SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA - Edição 156 - Março 2021

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SUPLE MENTO

LITE RÁRIO Florianópolis-SC – Março/2021 – N. 156 – Edições A ILHA – Ano 40

VOZES PORTUGUESAS CLARICE LISPECTOR E A INTERNET

“OS SERTÕES”: PARA LER SEMPRE

ENÉAS ATHANÁZIO: VIDA DE ESCRITOR SÉRGIO DA COSTA RAMOS, CRONISTA CATARINA

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Florianópolis-SC – Março/2021 – N. 156 – Edições A ILHA – Ano 40

SER

Luiz Carlos Amorim – Florianópolis, SC/Lisboa

O universo me pergunta quem sou, e eu respondo: não sei. Procuro outra resposta, me procuro, e me vejo, por uma fresta da alma, infinita: sou a lágrima que não rolou, sou um crente descrente, sou quase nada… Mas sou o encontro e o desencontro do amor, o sentimento contido, a emoção encarcerada, o sorriso que não veio, prestes a se desenhar. Não sei quem sou, ou o que sou. Mas a resposta - certa – me invade: sei apenas que sou ser, irmão gêmeo da natureza, filho do universo e mereço estar aqui. Está disponível, na Amazon, o e-book PORTUGAL, MINHA SAUDADE, crônicas de viagem sobre a terrinha, de Luiz Carlos Amorim. Para adquirir o livro, clique no linke: https://amz.run/4Lrs 2


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SUPLE MENTO

LITE RÁRIO

EDITORIAL LEITURA NA PANDEMIA

E vamos começando o ano literário, este ano que deverá ser o ano da redenção, o ano em que temos a vacinação para este flagelo que é a pandemia de covid 19. Flagelo imenso para o Brasil, que não tem planejamento, organização, competência e responsabilidade para o seu combate: temos um governo negacionista que faz campanha contra a vacina e continua achando que a covid 19 é coisa de somenos, recomendando remédios que comprovadamente não ajudam, pelo contrário. A única coisa positiva desta pandemia é que estamos lendo mais e escrevendo mais. Como precisamos ficar em casa tanto quanto possível, para evitar aglomerações e contágios, temos tempo para ler mais. É a arte que nos ampara no confinamento, e a literatura é uma dessas artes, ao lado da música, do cinema, do teatro em todas as suas modalidades. E uma vez que a literatura está sendo valorizada nesta crise sanitária mundial, não podemos deixar de continuar a publicar as revistas do Grupo Literário A ILHA. Aqui está mais uma edição, com conteúdo diversificado e reunindo escritores novos e autores consagrados, um time de primeira nas páginas do Suplemento Literário A ILHA, publicação que está ativa na divulgação da obra de nossos escritores há quarenta anos. Muita poesia, muita prosa – crônicas, contos, ensaios, artigos, entrevistas – muita informação literária e cultural em mais esta edição do Suplemento Literário A ILHA. Os textos estão aí, chegando ao leitor e, neste ano, se Deus quiser, os escritores poderão voltar a se encontrar, como sempre fizeram e como querem voltar a fazer depois de um 2020 de isolamento, sem nenhuma reunião. E poderão voltar a se encontrar, também , com os leitores, em feiras, salões e festivais literários. O editor

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SÉRGIO DA COSTA RAMOS, CRONISTA BRASILEIRO CATARINENSE

Por Cláudio Clóvis Schmitz – Florianópolis, SC

Florianopolitano, 74 a n o s , S é r g i o da Costa Ramos passou metade da vida em redações, mas quando esteve fora delas manteve o vínculo com o jornalismo, sobretudo como cronista. Pertence a uma linhagem que deu ao Brasil nomes como Fernando Sabino, Paulo M endes Camp os, Luiz Fernando Veríssimo. E o maior de todos, Rubem Braga, o “sabiá da crônica”. E Nelson Rodrigues, que impulsionou as leituras do adolescente já ciente de seu talento para a escrita.

Sérgio é filho do também jornalista Rubens de Arruda Ramos e foi editor-chefe do jornal “O Estado” e do “Jornal da Semana”, ambos de Florianópolis. Por cinco anos, trabalhou como correspondente da revista “ Veja” em Santa Catarina. Tamb ém foi c orrespondente em Londres, de onde escreveu para jornais do Estado e do país. É autor de mais de uma dezena de livros de crônicas – o primeiro deles foi “Os civis precisam voltar aos quartéis”, de 1986, com 3 mil exemplares e há muito tempo esgotado. Até janeiro de 2019, Sérgio escrevia crônicas para o “Diário Catarinense”. Saiu, porque o jornal se ex tinguiu, virou revista semanal. Viveu um período sabático e voltou com textos semanais no ND. “O retorno 4

é como quem precisa aprender de novo a usar alteres para exercitar a musculação”, compara o escritor. Assim, atende a um público que se sentiu órfão com sua saída de cena, porque não é muito dado a utilizar outras mídias para publicar o que escreve. No ND, Sérgio contiua tratando das coisas da cidade, porque “não falar do passado é trair o leitor”, mas sempre lembrando que Florianópolis tem presente e futuro. “O cronista só não pode ser chato”, sentencia. E diz mais: Pergunta – Você está desde janeiro de 2019 longe da crônica diária. Como é voltar a escrever regularmente num jornal impresso? Sérgi o da Costa Ramos – Crônica é literatura com outro viés, com humor e lirismo. Hoje, não


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encontramos mais tantos conhecidos no calçadão da Felipe Schmidt, por isso a crônica é uma forma de falar às pessoas sobre Florianópolis e as coisas que acontecem aqui, os cheiros e ruas da cidade, sempre com a leveza que é marca da crônica. Sou tradicionalista, e por hora nada substitui o jornal de papel. Pergunta – Vamos falar do começo de tudo. Havia livros em sua casa? Como foram seus primeiros contatos com a leitura? Sérgio – Meu pai, o jornalista Rubens de Arruda Ramos, era leitor voraz, e em casa havia sempre muitos livros. Uma estante imensa reunia obras de Eça de Queiroz, Machado de Assis, Maupassant, Marques Rebelo. E os russos Dostoievski e Tolstoi. E autores em língua inglesa, como

Somerset Maugham, Graham Greene, Agatha Christie e Simonet – os romances da alma e os policiais. Pergunta – Você foi um leitor e um cronista precoce. Qual foi o primeiro livro que leu? Sérgio – Sem considerar contos ou crônicas, o primeiro romance lido desde o começo, sem saltar uma linha, foi “Crime e castigo”, de Dostoievski. Tinha prometido a mim mesmo fazer isso, instigado pelo padre Jeremia, professor de português do Colégio Catarinense. Era o ano de 1960, quando

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já tinha 13 anos. O livro é uma “cordilheira” da literatura universal, o pai dos romances psicológicos, um verdadeiro tratado sobre a alma russa e a aventura humana. A obra é um “thriller”, e de cara eu abri na página em que o personagem central, Rodion Raskolnikov, assassina a velha Alena Ivanovna a machadadas… Pergunta – Você começou muito cedo a frequentar uma redação de jornal. Como foi isso? Sérgio – Comecei a trabalhar aos 15 anos de idade, no jornal “O Estado”, como revi-


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sor. O diretor da casa, meu pai, contrariou meus planos de inaugurar uma coluna, dizen d o: “ Para aprender o ofício de escrever você precisa começar a ler tudo e a revisar tudo. Será um bom aprendizado”. E foi. Pergunta – Fernando Sabino, de “Encontro marcado”, é uma de suas principais influências, mas Nelson Rodrigues foi uma leitura essencial, lá no i n í c i o . Fa l e u m pouco sobre isso. Sérgio – Comecei garoto de ginásio, com 12 ou 13 anos. Lia Nelson Rodrigues e sua crônica esportiva “À sombra das chuteiras imortais”, além de seus folhetins, como “A vida como ela é”. Era Nelson em pleno transe, uma espécie de Glauber Rocha das gazetas. Ele comentava futebol como Sófocles escre-

via tragédias, com um certo humor azedo e cáustico. Queria escrever como ele. Depois de ler Henri Bergson em “O riso”, descobri que o humor é o verdadeiro sal da terra. Até como vingança contra certos políticos e governos, porque o humor é sempre contra – não existe humor a favor. Pergunta – E havia Rubem Braga… Sérgio – Sim, e dele dizia Otto Lara Resende: “Quando tem assunto é bom. Quando não tem, é melhor ainda”. Pergunta – Você pegou ali uma fase de turbulências na vida brasileira. Como os jovens lidavam com a política na época? Sérgio – Vivi aos 17 anos a efervescência política do Brasil pré-renúncia de Jânio Quadros. Tive a consciência de que o país estava sendo dilacerado por uma sociedade estra6

tificada em castas – a mais desenvolvida das quais, a dos bem postos e a dos bacharéis da UDN (U n i ã o D e m o c r á tica Nacional), não queria a democracia, mas um regime autocrático em que eles fossem os únicos mandantes. “Um cronista não faz pirâmides, como queria Guimarães Rosa. Faz biscoitos. Mas uma boa crônica tanto pode ter a brevidade da história curta de um Rubem Braga como a eternidade de um miniconto de Borges. Depende da ‘ideia’ e da ‘roupa’ com que ela se apresenta”. Pergunta – Você foi preso pela dita “revolução”. Conte como tudo ocorreu. Sérgio – Minha prisão pelo regime militar aconteceu em dezembro de 1968, o “ano que não terminou”. Fui sequestrado por uma viatura da Polícia Federal


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quando, em calção e tênis, me dirigia ao Abrigo de Menores, na Agronômica, para jogar uma partida de futebol de salão. Um inspetor truculento disse-me que estava encrencado. Incurso em dois artigos da Lei de Segurança Nacional, fiquei incomunicável até que me descobriram numa cela do Estreito onde ficava a PF. Passei também pelo quartel da PM e pela Penitenciária Estadual. Fui libertado alguns meses depois, em julho de 1969. Pergunta – Qual foi a alegação dada para a prisão? Sérgio – Foram dois artigos que escrevi: “ Por que morre Édson Luiz?”, um libelo contra a ditadura, enfocando o assassinato do estudante Édson Luiz de Souto Lima no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, e “Arthur e eu na calada da noite”, uma

“brincadeira” com o marechal-presidente Arthur da Costa e Silva. Um telegrama do general Jayme Portella, ministro da Casa Militar da presidência da República, mandou me prender, sobrepondo-se a todo o rito legal. Na cadeia, li toda a novelística de Kafka, incluindo “O processo” – que era o “meu” caso. Pergunta – Você acabou absolvido, mas a experiência deve ter sido dura… Sérgio – O promotor militar da 5ª Audito-

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ria, em Curitiba, por onde corria o processo, não pediu minha prisão preventiva, após a audiência de qualificação em que fui apresentado. Na volta, mesmo assim os limitares não me soltaram. Foi preciso que meu advogado de defesa, René Dotti, “pedisse” ao promotor que “pedisse” a minha prisão preventiva. Assim, ele teria como recorrer ao Superior Tribunal Federal, devolvendo-me uma “vida jurídica”. Fui absolvido, mas


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naqueles poucos meses aprendi o significado do poema de Cecília Meirelles: “Liberdade, palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Pergunta – Como lida com a ideia de que a crônica é, do ponto de vista literário, um gênero menor? Sérgio – Há contra a crônica um velho e tolo preconceito, pela sua fugacidade. Mas acho que literatura é escrever bem, pouca importa o gênero. Claro que a crônica não é eterna como os bons romances. Mas

se o fato de aparecer primeiro na imprensa comprometesse ou desqualificasse um livro, seria necessário colocar no “index” obras importantes como “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “ Vi das secas”. Não faz muito tempo um folhetim publicado em jornais franceses e alemães virou romance de boa qualidade, e best-seller: “O perfume”, de Patrick Suskind. Pergunta – O que é escrever para você? Sérgio – Escrever é, antes de tudo, ter uma ideia e lhe dar uma forma. Perdoado o jeito machista da comparação, diria

que a ideia é uma mulher nua e bela. Se for vesti-la, o escritor precisa ser um estilista. Vestindo-a, fará a mulher mais bonita ou não. A forma, o invólucro, é a roupa, a grife. Escrever é, portanto, uma carpintaria, uma arquitetura. Tenho, por dever de ofício, uma relação quase interativa com o leitor. A arte de escrever não é a p ena s um c o n junto disciplinado de regras gramaticais, retóricas ou poéticas, mas uma forma d e c o m u n i c a ç ã o, em que o escritor se coloca também na posição e no lugar do leitor.

