SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA - Edição 157 - Junho de 2021

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SUPLE MENTO

LITE RÁRIO Florianópolis-SC – Junho/2021 – No 157 – Edições A ILHA – Ano 41

PEDRO BANDEIRA,

O GRANDE NOME DA LITERATURA INFANTOJUVENIL

GRUPO A ILHA:

41 ANOS DE LITERATURA

DESIGUALDADE RACIAL

NA LITERATURA BRASILEIRA

MIA COUTO E A PANDEMIA

CAMINHO DE PEABIRU

Portal A ILHA: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

Foto: Pedro Bandeira com a escritora Célia B. Veiga


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FOTOGRAFIAS

(Lua Lua, Mundo da Lua)

Selma Franzoi de Ayala – Jaraguá do Sul, SC

Folhas de outono Folhas do tempo Folhas ao vento Cantos em dialeto trentino Rastros de saudade Refugio de emoções lua lua mundo da lua... Montes dourados de meu Vale delineados de saudade e de outonos folhas ao vento outono do tempo tempo ao vento lua lua mundo da lua... FOTOGRAFIAS...

Flores do tempo Folhas de outono Folhas do tempo Folhas ao vento Viagem no tempo... Rastros de saudade Resgate histórico-cultural La Mora e Canti nel dialet talian... cultura e tradição de meu povo imigrante rastros de saudade por todo o Vale... Vale de minhas emoções Cântico em dialeto trentino Quase noite no Vale Neotrentino Luar que prateia todo meu vale Lua lua Mundo da lua... Sonhos, segredos, ilusões Sintonia do tempo Resgate do tempo Resgate dos sonhos Viagem no tempo Flores de outono Flores do tempo Quase noite no Vale Neotrentino Montes delineados de dourado Flores de outono 2


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SUPLE MENTO

LITE RÁRIO

EDITORIAL GRUPO LITERÁRIO A ILHA: 41 ANOS DE LITERATURA O SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA está completando, neste mês de junho, 41 (quarenta e um) anos de existência, resistência e persistência. A revista, publicada pelas Edições A ILHA do Grupo Literário A ILHA, circula ininterruptamente há mais de quatro décadas e é a publicação do gênero mais perene aqui no sul do Brasil, quiçá em todo o Brasil. Não comemoramos condignamente os quarenta anos do Grupo Literário A ILHA e da revista SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, no ano passado, por causa da pandemia. A intenção era publicar uma antologia de prosa e poesia com o maior número possível de escritores do grupo, mas ficou inviável. E este ano também não vai dar, pois a pandemia ainda está aí, e pior do que no ano passado. Então vamos ver no próximo ano. Mas não há pressa. Mais cedo ou mais tarde estaremos reunindo nossos escritores em mais uma coletânea. Nesta edição, um time enorme de bons poetas e prosadores e artigos e reportagens bem interessantes sobre leitura, literatura, cultura, história, escritores e leitores. E você leitor, é a parte mais importante da nossa revista. Leia, comente, critique, sugira pautas. Nosso e-mail é revisaolca@gmail.com e pode comentar também na página do Grupo Literário A ILHA no Facebook, onde o linke do e-book da revista está. O Suplemento Literário A ILHA continuará por mais outras décadas registrando o crescimento da literatura de Santa Catarina e do Brasil. O Editor

Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br 3


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ESCRITOR TEM QUE SER LEITOR

Por Luiz Carlos Amorim - Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completa 41 anos de literatura neste ano de 2021. http:// luizcarlosamorim. blogspot.com.br

Sou fundador e coordenador de um um grupo literário há mais de quarenta anos e faço parte de outros. Sou detentor da cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras, também. E, nós, participantes dessas agremiações, gostamos muito de ler, além de escrever, e lemos as obras de nossos pares, lemos os consagrados, até bestsellers. Não por obrigação, mas para conhecer o trabalho do próximo

e deliciar-nos com muita criação literária de boa qualidade que está sendo produzida por aí afora. Sou da seguinte opinião: se eu não ler, como esperar ser lido? E se não ler, como saber o que é bom, como poder falar sobre uma obra? Com o advento da internet, a possibilidade de publicar, de colocar o que se escreve à mostra, para poder ser lido, é muito grande. Os espaços são muitos, os grupos de escritores nas redes de relacionamento, as revistas on line, os blogs e portais literários dão guarida à quase tudo que se escreve. Quem quiser publicar, o espaço virtual é amplo e

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democrático. Não vamos entrar no mérito da qualidade, pois a internet aceita quase tudo. O que me tem assombrado é que, apesar do espaço virtual ser democrático e uma quantidade incomensurável de escritos ser publicada todos os dias, a quantidade de leitores não acompanha o ritmo da produção. E não falo do leitor comum, aquele que é só leitor, que não escreve. Falo do leitor escritor, do “escritor” novo, aquele que escreve e que publica, mas que nem sempre lê os seus pares. Existem muitos “grupos” no Facebook e colocam a gente neles sem nos con-


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sultar. De muitos eu caio fora. Mas dos grupos de poesia, de literatura, eu não saí, mesmo que me tenham incluído aleatoriamente. Afinal, é o nosso meio, são grupos de gente que escreve, como a gente. Então, já que estou nos grupos, resolvi interagir, publicando poemas, artigos sobre literatura publicados em jornais, crônicas. São dezenas de grupos, alguns com milhares de participantes. Sim, milhares. Alguns têm quase mil membros, outros mais de mil, outros dezenas de milhares. Afinal, pensei, se são escritores, são leitores também. E tenho encontrado algumas

coisas muito boas nesses grupos. Tem muita coisa lá, nem sempre dá pra ler tudo, mas faço questão de ler um pouco e curtir, se gostar. O que me assustou é que, verificando os posts, percebi que as curtidas são mínimas, comentários, então, menos ainda. Muito poucos. A prosa, os poemas, etc. postados são muitos, mas o que parece é que as pessoas, os “escritores”, só colocam conteúdo lá, mas não olham o que foi colocado que não é deles, não leem o que foi publicado pelos seus pares. Existem muitos posts que, infelizmente, não têm sequer uma curtida. E não é neste

grupo ou naquele, é na maioria. Estou acostumado a ler, curtir, comentar, tanto no Facebook como no Whatsapp, em blogs. Então foi um choque perceber que muitos “escritores”, no virtual – pois já percebi que no real isso também acontece, poucos escritores pretigiam escritores -, escrevem e publicam, esperam ser lidos, mas não dão reciprocidade, não apreciam a obra dos outros escritores. É muito triste ver tanta coisa na vitrine e ninguém, nem mesmo os escritores que as produzem, dando importância a isso tudo. Uma pena. Como ser escritor sem ser leitor?

EXPEDIENTE SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA – Edição 157 – Junho/2021 – Ano 41 Edições A ILHA – Contato: lcaescritor@gmail.com e revisaolca@gmail.com A ILHA na Inter net: Por t al PROSA , POESIA & CIA .: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br Os textos publicados nesta revista são de responsabilidade de seus autores. A revista não se responsabiliza pela opinião dos escritores, que não reflete, necessariamente, a da revista. 5


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A LUZ DA LUZ

A GRANDE JANELA

Júlio de Queiroz

Luiz Carlos Amorim

Nos meus olhos mora o tempo, memória da alma, repositório do coração. Dentro dos meus olhos mora o mundo, moro eu e o meu cosmo. Dentro dos meus olhos, mora a minha alma, a essência de mim. No meu olhar mora a vida, moram todas as cores, mora a poesia. Meu olhar é minha casa e cabe o universo todo dentro da minha casa.

Se te falasse da paz conseguida, mentiria. Nem a luz da luz, dentro da luz, Chega à sombra daquela claridade. Que brilha em mim e que ainda não achei. Enquanto não deixar de procurála Só quando a quiser mais que tudo, sem a querer, É que ela brotará, torrente ansiosa do sedento, Fora e dentro de mim. Então saberei que sou amor eterno e que sou nada. É então que todos os sóis dançarão cantigas de roda Em torno do amado que eu sou. Ó escuridão resplandescente! 6


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Juan Cruz

projeto sobre como Cem Anos de Solidão se transformou em um clássico?”) não conseguiu lhe dizer que essa ideia já lhe havia ocorrido vendo chover em Harvard.

Álvaro Santana-Acuña nasceu em La Laguna (Tenerife) há 43 anos. Essa é provavelmente a cidade mais chuvosa das Ilhas Canárias, mas foi em Harvard, em 2007, onde associou o dilúvio a Cem Anos de Solidão, o principal romance de Gabriel García Márquez, em que chove até borboletas. Caía um dilúvio em Harvard quando ele teve que se reunir com a orientadora de sua tese e lhe veio à cabeça o imenso aguaceiro sobre Macondo, de modo que, quando a professora fez uma sugestão (Por que não trabalha em um

Ele recorda esse momento em uma atmosfera bem macondiana, o parque García Sanabria em Santa Cruz de Tenerife. Entrou em contato com a literatura do Nobel enquanto estudava com o professor Daniel Duque no Instituto Cabrera Pinto de La Laguna. Duque o pôs a trabalhar em Ninguém Escreve ao Coronel e foi em uma dessas aulas que ouviu pela primeira vez o nome de Aracataca, onde se sucedem a chuva, as borboletas, as grandes árvores, as pedras pré-históricas, a fábrica de gelo e outros milagres que compõem

“CEM ANOS DE SOLIDÃO”

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o mundo de Macondo e de Cem Anos de Solidão. A partir daí leu esse livro cuja existência foi sua obsessão como aluno de Harvard e, agora, como professor e pesquisador em Austin (Texas), onde está guardado o imenso arquivo de Gabriel García Márquez. Uma consequência desta obsessão com o que aconteceu em Macondo é Ascenso a la Gloria, Biografía de ‘Cien Años de Soledad’ (Ascensão à Glória,

Uma das capas de “Cem Anos de Solidão”


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biografia de Cem Anos de Solidão) que foi lançado em inglês e cuja versão em espanhol ele está preparando. “Fiquei fascinado com a fluência do livro, e, na minha adolescência, com as descrições da vida sexual dos personagens, dos cheiros... Na minha terra é fácil ter essa sensação de que você está naquilo que se conta em Cem Anos de Solidão.”

que ainda não o tinha escrito, já conta que se sente capaz de escrever um romance que integrasse o sensível, o herói, as batalhas, o amor, o drama, a comédia, a tragédia, a alegria. São os elementos necessários para conseguir algo que chegue a muitos leitores... Como diz Natalia Ginzburg, nos anos 60 o romance burguês estava em crise e García Márquez inovou a partir do regresso ao pasSerá que todo leitor sado. Como comendesse romance vê ta Domingo Pérez no livro algo que lhe Minik, Gabo propõe diz respeito? “Esse é o grande segredo do romance e a grande dificuldade do que em literatura significa escrever. Na entrevista que concedeu a Luis Harss [autor de Los Nuestros, o primeiro estudo sobre o que acabaria sendo chamado de boom] García Márquez, Gabo, a biblioteca de um viajante 8

uma obra revolucionária porque devolve o romance à sua essência mais básica, que é narrar.” “Ele sofre quando escreve o romance. Passou necessidade. Já havia fechado contrato com Carmen Balcells e sabia que o boom estava em andamento. Tento decifrar em meu livro o que aconteceu no verão de 1965 para que Gabo se sentasse para escrever o romance. Carmen Balcells viaja de Barcelona para a Cidade do Méxi-


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co e se reúne com todos os editores e escritores para fechar contratos com eles. José Manuel Caballero Bonald lhe havia contado em 1962 que aquele jovem escritor andava por aí… É visível. Seus livros estão vendendo e ele está convencido de que aquele que o mantém sem dormir será uma porrada. E diz a Plinio Apuleyo: ‘Este é o nosso momento’. Santana-Acuña relata os estados de espírito de Gabo, sua obsessão por não perder tempo, e em junho de 1966

ele fez uma leitura no México. O jornal que noticia essa leitura na UNAM o anuncia como Gabriel García. Ele queria que “aqueles que não me conhecem digam se gostam ou não... E foi então que se convenceu de que o romance era bom”. “Fabuloso”, disse o editor da Sudamericana, Paco Porrúa. E teve início um enorme boca a boca. Sem um dado fora de lugar, como um entomologista espetando borboletas, Santana-Acuña

conta a história de sucesso do clássico do século XX. “É um livro raivosamente humano. Gabo não escreveu apenas um bom romance. Ele publicou muitos bons romances. E você tem como escolher”. Em nenhum, aliás, choveu tanto, e foi isso que ele sentiu quando decidiu fazer seu trabalho sobre a ascensão de Cem Anos de Solidão à glória enquanto chovia em Harvard como outrora chovera em Macondo. E como tantas vezes chove em La Laguna.

REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com

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PARA TI

PIEDADE

Mia Couto

Cruz e Sousa

O coração de todo o ser humano foi concebido para ter piedade, para olhar e sentir com caridade, ficar mais doce o eterno desengano. Foi para ti que desfolhei a chuva para ti soltei o perfume da terra toquei no nada e para ti foi tudo Para ti criei todas as palavras e todas me faltaram no minuto em que talhei o sabor do sempre Para ti dei voz às minhas mãos abri os gomos do tempo assaltei o mundo e pensei que tudo estava em nós nesse doce engano de tudo sermos donos sem nada termos simplesmente porque era de noite e não dormíamos eu descia em teu peito para me procurar e antes que a escuridão nos cingisse a cintura ficávamos nos olhos vivendo de um só amando de uma só vida

Para da vida em cada rude oceano arrojar, através da imensidade, tábuas de salvação, de suavidade, de consolo e de afeto soberano. Sim! Que não ter um coração profundo é os olhos fechar à dor do mundo, ficar inútil nos amargos trilhos. É como se o meu ser compadecido não tivesse um soluço comovido para sentir e para amar meus filhos!

