traços de Antonieta. A obra que reúne contos e poemas é uma homenagem a Antonieta de Barros e, segundo a autora, por meio dela tantas outras mulheres

de luta. Com 119 páginas, o livro traz em sua essência a sensibilidade, a humanidade e a vontade de remeter aos temas defendidos pela educadora e deputada, que fez da sua vida um eterno educar, relata Edenice Fraga. A autora lembra que é natural do Morro do Mocotó, em Florianópolis, filha de pai militar e mãe lavadora de roupas, e que graças a Antonieta de Barros teve inspiração para também ser uma

Edenice Fraga

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pioneira nas conquistas das mulheres em Santa Catarina.

Edenice foi a primeira oficial mulher e negra da Polícia Militar, membro da Federação Brasileira de Ciências, Letras e Artes (Febacla), escritora, contista e poetisa, declamadora. Tem participação em várias coletâneas e revistas e dois livros solo: “Pássaro Sublime” e “Traços de Antonieta”. Como a autora diz, todos esses títulos só valem a pena se conseguir inspirar as crianças, como a Antonieta a inspirou.

Antonieta de Barros nasceu em Florianópolis no dia 11 de julho de 1901. Mulher negra de origem humilde, enfrentou o racismo na época e conquistou espaços de poder, sendo escritora e sagrando-se a primeira deputada estadual em Santa Catarina, na década de 30, e a primeira deputada negra do país.


POESIA

NEGRA LUZ MANISFESTO DAS DEUSAS Nós, Deusas das fontes doces Rainhas das águas do mar Resolvemos nos retirar! E conosco todos os nossos filhos Que protejemos por amar Levaremos as corredeiras, as nascentes Lagos e rios... Tartarugas, tubarões, baleias, areias... Arranjaremos outros ninhos Conosco levaremos a força E com ela tantas vezes os protegeremos Abriremos novos caminhos Para outro mundo seguiremos Hoje, a dor: estamos sozinhas A cada dia um pouco morremos E nossos filhos ... inocentes Que nada fizeram a ninguém Sufocam por óleo, embalados, Engasgados por bolos de plásticos Flutuam em espumas de ácido E a maioria só: - Amém.

Partiremos... para um destino iluminado Um poço realmente encantado Para nós no Universo guardado Em que nos respeitem... Respeitem aos nossos... Nos tenham amor! E a vocês... Mortais... S E D E! S E D E! Que vão para Marte... Quebrem gelo na Lua! Até lá... Lavo as minhas mãos. Assim fizeram a nós!

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ENTREVISTA ESPECIAL

CLARICE LISPECTOR CLARICE LISPECTOR ENTREVISTA PABLO NERUDA Cheguei à porta do edifício de apartamentos onde mora Rubem Braga e onde Pablo Neruda e sua esposa Matilde se hospedavam — cheguei à porta exatamente quando o carro parava e retiravam a grande bagagem dos visitantes. O que fez Rubem dizer: “É grande a bagagem literária do poeta”. Ao que o poeta retrucou: “Minha bagagem literária deve pesar uns dois ou três quilos”.

Neruda é extremamente simpático, sobretudo quando usa o seu boné (“tenho poucos cabelos, mas muitos bonés”, disse). Não brinca porém em serviço: disse-me que se me desse a entrevista naquela mesma noite, só responderia a três perguntas, mas se no dia seguinte de manhã eu quisesse falar com ele, responderia a maior número. E pediu para ver as perguntas que eu iria fazer. Inteiramente sem confiança

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em mim mesma, dei-lhe a página onde anotara as perguntas, esperando Deus sabe o quê. Mas o que foi um conforto. Disse-me que eram muito boas e que me esperaria no dia seguinte. Saí com alívio no coração porque estava adiada a minha timidez em fazer perguntas. Mas sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido também alguma recompensa. Quem sofre de