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R$ 12,00 para comprar na Amazon O VALE DAS AGUAS é uma seleção de crônicas sobre minha terra, a Cidade das Cachoeiras, no decorrer de toda a minha vida como jornalista e escritor. Sempre escrevi e publiquei crônicas em blogs, sites, revistas e jornais por todo O Brasil e em alguns países de língua portuguesa. Então aqui está um tributo a minha cidade natal, um registro de sentimentos e emoções, de falar de gentes, de lugares, de natureza, de beleza e de vida. De cantar o paraíso de agua doce. Não é a toa que "a natureza tem queda por Corupá"

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ACEITAÇÃO DE MIM

Georgina Caçador, PorTugal

Às vezes, nem é o vento Que recebo no rosto, Nem o que faço Na medida do que gosto. Nem é a rima Que chega de surpresa. Nem a palavra que me deixa presa.

Não vá eu chegar, Depois da vontade, Da vontade de partir. Aquietar-me no conforto De cada dia um dia Não me traz nada, Nem sequer alegria. Parto sem retorno Para uma vida. Para a minha vida. Sempre a sentir Que lá atrás, ela me fugia.

Nem são os dias Que se fazem compridos, Nem os sonhos Que eu deixo esquecidos. Nem são os teus olhos Que eu deixo para trás, Enquanto os meus pés Se afastam ligeiros Do que sou capaz. É mais a lonjura… Que sinto ser minha, Na promessa que sei Nada ter de doçura. Éacreditar no meu sentir. É apressar-me a procurar 9


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SENTIMENTOS DEFINEM ESCOLHAS?

Maria Teresa Freire – Curitiba, PR

Há aprendizagem na diversão. Há cultura na diversão. Que diversão seria essa que me proporciona aprimoramento do meu conhecimento? Que diversão seria essa que me faz refletir sobre aspectos da vida que nem sempre assumem caráter destacado no dia a dia? A escolha é sempre minha. Nossa. Deve ser. Com a tecnologia streaming e um pouco mais de tempo à minha disposição escolho o que fazer. E as séries enchem a tela da televisão, do computador e até do celular. E de imagem em imagem decido uma. Série. Histó-

ria de defesa do país contra a dominação de outro. Há tempos atrás. Uma luta escondida, na noite escura, nos becos vazios, nas ruas sem movimento, na madrugada silenciosa. Nos aparecimentos rápidos e surpreendentes, que defendem os desprotegidos, enfrentam os agres s ores e buscam por um pouco mais de equilíbrio justiceiro. Um amor floresce nesse meio de defesa pela liberdade, de armas em punho, de solidariedade, de sonhos, de corações em uníssono.

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Um amor que apoia e combate junto. Assisto a força e a coragem enfrentarem poderosos e manterem a esperança e o ideal de um povo. Uma conexão entre dois seres humanos que vai além da violência, da agressão aos sentimentos e da coerção. Um entendimento que se apoia no compartilhamento de pensamentos, de realizações, da vontade de ser livre e ter o controle de sua vida. Que se fortalece na força de amar e ser amado. Outra escolha me leva para uma época passada, em que os


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sentimentos foram sacrificados por questões de honra e políticas. Nada diferente do que temos. Entretanto, acompanho como a resiliência pode se manifestar intensamente a fim de proteger a lucidez e a sobrevivência de uma mulher, que se viu forçada a aceitar os desígnios familiares e desistir do futuro promissor e amoroso que havia traçado para si mesma. Não teve outra opção senão lidar com a adversidade apoiando-se na sua persistência e na sua flexibilidade para superar o impacto e sobreviver lidando com a dor, a saudade e a rotina. A arte (pintura) e os filhos foram pilares para viver em equilíbrio e acalentar o amor distante que permaneceu into cado em seu coração e na sua mente. E que se tornou pre-

sente, apoiador e ete r na m e nte f i e l, em acordo com a ex i g ê n c i a s o c i a l. Quantas mulheres essa personagem e s p e l h a? Q u a n tas assim agiram e agem, na antiguidade e na atualidade, a fim de manterem o bem-estar familiar e social em detrimento do pessoal? Uma opção diferente,

trazendo os tempos atuais para o foco deste texto, diz respeito à incoerência humana em separar países em função de visões políticas e ideológicas opostas. Todavia, o ser humano enc ontra uma brecha para burlar a imposição, a restrição, a limitação. Em busca da felici11

dade, da alegria e do amor, o ser humano ultrapassa barreiras de vários tipos em uma luta insana para não se afogar na indiferença, na desumanidade, na crueldade. Muitas ve z e s c o n s e g u e. Outras não. Assim, a história da televisão, das telas do computador e do celular se reproduz na realidade. Q uantas pessoas tem suc es s o em vencer os obstáculos da vida, tantas outras não. Encontrei diversão ao assistir as séries? Sim, muitas risadas dei. Também me entristeci, aprendi, confirmei a história real como pano de fundo de uma ‘diversão’. O mais imp or tante: rec o nheci os dramas humanos nas imagens em movimento. O movimento que é nosso, seu, meu. Escolha a sua diversão!


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A MAIOR PROVA DE AMOR

André Luiz Martins de Almeida – Queimados, RJ

Suponhamos que um lugar, algo, uma coisa ou alguém tu ames! Que de tão importante, para ti, de amor te inflames! Tanto o teu ser, quanto o teu coração. São preenchidos de amor, com muita dedicação!

Somos responsáveis para esse amor propagar. Amor divino, a maior prova de amor foi o sangue do filho, preço a pagar! Por isso somos gratos no louvor e adoração! Jesus está na minha mente, no coração e na minha canção!

(Poema do Livro Antologia Poética “Exortações Inspiradas” -1ª Edição – 2021 – Drago Editorial)

DEUS, devido ao sacrifício de Cristo nos oferta, Generosamente todos os dias seu amor e perdão. O pecado encoberta a nossa lembrança, para que não impeça a adoração. Jesus tem que estar em nossa mente, coração e canção! Nenhum de nós tem como medir ou calcular, Tanto em tamanho quanto preço, muito menos especular, Porque foi dessa forma, que esse amor é dedicado, Que ao homem recebê-lo vem sendo ensinado. André Luiz Martins de Almeida, Nasceu em 21 de janeiro de 1970 no Rio de Janeiro. Aprendeu poesia nos livros e se inscreveu no Varal de literatura na Escola Estadual Dom Bosco em 1986, com seu primeiro poema. Em 1987 passou a escrever continuamente. Participou com seu primeiro poema do Concurso Novos Poetas – Poetize 2016, da Editora Vivara Nacional, vindo a participar de outros concursos nacionais em 2016. Atualmente está na Reserva da MB e publicou seu primeiro livro, “Antologia Poética – Aspirações de um Discípulo” pela Drago Editorial em 2019]. 12


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e pelo trabalho de toda uma existência. Muito cansado na limpeza dos estragos causados pela tragédia, seus olhos SER azuis lacrimejantes CATARINENSE não escondiam a dor (ENXURRADA que nesse momento – PRESIDENTE sentia. GETÚLIO-2020) Edltraud Zimmermann S e r Cat a r i n e n s e! Fonseca – Indaial, SC Que orgulho! Nós, os “A g ente p er d eu “catarinas”, somos tudo, só ficou a vida forjados como o aço. e a esperança “. Quantas tragédias já Depoimento de um morador da cidade de Presidente Getúlio, destruída pela enxurrada, a um repórter. -----X------“A enxurrada levou tudo, não deixou nem superamos: Blumeuma chave de fenda nau, 1983; Braço do que pudesse ajudar Baú, 2008; Tubarão, a gente a reconstruir 1974, tão bem docunossas vidas. Mas mentada no livro “A tenho forças para enchente – Tubarão recomeçar e con- 74 – A Catástrofe” -, quistar tudo o que foi de autoria do amigo perdido.” É a voz do e escritor e historiacatarinense que se dor Pedro Alberice; faz ouvir. Palavras de “ Ciclone B omba”, um senhor de cabe- 2020 e tantas outras los brancos, pele tragédias. enrugada pelo tempo Sempre me orgu-

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lhei de ser filha desse estado e fazer parte da família catarinense: forte, corajosa, generosa, participativa, lutadora, nunca permanecendo de joelhos conformada pela queda. Não! Ele se ergue mesmo que as pernas se transformem em fumaça. Sou uma mulher com incontáveis motivos para sentir orgulho: ter cumprido minha meta de vida, ter constituído uma linda família honrada, dignos trabalhadores; ter empregos que me ensinaram a crescer dentro daquilo a que me propus a realizar. Nesta pirâmide da vida é o orgulho da minha natalidade, ou seja, de ser catarinens e, que me proporcionou todas as minhas conquistas. Obrigada, Deus!


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ÁGUAS DE MARÇO

O AMOR

Selma Franzoi Ayala – Jaraguá do Sul, SC

Erna Pidner – Ipatinga, MG

A vida escureceu o lado feliz de meu coração, momento cruel: saudade, separação. A noite é de uma tristeza infinita e a saudade na noite negra chega como um lamento aprisionado como a luz de uma estrela esquecida como um sonho, uma ilusão perdida… Como um vento frio em noites de tempestade a vida escureceu o lado feliz de meus sonhos momento cruel: saudade, separação.