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CAMINHO DO PEABIRU – DE PALHOÇA AO IMPÉRIO INCA

Neusa Bernado Coelho – Palhoça, SC

O Caminho do Peabiru é uma longa, misteriosa e importante estrada utilizada para interligar o Oceano Atlântico ao Pacífico, já existente antes da chegada de Cristóvão Colombo e de Pedro Álvares Cabral à América. O jesuíta peruano Pedro Lozano (16971752) descreveu: “(...) o caminho denominado pelos guaranis Peabiru e pelos espanhóis de São Tomé (...) tem oito palmos (1,60 metro) de largura(...)”. A extensão desse milenar caminho indígena e seus diversos ramais perdidos no emaranhado de matas, rios, pântanos e montanhas, tem

um leque de nomes: caminho comprido, caminho seco, caminho bom, caminho amistoso, caminho do sol, caminho antigo de ida e volta, caminho que leva ao céu, caminho para o biru (Peru). Os jesuítas o batizaram de Caminho de São Tomé nas atividades de evangelização e aldeamento de indígenas. Para os indígenas a rota era sagrada usada na busca da ‘Terra Sem Males’, que poderia

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estar na Cordilheira dos Andes (Oceano Pacífico), onde o sol se põe; no Paraguai, o centro do mundo guarani; ou no Oceano Atlântico, onde o sol nasce. Os ancestrais também a utilizavam para caça, coleta de alimentos e encontros das grandes tribos. No século XVI, partindo de algum ponto do litoral catarinense, os guaranis caminhavam pelo Peabiru, adentravam pelo interior transpassavam planaltos e montanhas para chegar na área da Bolívia e Peru, nos Andes. Uma dessas trilhas partia da Baixada do Massiambu em Palhoça, local onde iniciou a epopeia vivida pelo náufrago europeu Aleixo Garcia.


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Este casou-se com a filha do cacique e ganhou a confiança da tribo. Motivado com a parceria partiu com dois mil índios da nação Guarani e seus companheiros de naufrágio no ano de 1524, em direção ao Império Inca, promovendo o início das grandes conquistas europeias na América do sul. Garcia teria saqueado algum ouro inca e retornado, porém, acabou sendo morto por indígenas no Paraguai. Sobreviventes chegaram em Palhoça com grande quantidade de ouro que era sistematicamente apresentado a outros europeus que aqui ancoravam, mas nenhum desses aventureiros conseguiram

refazer o caminho de Garcia e, segundo alguns historiadores, o consideram o verdadeiro descobridor do império Inca. Pouco explorado e esquecido, hoje, a trilha milenar é simbolizada por estradas de chão batido. Ao pé do morro dos Cavalos é possível caminhar por uma parte da rota utilizada pelos Guarani, a mesma que deu origem a um trecho da BR101. A jornalista e historiadora Rosana B o n d ar gum ent a: ”[...] nos anos 1500 o Morro dos Cavalos era área de uso e circulação dos Guarani, existia ao pé do morro um caminho indígena, comprovado por relatos dos séculos 16, 17 12

e 18, e ainda por um mapa militar português de 1786, de acesso restrito e só publicado em Santa Catarina há poucas décadas. Em cima desse caminho transitado pelos antigos Guarani é que parece ter sido traçado o leito da BR-101 naquele trecho”. O caminho que transpõe o tempo faz parte de longos estudos, com projeto de transformar a trilha em uma rota turística, ecológica e religiosa. Bibliografia A história do Caminho de Peabiru vol I p.123-126 Aleixo Garcia: Algo Mais Sobre a Saga do Descobridor dos Incas” Porto dos Patos- Mosimann p. 94 BOND, Rosana. A Saga de Aleixo Garcia,p.64 Eduardo Bueno-Vídeo


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MINHA POESIA

BUSCA

Erna Pidner – Ipatinga, MG

Aracely Braz

Busquei as palavras mais bonitas para te dizer. Busquei os momentos mais felizes para contigo viver. Busquei os sentimentos mais profundos para sentir. Busquei as alegrias mais duradouras para compartilhar. Busquei a verdade mais emocionante para me confortar. Busquei o devaneio mais incrível Pra me embevecer. Busquei a ilusão mais passageira para deixá-la rolar Nessa busca incessante pus-me a cismar com os mistérios deste mundo e com a importância de buscar.

Nada ela exige, mas sonha que abraça, trazendo à tona sua graça, perfume e encanto de mistério extasiante, clarão de sol, de luar nas ruas, nos lares, nos ares. Com ela relembro, saudosa, consagrados escritores: Quintana, Machado de Assis, Bilac, Cora Coralina, Castro alves, Cruz e Sousa e outros tantos sonhadores. Ela exala ao vento, à chuva, o amor, sua essência: no coração do poeta é estrada que ilumina, ela é hoje, amanhã e sempre a minha poesia criança.

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CUIDE-SE

Por Sônia Pillon Jaragua do Sul, SC

Como anda a sua saúde mental na pandemia? A pergunta pode soar estranha, mas a verdade é que esses tempos pandêmicos não estão preocupando apenas pelo risco de contrairmos o coronavírus, mas também pela sobrecarga emocional que acarretam. Fatores como isolamento social, o desafio de conciliar as atividades em home office com o trabalho doméstico, cuidados com os filhos, assim c o m o a re d u ç ão no salário e o consequente risco da perda do emprego, tem tirado o sono de muita gente. É certo que para uns, a crise impulsiona a

buscar novos caminhos profissionais, seja se tornando um microempreendedor, ou empreendedor in divi dual. Entre tanto, para os que já perderam seus empregos, o desafio de manter o equilíbrio e cultivar a resiliência se torna titânico. E os reflexos já estão aí. Dados do Obser-

vatório Febraban/ Ipespe, que ouviu três mil brasileiros nas cinco regiões do país, apontam que 57% da população foi impactada pelas mudanças causadas pela pandemia, que afetaram a saúde mental e emocional. Aumento no sofrimento psicológico, sintomas psíquicos e até transtornos 14

mentais refletem o c i c l o p a n d ê m i c o. A região Sul apareceu na pesquisa com índice de 56%, mesmo índice verific ado na região Sudeste. O Centro-oeste alcançou 59%, seguido do Norte, com 58%. A pesquisa constatou que as mulheres passaram a ser submetidas a um estresse ainda maior nesse período, pela sobrecarga do trabalho doméstico paralelamente aos cuidados com os filhos sem atividade escolar. Por sua vez, os jovens também reclamaram bastante de serem impedidos do engajamento social presencial (leia-se “aglomeração”). O psiquiatra e psicoterapeuta Alexandre Valverde, constata que nos atendimentos realizados em seu consultório, “três quartos dos atuais pac i entes b us c a -


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ram tratamento após o início da pandemia, ou seja, um aumento de 300%, com condições que foram agravadas, ou surgiram em decorrência das restrições e problemas impostos pela pandemia”. Considerando que a pandemia da covid19 está em curso, ainda sem data definida para acabar, especialistas no comportamento humano indicam atitudes que podem amenizar os desafios impostos pelos limites no convívio social, especialmente em relação à sensação de solidão, em alguns momentos. É preciso lembrar que “você não está sozinho”, porque todos estão enfrentando a mesma situação. Então, é necessário encontrar a melhor forma de lidar com isso, individualmente: não se cobre tanto, é impossí-

vel estar 100% o tempo todo. Buscar o autoconhecimento, observando as demandas internas pode contribuir para encontrar o equilíbrio. Outra orientação importante é limitar o tempo ligado nas notícias, e cuidado com as fake news! (Confesso que para mim, que sou jornalista, é uma tarefa árdua! Para contrabalançar, passei a buscar também notícias mais amenas, menos angustiantes... Isso tem ajudado bastante.). Para completar, os te r a p eut a s a c o n selham descansar, dormindo pelo menos oito horas

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por dia, adotar dieta balanceada, evitar drogas como válv u l a d e e s c a p e, fortalecer os contatos (ainda que à distância) e, importantíssimo, tire um tempo para você, seja lendo livros, assistindo filmes, aprendendo habilidades novas, praticando exercícios físicos, ouvindo música... Se nada disso funcionar o suficiente, busque ajuda profissional, consulte um médico, procure um terapeuta. Pesquise. Não deixe que uma bola de neve se agigante até se tornar uma avalanche. Valorize a vida! Cuide-se!


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CONSELHO

Fernando Pessoa

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE Mário Quintana

Tão bom viver dia a dia... A vida assim, jamais cansa... Viver tão só de momentos Como estas nuvens no céu... Cerca de grandes muros quem te sonhas. Depois, onde é visível o jardim Através do portão de grade dada, Põe quantas flores são as mais risonhas, Para que te conheçam só assim. Onde ninguém o vir não ponhas nada. Faz canteiros como os que outros têm, Onde os olhares possam entrever O teu jardim como lho vais mostrar. Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém Deixa as flores que vêm do chão crescer E deixa as ervas naturais medrar. Faz de ti um duplo ser guardado; E que ninguém, que veja e fite, possa Saber mais que um jardim de quem tu és — Um jardim ostensivo e reservado, Por trás do qual a flor nativa roça A erva tão pobre que nem tu a vês...

E só ganhar, toda a vida, Inexperiência... esperança... E a rosa louca dos ventos Presa à copa do chapéu. Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua, Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança Das outras vezes perdidas, Atiro a rosa do sonho Nas tuas mãos distraídas...

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AS LIVRARIAS DE RUA NA PANDEMIA Joana oliveira - SP

Num largo em frente à areia do Porto da Barra, uma das praias mais famosas de Salvador (BA), um pequeno prédio de dois andares abrigava um acervo de 15.000 livros. A livraria e sebo Porto dos Livros, que celebrava saraus e recitais, era um refúgio para os amantes da literatura, com direito a um pôr-do-sol privilegiado em um dos cartões postais da capital baiana. “Era um lugar de encontro de toda forma de arte”, diz uma das proprietárias do local, assim, no passado, porque a

sua foi uma das livrarias que fecharam as portas durante a pandemia no Brasil. As vendas online não foram suficientes para cobrir os custos do espaço físico e agora o Porto dos Livros existe apenas na internet. “Não tivemos alternativa a não ser vender pelo site e pelo Instagram. Ainda fazemos os saraus de forma online, mas não é a mesma coisa. Não é fácil viver de livro e vender livro no Brasil”, lamenta. A história do Porto dos Livros é um exemplo de como a pandemia agravou a crise que o mercado editorial e livreiro no Brasil arrasta nos últimos 17

anos, principalmente com os processos de recuperação judicial das redes Saraiva e Cultura — que eram responsáveis por até 80% do faturamento das editoras, segundo as fontes ouvidas pelo EL PAÍS. Agora, novas pressões somam-se ao caldo de dificuldades do setor: de um lado, a Amazon, que tornou-se uma das maiores revendedoras de livrosnno país, pressiona as editoras por mais descontos; do outro, a Receita Federal propõe acabar com a isenção de impostos sobre livros, considerando tratar-se de itens consumidos principalmente por uma parcela mais rica da população. Foi justamente durante a quebra das grandes redes de livrarias que surgiu, em 2019, a Mandarina, uma livraria de rua em São Paulo, no bairro de Pinheiros, focada em obras sobre humanidades, poesia e


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literatura nacional e estrangeira. “Quando completamos oito meses, a pandemia se instalou. Aí, passamos a realizar cursos online e mantivemos nosso clube de leituras de modo virtual. Por sorte, já havíamos fidelizado uma clientela”, conta uma das sócias da Mandarina. Apesar disso, elas tiveram que criar, em março, uma campanha nas redes sociais para manter em funcionamento a casinha com um charmoso quintal onde funciona a Mandarina. “Conseguimos negociar com as editoras e manter o negócio. Uma livraria de rua sobrevive a qualquer coisa desde que exista proximidade e conversa com editoras, autores e leitores”, afirma Amendola, que sempre teve o sonho de ser livreira, seguindo os passos do avô, considerado o primeiro livreiro da cidade de Campinas (SP). São essas pequenas

livrarias e editoras as mais afetadas pelas práticas comerciais mais agressivas no mercado. No dia 10 de março, a Amazon enviou um e-mail a diversas editoras sugerindo que ofereçam descontos entre 55% e 58% sobre o preço de capa dos livros, além de uma taxa de 5% para a publicidade das obras na plataforma —a praxe é oferecer entre 45% e 55% de desconto, mais 2% ou 3% para marketing—, o que gerou uma resposta conjunta do setor. “Hoje as editoras lucram, no máximo, 4% em relação à receita líquida.