timidez ousada entenderá o “Estravagario, Navegações e que quero dizer. Regressos”, “Cem Sonetos de Amor”, “Contos CerimoAntes de reproduzir o niais” e “Memorial de Isla diálogo, um breve esboço Negra”. sobre sua carga literária. Publicou “Crepusculário” No dia seguinte de manhã, quando tinha 19 anos. Um fui vê-lo. Já havia responano depois publicava “Vinte dido às minhas perguntas, Poemas de Amor e Uma infelizmente: pois, a partir Canção Desesperada”, que de uma resposta, é sempre até hoje é gravado, ree- ou quase sempre provocada ditado, lido e amado. Em outra pergunta, às vezes seguida escreveu “Resi- aquela a que se queria dência na Terra”, que reúne poemas de 1925 a 1931, da fase surrealista. “A Terceira Residência”, com poemas até 1945, é um intermediário com uma parte da Espanha no coração, onde é chorada a morte de Lorca, e a guerra civil que o tocou profundamente e despertou-o para os problemas políticos e sociais. Em 1950, “Canto Geral”, tentativa de reunir todos os problemas políticos, éticos e sociais da América Latina. Em 1954: chegar. As respostas eram “Odes Elementares”, em sucintas. Tão frustrador que o estilo fica mais sóbrio, receber resposta curta a uma buscando simplicidade pergunta longa. Contei-lhe maior, e onde se encontra, sobre a minha timidez em por exemplo, “Ode à pedir entrevistas, ao que cebola”. Em 1956, “Novas ele respondeu: “Que tolice”. Odes Elementares” que ele Perguntei-lhe de qual de descobre nos temas elemen- seus livros ele mais gostava tares que não tinham sido e por quê. Respondeu-me: tocados. Em 1957, “Ter- “Tu sabes bem que tudo o ceiro Livro das Odes”, con- que fazemos nos agrada tinuando na mesma linha. porque somos nós — tu e eu A partir de 1958, publica — que o fizemos”.
A entre-

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vista foi concedida em 19 de abril de 1969 e publicada no livro “De Corpo Inteiro”, Editora Rocco, em 1999 CLARICE - Escrever melhora a angústia de viver? NERUDA - Sim, naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial. Senão é infernal. CLARICE - Quem é Deus?

NERUDA - Todos algumas vezes. Nada, sempre. CLARICE - Como é que você descreve um ser humano o mais completo possível? NERUDA - Político, poético. Físico. CLARICE - Como é uma mulher bonita para você?


CLARICE - Diga alguma coisa que me surpreenda. NERUDA - 748. (E eu realmente surpreendi-me, não esperava uma harmonia de números)

NERUDA - Feita de muitas lugares desolados: no mulheres. deserto aos mineiros do norte do Chile, no Estreito CLARICE - Escreva aqui o de Magalhães aos tosquiaseu poema predileto, pelo dores de ovelha, num galpão menos predileto neste exato com cheiro de lã suja, suor e momento? solidão. NERUDA - Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos? CLARICE - Em que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?

 NERUDA - Acredite-me tolo ou patriótico, mas eu há algum tempo escrevi em um poema: Se tivesse que nascer mil vezes. Ali quero nascer. Se tivesse que morrer mil vezes. Ali quero morrer…

CLARICE - Você está a par da poesia brasileira? Quem é que você prefere na nossa poesia?

NERUDA - Admiro Drummond, Vinícius, Jorge de Lima. Não conheço os mais jovens e só chego a Paulo Mendes Campos e Geir Campos. O poema que mais me agrada é o “Defunto”, CLARICE - Em você o de Pedra Nava. Sempre o que precede a criação, é a leio em voz alta aos meus angústia ou um estado de amigos, em todos os lugares. graça? CLARICE - Que acha da NERUDA - Não conheço literatura engajada? bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.

 NERUDA - Toda literatura é engajada.

CLARICE - Qual foi a maior alegria que teve pelo fato de escrever? NERUDA - Ler minha poesia e ser ouvido em

Uma das casas de Neruda, em Isla Negra.

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CLARICE - Qual de seus C L A R I C E - O n o m e nição seria: o amor é o amor. livros você mais gosta? Neruda foi casual ou inspirado em Jan Neruda, poeta CLARICE - Você já sofreu NERUDA - O próximo. da liberdade tcheca? muito por amor? CLARICE - A que você NERUDA - Ninguém conatribui o fato de que os seguiu até agora averiguá-lo. seus leitores acham você o “vulcão da América Latina”? CLARICE - Qual é a coisa mais importante no mundo? NERUDA - Não sabia disso, talvez eles não conheçam os NERUDA - Tratar para que vulcões. o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não CLARICE - Qual é o seu poema mais recente? NERUDA - “Fim do Mundo”. Trata do século 20. CLARICE - Como se processa em você a criação? NERUDA - Com papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita. CLARICE - A critica constrói?