À procura do amor Andei por terras distantes Em minha imaginação. Num deserto causticante Pés descalços, no caminho Um oásis de ternura. Prendi a respiração! Não era ali o lugar Em que o haveria de encontrar... O amor é muito mais Que uma simples ternura Levando a criatura A sublime bem querer, Nem somenos é paixão Pairando avassaladora Em alcovas sensuais... Amor é aurora de luz Lastro de ouro mais puro Das jazidas da emoção, Diamante lapidado Nos reveses da existência, Rocha de cristal sem falhas Visão cósmica centrada No canto alegre da cigarra Botão de rosa entreaberto noite estrelada, Sol ardente. O amor é simplesmente Sonata em dó maior; Canção de muito valor Na orquestra do Criador! 14


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JORGE, O GATO

Tamara Zimmermann Fonseca – Indaial, SC

Chegou pequeno e assustado! Depois de um gostoso banho e das pulgas retiradas de seu pequeno corpo, saiu desbravando a casa e o quintal! Foi recebido pelos novos amigos, os cães, com curiosidade meticulosa. Cheirado, lambido, perseguido e por fim amado. Tem sua própria cama, ao lado do sofá da sala, mas prefere se deitar junto a turma de quatro patas. Tenho a impressão de que ele acredita ser um cachorrinho. Mas ao mirá-lo lavando-se, num cerimonial digno de ginastas e contorcionistas, não tenho dúvidas, Jorge sabe bem que é um felino e não se faz de rogado. Causa

espanto em todos, sua habilidade na arte da escalada e salto em altura. Acorda cedo, respeita o horário de todos em casa, iniciando silenciosamente o ritual de desfilar a passos elegantes pelos cômodos. Ao perceber que levantamos, Jorge mia, avisando que

está com fome e segue para o “quadradinho” onde está o comedor e, astuto, aguarda a ração chegando, devorando-a em seguida! Os cães vão levantando-se um por um e, ao abrirmos a porta, a matilha sai em disparada para o quintal, para fazer o que todos nós fazemos logo que 15

acordamos. Jorge de barriga cheia, como num passe de mágica, já está lá, com os seus amigos cães, brincando por entres flores e folhagens, correndo atrás deles e eles de Jorge, é uma cena muito divertida! Jorge, ousado provo c a Pi t i, Pe p e, Neném e Floor, é mesmo um bebezinho, pula por cima deles, morde, chama para brincar, eles entram na brincadeira e a festa está feita, ficam um bom tempo nessa farra! São nossas companhias no decorrer do dia, não nos deixam sós, gostam de estar conosco e amamos estar com eles! J o r g e c h e ga e m nosso lar para participar ativamente dessa terapia que temos o prazer de ter em casa, dá-nos exemplo de respeito, admiração, harmonia, paz e muito amor. Bem-vindo, Jorge!


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MINHA SEDE Teresinka Pereira – Estados Unidos

RELÓGIOS Aracely Braz

Relógio de minha infância Muito apressado batia. Quero ser homem, dizia, Tentando o compasso avançar. Relógio da adolescência Espaço de glória, ilusões, De chuva, sol, emoções - Quem dera o tempo parar! No desgaste do caminho, A fadiga na cadência Já deixa transparecer: São batidas calejadas Lembranças, traços, saudade, Mas continua a bater. Relógio é coração Narrando páginas idas De frases quase esquecidas. Sonhos, poemas, canções, Detalhes de gerações, Batidas marcando a vida.

Há pedaços de sonhos neste ramo florido e há mãos invisíveis atrás do silêncio. Há um tempo ferido separado da paisagem. Pelo momento ninguém se move. Só um pouco de vento malicioso e árido. Entretanto, a morte se esconde entre as margens. Minha sede não se acalma Um latido longínquo Inquietando e não cessa. Ai! Não cessa... nem pode cessar. 16


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TEIMOSIA DE VELHO

Afonso Rocha – Florianópolis, SC

Zeca do Canto, na verdade José Jesus de Freiras, também conhecido por JJ, residia no canto da rua, daí a alcunha, paranaense que chegara ao Desterro há mais de meio século. Por assim dizer, e sem favor, já se considerava manezinho de gema. A vida nunca lhe fora grata. Sem estudos, sem profissão defendia, ia vivendo e trabalhando naquilo q u e a p a r e c e s s e. Umas vezes ajudava a fazer entregas; outras a lavar carros; outros como piscineiro, e outras ainda como zelador, mas o que gostava mesmo era de jardinar. Ultimamente era o que

mais fazia e até já tinha uma “carteira" de clientes certos bastante significativa. Apesar destes entreténs, que lhe garantiam um sustento aprazível nos gastos da casa, Zé do Canto ainda comparecia nos finais de tarde, pontualmente, no clube do carteado que funcionava no jardim público da comunidade. Aí se encontravam outros, na sua maioria aposentados ou desempregados de longa duração. Funcionavam como família. Todos se preocupavam se algum ficasse doente ou atravessasse

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algum problema fora do comum. Desde que apareceu essa tal de pandemia o grupo baixou drasticamente, estando reduzido, nos últimos tempos, a seis ou sete. Mas esses, resistentes da velha guarda como se costumavam intitular, teimosamente, pelo menos duas a três vezes por semana, lá estavam eles sentados frente às mesinhas de concreto que a prefeitura instalara na praceta. E esses seis ou sete da velha guarda não eram só resistentes; eram também teimosos, e muito, porque não acatavam os conselhos


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da vigilância sanitária para ficarem em casa, para saírem somente em casos de extrema necessidade e mesmo assim, tomando todos os cuidados sanitários, evitando, por precaução, os ajuntamentos e usando sempre máscara. Usar máscara até que usavam, mas como adereço facial e não porque acreditavam na sua necessidade. Protegiam mais o queixo do que a boca e o nariz. Então Zé do Canto era um castiço e um abusador, sempre de cigarro fumegante no canto da boca, puxava a máscara pró queixo, e lá andava ele de trabalho em trabalho, de carteado em carteado, de ônibus ou a pé. O argumento deles era que, na fase de suas vidas, jogar carteado e conviver com amigos e familiares era da

mais alta relevância. Mesmo sabendo que outros amigos ou conhecidos estavam a fazer a última viagem, argumentavam que “se já foram é porque já chegou a sua vez”. A teimosia era tanta que um dia a guarda municipal os escorraçou da praceta e avisou que caso voltassem seriam multados. No dia seguinte, voltaram. Em menor número, mas voltaram. Dois dias depois, já só vieram três. Zé do Canto pergunta pelo Adélio: ontem sentiu-se a tremer, com uma pitada de febre, foi à

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UPA e não o deixaram vir embora. Isso é coisa de estúpidos, comenta o Manel. Onde já se viu prender no hospital um h o m e m p o r uma gripezinha. Pois é, resmunga o Adélio. Semana seguinte só compareceram o Adélio e o Manel. Voltaram novamente na semana a seguir os dois. Uns dias antes Zé d o Ca n t o s e n t i u uma tremedeira nas pernas, um abafo no respirar e já não jardinou mais. Levaram-nos para o hospital. E de lá não voltou, sem dizer adeus aos amigos do carteado.


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MAR DA MINHA ILHA

Maura Soares – Florianópolis, SC

Mar da minha Ilha,

canções

mar que entrega ao pescador seu produto

Mar... que sofre a poluição de pessoas

Mar... onde a criança brinca de pular

que sem juízo,

em suas ondas

que é preciso a sua preservação.

não entendem

Mar... onde o jovem brinca de parapente,

Mar que inspira o pintor em sua criação

surfa nas suas águas com ondas maiores

Mar da minha Ilha, para ti eu fiz esta canção.

Mar da minha Ilha, em que eu, por problemas, não aprendi a nadar,

26.5.2020 – 11.30h [In: Com as letras do meu nome…escrevo, p.19]

mas não deixei de nele me banhar.

MAURA SOARES

Mar... que inspira muitas

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LIVROS À PORTA

Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completou 40 anos em 2020. Http:// luizcarlosamorim. blogspot.com.br

As artes nos salvaram e nos salvam nesses tempos de pandemia que já lá vão passando de um ano de duração. E a literatura é uma dessas artes que mais nos acalentaram, que nos ocuparam no muito de tempo que tínhamos para preencher. A leitura de livros os mais diversos, mas principalmente os romances, encheram os tantos dias que precisávamos ficar em casa – e ainda precisamos, só devemos sair

quando muito necessário. Foram os livros que nos contaram inúmeras histórias, nos divertindo, nos emocionando, nos e n s i n a n d o, m a n tendo nossas mentes ocupadas e livres da depressão. Livro, esse objeto que não precisa de eletricidade para funcionar, não precisa de nenhum aparelho para que possamos usufruí-lo, a não ser nossos olhos. Esse objeto mágico que nos possibilita recriar un i ver s os, v i da s, emoções, sentimentos. Então, nesse ano de pandemia, o livro foi protagonista. Com o meses de confinamento, tudo fechado, inclusive as livra-

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rias, a gente catava tudo o que tinha, mesmo o que já tinha sido lido e líamos de novo. A pandemia fez com que lêssemos até aqueles livros que foram ficando nas prateleiras para serem lidos depois e depois e depois. Tivemos tempo para ler tudo. E até quem não gostava de ler livros digitais, virtuais, como quer que o chamemos, passou a comprar livros em e-book ou puxar livros grátis na internet, que os há e muitos. Não sei se muitos daqueles que não liam passaram a ler – espero que sim, que novos leitores tenham se formado – mas o que sei é que aqueles que já liam


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passaram a ler muito mais. E nessa dificuldade de se conseguir novos títulos para aproveitarmos nosso tempo livre, uma novidade surgiu, em Portugal, para que pudéssemos continuar a ler livros impressos, que muitos de nós os preferimos, apesar de flertarmos com os e-books. Uma livraria da terrinha, mesmo fechada, começou a

receber os pedidos de livros e a fazer a entrega a domicílio. Sim, os livros comprados chegando à porta da casa do leitor. Não é sensacional? Mesmo com o vaivém do confinamento, com o abre-e-fecha disso e daquilo, os portugueses de Lisboa podem comprar livros e rec ebê -los em seguida no conforto do lar. É claro que a compra pela inter-

net em grandes lojas continua, mas esse atendimento personalizado é uma coisa prática muito simpática, coisa para fidelizar o cliente e afagar o coração do leitor. Uma iniciativa que parece simples mas não é, pois demanda pessoal para a entrega, numa época em que precisamos pensar duas vezes antes de sair. E presenteia os clientes da loja que teve a ideia com um carinho que jamais vai ser esquecido. Numa época em que um gesto assim faz a maior diferença. Que mais iniciativas assim sejam possíveis. Porque ler é preciso e deve ser possível.

EXPEDIENTE SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA – Edição 156 – Março/2021 – Ano 40 Edições A ILHA – Contato: lcaescritor@gmail.com e revisaolca@gmail.com A ILHA na Inter net: Por t al PROSA , POESIA & CIA .: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br Os textos publicados nesta revista são de responsabilidade de seus autores. A revista não se responsabiliza pela opinião dos escritores, que não reflete, necessariamente, a da revista. 21


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DOMINGO PERFEITO MAS NÃO TANTO FLÁVIO AUGUSTO ORSI DE CAMARGO - Vacaria, RS

Domingo perfeito. Grama verdinha. Céu azul. Andorinhas. As netinhas da vizinha todas faceiras correndo atrás das borboletas.

bicos de passarinhos abandonados no ninho. A cena não combinou com meu jardim nem com as netas da vizinha menos ainda com a fachada de mármore do prédio ao longe e com a balela do Brasil Sem Fome.

Toca a campainha. Meio irritado, que droga, logo agora que o poema tava ficando porreta!

Se pudesse como tantos resolveria isto. Vendia esta casa e comprava outra num condomínio fechado.

Um jovem casal atendi: Viemos da fronteira procurar emprego. Não conseguimos. Estamos com fome.

Aí quem sabe o meu domingo voltaria a ser perfeito.

Entreguei dois pratos de comida. Olhos ansiosos acompanharam o gesto.

Ou não?