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A Amazon pede descontos de até 8% da receita líquida, é impossível atender essa imposição. Ninguém em sã consciência acredita que seria possível repassar isso no valor do livro para o consumidor”, explica o presidente da editora Évora e porta-voz da iniciativa Juntos pelo Livro, composta por 130 pequenas e médias editoras. Todas elas enviaram à Amazon uma carta na qual afirmam ser inviável conceder descontos maiores, pois “as condições solicitadas estão muito além das nossas pos-


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sibilidades”. A gigante tecnológica afirma, em nota, que não c oment a ac ord os específicos com seus parceiros comerciais e que “autores, editores e livreiros trabalham juntos para conectar os leitores aos livros”. Se em outros países, principalmente na Europa, já faz anos que a Amazon “ameaça” acabar com as livrarias de rua, no Brasil, esse fenômeno é recente, conforme explica Marisa Midori, professora especialista em História do Livro da Universidade de São Paulo (USP). “O movimento de venda de livros por e-commerce ainda era incipiente no Brasil antes da pandemia. A Amazon tinha chegado com timidez, mas a partir do ano passado, ganhou mais terreno rapidamente. As condições que oferece são boas para grandes editores, mas não para as menores”, avalia. A pressão por

mais descontos, no entanto, não é exclusividade das vendas online e tampouco foi inventada pela multinacional, conforme conta a publisher da Boitempo, editora que também participa do Juntos pelo Livro. “Sempre tivemos o cuidado de não concentrar muito nossas vendas em uma só livraria, porque as grandes redes faziam o mesmo que a Amazon faz hoje, e me orgulho em dizer que a gente não caía nesse tipo de chantagem. Elas ameaçavam não comprar mais com a gente se não aumentássemos os descontos. Ficavam duas semanas sem comprar, mas depois voltavam”, relata. A publischer reconhece, no entanto, que a plataforma virou uma “grande tábua de salvação” para algumas editoras, uma vez que a empresa chega a oferecer pagamentos à vista, quando 19

a praxe em algumas livrarias é pagar em até dois meses ou mais. Esperança do preço fixo: O preço é o principal fator de decisão na escolha de um título e influencia 22% dos leitores brasileiros na hora da compra de livros, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura, realizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú Cultural. Os dados também mostram que cerca de 27 milhões de brasileiros da classe C consomem livros, número que contraria a tese do ministro da Economia, de que apenas os ricos leem livros no país. Esse é o argumento usado para justificar a incidência da alíquota de 12% referente à Contribuição sobre Bens e Serviços apresentada na Reforma Tributária que tramita no Congresso — a venda de livros e do papel destinado à impressão é imune à cobrança de


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impostos, segundo determina a Constituição, e uma lei de 2014 concedeu isenção de Pis e Cofins sobre a receita da venda de livros e do papel usado para a fabricação desses produtos. Em um recorte socioeconômico, a pesquisa revela um paradoxo entre as classes sociais: A e B têm níveis mais altos de leitura do que C, D e E, mas também tiveram

preço do papel e do fechamento das grandes livrarias, como mostra o balanço de mercado feito pela Nielsen Books. “Não tem lógica impor tributo a um setor que gerou redução de preço para o consumidor. Além disso, a tributação geraria um efeito bumerangue para o próprio Governo, que é o maior comprador de livros didáticos no país, sendo responsável por

as maiores quedas entre 2015 e 2019: enquanto o número de leitores diminuiu 12% na classe A e 10% na B, a queda entre D e E foi de apenas 5%. No mesmo período, os preços dos livros c aíram em 20%, apesar do aumento do

metade das vendas do setor”, explica Henrique Farinha. Em 2019, o Governo federal gastou 1,1 bilhão de reais para adquirir 126 milhões exemplares no PNDL (Plano Nacional do Livro Didático). Para Marisa Midori, 20

o tributo geraria uma arrecadação “ínfima”, já que, segundo ela, “o Brasil está longe de ser uma potência editorial”, setor que contribui com menos de 0,1% do PIB nacional. “Se o Governo quer engordar o Tesouro, deveria criar estratégias para, de fato, taxar os mais ricos, como o imposto sobre grandes fortunas. Na Suíça, esse imposto tem impacto de 11% na arrecadação. Na Noruega, esse impacto corresponde 7%”, exemplifica a especialista. Midori considera que o imposto sobre os livros teria, isso sim, um impacto simbólico, já que o país ainda está em formação de leitores. “É uma mostra de que o Governo se recusa a amparar a população do ponto de vista da educação e da cultura”. Lameira, um dos sócios da editora Antofágica, concorda. “A proposta não visa um ganho tributário, é apenas um


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ataque a um setor que forma massa crítica”, diz. Lameira acrescenta ainda que o aumento nos preços de livros, caso a tributação fosse aprovada, aumentaria a pirataria e complicaria a diversidade literária, afetando o mercado nacional como um todo. “As editoras nacionais perderiam terreno para aquelas estrangeiras, como a Planeta [espanhola] e a Harper Collins [norte-americana]”, explica. O publisher da Antofágica, que publica clássicos da literatura em edições especiais ilustradas —um cuidado estético também presente na escolha de fontes e na diagramação de cada obra— também contesta o argumento de que apenas ricos leem. Com títulos que custam até 70 reais, Lameira arrisca dizer que o leitor e cliente da sua editora pertence, majoritariamente, às classes C

e D. “É um leitor que responde muito bem às promoções. Por isso, fazemos uma pré-venda agressiva, em que um livro de 70 reais sai por 30 reais. Em uma outra ação, vendemos 70 mil e-books por 25 centavos, um preço meramente simbólico”, conta. Todos concordam que uma medida que ajudaria a desafogar o setor seria a aprovação do Projeto de Lei do preço fixo do livro, que propõe que todas as livrarias (físicas e virtuais) poderão oferecer no máximo 10% de desconto em uma título durante o primeiro ano após o seu lançamento. Depois disso, caberia a cada loja decidir oferecer descontos superiores. De autoria do senador Jean Paul, o projeto de lei —similar ao aplicado em países como a França— está estacionado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado desde 21

2017. “Essa medida serviria justamente para barrar políticas agressivas de empresas como a Amazon, que, muitas vezes, vende mais barato que a própria editora. O mais grave é esse tipo de política pode ditar o que se publica, porque se eles só compram determinado tipo de livro, os demais podem deixar de existir”, diz Ivana Jinkings. Sobrevivência graças às redes: Apesar de o mercado editorial e livreiro depender quase exclusivamente de tinta e papel —a última pesquisa sobre as vendas de e-books no país, divulgada em 2017, mostrou que os livros nesse formato correspondiam a apenas 1,09% do setor— é no mundo digital que está chance de sobrevivência das pequenas editoras e negócios livreiros. Foi precisamente da inquietude sobre como se comunicar com o


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público que nasceu a Antofágica, em 2019, criada por sócios que trabalharam durante anos em editoras como Intrínseca e Aleph. “Antes, as editoras não precisavam falar com o leitor, mas isso mudou. Queríamos ser menos como um varejista que só vende um produto e mais como uma editora que cria experiências para o leitor”, diz Lameira. Por isso, a editora mantém um grupo com leitores no Telegram, e alguns títulos vêm com QR codes que levam a aulas online sobre aquela obra. “É essa relação com o leitor que pauta as decisões editoriais. O fato de a quarta capa de cada livro ser apenas uma frase, por exemplo, foi pensado para o formato dos stories do Instagram. A escolha dos títulos passa por isso, toda a estética foi pensada para a dinâmica de redes”, acrescenta Lameira.

Curiosamente, os livros da Antofágica podem ser comprados apenas na Amazon ou em livrarias independentes. Na livraria Simples, localizada em uma charmosa casinha

vai postando fotos e vídeos das obras para gerar interação com os leitores. “Essa comunicação é um diferencial, mas é um trabalho quase artesanal e que demanda muito tempo e dedicação. Às vezes,

azul no centro de São Paulo, a presença nas redes sociais tem sido fundamental para manter o funcionamento da loja. “Tivemos que migrar para a venda online por conta da pandemia. Até abril do ano passado, sequer tínhamos um site institucional”, o dono da Simples. Agora, à medida que vai registrando as entradas de livros no catálogo da livraria, ele mesmo já

você troca mais de dez mensagens com um cliente para fechar a venda de um livro de 15 reais”, explica. Ribeiro acrescenta ainda que o que tem “segurado o rojão” da crise —para ele e outras fontes ouvidas na reportagem— é o espírito de comunidade em torno das livraria de rua, a fidelização dos clientes. “É só com os leitores que podemos contar”, conclui.

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OLHAR DE POETA

PLACEBOS

Jacqueline Aisenman PORTUGAL

Chris de Abreu Florianópolis, SC

Na verdade, Tudo é poesia Desde o vaivém das marés Até a louça suja na pia. Basta olhar Com olhos de poeta Que de forma indiscreta Expõe os mais íntimos segredos Do parceiro, da viagem Da sua própria vida Ou de uma paisagem. A poesia vem de fora pra dentro E de dentro pra fora As linhas de uma folha Tornam-se rugas de uma senhora. Feliz de quem consegue Viver a vida em poesia Senão, que se encarregue De fazer a travessia Para onde a poesia aflora.

Fechei os olhos e os poros, me tranquei de fora para dentro, me senti ir. Plácido Foi o instante doce da partida, sob os olhos da tirana euforia da volta. E embora caladas, anunciadas, para parecer reais, idas e vindas, vidas, nada mais foram senão placebos. 23


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PEDRO BANDEIRA: O GRANDE NOME DA LITERATURA INFANTOJUVENIL

Falando c om o escritor Pedro Bandeira sobre o a s s unto q ue e l e mais gosta, a propósito do Dia Nacional da Literatura, em maio, ele destacou a importância da leitura na fase infantil e comentou que essa característica ainda não é algo cultural no Brasil, infelizmente. A quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró Livro e o Itaú Cultural, constatou uma diminuição de cerca de 4,6 milhões de leitores, entre 2015

e 2 019. Q u a n d o questionado sobre essa realidade no país, em que a leitura não é o forte dos brasileiros, o escritor comentou que é necessária uma par tic ipaç ão maior das famílias. “A nossa história é muito ruim. Não temos uma boa história da leitura e da escola. Até hoje nós investimos de modo errado na educação pública e pior, as famílias não participam isso, por não ser uma tradição no Brasil”, comenta o escritor. O escritor comentou que os professores, por sua vez, fazem 24

o seu trabalho e que podem estar contribuindo para uma geraç ão d e mais leitores: “O gosto pela leitura e pela ar te caberia à família. Se existisse uma cultura de os pais lerem histórias para os seus filhos antes de dormir, a nossa realidade seria diferente. A professora não pode substituir o trabalho da família. As pro fessoras são até muito fortes, não tem condições de colocar 30 alunos no colo, e mesmo assim seguem estimulando a leitura. E talvez, os professores de hoje estejam criando uma geração que terá lido mais do que seus pais, e por isso temos esperança de que nas próximas gerações a família brasileira voltem a fazer o


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papel que é só dela. Se existir uma parceria entre família e a escola será perfeito, vamos longe. Mas hoje isso não existe.” Quando questionado como tornar a leitura mais atrativa do que a internet e a tecnologia, o escritor responde: “Sempre houve concorrência com a leitura. Quando uma criança vai ao sítio, por exemplo, ela vai preferir ir ao rio, caçar insetos, do que ficar fechada no quarto dela lendo um livro. Ela precisa de cinema, TV, esporte, mas também precisa pegar gosto pela leitura. Uma criança que só fica trancada lendo também não é bom. A vida é maior do que isso. Para tudo é preciso equilíbrio, e no caso da leitura é preciso estímulo da família.” Pedro Bandeira

(1942) é um escritor brasileiro de livros infanto-juvenis. Destac ou-se c om a obra "A Droga d a O b e d i ê n c i a ". Recebeu o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1986 e a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas,

da cidade de Santos, em 2012. Pedro Bandeira de Luna Filho nasceu em Santos, São Paulo, no dia 9 de m a r ç o d e 19 4 2 . Estudou o curso primário no Grupo Escolar Visconde de São Leopoldo, e o ginasial e o cien25

tífico no Instituto de Educação Canadá. E m 19 5 8 c o m e çou a participar do teatro amador. Em 19 61, Pe d r o Bandeira mudou-se para São Paulo e ingressou no curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na Universidade de São Paulo (USP). Em 1962 começou a escrever para o jornal Última Hora e mais tarde trabalhou na Editora Abril, onde escreveu para diversas revistas. Em 1965 concluiu a graduação. Em São Paulo, Pedro Bandeira se dedicou ao teatro profissional, trabalhando como ator, diretor, cenógrafo e também com teatro de b one c os. Em 1972 c omeç ou a escrever histórias para crianças, que eram publicadas em revistas das edi-


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toras Abril, Saraiva e Rio Gráfica. A partir de 1983, Pedro Bandeira passou a se dedicar integralmente à literatura. Publicou seu primeiro livro "O Dinossauro Que Fazia Au-Au" (1983), voltado para o público infantil, que fez um grande sucesso. Em 1984, publica o livro “A Droga da Obediência” iniciando uma série de livros para o público infanto-juvenil denominada “Os Karas” - grupo formado por cinco jovens – Crânio, Miguel, Chumbinho,

Magri e Calu, que estudavam no Colégio Elite e vivem diversas aventuras bancando detetives. Pedro Bandeira publicou vários livros da série “Os Karas”, como “Pântano de Sangue” (19 87 ), “A n j o da Morte” (1988), “A Droga do Amor” (1994) e “A Droga Americana” (1999), e outros, obras que conquistaram o público infanto-juvenil, e passaram a ser indicadas para leitura no ensino médio. Pedro Bandeira buscou recursos dentro da psicologia do desenvolvimento das crianças para compreender questões delicadas que envolvem o leitor infantil, tais como a idade em que as crianças enxergam o pai como um herói, ou até mesmo o momento em que essa imagem 26

se desconstrói e a figura paterna é criticada e colocada em dúvida. Depois da publicação de diversas o b ra s, em 2 014, passados 15 anos da publicação do último livro da série Os Karas, Pedro Bandeira publicou o sexto livro da série, “A Droga da Amizade”, onde conta o que aconteceu com os Karas quando se tornaram adultos. Sobre o livro disse Pedro Bandeira: “ Meus leitores verão que os Karas podem ter ficado coroas, mas jamais se tornaram caretas”. Pedro Bandeira se tornou o autor de literatura infanto -juvenil que mais vende livros no Brasil. Recebeu o Pr ê m i o J a b u t i da Câmara Brasileira do Livro, em 1986 e a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas,