só para algumas. NERUDA - Para os outros, não para o criador. CLARICE - O que é que você mais deseja para você CLARICE - Você já fez mesmo como indivíduo? algum poema de encomenda? Se não o fez faça NERUDA - Depende da agora, mesmo que seja bem hora do dia. curto. CLARICE - O que é amor? NERUDA - Muitos. São os Qualquer tipo de amor. melhores. Este é um poema. NERUDA - A melhor defi-

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NERUDA - Estou disposto a sofrer mais. CLARICE - Quanto tempo gostaria você de ficar no Brasil? NERUDA - Um ano, mas depende de meus trabalhos. E assim terminou a entrevista com Pablo Neruda. Antes falasse ele mais. Eu poderia prolongá-la quase que indefinidamente. Mas era a primeira entrevista que ele dava no dia seguinte à sua chegada, e sei quanto uma entrevista pode ser cansativa. Espontaneamente, deu-me um livro, “Cem Sonetos de Amor”. E depois de meu nome, na dedicatória, escreveu: “De seu amigo Pablo”. Eu também sinto que ele poderia se tornar meu amigo, se as circunstâncias facilitassem. Na contracapa do livro diz: “Um todo manifestado com uma espécie de sensualidade casta e pagã: o amor como uma vocação do homem e a poesia como sua tarefa”. Eis um retrato de corpo inteiro de Pablo Neruda nestas últimas frases.


POESIA

LUÍS LAÉRCIO GERÔNIMO PEREIRA A MÚSICA DE ESFERAS Ao inclinar seus ouvidos à abóbada celestial, A Pitágoras foi concedido um espetáculo sideral Entre sons e sustenidos, ali havia surgido Uma escala musical.

numa tangente espacial, Onde a trigonometria de fato exerce um papel factual, Nela o universo é exato e a matemática é o compasso Desse espetáculo musical.

Alimentando emoções, a música é peristáltica Há quem receite aos glutões uma melodia alopática, Pra atenuar ou atiçar as paixões, recomenda-se canções Em doses homeopáticas.

Em ondas eletromagnéticas, sintonizamos o cantar, Pois no vácuo o som não se propaga, deixando o silêncio no ar, Numa viagem cibernética a sinfonia energética, Ouve-se no mundo sublunar.

Como nos é prazeroso o som de uma melodia bela, Um canto rítmico e pomposo, uma junção de quimera, Num todo harmonioso e o universo estrondoso, Apresenta-se na passarela.

Chegamos ao fim do espetáculo e os aplausos se espera, Na mão direita um báculo, norteia uma harmonia singela, No heliocentrismo um astro, que rege com brilho e entusiasmo, O show da música das esferas.

Ao executar sua música o cosmos é magistral, De Vênus até Netuno, num concerto universal O seu maestro é o Uno e com perfeição assume, A orquestra celestial. Fruto do movimento dos astros,

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Luiz Carlos de Cor upá 16 .0 2 .19 53 Faculdade de e Letras de Jo e presidente A ILHA em atividades e e ILHA, que p Suplemento e Mirandu Q u i nt a na), 50 livros.

Fo i e l e i t o Literária de 2 Catarinense ocupa a cade Sul Brasilei

Editor de c PROSA , P O ht t p://w w w xpg.com.br de crônicas infanto-juv publicados n e espanhol,

Prosa de Amigos

Mary Bastian & Luiz Carlos Amorim

Mary Bastian & Luiz Carlos Amorim

Prosa de Amigos

Crônicas, contos e artigos

Amorim par de antologia em outros c r ô n ic a s , a poemas em jor nais no B tem t rabal h índia, Rússi Un idos, Po Cuba, Arg Inglater ra, outros, e ob o inglês, es grego, russo

Cronista e a jornais por países de li como Diário do Povo, D Jo r n a l d o Pernambuco e dezenas de

O autor c com por tai e cult ura como R io T Cronópios, Usi n a d e L da Web, Sk do blog CR em ht t p:// l blogspot.com

Peça seu exemplar pelo e-mail lcarevisao@gmail.com .


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