Obriga…do… senhor De...us… lhe... pague… muito... o... brigado. Pedaços de carne e feijão entre palavras e garfadas caiam pelas bocas que mais pareciam 22


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DIA DO LEITOR

Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completou 40 anos em 2020. Http:// luizcarlosamorim. blogspot.com.br

Dia 7 de fevereiro foi o dia Nacional do Leitor. Eu nem sabia que existia este dia, mas gosto da ideia, pois é mais um dia no qual podemos aproveitar para refletir sobre o acesso à leitura por parte de todas as camadas da população. Principalmente agora, em tempos de pandemia, quando a tendência é ler mais, já que precisamos ficar mais tempo em casa. Infelizmente, o número de leitores parece não ter a tendência de crescer, a

julgar pela qualidade do nosso ensino, da n o s s a e d u c a ç ã o, que com a pandemia ficam mais prejudicados ainda, uma vez que as escolas não estão podendo funcionar, para evitar aglomeração. A verdade é que a educação brasileira vem possibilitando cada vez menos que os leitores em formação saiam dos primeiros anos do primeiro grau gostando de ler. Pior, os estudantes do ensino fundamental estão chegando ao terceiro, quarto ano sem saber, efetivamente, ler e escrever, e não é de agora. Esse desmonte da educação já vem de

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décadas e é feito justamente pelos nossos “governantes, que deveriam zelar pela sua melhora. Nossas escolas públicas estão, literalmente caindo aos pedaços, os professores não são qualificados como deveriam e não são pagos condignamente e as próprias modificações que o poder público faz na educação – como mudar a maneira de alfabetizar as crianças, aumentar o prazo para que as crianças sejam alfabetizadas, tentando legalizar a falência do ensino, e transformar as 13 ou mais disciplinas do ensino fundamental e médio em apenas quatro


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áreas – são uma óbvia tentativa de diminuir o conteúdo curricular, diminuindo ainda mais a qualidade que já era ruim. Então nossos leitores em formação não são levados, infelizmente, a ter o hábito e o gosto pela leitura, com algumas exceções, pois conheço professores que fazem um trabalho excepcional neste sentido. A qualidade da educação brasileira tem que mudar, tem que se elevar, o ensino fundamental e médio tem que ser olhado com mais carinho, com mais dedicação, com mais responsabilidade

pelos nossos governantes, que parecem querer que o povo seja mais ignorante, para que não reivindique seus direitos. A educação tem que ser resgatada neste nosso país, urgentemente. A leitura abre as portas do conhecimento, da imaginação, da criatividade. A leitura abre as portas para o nosso futuro. Precisamos trabalhar para que mais e mais brasileiros tenham acesso ao livro, não só no sentido de fazer com que eles adquiram a capacidade e o gosto pela leitura, mas que possam

comprar livros, esse produto que ainda é caro para a maior parte da população, ainda que usufrua de algumas isenções. Você, que pode comprar livros, não os deixe guardados em prateleiras ou gavetas. Troque-os, doe-os, empreste-os. É assim, também dessa maneira, que podemos fazer a nossa parte e colaborar para que aumente o número de leitores neste nosso imenso Brasil. Se cada um de nós fizer um pouquinho, o resultado geral pode ser bem animador.

REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com

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OUTONO

Pierre Aderne Lisboa, Portugal

SÉCULO XXI

Denis Koulentianos (Grécia)

Esqueceram-se de cantar, de brincar, de assobiar. Caminhamos apressados com os pescoços abotoados sob escuros céus, eu... tu... todos... Talvez ocultemos uma alma, uma carícia, um sorriso. Hoje, circulamos com falta de Deus. Temos os pés de ferro, mãos plásticas e os olhos vidrados. Como abraçaremos Ao século que aí está com mãos de plástico e olhos vidrados e a boca coberta?

o outono vem chegando com seus tons de damasco e sapoti vem estender o tapete pra ela desfilar pintando o chão com a seda do jacarandá já ouço sua voz, já sinto sua luz vem a passos de vento do Tejo pro Rossio trazendo nas mão folhas para os versos que crio

(Tradução de Teresinka Pereira)

quase na hora da lua se esconder pra árvore se despir quase na hora das vinhas vestirem dourado e castanho pra pintar esse amor sem peso e sem tamanho 25


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CLARICE LISPECTOR E A INTERNET Comparada a Virgínia Woolf e James Joyce, considerada hermética, permeada por experimentação linguística, entrelinhas e "silêncios", com enredo praticamente inexistente e quebra das regras de pontuação — romance iniciando com vírgula e terminando com dois pontos, por exemplo — a obra de Clarice Lispector (1920-1977) não é de fácil leitura. Ainda assim, a escritora, que se viva, teria completado 100 anos no dia 10 de dezembro de 2020, é uma das mais citadas na internet — mesmo que, paradoxalmente, muitos dos textos e frases atribuídos a ela não sejam seus.

Em seu livro "Para amar Clarice – Como descobrir a apreciar os aspectos inovadores de sua obra", a escritora e professora de literatura Emilia A m a r a l e s c r eve u que Clarice Lispector "viveu e escreveu sob os signos da fascinação e paradoxo: adorada por muitos, eleita como objeto

de várias tendências críticas, ao mesmo tempo avessa a diferenciações de gênero, entre outras categorias classificatórias. Bastante citada, adulterada, popularizada por um viés pseudofilosofante, a escritora é simultaneamente considerada hermética". Nascida Chaya (ou 26

Haya, para alguns) Pinkhasovna Lispector, em Chechelnyk, na Ucrânia, ela chegou ao Brasil ainda bebê, em 1922, com sua família que fugia para o Brasil devido à perseguição aos judeus depois da Revolução Russa de 1917. Os Lispector chegaram a Maceió, de onde mudaram para Recife, em 1924, e daí para o Rio de Janeiro, em 1935, cidade em que se estabelecem definitivamente. No Brasil, os membros da família aportuguesaram seus nomes. O pai Pinkhas ou Pinkhouss passou a ser Pedro, e a mãe Marian ou Mania transformou-se em Marieta. Das filhas, Leah virou Elisa; Tcharna, Tânia; e Chaya, Clarice. Ca s a da c o m um diplomata brasileiro, a escritora morou fora do país de 1944 a 1959 (Itália, Suíça, Inglaterra e Esta-


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dos Unidos), quando se separou e retornou ao Brasil, onde viveu até sua morte, em 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu aniversário de 57 anos. Em relação à obra de Clarice, Noeli Lisbôa, mestre em Teorias do Texto e do Discurso, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que nos romances praticamente não há enredo. "De tal modo que a escritora afirma em Água Viva: 'gênero não me pega mais', porque ela rompe realmente com a estrutura dos gêne-

ros literários", explica. "O que me interessa realmente na Clarice é o questionamento que ela faz da linguagem, de seus limites, de sua incapacidade de expressar a vivência humana. Há duas frases dela que são expressivas disso: 'Viver não é relatável' e 'A realidade não tem sinônimos'. A obra dela me parece extremamente importante, porque é inovadora exatamente neste questionamento que faz da linguagem." Segun d o A maral, autora do livro sobre Clarice, o que se destaca em sua obra é a interioridade das personagens, seus movimentos de alienação e de busca de

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transcendência. "A palavra 'clariceana' quer ser a coisa que ela representa, daí a linguagem ser toda permeada por entrelinhas, por meio das quais se pretende ir além do dito", explica, em entrevista à BBC News Brasil. "Trata-se de uma literatura metalinguística, que se indaga enquanto se realiza, conquis-


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tando tanto pelo processo do escrever quanto pelo produto: o texto." Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, na obra de Clarice há um voltar-se para dentro de si, para a experiência interior, para o impacto das coisas no mundo na subjetividade de suas personagens. "Tal experiência interior, radicalmente oposta, é desagregadora, pois revela a estranheza de cada um, aquilo que não corresponde aos papéis sociais vividos na rotina", explica. "Em Clarice, é uma experiência de linguagem, ou de busca de uma linguagem capaz

de dar conta dessa estranheza." O professor Arnaldo Franco Jr., da Universidade Estadual Paulista, diz que Clarice Lispector está entre os grandes criadores no campo da literatura. "Sua obra, marcada pelo hibridismo de gêneros, pela experimentação linguística, pela afirmação de uma ótica feminina contribuiu para ampliar os valores temático-formais do sistema literário brasileiro", explica. "Pode-se dizer que, a partir da tradução de seus textos, ela afetou também literaturas de outros países. Ela faz uma literatura que perturba o leitor, instalando uma perspectiva crítica em relação aos esquematismos, que coisificam o viver e alienam o ser humano do contato vigoroso consigo próprio, com o outro, com a vida." De acordo com ele, talvez a

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grande marca da obra de Clarice Lispector seja a afirmação da liberdade de criar sem subordinação a normas, critérios e parâmetros idealizados do que deva ser o texto literário. "Junto dessa afirmação, que afeta os p la n os temá tico e formal de sua literatura, afirma-se, também, uma desconfiança permanente em relação à linguagem, aos jogos de poder e hierarquia estabelecidos entre o eu e o outro, a valores e práticas idealizados socialmente", acrescenta. (Foto: Editora Rocco/ Divulgação)


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DESABRACADABRA

CREPÚSCULO DE VERÃO

Jacqueline Aisenman – Genebra, Suiça

Júlio de Queiroz

O sol, poente dourado, Tinge de mel o casario E o reflete no mar acalmado A recolher-se desde a areia tostada. Há um gosto de eternidade no ar. Um anjo estouvado Entornou no mar O azul que era só Para o céu de Florianópolis, No paraíso, Até bobagem vira beleza.

Desbravando caminhos desfazendo e tecendo ninhos. Desbravadora derrubando as árvores sacudindo os medos vencendo segredos ditadora! Cada estrada aberta Uma porta fecha Abre o passo incerta Parte e se interessa... Transamazônica ilusória e militar Guerra transgênica eufórica, instava! Cada trecho um inimigo Cada inimigo um espinho Cada espinho uma porta Cada porta uma batida Cada batida uma dor. Acabou. Não tem mais. Não tem mágica. Mais que nada. Se acaba. Acaba. Abra. Cada. Dá. Abra. Dá... Desacabradou.

LÍNGUA À BRASILEIRA Que qu´ocê pôs no feijão? “Ponhei ólio, sal e loro.” Não é “ponhei”, é “pus”. “Credo! Esse nojo não ponhei, não!” 29


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“OS SERTÕES” TEM QUE SER LIDO SEMPRE

"Euc li des viu de perto, pela primeira vez, o povo brasileiro. Viu que o povo brasileiro é mestiço, messiânico, analfabeto, e não os brancos ricos do Rio de Janeiro", afirmou Walnice Nogueira Galvão, ensaísta e crítica literária, ao referir-se a Os Sertões durante uma conferência. "Os Sertões é uma colcha de retalhos de muitas outras narrativas", explic ou Galvão, ao lembrar que, ainda que esconda o fato hermeticamente em sua obra-prima, o autor passou apenas três semanas em

Canudos e valeu-se, em grande medida, do testemunho de terceiros para construir seu relato. Euclides debruçou-se sobre o massacre de Canudos ao perceber a desonestidade dos relatos oficiais que publicavam-se à época. "Não foi Trump quem inventou as fake news. Os repórteres que cobriram Canudos eram militares, muitos deles combatentes, e publicavam notícias falsas sobre o suposto perigo que aquelas pessoas r e p r e s e n t a v a m ", explicou a especialista. O próprio Euclides, no entanto, vinha de formação militar, o que supôs um conflito que, para Galvão, também ficou impresso no livro. "O leitor pode acompanhar na obra a tensão e o sofrimento de quem a escreve. Ele 30

acreditava verdadeiramente em uma instituição que agora matava o povo que deveria proteger". A especialista também compartilhou com o público detalhes curiosos do escritor. Os Sertões, publicado em 19 0 2 , b a t e u u m recorde brasileiro à época ao ganhar três edições nos três primeiros anos de publicação. Isso deu rédea solta, de acordo com Galvão, ao "transtorno obsessivo-compulsivo emendador" de Euclides. De acordo com a especialista, durante esse período, o escritor apagou, uma por uma, cerca de mil "vírgulas vagabundas" da primeira edição. Na Flip de 2019, o público também pôde deliciar-se com o espetáculo Mutação de Apoteose, inspirada em um