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da cidade de São A Marca de Uma Lágrima (1985) Paulo, em 2012. O Fantástico Mistério de Feiurinha (1986) P a n t a n o d e Sangue (1987) Anjo da Morte (1988) Agora Estou Sozinha (1988) A Droga do Amor (1994) Um pouco da obra O M i s t é r i o d a d e P e d r o B a n - Fábrica de Livros (19 9 4) (e O s n e i deira: O D i n o s s a u r o Rocha) Que Fazia Au-Au O Grande Desafio (1996) (1983) A Droga da Obe- P r o v a d e F o g o (1996) diência (1984)

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Brincadeira Mor tal (1996) Gente de Estimação (1996) O Pequeno Fantasma (1998) Droga de Americana! (1999) Por Enquanto Eu Sou Pequeno (2002) Alice no País da Mentira (2005) Histórias A paixo nadas (2006) Pânico na Escola (2013) A F l e c h a Tr a i çoeira (2017) As Cores de Laurinha (2019)


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OUTONO

EM TUMBAS DISTANTES

Pierre Aderne – Lisboa, Portugal

Teresinka Pereira – Estados Unidos

o outono vem chegando com seus tons de damasco e sapoti, vem estender o tapete pra ela desfilar pintando o chão com a seda do jacarandá já ouço sua voz, já sinto sua luz vem a passos de vento do Tejo pro Rossio trazendo nas mãos folhas para os versos que crio quase na hora da lua se esconder pra árvore se despir quase na hora das vinhas vestirem dourado e castanho pra pintar esse amor sem peso e sem tamanho…

Agora sim, desejo estar tranquila, Sem luzes nas paredes, sem parques, nem jardins. Agora reclamo minha vazia solidão, como uma chuva infinita para lavar os pecados do mundo, porque este cansaço que sinto provém de um amor impossível, de uma história que não foi dita, um fio de vida em pedaços que brotam do passado como uma constelação acesa de cicatrizes em tumbas distantes. 28


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BRINCAR

Marli Lúcia Lisbôa (Bulucha) – São José, SC (Do livro “Hora H”)

Tudo... eu! - Vamos brincar? - Sim! - De quê? - Qualquer coisa... - Vamos brincar de... - Vamos! Infância! Minha infância... sua infância! Erro! Sim, erro. Já descobri isso também. Em minha infância há um erro. E na sua? Há? Sabe qual é esse erro? Não ainda? Pense um pouco. Há um erro em minha infância, mas não há erro meu em minha infância! Entende? Não? Por quê? Medo. Vergonha. Covardia. Egoísmo. Ambição. Verdade! Há um erro em minha infância, erro não meu, mas erro que me pertence... Quem faz o erro? O que... é erro?

Por que se erra? Para quê? Todos, tudo, normal. O erro é para enxergar a verdade... Em cada erro há uma verdade... e é isso o que procuro! O erro de todos, de tudo, de mim... A verdade de mim, de tudo, de todos... Qual é o seu erro? Qual é a sua verdade? Veja, você não sabe responder. Mas procura, não? Não ria, leia e pense. Continue e deixará de achar todos idiotas, tudo, você.... E r r o . Ve r d a d e . . . Parece que comprei meu erro, mas meu erro foi dado... Parece que venderei minha verdade, mas minha verdade vai ser dada... Aceito o erro, pois vi que encontrarei a verdade! Essa coisa que está me encobrindo agora é um erro? Não sei, acho que não, pois parece que assim sendo, descobrirei uma verdade! Qual será essa verdade? Talvez... Para cada erro, há 29

uma verdade... e seja ela qual for, eu saberei o porquê! Descobri o erro, descobrirei a verdade... Com o erro, com a verdade, eu percebi mais coisa. Há o desespero. Sim, isso mesmo. Você sabe o que é desespero? Eu calculo que não... sei! Sei que com o erro, esse erro, eu permaneci em desespero. O desespero da minha infância, o desespero do erro, o desespero da descoberta, o desespero da busca, o desespero do conhecer.... Pare um pouco e... veja seu desespero em tudo isso, veja-se em meu lugar. O que


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é você? O desespero de falar! Ah, acha ilógico tudo isso? Então você não é capaz de... nunca permanecer em desespero?! Agora sou eu que começo a rir... Desespero. Turbilhão de coisas que vem de coisas, que traz coisas, que faz coisas! Quais coisas? Sei lá, muitas... Não é verdade? Sim, verdade! O erro leva-me à verdade, o erro leva-me ao desespero, a verdade leva-me à... à esperança. Sim, sim! Erro... verdade. Desespero... esperança. Que sensação! Concorda comigo? Não? Ora, deixe de ser, então, um idiota. Esperança. Esperança, desespero da espera! Esperança, querer enc ontrar! Esperança, tempo infinito! O que é esperança? É uma coisa. Mas, que coisa? Ora, pare de encher. Encher? Sim! Então pare de ler, ora

bolas. Não obrigo você a nada... Nada? Não! Esperança, esperança, esperança... o que me trará essa esperança? Temos esperança por alguma coisa? De alguma coisa? Para alguma coisa? Sim! Não! Ah, esperança que chega trazendo a esperança de tudo, de todos, de você, de mim.... Sim, eu preciso de esperança... p ois s enão não estaria agora por aqui! E você? Qual a sua e s p e r a n ç a? N ã o sabe? Que pena! Estou com esperança, estou com a esperança de descobrir tudo, todos... eu! Por que tudo isso faz parte de mim? São meus parafusos, porcas, molas, cabeça? Erro. Errar é...?! Verdade. Pertence a...?! Desespero. É de...?! Esperança. É...?! Para cada erro aparece a verdade. Para cada desespero há 30

esperança. Que erro é esse de minha infância? Que verdade descobrirei? Qual o tamanho de meu desespero? Qual a esperança que devo ter? Não sei. Sei que existe tudo isso. Como? Pense por mim! Há algo que escorre por meu corpo. Corpo? De onde eu tirei essa palavra? Estou pegajoso... Onde há erro, deve haver a verdade. Onde há desespero, deve haver a esperança. Onde há verdade, deve haver calmaria. Onde há erro, deve haver desespero. Onde há esperança, deve haver verdade. D eve? N ã o h á sempre? Isso é importante... Por que tudo isso faz parte de mim...?!


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A CURVA DA ESTRADA

INCÓGNITA Donato Ramos

Hilda C Baumann

Esperei lá.

Enquanto isso, o vento sul

insistia em arrancar meu chapéu parecia decidido em revirar meus cabelos.

Vi a sombra da árvore se afastar um pouco para o lado Senti na pele o brilho do sol Eu não desisti de esperar. Fiquei ali

Desvendar os mistérios da vida e da morte, quem há de? Desvendar os mistérios da doce saudade, quem seria capaz? Desvendar os mistérios do amor, quem haveria de fazê-lo? Em casos isolados, já o problema sempre apresentou incógnitas indesvendáveis... Quem diria que pudesse, então, desvendar os mistérios contidos na trilogia citada? Vida e morte se entrelaçam com amor e ódio, advindo daí a saudade que fez matar e reviver unicamente a pungente saudade... “Minha caminhada de hoje: fui até o portão para ver se você estava vindo.” (Donato Ramos)

Nem vi o tempo passar

Cantando, um bando de passarinhos me distraiu

Olhei tantas vezes para a curva da estrada, a mesma que leva a gente para ver o mar! (do livro O Caminho dos Anjos, de Hilda C Baumann) hilda. corruchel@gmail.com

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ENTREVISTA: HILDA C. BAUMANN O Suplemento Literár i o A ILHA entrevista Hilda C. Baumann e dá a conhecer mais sobre uma das nossas escritoras catarinenses. Pergunta: O que é o livro, para uma escritora, além de um retrato da alma para uma pessoa que foi sequestrada pela literatura? Hilda - O livro é o espelho de uma sociedade. A inteli gên c ia d o li v r o é capaz de criar mundos, construir castelos, nos transpor tar no tempo. Pode até nos levar à s e s t r e l a s n um piscar de olho. O livro nos liberta e pode nos dar asas. Pergunta: Gostaria

de, nesta entrevista, falar primeiro do livro Palavras que Restam ou prefere nos dizer como c onheceu Donato Ramos? Hilda - Gosto de falar dos dois. Eu conheci primeiro a voz dele no radio na década de sessenta. Pessoalmente o conheci em um encontro de

escritores de Academias, em 2015. Já a sua alma eu reconheci no miolo do livro na sua história, Palavras que Re stam. Conheci Donato, mas o destino quis que eu parasse por aqui. A morte veio e levou meu grande amigo, privando-o do lançamento do livro tão sonhado e como ele 32

mesmo costumava me dizer: “um livro d e ve rd a d e c o m ficha catalográfica e com ISBN e tudo”. Eu e a família Ra m o s c o n t i n ua mos o sonho. Sei que a gente traça o p l a n o, m a s a data, o fechamento, está na vontade de Deus. Pergunta: Por que Donato Ramos? Hilda - Ah! por que D o n a t o R a m o s?! Porque sendo ele uma pessoa singular, a gente tinha por obrigação guard a r. G u a r d a r n o mundo das letras. Produzindo um cofre chamado livro onde se pode continuar admirando o brilho dessa estrela do mundo das palavras. Pergunta: Qual foi o motivo que levou você e o jornalista Donato Ramos a escreverem um livro em parceria? Hilda - Donato se orgulhava em repe-


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tir “escrevi e eu mesmo imprimi um livro para cada ano d e m i n h a v i d a ”, referindo-se às dezenas de livros que ele mesmo imprimia e encadernava em casa e punha à venda na internet. Eu achei isso magnifico. Porém vi que ele não se sentia realizado, pois não tinha um livro com ISBN, publicado por uma editora de verdade. Como nossas ideias entraram em consonância, convidei-o para juntos produzirmos um livro. Ele topou de pronto e aí está Palavras que Restam, “com ISBN e tudo”! Um

livro que aconselha, alegra e que com certeza fará gente rir, refletir e comover-se. Pergunta - O livro escrito por um jornalista e uma geógrafa revela os sonhos de uma sociedade aprendendo a viver com o conteúdo de crônicas e poesia? Hilda - Com certeza. O realismo c om que Donato escreve suas crônicas, servem de conselho e alerta. Vê-se no coração do livro, um consciente retrocesso no tempo em busca de perdão. E como complemento, meus poemas. Estes poderão levar, os que amam poesia, a sonhar. Pergunta: E você Hilda, pode nos contar de onde vem a inspiração para escrever mais de 6.000 poemas 2.000 aldravias em apenas cinco anos? 33

Sabemos também que gosta de brincar com mini e micro contos, limeriques e outros mimos da literatura. Isso é verdade? Hilda - Sim, é verdade, o mundo para mim são letras, as palavras e os versos. Estou sempre atenta às vozes do mundo e às algazarras do silêncio. Do alto do céu vem a energia. Tema, é tudo em minha volta, é o que escuto, o que eu leio, o que sonho e o que eu nem sei o que é e nem de onde vem. Tudo vira ou é poesia. Pergunta: Quanto ao mercado lite rário, qual a sua


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opinião? Hilda - Infelizmente ele é prejudicado, falta de incentivo à leitura em casa, nos meios de comunicação e nas escolas. As quais, usando xerox, não se preocupam com a forma errônea de expor os autores brasileiros. Pergunta: Quais as suas perspectivas para o futuro literário? Hilda - Não acredito em um boom literário, nem em mudan ç a radi c al, no futuro. A literatura veio mesmo de muletas até hoje e vai seguir enfrentando percalços, mas com certeza irá sobreviver. Pergunta:Em plena

pandemia de Covid vocês resolveram organizar e lançar um livro. Onde encontraram forças para isso? Hilda - O destino nos aproximou justo neste período de pandemia por COVID 19. Como para nós o tempo rugia, buscamos força em nossas almas e no amor às letras. A clausura nos deu todo o tempo para assim nos dedicarmos à montagem do livro. Pergunta: No livro está eleito um personagem principal? Hilda - Sim, numa profunda reflexão de um pai arrep e n d i d o. L e i a e encontre-o em 34

Palavras que Restam. Pergunta: O que você acha do Brasil atual? Conheço nosso rico país há mais de sessenta anos. Ele começou a ser roubado desde sua ocupação pelos europeus, que saquearam diferentes riquezas, minerais e vegetais. Enganaram o povo com álcool e espelhinhos, e ainda hoje eles estão vindo com historinhas que não cabem mais na realidade grandiosa do nosso poderoso Brasil. Eu amo meu chão. Choro, grito e luto por sua verdade. Pergunta: Você vê, a médio ou longo


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prazo, a possibilidade de resgatar a educação do Brasil? H il da - Sim, eu espero e acredito e faço a minha parte, porque sei que o ser humano é muito ágil e capaz, quando incentivado ou quando castigado. Pergunta: O que você acha do livro eletrônico? Hilda - Eu gosto, ele tem um futuro p r o m i s s o r, m a s acredito que mesmo muito mais barato e divinamente prático, não desbancará o “cheiro” e o prazer proporcionado pelo livro de papel. Pergunta: O que tem a dizer sobre

as inúmeras academias de letras que vem surgindo e atraindo escritores para a prática solidária da literatura? Hilda - É lindo, é um alento e isso é enriquecedor também. Está fazendo muita gente ler, nem que seja lendo os seus próprios livros. Mas me alegro com isso porque agora tem m ui to ma i s p e s soas vivendo no mundo da literatura. São muitos os erros e falhas, isto salienta a carência de pessoas disponíveis para ensinar a fazer, corrigir e ajudar. O processo re quer di s p oni b i lidade de tempo, recursos financei-

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ros e tecnológicos e tudo fica bastante oneroso. E como me disse, com ironia e sarcasmo, uma amiga escritora, “é mais fácil se livrar de um cadáver do que vender 500 livros”. Pe rgunta: Para terminar, qual seu recado para todos os leitores? Hilda - Boa leitura a todos. Não desistam de escrever, de ler e como pano d e f un d o us e o som da harmônica do nosso querido Donato Ramos, disponível na internet. Jovens e escritores, é importante não esquecer o que disse Ray Bradbury: “Apenas escreva to d os os dias da sua vida. Leia intensamente. Depois veja o que ac ontec e. A maioria dos meus amigos que fizeram essa dieta tive ram carreiras muito agradáveis.”