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trecho de A Terra, primeira parte do clássico de Euclides, com direção ar tística da atriz Camila Mota. A montagem nasceu no Teatro Oficina, que criou-a na década passada a partir de canções de nomes como Adriana Calcanhotto, Chico César, Tom Zé e Arnaldo Antunes para as adaptações das obras de Euclides. "Euclides da Cunha é um autor que imprime muita oralidade na escrita, que inevitavelmente se transformou em música na aventura de transpor o livro para o teatro. Agora, é uma nova transpo-

sição, que parte da matéria criada pela encenação do Teatro Oficina, mas coloca novamente as palavras cantadas como motor do espetáculo”, declarou Mota à imprensa. “Voltar a Os Sertões, que revelou a força estética das insurreições, das lutas contra o martírio da terra, é m u i t o i m p o r t a n te neste momento, em que devemos invocar inteligência, clareza, interpretação e eloquência", concluiu. Fazendo eco de suas palavras, Walnice Galvão encerrou lembrando que as violências narradas na obra euclidiana perduram na sociedade brasileira atual. "Os Sertões tem que ser lido todos os dias, enquanto persistir a situação dos pobres brasileiros. Enquanto ocorrer o genocídio dos jovens negros nas favelas de São Paulo, a militarização das 31

comunidades do Rio de Janeiro, enquanto ac o nte c erem t ra gédias como as de Mariana e Brumadinho", disse, ante os aplausos da plateia. Minutos depois, o palco foi tomado por imagens da crueldade brasileira: o assassinato de Marielle Franco, os mais de 80 tiros que mataram Evaldo dos Santos, a morte de Marcos Vinícius, de 14 anos, baleado durante operação policial na Favela da Maré quando ia para a escola. A música que começou na sequência não suavizou a dureza da mensagem.


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CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE

CAVADOR DO INFINITO Cruz e Sousa

Mario Quintana

Com a lâmpada do Sonho desce aflito E sobe aos mundos mais imponderáveis, Vai abafando as queixas implacáveis, Da alma o profundo e soluçado grito. Ânsias, desejos, tudo a fogo, escrito Sente, em redor, nos astros inefáveis. Cava nas fundas eras insondáveis O cavador do trágico Infinito.

Tão bom viver dia a dia... A vida assim, jamais cansa... Viver tão só de momentos Como estas nuvens no céu...

E quanto mais pelo Infinito cava mais o Infinito se transforma em lava E o cavador se perde nas distâncias...

E só ganhar, toda a vida, Inexperiência... esperança... E a rosa louca dos ventos Presa à copa do chapéu.

Alto levanta a lâmpada do Sonho. E como seu vulto pálido e tristonho Cava os abismos das eternas ânsias!

Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua, Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança Das outras vezes perdidas, Atiro a rosa do sonho Nas tuas mãos distraídas... 32


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MERCADO EDITORIAL

No ano passado, Sa ra i va e L i v ra ria Cultura, duas da maiores redes de varejo de livros d o país p e diram recuperação judicial — a Cultura, aliás, é a representante da plataforma Kobo no Brasil. O mesmo ocorreu com a distribuidora BookPartners. Além disso, a rede de livrarias L aselva , que tinha pedido recuperação judicial em 2013, enfim decretou falência em 2018. A crise obviamente reverbera nas editoras, que não recebem os

pagamentos devidos. Quando pediu recuperação judicial, a Saraiva informou à Justiça ter uma dívida de 675 milhões de reais. Foi nesse contexto que a editora Cosac Naif y fechou as portas melancolicamente em 2015. Um ano depois, em mais uma demonstração de força, a Amazon comprou parte do passivo, de 230.000 livros, e poupou a falida editora do fardo de estocá-los, mas não do desconforto de lidar com as notícias de que a outra parte do acervo teria de ser destruída e transformada em 33

aparas. Ao lamentar no seu blog os "dias mais difíceis" para os livros no Brasil, o presidente do Grupo Companhia da s Letra s, Luiz Schwarcz, escreveu em novembro do ano passado que "as editoras ficaram sem 40% ou mais dos seus recebimentos" por conta da crise nas redes de livrarias. "Passei por um dos piores momentos da minha vida pessoal e profissional quando, pela primeira vez em 32 anos, tive q ue d em i t ir s ei s funcionários que faziam par te da Companhia há tempos", escreveu o editor, acrescentando linhas depois: "Numa reunião para prestar esclarecimentos sobre aquele triste e inédito acontecimento, uma funcionária me perguntou se as demissões


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se limitariam àquelas seis. Com sinceridade e a voz embargada, disse que não tinha como garantir". Numa situação dessas, não é de se espantar que um autor estreante como J. L. Amaral tenha buscado refúgio na autopublicação. Após trabalhar 20 anos como bancário, esse publicitário por formação resolveu parar tudo para tentar uma c a r r e i r a l i ter á r ia . Em janeiro de 2017, enviou seu Entre pontos para cinco editoras. Em setembro daquele ano, como não tinha recebido nenhuma resposta, resolveu publicar o livro por conta própria, no KDP. Três meses depois,

estava entre os finalistas do Prêmio Kindle daquele ano. “Enquanto o mercado não se estabilizar, vai ser difícil ter um espaço à sombra”, constata o autor, que publicou Borboletas azuis pela mesma plataforma no ano passado e, enquanto escreve o terceiro livro, tenta aprimorar sua formação como escritor e roteirista. Em contraste com as redes físicas de livros, os ambientes virtuais têm celebrado crescimento. A Amazon não revela seus números, mas só no prêmio promovido neste ano foram 1.500 livros inscritos. O Clube de Autores, que permite publicar livros digitais e físicos, diz lançar 40 34

obras por dia em sua plataforma e celebrou no ano passado um crescimento de 30%, como registra o portal Publishnews. A Bibliomundi, outra plataforma digital, publicou 931 livros no ano passado e diz que dobrou seus registros de au to r e s i n d e p e n dentes. São poucos, contudo, os que conseguem andar com as próprias pernas no mundo da literatura. Eliana Cardoso, que ganhou o último Prêmio Kindle, confessa expectativa quando à relação que pode vir a desenvolver com a Nova Fronteira após a publicação de Dama de paus, mas seu próximo projeto literário, um livro infantil, já tem destino certo: o Kindle Direct Publishing. “A Nova Fronteira não está trabalhando nesta área, e o KDP oferece um aplicativo só para livros infantis”.


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ESPERANÇA

(escritor cubano não identificado)

Seremos mais generosos. E muito mais comprometidos Vamos entender o quão frágil significa estar vivo Sentiremos empatia por quem está e quem se foi.

Quando a tempestade passar E amassarmos os caminhos seremos sobreviventes de um naufrágio coletivo. Com o coração choroso e o destino abençoado Nós nos sentiremos felizes Só por estarmos vivos.

Sentiremos falta do velho que pedia uma esmola no mercado, que você não lhe sabia o nome e sempre esteve ao seu lado.

E nós daremos um abraço ao primeiro desconhecido e louvaremos a sorte de manter um amigo.

E talvez o velho pobre Fosse Deus disfarçado. Você nunca perguntou o nome Porque estava sempre com pressa.

E aí nós vamos lembrar tudo o que perdemos e de uma vez aprenderemos tudo o que desaprendemos.

E tudo será um milagre E tudo será um legado E a vida será respeitada, Essa vida que ganhamos.

Não teremos mais inveja pois todos terão sofrido. Não teremos mais desídia. Seremos mais compassivos.

Quando a tempestade passar Eu te peço Deus, nos perdoe. Que nos tornes melhores, como você sonhou pra gente.

Valerá mais o que é de todos. Que o jamais conseguido

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QUERER

Marli Lúcia Lisbôa(Bulucha) – São José, SC

Sim, sou algo! Ou melh or devo s er algo... Ou alguém?! Hoje está sendo hoje. Já faz tempo que saí de uma bolsa interna para chegar ao lado externo. Tempo? Isso existe. Como? Por meio de um aparelho que se chama relógio. O que faço aqui é medido p o r d o i s p o n te i ros com molas, que mal vejo por meio dos meus olhos. Já pensou nisso? Eu, você, todos marcados por molinhas. Ah, ah, ah... Hora para dormir, hora para comer, hora para ir ao banheiro, hora para isso, hora para aquilo. É... hora, hora, tempo, tempo. Tempo? Você tem tempo? Eu... meu tempo é marcado. Por quê? Porque, oras, porque eu não

sou... Sou? Não sou nada. Hein? Eu tenho vontade. Sim, vontade. Vontade de fazer certas coisas. Mas eu não sei se essas coisas são certas ou erradas, lógicas ou ilógicas, não sei se são coisas de... Vontade. Que é isso? Bem, é um desejo.

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E o que é desejo? Ora, é, é... vontade. Minha nossa, o que está acontecendo comigo? Sabe o que é vontade? Então responda para você mesmo. E o que é desejo? Sabe? Então responda. Não passei além! Vontade é desejo,


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desejo é vontade. O que mais? Sinto que são parecidas, mas são diferentes… Ah! Mais a necessidade. Há quem possua v o n t a d e, d e s e j o, necessidade? Não sei! Não sei o que é isso: é querer? Quem é que tem querer? Animal? Máquina? Tempo? Não! Eu? Sei lá... isso tudo é atrapalhado. Você tem querer? S i m? P o r q u ê? Consegue responder? Então você será algo, ou quem será? Ah! Não sabe, h e i n? Vo nt a d e, d e s e j o, n e c e s s i dade... Necessidade, desejo, vontade... Querer? Sim, querer. Por quê? Eu não sei. Sou idiota por causa

disto? Então, você também é! É o tem p o c o m v o n t a d e, d e s e j o, necessidade. Eu com o tempo, vontade, desejo, necessidade. Eu... com o querer! Isso tudo, não sei bem, é complicado. Sabe explicar? Não? Então... tudo isso é... Medo. Tudo isso é o quê? De onde peguei esta palavra? Medo! Foi do computador. Qual computador? Eu não tenho isso, ou tenho? Você tem? Sabe o que é um computador? Não? Eu também! Medo.. de quê? Por quê? Para quê? De... quê? De onde? Medo... quem? Sim, medo! É o medo da vontade, 37

do desejo, da necessidade, medo de querer e do querer. Como? É o medo do porquê... de sua resposta. Por quê? É o medo do lugar, da bolsa interna, da parte externa, é o medo do... mundo. E de onde mais? Medo da... daquilo que chama de...?! Medo... Medo tem quem ou quem tem medo?! É esquisito, não?! Medo! Medo de... de quem? Eu. Você. Ele. Eles. Uns. Outros. Alguém. Medo..... nós...! Tenho medo de uns, de outros. Medo de você, dele, deles. Medo de alguém? E x i s te a l g u é m? Medo... de mim? Por que eu tenho medo? De uns, de outros, dele, deles. De você, alguém. Não sei por que tenho medo. Você sabe? Não. Por causa de que tenho medo de uns, outros, dele, deles? De você, alguém? Por causa de que


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tenho medo de todos? Sim, isso mesmo, de tudo. Por causa de certas coisas... Quais coisas? Coisas que são tudo. Tudo? Que é tudo? É...coisa! Tenho medo. Medo d e ... m i m? S i m . Te n h o m e d o d e mim, do que serei capaz de fazer, medo daquilo que faço. Medo de mim, medo de saber o que sou! O que acha disso? Medo de... mim. E você, tem medo? Do quê? Por quê? Para quê? Medo de... quem? Medo... Medo... Medo... Calma. Sim, isso aprendi. Calma, pois sou... Já estou

percebendo meu ser cansado. Sim. Vo n t a d e, d e s e j o, necessidade. Querer! Eu, você, ele, eles, uns, outros, alguém, nós, todos, tudo. Medo! Querer. Medo. C a l m a , c a n s a ç o. Descobertas! Coisas. O que mais? Sei lá... É o querer que vem da vontade, do desejo, da necessidade. É o querer que provoca... o poder!