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FUTURO?

Célia Biscaia Veiga – Joinville,SC

POEMA AO MEU FILHO Célia Biscaia Veiga

Hoje meu filho deu sinal de vida Primeira vez que eu o senti mexer É algo que não dá pra descrever, É a sensação mais linda de ser vivida.

Enquanto espero que o tempo chegue, O tempo ideal para eu viver, Aguardando um momento tão sonhado, A vida passa sem eu perceber.

Sentir que esse pequenino ser Vai tendo sua forma definida Esta criança sente que é querida E por isso se mexe com prazer.

Enquanto espero o amanhã que vai trazer De um grande sonho, a realização, E eu imagino passo a passo o que vai ser Posso viver só na imaginação.

Esta maravilhosa sensação Que invadiu-me inteiro o coração Emocionou-me do princípio ao fim. Porque não existe maior ventura Que viver esse instante de ternura: Meu filho brincando dentro de mim...

Porque temos este hábito confuso De projetar nossa felicidade Sempre só para um distante futuro Ou dependendo de outra identidade?

(Poema republicado, uma vez que saiu na edição passada com erro)

Planejar é importante, ninguém nega, Ter objetivos na vida é crucial, O que não dá é esquecer que pra chegar A gente trilha um caminho bem real. 36


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PARA ENTENDER

Maria Teresa Freire – Curitiba, PR

O que lhe diz um poema? Uma prosa? Que significação lhe oferece? A interpretação de cada um conduz a terrenos inconsistentes em que o autor nem quis pisar. A inspiração chegou, abriu espaço e permaneceu. Viveu o autor o que escreveu? Sentiu o autor o que escreveu? Sentiu na sua imaginação, no seu devaneio poético que lhe escolhe as palavras, que dá forma a cada verso. Não é sua vida, seu sentimento. É sua escrita, sua prosa, s ua p o e s i a , s ua criação. A imaginação freme o coração do escri-

tor como as cordas de um violino. Ecoa na alma, reverbera na mente e se concretiza nas palavras, que tomam forma na folha branca, descrevendo imagens sonhadas, inspirada s, imagina da s, todavia nem sempre experimentadas. Ao poeta, ao escritor cada detalhe pode se transformar em um poema, uma prosa. Um sorriso acalentador, um olhar perscrutador, um meneio encantador, um volteio libertador. Uma manifestaç ão da natureza como o por do s ol aver m elhad o, um amanhecer enevoado, uma

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brisa suave, uma tempestade raivosa, uma chuva gelada. Nuvens que passeiam pela imensidão do céu, on da s p o deros a s ou inofensivas que lambem a areia dourada. Sol bril h a n t e, a b r a s i vo. Sombra protetora, refrescante. Árvores, flores, matas, estradas sem fim. Dia ensolarado, nublado. Noite enluarada, prateada. Pessoas, amores, desamores, encontros, desencontros, situações inusitadas, acontecimentos surpreendentes, fatos estimulantes. Amigos, inimigos, compreensões,incompreensões.


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Inspiração que vem de todos esses detalhes. Que nem sempre fazem parte da vida do poeta, do escritor. Nem sempre é vida vivida. É vida de outros, detalhes de outros. Que chegam aos olhos, aos ouvidos e à mente de quem escreve. E vira texto, poema. Sua experiência de vida não conseguiria abranger tantas s i t u a ç õ e s , ex p e riências, vivências, tantos aspectos, riscos, acontecimentos.

O que se passa no entorno do autor é motivo para escrever, pois ele puxa o fio do novelo e desenrola a criação de um cenário estonteante, aterrorizante, estimulante, mas também românt i c o, e n c a n t a d o r, simpático e sempre envolvente. Ao autor é dado o talento de criar do nada, da história alheia, da sua visão, da sua condição de entender, perceber, rever, refazer, estender e por fim escrever. As palavras lhe saem voláteis, soltas, da sua caneta ou no te c lad o d o c om p u t a d o r. D o c e s , charmosas, envaidecidas, elogiosas, c or t antes, im p erdoáveis, amenas, instigantes, descritíveis, alentadoras. Sua narrativa, com o jeito que lhe é natural, conta de outros, de si, do que ima-

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gina, do que inventa, do que sente, do que nem sabe que sente, do que o outro sente. Relata, narra, historia, poetisa, proseia, dialoga, monologa. Sempre, escreve. Do que quer, como quer. É seu estilo que cativa, que faz leitores, que acreditam que o autor só escreve de si! De suas experiências, de suas aventuras, de seus pensamentos, de sua rotina, da sua vivência. Ta m b é m e s c r eve sobre isso, mas não somente sobre isso. Escritor ou poeta cria conteúdos por meio de palavras, frases, versos. Acredite leitor, o autor escreve sobre tudo que lhe toca a alma, que lhe ativa a mente, que lhe desperta atenção, que lhe preenche o coração. Que lhe tem significado. Que tem significado para quem lê.


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VOO

BANQUETE DOMINICAL

Eliane Debus Florianópolis, SC

Eliane Debus Florianópolis, SC

Na mesa, livros abertos e uma velha máquina de escrever. Farelos soltos pela casalar onde me abrigo, banquete das míseras formigas, companheiras desse tédio dominical.

Voar alto, Lá no alto, Mais alto, além do céu cinzento que agoniza. Voar, sem percurso, Sem limitações Sem fronteiras. Da distopia em fuga, nas asas a luminescência dos que restou, Réstia de outros dias. Desembrulhar as asas sobre outro céu, Outro azul, Talvez outra utopia Voar alto, lá no alto, mais alto... Seguir o instinto aéreo, Outro rumo, sem sair do prumo. Voar, voar mesmo que a luz ofusque, e o voo seja breve. 39


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FRIO PERTO DO MONTE CAMBIRELA

Urda Alice Kllueger – Palhoça, SC

Dez da manhã de segunda-feira, e 14 graus Centígrados no Sertão da Enseada de Brito. Baixará mais oito graus hoje. O céu, de nuvens baixas, está sinistro e a m e a ç a d o r. F i c o pensando se virá chuva ou virá neve – afinal, faz pouco tempo (3 anos? 4 anos?) que nevou em Santa Catarina a nível do mar. As montanhas próximas têm os cumes escondidos pelas n u ve n s , e m e u s cachorros e meus gatos, na noite que passou, comeram muito mais do que o habitual, como se estivessem a fazer

reservas de energia para enfrentar o frio que quase posso ver como vem rolando pelo céu como quem desenrola um grande tapete. Se naquele inverno re c ente nevou à beira do mar, como terá sido no Monte Cambirela, que quase faz sombra aqui, nas tardes, e que tem mais de mil metros de altura? É lindo, esse monte, que é o fim de uma serra com o mesmo nome e em cujo topo, em profunda caverna, o demônio está preso, segundo a mitolo-

Morro Cambirela, com neve.

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gia Guarani – meus vizinhos, no outro lado cá do morro d e tra z, s ão os Guarani e morro de traz se chama Morro dos Cavalos. Penso, então, em outros tempos, em outras neves, e em como antigos Guaranis e os antigos Sambaquianos enfrentaram tais momentos de frio nos últimos 6.000 anos por aqui, pois já faz 6.000 anos que a última glaciação se foi e chegamos ao que a ciência chama de “ótimo c limátic o”, que quer dizer que é o clima que temos


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Morro dos Cavalos

agora, que nem é tão ótimo assim, principalmente quando penso nos vizinhos Guarani e suas casas desprovidas de quase tudo. Por sor te há lá a Opy, casa sagrada que os protege e garante a prisão para sempre daquele demônio lá no topo do Monte Cambirela. Sim, e lembrar de novo desse morro me leva a outras divagações, e fico a pensar na separação que houve (ainda não terminou) dos continentes africano e

americano, e dos profundos abalos sísmicos e do tanto vulcanismo que aconteceu, então, para separar assim essas duas terras que eram uma só. O que é Santa Catarina hoje fazia parte de uma terra que na África, hoje, se chama Namíbia, e metade das serras próximas do litoral catarinense estão na Namíbia. Há até pedaços do deserto do Kalahari, na Namíbia, que hoje são litoral catarinense. Um morro tão bonito e grande assim aqui na beira

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do mar decerto tem sua outra parte lá do outro lado do oceano – como não pensara nisto antes? E então, quando imagino o ribombar atroador de todo aquele vulcanismo e terremotos do tempo da separação, dou-me conta que os seis graus de tempe ratura que haverá hoje à noite é coisa pouca quando se está numa casa bem protegida, com cachorros e gatos dormindo ao redor da gente. Visto-me de verde com quentes casacos e uso no cabelo uma flor de seda que ganhei de presente de uma princesinha encantada que às vezes aparece. A chuva já começou e a vida segue. (Sertão da Enseada de Brito, 17 de julho de 2017.)


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OBSCURIDADE

Silvinha – Joinville, SC

Bem quisera eu ser aquela luz que inspira teus passos, aquelas lembranças que envolvem teu dia, aquelas palavras que te fazem sorrir… Bem quisera eu ser a ternura do mundo a tocar no teu coração, aquele lado oculto e ser tua grande paixão… Bem quisera eu ser aquela inspiração que inspira o poeta a ser teu tudo teu outono, tua primavera, teu consolo, tua festa, tua inspiração, teu conforto…

Bem quisera eu ser a definição das palavras para poder compreender porque te amo assim… Sei que não sou teu sol, teu luar, nem tampouco tua noite… Sou um pouco mais que um nada do universo que envolve teu dia… Sou, simplesmente, a face da vida que aguarda uma palavra tua para explodir em sorrisos… (em sorrisos guardados há tanto há tanto tempo…)

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MIA COUTO E A PANDEMIA

Mia Couto, o um dos maiores poetas da lusofonia, fala de sua prosa, o conto Um Gentil Ladrão e fala também como tem passado pela pandemia. P e r g u n t a: C o m o surgiu a inspiração para o conto Um Gentil Ladrão? Mia Couto Moçambique é um país com uma variedade enorme de culturas, de línguas e de pes soas c om d i fe r e n te s c o n d i ções de acesso à informação. Grande par te dos moçambicanos vive em zonas remotas onde são poucos os que fa l a m p o r t u g u ê s . Foi neste cenário de contrastes

e desencontros que nasceu a ideia deste conto. Não era difícil imaginar situações de equívocos entre quem l evava a n o tíc i a da pandemia e os destinatários dessas mensagens. Esses mal-entendidos não são apenas de n at u r ez a l i n g uís tica. O que está em confronto são m o d o s p r of u n d a mente diversos de entender o mundo. P e r g u n t a: C o m o tem passado por essa pandemia? Mia Couto - Em relação à Covid19 , M o ç a m b i q u e tem sido poupado, fe l i z m e n t e. T i ve mos poucos casos desde o início da pandemia, no ano passado: 800 ób itos para uma população de 30 milhões de habitantes. No mês de fevereiro deste ano houve um sur to mais grave 43

na cidade de Maputo, onde eu vivo. Perdi vários amigos e colegas num espaç o de duas semanas. Nunca houve, no entanto, a necessidade de adotar um lockdown. Há restrições que permitem uma cer ta sociabilidade. Temos, felizmente, um governo cuja atuação, neste domínio, se guia por fundamentos científicos. Mas temos outras desgraças como uma guerra provocada por extremistas que se apresentam como jihadistas. E


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isso é um pesadelo que nos rouba a respiração. Pe rgunta: Além do conto, o que tem escrito? Esse período aumento u s ua vo nt a d e de escrever ou de alguma forma minou sua criatividade? Mia Couto - Creio que a criatividade nestes tempos funciona de duas maneiras: sou confrontado de modo positivo com o desafio de me superar, de vencer a s f r o n te i r a s d o c onfinamento, de par tir em busca d e o u t r o a l e n t o. Nesses momento s , eu s a i o d e mim para vencer a carência do abraço, da proximidade do outro e, sobretudo, para não perder o sentido da esperança. Mas, há momentos, confesso, de profunda melancolia em que me

cansam as paredes e me dá vontade de sacudir o chão e o teto. P e r g u n t a: C o m o relaciona o clássico Decamerão com a pandemia dos dias de hoje? Mia Couto - É curioso pensar que o livro de Boc-

caccio, escrito d ur a n te a Pe s te Negra, evoca um cenário que agora nos é familiar: um gr up o d e j oven s confinado num c a s te l o n o m e i o d o c a m p o, p a r a es c apar ao c on tágio da peste. E 44

é curioso pensar que o Decamerão sugere rupturas não apenas no tipo da narrativa dominante, mas nos valores morais da época. A verdade é que a peste bubônica demorou quase uma década e matou um q ua r to da p o p u lação da Europa. A ideia de fim de mundo foi vivida de forma intensa e generalizada pelos europeus. Mas esse sentimento de fim de mundo já foi sentido por todos os povos e o Brasil sabe bem disso por via do extermínio dos povos indígenas e pelos s o b rev i ve nte s da escravatura. Pe rgunta: Qual outro livro sobre pestes acha apropriado para esse período que passamos? Mia Couto - Eu reli A Peste de Albert


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Camus e confesso que desisti no meio. Senti que precisava sair para um universo mais luminoso. Sou biólogo e estou muito interessado em saber mais sobre o mundo invisíve l d o s vír u s e da bactérias. Não creio que seja um assunto que interessa apenas os biólogos. Acho que temos todos uma visão muito estreita da vida.