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É o medo que vem de tudo, de todos, de nós, de alguém, de outros, de uns, deles, dele, de você, de mim. É o medo que provoca... o porquê! É o querer que dá o medo. É o medo que quer calma. É a calma que leva ao cansaço. É o cansaço que descobre. É a descoberta que me ensina coisas... Tudo. Eu de repente... Eu, e agora? Eu, respirações, o calor, o frio. Eu, vamos v e r. . .? ! C o m e r, d o r m i r, e v a c u a r, urinar. Eu... algo. Eu... vontade, desejo, necessidade... descobertas... coisas. Todos... tudo! O que mais...?! (Do livro “Hora H”)


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MUDANÇA DE IDADE Mia Couto – Angola

Para explicar os excessos do meu irmão a minha mãe dizia: está na mudança de idade. Na altura, eu não tinha idade nenhuma e o tempo era todo meu. Despontavam borbulhas no rosto do meu irmão, eu morria de inveja enquanto me perguntava: em que idade a idade muda? Que vida, escondida de mim, vivia ele? Em que adiantada estação o tempo lhe vinha comer à mão? Na espera de recompensa, eu à lua pedia uma outra idade. Respondiam-me batuques mas vinham de longe, de onde já não chega o luar. Antes de dormirmos a mãe vinha esticar os lençóis que era um modo de beijar o nosso sono. Meu anjo, não durmas triste, pedia. E eu não sabia se era comigo que ela falava. A tristeza, dizia, é uma doença envergonhada. Não aprendas a gostar dessa

doença. As suas palavras soavam mais longe que os tambores nocturnos. O que invejas, falava a mãe, não é a idade. É a vida para além do sonho. Idades mudaram-me, calaram-se tambores, na lua se anichou a materna voz. E eu já nada reclamo. Agora sei: apenas o amor nos rouba o tempo. E ainda hoje estico os lençóis antes de adormecer.

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ENÉAS ATHANÁZIO: VIDA DE ESCRITOR

Marlise Schneider Cezar – Baln. Camboriú, SC

Enéas Athanázio, catarinense de Campos Novos, que vive há quase três décadas em Balneário Camb oriú, advogado, promotor de justiça, incansável autor de 57 livros – com mais três no ‘forno’, colunista do jornal Página 3 há mais de duas décadas, é o personagem que escolhi para falar sobre um assunto que domina: livros e leitura. Tem hoje 72 obras publicadas, dos quais 57 livros, que renderam 37 prêmios. O primeiro livro ‘O Peão Negro’ foi publicado em 1973. Os últimos publicados

em 2020 fazem parte da coleção ‘Livros sobre Livros’: volume 2 ‘Autores Catarinenses’ e volume 3 ‘Ernest Hemingway’. O volume 1 da coleção foi premiado pela Academia Catarinense de Letras e Artes (ACLA), na categoria Ensaio, em dezembro d2 2019. Sobre incentivar a leitura em jovens ‘fissurados’ em celular, Enéas Athanázio deixa um sábio conselho: “Não existe receita para isso. Quando os pais são bons leitores, os filhos irão na mesma direção. Deixar livros, revistas e jornais à m ã o, e s p a l h a d o s pela casa, é um bom

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método. Comentar livros nas reuniões familiares também chama atenção, desde que todos não estejam com celular na mão…rs”. Pergunta: Gostaria de iniciar a entrevista dizendo alguma coisa a seu respeito? EA – Creio que as pessoas daqui já me conhecem, mas não custa dizer que sou Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Hoje, na verdade, sou apenas escritor, uma vez que não faço outra coisa e como no Brasil escritor não é profissão, sou um homem sem profissão, como dizia Oswald de Andrade.


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Pergunta: Quando publicou a obra de número 50, dizia que provavelmente seria a última da carreira. Felizmente hoje são 57 livros publicados e a construção segue… EA – Estou com 57 livros publicados e mais três em andamento, devendo chegar aos 60. Esse deverá ser o momento de parar e me entregar a ocupações mais apropriadas a um homem em provecta idade, encharcado de tempo e entrado em anos. Ir à praia, caminhar um pouco, contemplar o mar e

o céu, comer milho cozido e tomar água de coco e caldo de cana. Nada mais de escritos. Mas isso ainda vai demorar um pouco porque vida de escritor é um eterno esperar. A despedida será sem tristeza porque vivi na intensidade a vida do escritor, um privilégio num país pobre e que lê muito pouco. P e r g u n t a: Dat a s como o Dia Nacional do Livro (29/10) servem atualmente como uma informação histórica, já que foi criada em 1810, quando nasceu a primeira biblioteca brasileira. Ou não? EA – Tem toda razão. A data serve para sacudir a memória nacional, sempre tida como esquecida, e homenagear o livro, repositório da cultura humana e sem o qual não c he garíam os onde estamos. O livro é um amigo inestimável a merecer todas as reverências. 41

Pergunta: O livro é uma ferramenta de construção do indivíduo. Deveria fazer parte do crescimento, na família, na escola, na universidade. Por que as pessoas lêem pouco? EA – Creio que a ausência do hábito da leitura vem dos tempos coloniais. Não esquecer que a metrópole proibia as gráficas e impress oras, man dan d o destruí-las, e perseguia os leitores. Além disso, a leitura é uma atividade a dois, exige do autor e do leitor. E isso contraria a lei do menor esforço. Mas, por sorte, existe uma


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parcela da população que lê bastante, como se verifica nas grandes livrarias, editoras e no crescente mercado livreiro, inclusive de livros usados Na vida cotidiana é visível a diferença intelectual dos que lêem e dos que não o fazem. Quanto a mim, creio que não poderia viver sem eles. Minha casa é uma verdadeira livraria. Pergunta: A tecnologia é considerada um avanço no mundo contemporâneo. Quais os fatores positivos que ela trouxe para a literatura? EA – Como em tudo, ela facilitou as coisas. Divulga,

permite aquisição imediata e até publica livros inteiros. Mas não deve se transformar em adversária ou substituta do livro. Não há prazer igual a abrir um bom livro e viajar pelo mundo da imaginação e da criatividade. Há quem goste de ler na tela de um aparelho mas isso violenta os meus hábitos. Pergunta: Quando começou a se interessar pelos livros? EA – Muito cedo. O internato possuía uma biblioteca razoável e eu li toda ela. Li inclusive os livros que os padres recolhiam a outra biblioteca, talvez julgando impróprios para a nossa idade. Desde então nunca deixei de ler. O caricaturista Moura, de saudosa memória, fez uma caricatura minha, já bem velhinho, e com um livro na mão. Perguntei a ele a razão do livro 42

e ele me respondeu que jamais me viu sem um volume sob o braço… Um pouco exagerado mas próximo da verdade. Pergunta: Quando pensou em escrever o primeiro livro? EA – Na minha juventude, um escritor era um ente etéreo, distante, intan gível. Uma família vizinha, chegada do Rio Grande do Sul, tinha um garoto de minha idade. Ele me contou que conhecia Érico Veríssimo e o via todos os dias quando o escritor saía a espairecer. Comecei a ver o garoto com outros olhos: imagine, ele conhecia Érico Veríssimo em carne e osso! Quando um morador da cidade se atreveu a publicar um livro (“Convém casar?” – era o título) foi objeto de todas as chacotas. Vejam só que despautério – diziam – aquele negociante da esquina se meter


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a escritor! Ora, ora! Num cenário assim, pensar em escrever um livro seria uma temeridade. (Para minha surpresa, encontrei referências a esse livro numa obra rec ente de Celestino Sachet). Mas o desejo de escrever meu livro permaneceu submerso, até que me decidi. Pergunta: Qual foi a motivação? EA – No convívio profissional e diário com o povo do Planalto e dos Campos Gerais, fui armazenando o linguajar e os causos que ouvia e sentia o impulso de colocar aquilo tudo no papel. Ao ler os autores catar i n en s es p er c e b i que a região estava ausente na nossa literatura. Então comecei a escrever meus contos e guardá-los na gaveta. Até que um dia concluí que já tinha material para o primeiro

livro. Publicar aqui era impossível, existia uma única editora que só publicava figurões. Então, num ato de coragem, coloquei os originais sob o braço e fui a São Paulo. Lá encontrei o Péricles Prade, juiz federal na capital, e ele me apresentou à Editora do Escritor. Aí tudo começou: no ano seguinte saía meu livro de estréia, “O Peão Negro.” Foi em 1973 e eu tinha 38 anos de idade. Pergunta: Gosta de ler por prazer, para buscar informações ou para se manter atualizado? E de escrever? EA – Há livros que

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leio por puro prazer. Reli há pouco o “Moulin Rouge”, biografia romanceada do pintor Toulouse-Lautrec, e um volume de memórias de Ger trude Stein, ambos fascinantes (comentei-os na minha coluna). O utros, l ei o p or curiosidade e alguns por obrigação intelectual porque não podem ser ignorados. Quanto a escrever, é uma necessidade, uma espécie de segunda natureza. Parece que a cabeça vai explodir se não botar para fora. Pergunta: De onde vem a inspiração para escrever um


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livro e como cria uma relação com o leitor, sem saber quem será esse leitor? E A – M eu p r o cesso criativo é todo mental. A ideia brota na cabeça por qualquer motivo e às vezes sem motivo algum. Baila um pouco e desaparece. Quando é boa, volta e já vem com novos ingredientes, sinal de que o subconsciente continuou a trabalhar. E assim a novela, o conto ou a crônica vai se formando. Por outro lado, não adianta forçar. Não tomo notas, não faço lembretes. No caso do ensaio, tomo algumas notas muito sumárias. Quando comento livros uso as anotações feitas nos próprios durante a leitura. Quanto ao leitor, esforço-me para descrever com perfeição o meu pensamento. Ao perceber que ele conhece meus per-

sonagens, sinto um prazer enorme ao verificar que um ser fictício que criei habita o universo de outra pessoa. Pergunta: E inspiração para escrever mais de 50 livros? EA – Pois é, aconteceu e até eu me espanto; Mas o fato é que já vivi bastante e trabalhei, nunca tive preguiça. Não fiquei no boteco da esquina tomando cerveja e falando mal dos colegas. A literatura é uma amante exigente e aprendi com Hemingway que na vida do escritor a disciplina é fundamental. Entre as 6 e as 14 horas ele não falava com ninguém,

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não atendia ao telefone e não saía da torre da Finca Vigia, em Cuba. Ali ele se entregava ao mais solitário dos ofícios, o de escrever. Simenon, por sua vez, quando estava escrevendo não recebia nem o próprio editor. Nunca cheguei a tal ponto, mas quando escrevo procuro me isolar. Pergunta: Quais os livros que mais apreciou até hoje? Qual o seu autor preferido? Por quê? EA – Foram muitos mas existem autores que me encantam e que releio com intenso prazer; São os meus monstros sagrados, como


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M o n te i r o L o b at o, Godofredo Rangel, Lima Barreto, Gilberto Amado, Humberto de Campos. Tenho predileção por escritores que foram também homens de ação, como Jack London, Ernest Hemingway (sobre quem escrevi um livro), George Orwell e o nosso Lobato. Neles, a literatura é mais que vida porque é a vida aumentada no cora-

ção do artista. P e r g u n t a: C o m o define hoje o mercado literário no Brasil? EA – Eu diria que existem dois mercados literários no Brasil, paralelos. Há o oficial, das grandes editoras e livrarias, e o outro que corre à margem e publica grande quantidade de obras que muitas vezes passam em branco, ignoradas

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da mídia. Os dois mercados são crescentes. Tornou-se muito fácil publicar e coisas que não mereciam aparecem a toda hora. Cabe ao leitor separar o joio do trigo. P e r g u n t a: C o m o enxerga o futuro da literatura? EA – Radioso e brilhante. A literatura acompanha o homem desde que ele se alfabetizou e nunca o abandonou. Aconteça o que acontecer, haverá homens trabalhando com as letras e dando margem às suas criações. E também registrando os passos e os tropeços da humanidade na sua caminhada pelos tempos a fora.