P e r g u n t a: C o m o assim? Mia Couto E s q u e c e m o s quase sempre dos grandes arquitetos e os maestros deste milagre que vivermos num planeta vivo. Esses que chamamos de microrganism o s . U m a p a r te dos nossos medos mais antigos e profundos nascem da ideia de uma essência pura do que é humano e da

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desconfiança que mantemos para com o que nos parece ser estranho e distante. Temos que aprender a li dar c om essas invisíveis criaturas que não apenas nos habitam, mas que são par te inte grantes de nós. É preciso perder a arrogância que, mesmo no dis c ur s o ambien talista, nos coloca na posição messiânica de “salvadores da natureza”. No fundo, a nossa espécie, mesmo antes desta pandemia, já há muito que vivia num confinamento conceptual, numa espécie de apartheid existencial.


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RIO ASSASSINADO Margarete Iraí

Esqueceram-se, estes homens, da tua beleza.

Eram tão claras aquelas águas onde eu, criança, nadava… Via-se, na cristalina corrente, os peixinho num balé aquático, simplório e belo.

Hoje é, das fábricas, a fossa, estás morto, apodrecendo a cidade. E nem foste dignamente enterrado. Eram tão claras tuas águas, onde as crianças brincavam…

Era tão lindo aquele rio que desenhava a cidade como um espelho ondulado. Ah, Cachoeira, foste a sangue-frio assassinado.

Hoje, nas águas negras, podres e fétidas, os peixes já não existem, os barquinhos se perderam, as crianças cresceram e se tornaram homens frios e sem lembranças… Perdoe-os, Rio Cachoeira querido, e descanse em paz.

Te peço perdão, Rio Cachoeira, pela inconsequência dos homens, que em nome do progresso te fizeram depósito de lixo… Os mesmos homens que, em criança, em ti soltavam barquinhos…

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DESIGUALDADE RACIAL NA LITERATURA BRASILEIRA Estudiosos da literatura nacional acreditam que ela atua como veiculadora de preconceito e desigualdade racial no País, principalmente quanto aos negros. E s s a p o p u l a ç ã o, segundo os pesquisadores, é tratada com estereótipos negativos o u s i m p l e s m e n te excluída dos textos literários. Como exemplo da exclusão dos negros nesse cenário, c itam a primeira geração de escritores românticos do Brasil, trazendo o índio como figura

étni c a herói c a e eliminando a presença negra, também integrante da população. E s t u d o c o m romanc istas c on temporâneos revela o negro mais c omo tema do que como voz autoral. O trabalho foi realizad o pela Universidade de Brasília (UnB), analisando publi c a ç õ e s d a s principais editoras brasileiras entre 1965 e 2014, e mostrou que os autores brasileiros são homens (70%), branc os (9 0%) e paulistas ou cariocas (50% do total).

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Por France Júnior

Os personagens retratados também são os mais próximos da realidade des ses autores: os protagonistas são homens (60%), b r a n c o s (8 0 %), heterossexuais (90%). Quando o negro é personagem (6, 2% dos romances publicados entre 2004 e 2014), 4,5% deles protagonizaram as histórias e a maioria (obras de 1990 a 2014) desenvolvia ocupação de bandido, empre gado doméstic o, escravo, profissional do sexo e dona de casa. Para a estudante de Pedagogia da USP, Lorena Barbosa Ramos, “a literatura brasileira em si já carrega um histórico de representação negativa das pess oa s ne gra s”.


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Prof. José Francisco Miguel Henriques Bairrão

Lorena integra a equipe do Projeto de Cultura e E x t e n s ã o J u ve n tudes Negras, coordenado pelo professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) d a U S P, J o s é Fra n c i s c o M i guel Henriques Bairrão. A submissão escravagista marcou profundamente a vida desse povo. Se gun d o L orena , a ancestralidade étnica dos africanos trazida para o Brasil foi obrigada a adaptar costumes e expressões culturais para

s o b r e v i v e r , impondo falta de homogeneidade c ul tural à li tera tura afro-brasileira em todo o território nacional. Ao criticar a literatura afro-brasileira, Lorena começa pelos temas das obras, dizendo que “o texto que se diz afro-brasileiro deve tra zer histórias e/ou vivências de pessoas negras”. Os autores devem ser negros e atentar para o ponto de vista “que se dá pela visão de mundo colocada a favor das pessoas negras no Brasil”. A linguagem precisa remeter “à população afro-brasileira” e “à for maç ão d e um público leitor n e g r o ”. M e s m o assim, Lorena afirma que “essas características não precisam 48

necessariamente aparecerem juntas em um texto para que ele seja considerado afro-brasileiro”. Literatura afro-brasileira nas escolas e livros infantis: A história e cultura afro-brasileira entrou para o currículo oficial da rede de ensino em 2003 pela Lei 10.6 3 9. Cr i a n ç a s e adolescentes passam então a estudar a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da s o c ie dade nac i o nal, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, segundo a própria lei. Mesmo com o reconhecimento oficial, autores negros im p or t an tes, como Cruz e Sousa e Lima Barreto, continuam


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Lima Barreto

s e n d o es t u da d o s nas aulas de literatura da mesma forma. Para Lorena, o ensino deveria tratar esses escritores como afro-brasileiros e explorar mais suas obras. “Marcar o fato de que esses autores são negros abre espaço para que tais obras sejam vistas.” Lorena cita, como exemplos a explorar a obra póstuma de Lima Barreto, Clara dos Anjos e o poema de Cruz e Souza, O emparedado.

Se gun d o L orena , essas são obras que mostram relaç ões inter-raciais problematizadas e ressaltam “a negritude des s es autores”. A estudante defende a intelectualidade produzida pelas pessoas negras, para não ser “camuflada por máscaras brancas”. Literatura infantil precisa alcançar leitores negros: A e duc aç ão infantil recebe a criança, na maior parte d a s veze s , p a r a o início das relações sociais fora do ambiente familiar e, segundo a bibliotecária Aless an dra Alves de Souza, é nesse e s p a ç o q u e começa a fazer conexões, com base no que lê, de acordo com a par ticularidade de sua experiência de vida. Como ensina 49

Paulo Freire, a “leitura do mundo precede a leitura da palavra”, assim o pequeno leitor, ao chegar na escola, já traz conhecimento, subjetividade e sua identidade em construção para ser enfatizada e enriquecida. Esse é o motivo da escassez de autores negros na b ib li ote c a s es c o l a r e s , a r g um e n t a a bibliotecária. C o m o n u m círculo vicioso, afirma, falta representatividade e p e r s p e c t i va p a r a as crianças negras se tornarem futu-

Cruz e Sousa


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ros escritores. E, continua, “quando você lê um livro, vo c ê p r e c i s a s e enxergar nele, na facilidade de você ser o personagem; mas se o personagem é sempre branco, cabelo liso, olhos claros, fica mais difícil para uma pessoa negra poder pensar em estar naquele lugar, o que pode criar uma barreira entre o leitor e a literatura”. Para res olver a questão, Alessandra acredita na abordagem de livros literários infantis com enredo e ilustrações que valorizam

a c ons tr uç ão da autoimagem, da cultura negra e da d i ve r s i d a d e ét n i co-racial para a formação desse sujeito. Grandes editoras vêm abrin d o espaço para autores negros. M a s , s e g un d o a estudante de Pedag o gia e t a m b é m integrante do Projeto de Cultura e E x t e n s ã o J u ve n tudes Negras da F F C L R P, G l ó r i a Marcela Alexandre da Silva, são espaç os alternativos, grupos, obras coletivas, eventos, feiras e bienais literárias e a internet. Ainda falta muito,

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diz Glória, para que os negros predominem entre obras canônicas e clássicas. Mesmo assim, faz questão de citar alguns nomes que vêm auxiliando na luta antirracista e pela democracia, como Maria Firmina dos Reis, Luiz Gonzaga Pinto da Gama, Carolina M a r i a d e J e s us , Maria da Conceiç ã o Ev a r i s t o d e Brito, Lélia Gonzalez, Tio Sam de Oliveira e Abdias Nascimento. A cultura afro-brasileira é par te constituinte da memória e história do Brasil, com contribuições para o território nacional, e compõe costum e s e t ra d i ç õ e s como a mitologia, o folclore, a língua (falada e escrita), a culinária, a dança, a religião e todo o imaginário cultural do País.


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MISSIVA

Rita Pea - Portugal

Sei que há um rio entre as minhas palavras e os teus lábios. Nessas águas fluidas que me transbordam eu busco o que há de mais puro no tempo: os versos de amor que o destino escreveu na profundidade do teu mar.

Quero esse encontro com a vida! Com a Primavera. Com o solstício de Verão. Com a Felicidade. Com a Plenitude para voar. Voar. Voar. Voar. Voar! Voar de asa dada contigo rumo ao amanhecer de cada dia.

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ELA

Sólon Schil

Ela é ela. Do meu descanso de andanças, Sorriso franco, Criança na alma, No corpo mulher.

Eu e ela. Ela é ela, só ela. De mãos macias, Carícias suaves, Que se aninha em meu peito E me beija com ardor. Ela é ela.

Ela é ela. Que eu aspiro e me inspira, Musa. Em minha boca, tua boca, Que me acende e queima Como o sol que há muito já se foi Lembrando que é hora de partir

Do meu gosto musical, De minha cerveja gelada, Do meu prato E meu tempero, Que faz dupla comigo Na preguiça e se espreguiça De corpo colado ao meu.

Ter que ir, querendo ficar, Levando no coração A despedida muda, Sem pressa ou promessa, Deixando sonhos, Levando saudades.

Ela é ela. Que comigo se embola, Me entende e atende, Abraça e mima, me bebe Como se eu fosse cachaça, Mas quem se embriaga sou eu.

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O TRANSFORMADOR MUNDO DAS ARTES

Tamara Zimmermann Fonseca – Indaial SC

No prézinho iniciei minha “carreira” musical como instrumentista, participando da bandinha da classe, toda orgulhosa e ansiosa pelo dia da apresentação. A música eu sabia de cor e salteado, bem me lembro que ensaiávamos muito seriamente no auge de nossos seis anos de i dade! Além de todos os professores, nossos pais e irmãos estariam na nossa apresentação! A bandinha, claro, fez a alegria de todos, inclusive de nós pequenos

músicos! Meu instrumento nesse dia glorioso foi o Pau de Rumba! Toquei três vezes e com toda a força da minha responsabilidade e alegria! Minha carreira como instrumentista começou nesse dia e nele também terminou. Par timos então para a carreira ar tista na ginástica! Para is s o, voltamos uns dois anos. Lá vou eu toda bonitinha aos quatro anos, de colã rosinha, com minhas

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perninhas rechonchudinhas, cheias de dobrinhas, me apresentando para novamente a alegria de meus pais, irmãos e todos os demais papais e mamães que lá estavam para assistirem seus filhos! Dessa vez foi em nosso Clube, o Clube de Regatas Tietê em São Paulo. Chegou minha vez, fui me apresentar para a plateia e segui correndo para dar o salto que seria o melhor de todos, só que cai e o salto se transfor-


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mou num corpinho ao solo todo bonitinho e, ao levantar meus olhinhos para a plateia, todos estavam sorrindo, acreditei eu que tinha feito um s u c e s s o d a n a d o, mesmo assim foi o dia em que minha vida de ginasta começou e terminou .... Ingressei no mundo dos esportes! Na época da escola, já com meus doze, treze anos, fui jogadora de voleibol, eu arrasava com meus s aques p otentes, as adversárias tremiam ao me ver. Nos campeonatos interescolares, as torcidas eram uma alegria só. Foi realm e n te um a b e l a fase de esportista que se enc errou quando me formei na escola.... Ah, claro! Minha vida no cenário dos palcos! Também na época

da escola, uma peça teatral na qual eu era a mãe da história, e uma mãe muito rígida, tinha que em certo momento, dar um “corretivo” na filhinha... acho que me empolguei, a filhinha não gostou muito da encenação, mas valeu a nota e minha carreira n os pal c os também acabou por aí. Si g o minha v i da feliz recordando essas e outras tantas passagens que experimentei, pelo mundo fantástico das artes. Não tenho um pingo sequer de qualquer trauma que supostamente teria ao viver experiencias que não tiveram o resultado que eu 54

esperava: eu simplesmente as vivi, e sempre aprendi algo com elas. E eu mais me divirto do que me traumatizo. O mundo maravilhos o das ar tes, tem exatamente esse objetivo: nos fazer bem! Sou admiradora de todas elas, a música, os livros, uma peça de teatro, apresentações artísticas de q ua l q u e r m o d a l i dad e, o c in ema , ah o cinema e os filmes de amor... As composições musicais que nos fazem sonhar... Ah, a arte da dança, da pintura, escultura, o canto, todas me fascinam! A es ses ar tistas todos, meus agradecimentos por


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participarem ativamente em minha vida e de minha família! Tornando-me talentosa na arte de ser feliz! Uma grande parte desse meu amor pelas artes, devo ao carinho de papai e mamãe por te re m n o s a p re s e n t a d o s e m p r e, esse mundo maravilhos o, c ol ori d o, divertido e interessante, de artistas, escritores, pintores, músicos e tantos outros talentos! Desde criança, em nossa casa temos livros de José Mauro de Va s c o n c e l o s , a c o l e ç ão to da d e Monteiro Lobato e uma infinidade de outros escritores, livretos falando sobre a construção d o mundo, c ole -

ções enormes de discos incluindo as músicas clássicas como de Mozar t, Beethoven, Vivaldi. Todos os gêneros musicais entraram e entram em nossa casa, nos tornam os admirad ores de todas essas ar tes, e aproveitamos , seja com Saraus de mamãe, seja nas festas na casa do tio Alcides onde o forró e sertanejo era o ritmo da casa , ou na casa da vó Lolita onde o samba tomava conta de todos os cômodos. E é exatamente esse mundo das

artes, principalmente nesses tempos em que vemos tantas coisas que nos entristecem, que com seu poder n os s e gura p ela mão, oxigenam nossos pensamentos e nos levam a caminhos delicio sos onde não há o que temer. Um caminho onde a paz, o amor, o sorriso, a amizade e os bons momentos nos fa zem sorrir e crer num mundo melhor. Aqui meus sinceros e profundos agradecimentos pela existência de cada ar tista, pelo seu talento, pelo seu trabalho, p el o s eu tem p o, pela sua obra, que torna o mundo um lugar melhor!

Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br 55


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CONTEMPLAÇÃO

Maura Soares – Florianópolis, SC

“Da estreita sala, te contemplo à sombra”. (Nélson Carneiro, SP) Mãos no regaço repousas preguiçoso, depois da lida das tuas mãos laboriosas. Cabelos em desalinho sob o chapéu de palha, as longas pernas em descanso se espraiam. Olhos cerrados, à luz da tarde, cochilas tranquilo, em vigília e, debalde, tento chamar tua atenção, mas já é tarde; devo partir pois o dever me chama. Saio da contemplação contrariada. Quisera ficar ali mais um bocado a olhar teu rosto que, em adoração, não penso em nada, só em coisas de pecado. (2003) 56


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DARCY RIBEIRO, UM ILUSTRE BRASILEIRO

EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA - Indaial, SC

“Berta, abro esse diário com o seu nome dia a dia, escreverei o que me suceder, sentindo que falo com você. Ponha sua mão na minha mão e venha comigo. Va m o s p e r c o r r e r mil quilômetros de picadas pela floresta, visitando as aldeias índias que nos esperam, para conviver com eles, vê-los viver, aprender com eles.” D.R No dia 17 de fevereiro de 1997 recebi, c om impac to, a noticia da mor te do antropólogo Darcy Ribeiro, por quem me apaixonara recentemente

lendo, ávida, o livro de sua autoria “Diário Índios”. Este trabalho consiste em car tas diárias escritas à mulher Berta Ribeiro, que ficara no Rio de Janeiro, durante o período em que permaneceu em duas ex p e di ç ões entre 1949 e 1951 às aldeias dos Urubus-Kaapor “no vigor de seus vinte e seis anos”, usando suas próprias palavras, entre o Maranhão e o Pará. As cartas passaram a fazer parte do seu diário escrito nos intervalos do

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seu árduo trabalho como antropólogo, em longas e sofridas pesquisas a r e s p e i t o d a f o rmação daquelas tribos. Suas cartas à esposa eram declarações de amor diárias onde relatava todos os acontecimentos e descobertas naquele mundo, para ele totalmente novo. Além do diário transformado em livro. editado pela Companhia das Letras em 19 9 6, Darcy escreveu milhares de relatórios ou cadernetas de campo que não


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foram publi c ada s porque consistiam e m a n ot a ç õ e s e gráficos que mais t ar d e trans p unha para o diário. O sistema de parentescos é um dos temas preferido pelos antropólogos e a ele Darcy Ribeiro se dedicou de corpo e alma. No prefácio, à p á g i na II, Da r c y

R i b e i r o e s c r e v e: “Além desses diários (08 cadernos de capa grossa), o estudo dos Kaapor produziu uma gramática do dialecto, também da língua Tupi, colhido por meu companheiro Max Boldin. Produziu também o livro sobre a arte plumária dos índios K a a p p o r, m e u e 58

de Berta, além de alguns artigos”. É preciso ler “Diários Índios” para conhecer e amar Darcy Ribeiro. Um jovem estudioso c os m o p olit a q ue, aos vinte e sete anos, se embrenha na mata desconhecida e temerosa, a serviço do SPI, para desvendar o mundo misterioso dos Kaapor e Urubus. Quando soube da sua morte já esperada, pois há vinte anos esse monumento da cultura e da política brasileira lutava contra um câncer, chorei muito, como se estivesse perdendo um velho companheiro e amigo, p orque é no que você se torna ao ler a ultima página das 626 de “Diários Índios”. Darcy Ribeiro estava com setenta e um anos e era, sem dúvida, o maior estudioso da alma do brasileiro opri-


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mido e das classes minoritárias e marginalizadas c omo os índios e os trabalhadores assalariados do país. Antropólogo, e n s aís t a , r o m a n c i s t a e p o l í t i c o, Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 1922. É autor, entre outros, de “ Maíra”, 1976; “O Mulo”, 1981; “Utopia Selvagem”, 1988; e da coleção “Estudos de Antropologia da Civilização”, que a Companhia das Letras reeditou e cujo último volume “O Povo Brasileiro” esta editora lançou em 1995. Darcy Ribeiro era homem de muitos títulos: Doutor Honório Causa pela Universidade da Republica do Uruguai, pela Universidade de Copenhague, pela Universidade Central da Venezuela e p e l a U n i ve r s i -

dade de Brasília, onde foi o primeiro Reitor. Foi também Chefe da Casa Civil e Ministro da Educação no Governo João Goulart. Com a revolução de 1964, teve que se exilar em vários países (Chile, Uruguai e Perú), onde

tocou vários projetos de reforma educacional, recebeu o Prêmio Interamericano de Educação Andrés Bello, concedido pela OEA na década de 90. No início dos anos 80, já sabedor da existência do câncer 59

que adquiriu, voltou ao Brasil e chegou a ser Vice Governador do Estado do Rio de Janeiro, no mandato de Leonel Brizola, construindo escolas, entre elas, os polêmicos CIEPS, onde a educação das camadas menos favorecidas era em tempo integral. Em janeiro de 1995, depois de vinte e um dias internado para tratamento de um câncer que o estava dizimando, fugiu do Hospital Samaritano no Rio de Janeiro. Na festa do seu ultimo aniversário, reuniu todas as suas amigas, ex namoradas e ex es p osas em sua residência, onde a entrada de homens era proibida. Queria terminar o grande sonho de sua vida que era escrever seu derradeiro trabalho: “O povo Brasileiro”.


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MUDANÇA

Eloah Westphalen Naschenweng – Florianópolis, SC

Ludibriei meu coração para atravessar o limbo dos tempos sombrios e conservar intacto o encanto acordado da alma.

que assim desfeitos e imóveis sem o tom doce dos risos, feitos desertos, assustados e sem rumo, nas palavras presas no olhar pendem e sucumbem sem voz.

E, nas cores desbotadas e, espalhadas pelo tempo, apaziguei as decepções e a muda realidade, determinada pelas palavras duras e subtraídas de uma história mal contada, à procura de uma morte insana.

Calada, incrédula no silêncio, vazia de mim, tranco o segredo sofrido e toda ilusão que caminhou lado a lado comigo por tanto tempo, fadada finalmente a dissolver – se carregando a esmo o pouco do que restou .

Rompi as fronteiras dos sonhos,

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VIDA MARVADA Enéas Athanázio – Baln. Camboriú, SC

Ô vida marvada! Num dianta quage nada! Num paga a pena a gente se esforçá, num paga a pena a gente trabaiá! (Tonico e Tinoco) Artulino Godinho, por apelido Siô Godó, cansou de viver. Quando acordava, muito cedo, todas as manhãs, olhava para o relógio e se aborrecia: estava na hora de levantar. As horas da manhã passavam muito depressa, ruminava. Mesmo contrariado, tinha que levantar porque ninguém pode passar o dia todo na cama. E recomeçava a chatice de sempre, excogitava de cara amarrada, arrastando as chi-

nelas na direção do banheiro. Fazer a barba que teimava em crescer e crescer, com aparelhos cada vez piores, escovar os dentes, tomar banho, tarefas insuportáveis que vinham se repetindo há décadas. Não podia existir coisa mais aborrecida! Quantos anos de vida gastos naquilo! Nesses momentos, confessava para si mesmo que tinha inveja dos mortos. Eles estavam livres dessas chateações. Em passos vagarosos, rumava para a sala de refeições. A mesa estava arrumada pela empregada

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e ele sentava diante de uma grande janela aberta que dava para o pátio. Enquanto c omia , a mulh er puxava conversa, tentando animá-lo, mas ele só respondia com resmungos. O capataz do sítio vinha conversar através da janela e ele se limitava a estender o pescoço na direção do outro, só falando o estritamente necessário. A mulher se irritava. - Você tá ficando com o pescoço comprido! Por que não fala com o rapaz? Godó engrolava uns grunhidos, enquanto mastigava, pensando que a mulher também


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era uma chata que vinha suportando há tantos anos. Suspirava fundo, fungando, imaginando como seria bom estar longe dali. Mas ela insistia: - Você tinha que responder a carta do gerente do banco, lembrou ela. – Respondeu? Novo suspiro de puro cansaço. - Me esqueceu! – respondia. Enquanto a empregada retirava os talheres, ele preparava um palheiro, sovando a palha com a lâmina do canivete. Enrolava, acendia, tirava umas baforadas. Pelo menos aquilo ainda tinha gosto! - Você sabe quantas sacas de milho o vizinho levou? – indagou a mulher. Godó sabia, tinha a c o m pa n had o d e longe o negócio, mas teria que pensar para lembrar com precisão e optou pelo mais

fácil: - Me esqueceu! A mulher saiu se clamando porta a fora e foi consultar o capataz. Não demorou a voltar fazendo anotações num pedaço de papel. - O Aparício veio buscar o capado que comprou. Você se lembra qual foi o preço combinado? – voltou ela a perguntar. É claro que ele sabia mas para responder teria que pensar e, pior ainda, falar. - Me esqueceu! – foi a resposta. Irritada, a mulher afirmou: - Vou cobrar o que ele quiser pagar. Godó nada disse. Levantou devagar, muito devagar, e saiu para o pátio em completo silêncio. Foi sentar na raiz do umbu que crescia no piquete, alojou-se na sombra e ficou olhando o panorama da campanha onde o gado pastava e ouvindo o farfalhar do 62

arvoredo. O guapeca da casa se aproximou, farejando e fazendo festa. Deitou ao lado do dono, as patas estiradas, a longa língua para fora. Godó o afagou, passando a mão pelas costas e o cachorro pareceu gostar. Notou que num canto do p i q uete c res c ia m viçosos caraguatás verdes e espinhentos que ameaçavam se alastrar. Careciam ser cortados antes que invadissem o pasto. Pensou um pouco, encolheu os ombros. - Num paga a pena! – concluiu. Não tardou a cochilar. Acordou com o capataz sentado ao seu lado. - Patrão, disse o rapaz, hoje cedo veio um peão do Coronel Lucidoro trazer uma reconvença. É para o patrão ir numa reunião no Pito Aceso. Coisa de política. Não quis acordar o patrão. Godó esticou o pescoço na direção do


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capataz e encerrou o assunto: - Num paga a pena! Ara! Ara! Reunião de política, excogitou. Não hai nada mais a b or r i d o! Fe c h ou os olhos e voltou à madorna. O tempo passou devagar, quase parando. A empregada foi até a porta e gritou: - Siô Godó, o almoço tá na mesa! Ele resmungou mas não se mexeu. Arroz, feijão preto, carne de galinha, mandioca ou batata cozida, ovo. Coisa mais chata, pensou. Mas, por via das dúvidas, levantou e arrastou as chinelas até a sala de refeições. Sentou-se diante da janela e a mulher reclamou: - Não vai nem lavar as

mãos? Resmungando, levantou irritado e se dirigiu à pia. - Me esqueceu, justificou-se. Comeu muito pouco, beliscando aqui e ali, bebeu uns golpes de água do poço. Não disse uma só palavra. Dirigiu-se ao quarto e deitou na cama, vestido como estava. Minutos depois a mulher entrou para falar com ele mas era tarde. Roncava. Lá permaneceu a tarde inteira e foi rezingando que concedeu em jantar. Quase nada comeu e menos ainda falou. Fumou seu palheiro e se enfurnou no quarto a noite toda. Assim eram os dias de Godinho, outrora 63

sitiante próspero, ativo e dedicado aos negócios. Agora rompera relações com o mundo e se recusava a viver. Preocupada, a mulher reuniu os filhos e resolveram tomar providências. Levar Godó ao médic o da cidade parecia a medida adequada. No dia marcado, atrelaram o cavalo à charrete e encilharam outras montarias para os acompanhantes. Resolutos, entraram juntos no quarto e ac ordaram Godó, explicando-lhe que o médico estava à sua espera na cidade. Ele amarrou a cara e se recusou a levantar. A mulher, com muito jeito, fez o possível e o impossível para convencê-lo. Irredutível, ele deu uns grunhidos, estirou-se na cama e murmurou: - Num paga a pena! Puxou o cobertor e cobriu a cabeça, dando o assunto por encerrado.