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SORRISO

MEU FILHO

Rosângela Borges Wiemes – México

Célia Biscaia Veiga – Joinville, SC

Teu sorriso bate em meu peito E esse toque desperta tudo: Alma, coração, corpo… Molhada a pele é ardente, E o beijo é doce… Na liberdade desse sentimento Estamos presos aos beijos Aos abraços, aos sonhos… Calados falamos tudo Num leve toar de corpo

Hoje meu filho deu sinal de vida... Pela primeira vez eu o senti mexer! É algo que não dá pra descrever: É a sensação mais linda de ser sentida! Sentir este pequenino ser... Porque não há maior ventura Do que viver este instante de ternura: Meu filho brincando dentro de mim! Vai tendo sua forma definida. Esta criança sabe que é querida E por isso se mexe com prazer. Esta maravilhosa sensação Que invadiu-me inteiro o coração Emocionou-me do princípio ao fim...

A essência desse momento Está solta nos olhares Nos corpos, nas mãos… Descobrimos o amor Dentro dessa noite… Perdidos num mundo de magia, Unidos pela troca de carinhos, Trocamos sorrisos, E adormecemos ouvindo apenas O bater de corações Na canção de nossos hálitos…

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DIÁRIO DA PANDEMIA – LEMBRANDO A VENEZUELA (Ano 2 – dias 329 e 330 –05 e 06.02.2021)

Urda Alice Klueger – Palhoça – SC

No texto anterior estive a lembrar-me dos dias em Boa Vista /RR. De lá saímos, rumo ao norte, de ônibus, por boa estrada asfaltada. Na lenta velocidade do ônibus, que vinha de Manaus e já viajara uma noite inteira (Há asfalto entre Manaus e Boa Vista.), demoramos duas horas para chegar à fronteira com a Venezuela. As fronteiras quase sempre são lugares com alguma tensão, mas fomos recebidos, lá, por sorridentes soldados que nos atenderam da melhor forma possí-

vel. Lembrei-me tanto daquela fronteira, agora em janeiro, quando por lá passaram os caminhões de oxigênio que Nicolás Maduro mandou para Manaus! Houve apenas um pequeno filme de alguns segundos que circulou na internet, enquanto os caminhões de oxigênio adentravam ao Brasil. Como conheço aquele lugar, pude entender que alguém fizera aquele filme bem escondido atrás de outra pessoa, porque ali é proibido fotografar e filmar. Coisas da segurança entre países. Nós, quando vimos a placa

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“Fronteira entre Brasil e Venezuela”, já nos organizamos como um time de futebol para tirar uma fotografia bem bonita, mas os guardas nos avisaram que ali não se podia fotografar. Foram gentis, no entanto, e nos permitiram fotografar um cachorrinho que vivia ali com os guardas, desde que não aparecesse a placa da divisa nem as instalações do posto de fronteira. Era um primeiro contato bem bacana com aquela gente que falava o espanhol com um sotaque um bocado diferente e que era altamente mestiça.


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Já andei uma porção por esta América de meu Deus e nunca vi gente tão mestiça quanto na Venezuela. Nesse tempo, o presidente da república de lá era o Comandante Hugo Chaves Frías, e penso que ele era o protótipo do venezuelano, somando o europeu, o índio e o negro. Parece que todo o mundo, lá, se misturou, sem nenhum preconceito. Naquele primeiro dia na Venezuela atravessamos a Grand Savana, parte sul daquele país, terra bem irmã do Brasil: tanto o Brasil inteirinho quanto grande parte da Venezuela

estão sobre a mesma placa tectônica, o que nos protege, como a eles, de abalos sísmicos. A paisagem era encantadora e soberba – convêm dar uma espiada no google. Era uma natureza de prados, entremeados de bosques, c ac h o eira s espumantes, mesetas rochosas que eram o que sobraram dos núcleos de antiquíssimos vulcões, e flores, umas flores como eu nunca vira, lindas, que iam de um amarelo pálido ao mais profundo encarnado. Nunca vira aqueles arbustos de flores antes, e passei a chama-los 48

de “flor da Venezuela”. Dentre o então e o agora aconteceram dois fenômenos bem interessantes no Brasil: 1 – ignorantes brasileiros, que até então sequer sabiam que a Venezuela existia, passaram a falar mal dela, quanto mais ignorantes mais mal passaram a falar; 2 – aquelas belíssimas flores da Venezuela passaram a ser cultivadas por aqui, e se tornaram o xodó das donas de casa do Vale do Itajaí, e estão nos jardins daquelas pessoas que se arrepiam ao ouvir falar daquele país que s e quer saberiam apontar no mapa. Ironias da vida! Não vou conseguir deixar de falar, ao menos um pouquinho, sobre as mesetas rochosas que se espalham pela Grand Savana. São altas, às vezes mais altas que as nuvens,


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e às vezes são muito grandes de área, e às vezes tem a área muito pequena, o suficiente para lá pousar um helicóptero com alguns turistas e suas máquinas fotográficas. Quando criança, eu lia umas historinhas infantis aonde existiam mesetas rochosas, e aquilo me pare c ia al g o

da imaginação de alguém, e jamais imaginara passar um dia viajando por dentre e por perto delas, vendo, sobre uma ou outra, um helicóptero pousado e alguns turistas. Faz algum tempo e alguém me mandou umas fotos maravilhosas sobre a Nova Rússia, região agrí-

Bairro Nova Rússia, em Blumenau 49

cola de Blumenau, com a observação de que aquela era a paisagem mais bonita do mundo. Eu amo a Nova Rússia, também sou apaixonada por ela, mas tive que discordar: muito mais bonita era a Grand Savana, na Venezuela. Acho que foi um choque para a pessoa que mandara as fotos – aproveitei e também mandei fotos daquela maravilha que é o sul da Venezuela. Seguimos andando dentro daquele paraíso e, ao amanhecer, chegamos a Caracas.


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ANDURINHA

DESNUDO

Eliane Debus

Eliane Debus

Florianópolis, SC

Andorinha Andorinha Andorinha durinha durinha durinha durinha durinha durinha ...É o frio do inverno que chega.

Vista-se de alegria. Vista-se de luz. Vista-se de amor. Vista-se de cor. Desnude a veste, assim, naturalmente, Vista-se de nu. 50


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NATAL NO ALTO SERTÃO Enéas Athanázio

Balneário Camboriú, SC

Meu amigo Natan Zilef, conhecido entre os íntimos c omo B e duín o, durante anos foi viajante de um laboratório. Cumpria-lhe percorrer boa parte do Nordeste, levando amostras de medicamentos e informações sobre o assunto para atualizar médicos, farmacêuticos e estabelecimentos da área da saúde. Missão árdua, peregrinando por lugares perdidos no alto sertão, enfrentando más estradas,

o desconforto e um intenso calor. Mas ele realizava o trabalho com dedicação, imbuído da convicção de que agia em benefício do povo. Numa dessas incursões, subiu o rio, desde o Delta, até uma cidadezinha muito pobre e esquecida de nome Bongó de Baixo. Uma povoação cujas casas cercavam um largo desocupado em cujo centro havia uma grande cruz. Ali e nas redondezas alguns profissionais da saúde exerciam sua atividade e deviam ser visitados. Natan chegou lá a bordo da lancha “Coração”, sua velha conhecida, e se instalou no único hotel da praça, estabelecimento dos mais precários. Isso

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aconteceu no dia 22 de dezembro, projetando retornar ao litoral no dia seguinte na mesma lancha. Muito cedo, no outro dia, iniciou as visitas. Suando em bicas e levantando pó por onde pass ava , c um p r i u o programa traçado. Dirigiu-se, então, ao atracadouro onde se encontrava a lancha e levou um choque ao saber que o motor havia enguiçado e o mecânico de bordo não conseguia resolver o problema. Seria necessário chamar um técnico do litoral e isso poderia demorar alguns dias. Desolado, Natan encarou a possibilidade de passar o Natal sozinho naquele lugar perdido na caatinga. Foi o que aconteceu. Escoou-se o dia 23 e a noite do dia 24 chegou sem que o técnico aparecesse. Sem alternativa, ele jantou e saiu para a noite quente. Cami-


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nhou para lá e para cá, pensando nas surpresas do destino. Olhava para o céu estrelado e pensava que debaixo dele, em outros lugares, pessoas celebravam o nascimento do Salvador. Sentou-se num velho banco e ficou observando o lugar. Uma a uma, as casas foram se fechando e apagando as luzes. Seus festejos, muito modestos, já haviam

terminado. A escuridão pesada tomou conta. Por fim, cansado da solidão, resolveu se recolher. Nada mais poderia fazer. Subiu a velha escada de madeira que gemia aos seus passos. Tudo indicava que era o único hóspede. Abriu a porta do quarto e acendeu a luz. Para sua surpresa, avistou sobre a cama um

pacote envolto em papéis coloridos. Um cartão em letra caprichada desejava Feliz Natal. Era um presente oferecido em silêncio pelo pessoal do hotel. Comovido, abraçou o pacote e não conteve as lágrimas.. Em qualquer canto do mundo a solidariedade humana sobrevive.

Leia, nesta edição, entrevista com o escritor dos Campos Gerais catarinenses Enéas Athanázio. 52


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Dá-se compreensão entre os pares, Instinto, conforto, humildade e gratidão, Todos desejam descansar. Absorta, observo, como são felizes Esta felicidade os conduz, amena Às zonas de conforto. Tem espaço para todos De tal modo organizaram-se. Sempre haverá aconchego para mais um Se errar o caminho ou mais tarde chegar. Harmonia, traço da grande família Áureo exemplo a ser seguido: Água, pássaros, insetos, lua e anoitecer Em sua translúcida quietude e calma Vai serenando corpo e alma, Compartilhando com a queda d’água Sensações de sublimidade e prazer. Amanhece... Todos acordam tranquilos Com contagiante alegria. Com graça, acordam o Universo E a felicidade se completa ao longo do dia.