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PARTILHA

Lorena Zago – Presidente Getúlio – SC

Um caminho de pedras perfila, Ao longo do magnífico cenário. Convida, de forma mágica, e instiga O rio manso, a lhe acompanhar na viagem.

magnitude sem igual. Composição de excelência, Traduz, aos olhares contemplativos, A dimensão do amor! E, a singela canção, que se instaura Na mente humana, compõem partituras Melodiosas, de compassos ternários. Sons de valsa emergem, com candura, Buscam o coração dos apaixonados, Contemplando a união, de maneira inusitada.

Seguem juntas, pedras e águas cristalinas. Compartilham mensagens de conforto e reflexão. Belíssimas flores somam-se ao verde das ramagens. Divinizam a paisagem, convidam à contemplação... Majestoso e iluminado, manifesta-se o Sol. Com seus raios esplendorosos, Entre as águas e as pedras, Brincam luzes reluzentes, feito arrebol.

Só o amor pode explicar! Os acolhe, envolve, permite... Emana, em ondas vibracionais. Serena os sentidos, E os acalma em comunhão!

Decora-se o cenário, de

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FÉRIAS NA FAZENDA

Else Sant’Anna Brum

LITERATURA INFANTIL

O trem passava bem de manhãzinha com seu estridente piuí... piuí...piuí e acordava todos os moradores da fazenda. Mas também, quem ia querer ficar na cama quando havia tanta coisa lá fora para ver e fazer? Naquelas férias de verão a casa do vovô Januário e da vovó Julieta e s t ava c h e i a d e crianças, netos que vinham da cidade e que traziam a eles muita alegria. Desde cedo a turminha tomava conta da casa, coisa que d ei xava os avós s at i s fe i t o s . Er a m seis: três meninos e três meninas. O

café da manhã era “colonial” como eles diziam, tantos os quitutes que vó Julieta preparava. Alguns apareciam à mesa com bigodes de espuma de leite, tomados lá no estábulo onde as vacas eram ordenhadas. Juca, o encarregado dos animais, sentia prazer em servir o leite nas canequinhas que as crianças apresentavam. Uma coisa de que as crianças gostavam era observar os animais da fazenda, principalmente as vacas com seus bezerrinhos e as galinhas

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com seus pintinhos. Gostavam muito de ouvir o Toninho, filho do Juca, que dizia entender o que os bichos falavam. Certa tarde, sentados debaixo de uma pitangueira carregada de belas pitangas maduras, Toninho mostrou-lhes uma galinha amarela que saía do galinheiro com sua ninhada e foi explicando: - A galinha está orgulhosa e diz para o galo que seus pintinhos descascaram nessa manhã. O galo é que é o pai, diz cantando: - Pintos bonitos!


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Pintos bonitos! A galinha estava chamando para um passeio mas aquele pintinho de pescoço pelado piou para a mãe: - Eu não vou, eu fico aqui com papai. Quero aprender a ciscar e bicar como ele. To d o s r i r a m d a invenção de Toninho enquanto se empanturravam de bananas. Na lagoa as crianças se misturavam aos patos e marrecos que ali nadavam.

Cada dia era uma aventura diferente: andavam a cavalo, jogavam bola, nadavam na lagoa, jogavam peteca, pião, pulavam corda, subiam nas árvores, principalmente nas goiabeiras e cerejeiras para comer frutas. As meninas gostavam de brincar com as lindas bonecas de pano que a vó Julieta fazia e ela era mestra em bonecas de pano. À noite se deliciavam com as

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histórias que a avó contava ou então faziam cantoria acompanhados pela viola tocada pelo vô Januário. Quando chegou o dia de voltarem para a cidade, entre os beijos e os abraços na despedida, ouviram a voz de Toninho que já sentindo saudade das crianças falou: - Voc ês vão ter muito que contar destas férias, turma! E ele sabia que também teria muito o que contar!


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A COBRA APAIXONADA

Rosângela Borges Wiemes – México

Cobra decidiu: -Daqui pra frente, Vou ser chique, Moderna e diferente: Vou usar chapéu, Óculos escuros, Celular, E saia de linho puro!

LITERATURA INFANTIL

-Dona cobra, Por que tanta preocupação? Você é linda desse jeito, Não precisa de nenhuma transformação. É vontade de ser diferente Ou são coisas do coração? -Ah, menino, não espalha! É que ando apaixonada Por aquele menino da raquete, Que é tenista e surfista, Que come banana E tem um sorriso bacana. Será que, se eu me transformar, Ele vai se apaixonar?

-Vou comprar uma motocicleta E me transformar em triatleta. Vou estudar, ficar inteligente, Por aparelho nos dentes. Também vou tomar vitamina E ficar muito feminina.

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TERESA DO MAR

Conto de Luiz Carlos Amorim

Uma c omuni dade feliz, aquela de Praia d o N o r t e. Fa mí lias de pescadores que trabalhavam juntos, tirando do mar tudo quanto necessitavam para v i v e r. P e s c a v a m para comer e para vender. Os homens cuidavam das redes, das embarcações, faziam-se ao mar e as mulheres cuidavam da casa e dos filhos. Teresa era muito jovem, ainda, mas ensinava as crianças na escolinha da vila, ajudava a escrever bilhetes e cartas de quantos a procuravam e ouvia suas histórias. Filha de João Pescador, era uma moça muito

bonita, querida por todos pela sua alegria c onstante e presteza para auxiliar o próximo. Seu canto, nas noites de verão, fazia com que todos sentassem a sua volta, na praia, a ouvir suas canções que falavam de mar, de céu, de lua e de amor. Nada parecia quebrar aquela harmonia, aquela integração de gente simples, humilde, m a s au tê nt i c a e pura. Até que Pedro apareceu na vila. Pescador de uma das ilhas vizinhas, viera comprar uma das embarcações do pai de Teresa. Rapaz

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forte e bem apanhado, desper tou sobre si a atenção da moça, que o observava à distância. Pedro também a viu e sorriu. - Seu João, eu estou mudando para cá, pois morando na ilha é mais difícil vender o que se pesca. Vim procurá-lo porque soube que quer vender uma de sua embarcações. Gostaria de vê-la, pois preciso comprar novo equipamento de pesca. Deixei o que tínhamos com meu pai. - É verdade, estou vendendo um barco. Vamos vê-lo. Pedro comprou


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a em ba r c aç ão e passou a morar na vila. Pescava com o pai de Teresa, o que fez com que logo pudessem travar conhecimento. Pouco tempo depois, estavam namorando. Quando Pedro foi falar com “seu” João Pescador sobre o casamento, o velho achou que era um pouco cedo, mas a c a b o u c o n c o rdando. A vila toda ficou em festa para comemorar o casório de Teresa e Pedro: um acontecimento que nun c a s er ia esquecido. Agora ela cuidava da própria casa e esperava o marido voltar

do mar, à tardinha. Era, talvez, mais feliz do que antes, o que fazia com que toda vila parecesse também mais feliz. Nas noites de verão, cantava, ainda, apoiada no ombro de Pedro. Ensinava, ainda, as crianças e pensava no filho que viria, não sabia quando. Naquela manhã, Pedro fora pescar sozinho e Teresa, como sempre, foi esperá-lo na praia, no fim da tarde. Não se preocupava, pois não era a primeira vez que ele ia só. E depois, ele conhecia muito bem o mar. Mas anoiteceu e 69

Pedro não apareceu. Teresa ficou com medo e pediu, quando a noite já ia alta, que o pai saísse para procurá-lo. O velho foi, com mais alguns pescadores. Voltou, pela manhã, sem encontrá-lo. Teresa estava desesperada. Continuou esperando por vários dias: ficava o dia inteiro na praia, olhando o mar, com o s o l h o s m o l ha dos de lágrimas. Os homens da vila saíram para o mar outras vezes, à procura, mas Pedro não fora encontrado. A vila toda, entristecida, sofria com Teresa. E a viu enlouquecer. Hoje, já velha, mais pelo sofrimento que pelo tempo, ela ainda vai todos os dias à praia, quer chova ou faça sol, para esperar Pedro. Para ela, ele vai chegar, todo dia: “Saiu de manhã, está lá, no mar, volta à noitinha...”


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HOMENAGEM PELO DIA DOS NAMORADOS

A JANELA

Luiz Carlos Amorim

MEU POEMA

Luiz Carlos Amorim

Como vou fazer poesia se o seu sorriso tão meigo é o verso mais bonito que jamais vou escrever? O meu poema é você, a inspiração/emoção, a rima do corpo-a-corpo, pele-a-pele, boca-a-boca, o ritmo em sincronia de corações como um só, a métrica da ternura. Minha poesia é você. Pra que então, escrevê-la? Fiz-me poeta em você, poeta em seu amor... Vem, comigo, minha musa, vem morar neste poema...

Teus olhos, mulher, são assim: meigos, brejeiros, castanhos, malandros, sinceros, brilhantes, essas luzinhas acesas na janela do teu rosto. E essa luz na janela na janela do teu rosto, convite irresistível, me atrai para dentro, no aconchego carinhoso do teu/nosso coração. E eu me sinto em casa, com todo amor que há lá dentro. Só saio pra ver de novo, na janela do teu rosto, aquelas luzes castanhas convidando-me a entrar.

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CRUZ E SOUSA E OS TRIOLÉS

Triolé, Triolé, Cruz e Sousa vamos ler, organizado por Eliane Debus e ilustrado por Anelise Zimmermann reúne 20 poemas de Cruz e Sousa na estrutura fixa triolé. Resultado do Edital Elizabete Anderle, Fundação Catarinense de Cultura (FCC) de Santa Catarina (SC), o livro será distribuído entre as escolas dos seis municípios do extremo sul catarinense (Passo de Torres, São João do Sul, Praia Grande, Santa Rosa do Sul, Sombrio e Balneário Gaivotas) e contará com um curso de formação para as/os professoras/es sobre o escritor e a estrutura triolé. Publicado pela Editora Cruz e Sousa, tendo como editor, Fábio Garcia, o livro vem a somar o acervo da editora que se dedica a publicar a escrita negra. O livro entregue nas escolas da região em foco entre os dias 07 e 11 de junho, com lançamentos na mesma semana. O poeta Cruz e Sousa, o Cisne negro, nasceu João de Cuz e Sousa, em 24 de novembro de 1861, na antiga Desterro (hoje Florianópolis), e morreu em 19 de março de 1898. Estudou o curso de Humanidades no Ateneu Provincial e exerceu o jornalismo em diferentes periódicos da Ilha (Colombo, Tribuna Popular, O Moleque), atuando em

diferentes frentes culturais (Saraus literários, Ponto da Companhia Dramática Moreira de Vasconcelos), publicou em vida Tropos e Fantasias (em1885, parceria com Virgilio Várzea); Missal (1893, prosa); Broquéis (1893, poemas) não deixou de sofrer o preconceito racial estruturalmente sedimentado na sociedade brasileira. Morreu aos 36 anos de idade deixando um legado para a literatura bra-

sileira. Conhecido (nacional e internacionalmente) como o representante do movimento literário Simbolista no Brasil, sua produção literária, publicada em vida e posteriormente, mereceu diferentes pesquisas (ALVES, 2011; MONTENEGRO, 1998; SOUZA, 2017; TORRES, 1998; entre outras) e pode ser lida em diferentes coletâneas, entre elas destaca-se 71

Cruz e Sousa - Obra completa (Volume 1 – Poesia; e Volume 2 – Prosa, 2008), organizadas por Lauro Junkes. A presente organização de poemas de Cruz e Sousa busca aproximá-lo da infância trazendo à tona os poemas da sua primeira fase, em particular aqueles que se utilizou da estrutura fixa triolé.

MAS O QUE É O TRIOLÉ?

O triolé é um poema pequeno de forma fixa, d e or i g em f ra n c es a , remontando ao século XIII e esquecido por muito tempo, provocou novo interesse entre os parnasianos do século XIX. A estrutura do triolé é de oito versos onde o primeiro verso se repete no quarto e os dois primeiros, no sétimo e no oitavo versos (ABaAabAB). (MUZART, 1993, p. 166) No conjunto dos poemas de Cruz e Sousa que se utilizam da estrutura do triolé encontramos a linguagem humorada e irônica, o nonsense e os jogos rítmicos dos trava-línguas e as repetições sonoras tão presentes nos poemas de origem oral (DEBUS, 2016), comuns aos nos versos para infância. Desse modo, o livro é para todos, ou seja, a infância que habita em nós!


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LITERARTE PROJETO O ESCRITOR E SUA OBRA No último dia 28 de maio aconteceu a primeira edição do projeto O ESCRITOR E SUA OBRA, promovida pelo Grupo de Poetas Livres de Florianópolis, na plataforma Google Meet. O escritor convidado foi LUIZ CARLOS AMORIM, fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras, editor das Edições A ILHA e das revistas SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA e ESCRITORES DO BRASIL.

O livro O VALE DAS ÁGUAS, seleção de crónicas sobre Corupá, a Cidade das Cachoeiras, com muitas fotos e cores ilustrando os textos, está à disposição, na Amazon. Veja no linke https://amz.run/4LtO . Se você conhece Corupá, vai gostar de relembrar e rever as belezas da cidade. Se não conhece, vai gostar de conhecer as belezas do Vale das Águas. 72


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