HARMONIA

Lorena Zago – Presidente Getúlio – SC

A noite se apresenta e Manifesta nuanças escuras. Desenha inigualável cenário Deleita-se com a beleza da lua. Ao longe, sons musicais Em compasso que conduz para O relaxamento e serena observação. Aos movimentos de suavidade das águas Que caem vagarosas, Mesclam-se sonoridades, Ora parece o dedilhar de uma guitarra, Ora habilidosas mãos Sobre o teclado de um piano, Envolvendo-se à natureza, Em harmonia com os acordes Calmos e acolhedores. Os pensamentos, silencio. Permito somente a intervenção Da relaxante queda d’água. Embevecida com a sonoridade Transporto-me à natureza e ouço Ao longe, o gorjeio de pássaros Preparo para descanso noturno Em meio à mata acolhedora De forma divina arquitetada. Inúmeros insetos, sequer os conheço Aninham-se no mesmo recanto hospitaleiro. Não há disputa por espaço singular, 53


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VOZES PORTUGUESAS

Georgina Caçador – Portugal

A Lusofonia é o conjunto dos vários países espalhados por quatro continentes que falam e escrevem a língua por tuguesa. Independente das expressões e sotaques locais, todos podemos comunicar e fazer-nos entender. Angola, Brasil, Cabo –Verde, Moçambique, Guiné Bissau, Portugal, S. Tomé e P r í n c i p e , T i m o r. Mas não só. Também os países que têm a sua língua influenciada, Guiné Equatorial e Maurícia, Uruguai, Galiza, Andorra, Macau. O por tuguês oliventino

na estremadura espanhola, sem esquecer os que ainda se lembram e o falam em Goa, Damão e Diu. É falado em quatro continentes como língua oficial, mas j unto c o m to d o s os que o falam na diáspora, fazem dela a 8ª língua mais falada do mundo. Somos 230 milhões de pessoas a falar a língua portuguesa. Como eu gostaria de dizer que também a escrevemos. Mas tal não é possível. O analfabetismo é uma realidade em todos

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os países e cabe a cada um de nós, lutar para que isso seja ultrapassado. Falar e escrever deve ser o nosso objetivo. Assim eu vejo a responsabilidade de cada um, destes 230 milhões de cidadãos. Goa, Damão e Diu não podem ser esquecidos, porque se neste locais a p e n a s ex i s te a lembrança e vestígios culturais da presença dos portugueses, os que vivem em Por tugal originários de lá, fazem parte do m u n d o l u s ó f o n o. Que bom é isso.


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Para mim, existe uma gra n d e diferença entre Lusofonia e CPLP. Ela está no falar do português e não diminui em nada o valor, que eu, na minha modesta opinião lhe dou. Se a CPLP é forte porque a língua é um fator de coesão a trabalhar no desenvolvimento dos aspectos económicos, a Lusofonia é a união real dos povos. Quando os portugueses se fizeram ao mar e descobriram o mundo, fizeram mais que descobrir. Também deram ao mundo a língua portuguesa. Ele é a alma de muitas culturas, raças e cores de pele. A Lusofonia transporta consigo 500 anos de convivência, entre vários povos que nem sempre foi pacífica, nem cordata e nem

humana. Os portugueses não inventaram a es c ravatura , mas ser viram-se bem dela. Não inventaram o racismo, mas ele existe em várias cores. Uma escritora deu-me como resposta á minha pergunta, se por ser branca não podia participar no debate que ela orientava, que onde estivesse eu entrava sempre. Foi mau. Na minha ideia de Lus ofo nia, não existem espaços fechados a cores de pele, nem padri-

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nhos para entradas de jornadas poéticas. Na minha ideia todos entram, basta para isso que estejam dispostos a tal. Sem cores, sem raças, sem descriminação. Nós somos os falantes da língua por tuguesa, estejamos em qualquer espaço geográfico no mundo. Nós somos o 5º i m p é r i o d o F e rnando Pessoa. Cada um de nós, destes 230 milhões de falantes, faz a sua parte de divulg a r, t r a b a l h a r e desenvolver a Lusofonia. Se isto


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ainda não é uma realidade, é sem dúv i da um o bje tivo a alcançar. Se ainda estamos no início, eu acredito que os pés já estão no caminho. A realidade mostra que existe muitos problemas a ultrap a s s a r. M a s n o meu entendimento, é tempo de perceber que o passado está lá atrás e o f u t u r o, é o q u e fizermos com ele. O que foi não pode ser mudado. A mudança é agora, ou temos a responsabilidade de dar contas aos nossos filhos e netos, pelas atitudes que tomarmos. Agora. Sendo a 8ª língua mais falada no mundo, vale mais a pena falar da escravatura presente, que da passada. Po r q ue e l a c o n tinua a existir. A nossa diversidade de raças, cores e culturas, a locali-

zaç ão geo gráfi c a dos países que nos caracteriza e a determinação comum a todos os povos, deve fazer-nos unidos para l u t a r p e l a l i b e rdade, combater o errado. A escravatura é er rada . O narcotráfico é errado. A corrupção é errada. Sermos capazes de estarmos unidos no combate a estes erros e ainda falarmos o português, deve ser encarado com determinação. Devemos reivindicar o bom com orgulho e respeito pela cor, crença e país de cada um. Te r m o s a c o r a gem de mostrar que falar português pode ser antes de mais nada, uma maneira nova de estar na vida, abraçar o mundo e fazer melhor. Cada país tem particularidades ao falar o portu56

guês. É bonito e é o conhecimento e a par tilha destes p e quen os nada s, que vão abrir a língua e enriquecer a todos nós. O português é sempre português seja ele falado em que país for. Mas aceitar as nuances de cada país é abrir os braços a mais. É fazer da língua uma riqueza maior. E sabermos que nos aceitamos e respeitamos, porque tudo o que for diferente disto, é só andar para trás. O futuro é lá à frente, mas fazê-lo é agora. Juntar um grupo de pessoas que escrevem, falam e amam a língua portuguesa numa antologia aberta a todos, é um passo pequeno. Mas existe e esta, já é a terceira vez que acontece. Que bom que é juntar os países e as pessoas, no português.


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TORNO A REPETIR

Heloísa Buarque de Holanda

o papel para sempre em branco entanto o poeta bebia o dia. era um banco de jardim mariposa a cuspir luz e lua as coisas passeavam. papel branco de todas as palavras. um ritual acima do anjo acima do entendimento celestial por isso todos viam o poeta sonhar incólumes avenidas não um gracejo de óleo inexistido. o papel ou branco se ardia. o poeta nem ao menos ou desenhando o dia.

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TERESA DO MAR

Conto de Luiz Carlos Amorim – São José, SC

Uma c omuni dade feliz, aquela de Praia do Norte. Famílias de pescadores que trabalhavam juntos, tirando do mar tudo quanto necessitavam para viver. O oceano era seu prove d o r. Pe s c ava m para comer e para vender. Os homens cuidavam das redes, das embarcações, faziam-se ao mar e as mulheres cuidavam da casa e dos filhos. Teresa era muito jovem, ainda, mas ensinava as crianças na escolinha da vila, ajudava a escrever bilhetes e cartas de quantos a procuravam e ouvia suas histórias. Filha de João Pescador, era uma moça muito

bonita, querida por todos pela sua alegria constante e presteza para auxiliar o próximo. Seu canto, nas noites de verão, fazia com que todos sentassem a sua volta, na praia, a ouvir suas canções que falavam de mar, de céu, de lua e de amor. Nada parecia quebrar aquela harmonia, aquela integração de gente simples, humilde, mas autêntica e pura. Até que Pedro apareceu na vila. Pescador de uma das ilhas vizinhas, viera comprar uma das embarcações do pai de Teresa. Rapaz forte e bem apanhado, despertou sobre si a atenção da

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moça, que o observava à distância. Pedro também a viu e sorriu. - Seu João, eu estou mudando para cá, pois morando na ilha é mais difícil vender o que se pesca. Vim procurá-lo porque soube que quer vender uma de sua embarcações. Gostaria de vê-la, pois preciso comprar novo equipamento de pesca. Deixei o que tínhamos com meu pai. - É verdade, estou vendendo um barco. Vamos vê-lo? Pedro comprou a embarcação e passou a morar na vila. Pescava com o pai de Teresa, o que fez com


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que logo pudessem travar conhecimento. Pouco tempo depois, estavam namorando. Quando Pedro foi falar com “seu” João Pescador sobre o casamento, o velho achou que era um pouco cedo, mas acabou concordando. A vila toda ficou em festa para comemorar o casório de Teresa e Pedro: um acontecimento que nunca seria esquecido. Agora ela cuidava da própria casa e esperava o marido voltar do mar, à tardinha. Era, talvez, mais feliz do que antes, o que fazia com que toda vila parecesse também mais feliz. Nas noites de verão, cantava, ainda, apoiada no ombro de Pedro. Ensinava,

ainda, as crianças e pensava no filho que viria, não sabia quando. Naquela manhã, Pedro fora pescar sozinho e Teresa, como sempre, foi esperá-lo na praia, no fim da tarde. Não se preocupava, pois não era a primeira vez que ele ia só. E depois, ele conhecia muito bem o mar. Mas anoiteceu e Pedro não apareceu. Teresa ficou com medo e pediu, quando a noite já ia alta, que o pai saísse para procurá-lo. O velho foi, com mais alguns pescadores. Voltou, pela manhã, sem encontrá-lo. Teresa estava

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desesperada. Continuou esperando por vários dias: ficava o dia inteiro na praia, olhando o mar, com os olhos molhados de lágrimas. Os homens da vila saíram para o mar outras vezes, à procura, mas Pedro não fora encontrado. A vila toda, entristecida, sofria com Teresa. E a viu enlouquecer. Hoje, já velha, mais pelo sofrimento que pelo tempo, ela ainda vai todos os dias à praia, quer chova ou faça sol, para esperar Pedro. Para ela, ele vai chegar, todo dia: “Saiu de manhã, está lá, no mar, volta à noitinha...”


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LITERARTE ESCRITORES DO BRASIL

sagem para o e-mail r ev i s a o l c a@g m a i l . com, que enviaremos todas as informações de como publicar na revista. A publicação reúne escritores brasileiros de qualquer ponto do país e até aqueles que estão fora do país. Seja lido no mundo inteiro. Publique o seu texto em ESCRITORES DO BRASIL.

A revista de maior suc es s o de literatura brasileira falhou a edição de fevereiro, em decorrência da pandemia, mas estará de volta em maio. ESCRITORES DO BRASIL, a nova revista do Grupo Literário A ILHA, volta com força total. Autores de todo o país que queiram partilhar as suas páginas, enviem men-

DIÁRIO DA PANDEMIA EM LIVRO O Diário da Pandemia de Luiz C. Amorim, que é publicado na página dele e na página do Grupo Literário A ILHA no Facebook, vai se transformar em livro, como um registro de como evoluiu a covid 19 em 2020, como nos comportamos em decorrência dela e como foi o seu combate. Não há prazo para a publicação, pois a pandemia ainda não terminou e o autor pensou que quando

começasse a vacinação o diário poderia ser encerrado, mas agora é que as coisas começaram a esquentar: o vírus está mais contagioso, há muitas variantes, o número de contaminações e mortos aumenta e a vacinação caminha muito mal no Brasil, pois os “governantes” não compraram as vacinas em tempo hábil e agora não há imunizantes para dar continuidade ao processo. Então parece que 60

o diário ainda segue por um bom tempo. De qualquer maneira a revisão já começou e os textos terão que ser enxugados, senão o livro será um calhamaço de mais de quinhentas páginas.


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