Revista SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, Edição 151 de Dezembro/2019

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SUPLE

MENTO

LITE

RÁRIO Florianópolis–SC • Dezembro / 2019 • N.151 • Edições A ILHA • Ano 39

MIA COUTO

E SEU AMIGO LITERÁRIO

LIMA BARRETO: LITERATURA E VIDA.

TUMULTO

NO NOBEL DE LITERATURA

HILDA HIST:

PALAVRA E EMOÇÃO

A POESIA NA EDUCAÇÃO Portal A ILHA: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br


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ANGELUS Rita Queiroz – Salvador - BA

As folhas entoam seu canto de paz.

(Para Angelo Riccel Piovischini)

Sinfonias despertam minha alma

Nas ladainhas de margaridas e rosas

O coração transborda em ritmos, cores e aromas.

Há perfumes de crisântemos A derramarem seus bálsamos

O tempo corre lá fora. Aqui...

Nos rios e oceanos

O sol brilha em tons de ouro e fúcsia.

A sorrir como uma criança

Iluminados pela Lua Cheia A inocência da vida

Querubins e Serafins sopram seus mantras

Transposta feito uma dança!

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Florianópolis–SC • Dezembro / 2019 • N. 151 • Edições A ILHA • Ano 39

SUPLE

MENTO

LITE

RÁRIO

EDITORIAL GRUPO LITERÁRIO A ILHA: CHEGANDO AOS QUARENTA O Suplemento Literário A ILHA encerra mais um ano literário. A edição de número 151 está pronta e circulando neste último mês de 2019. E então entraremos pelo novo ano, 2020, que marcará os quarenta anos de existência e resistência do Grupo Literário A ILHA e da sua revista, o Suplemento Literário A ILHA. Uma edição alentada, esta de número 151, com um elenco de bons escritores não só brasileiros, mas lusófonos: escritores do Braisl, de Moçambique, de Portugual, de Angola e de outros países que abrigam escritores da lusofonia. Muita poesia, muita prosa e muita informação literária e cultural, para fechar o ano de 2019 com boa dose de literatura. E para o novo ano, vamos comemorar o quadragésimo aniversário do grupo e da revista com uma nova antologia, desta vez reunindo prosa e poesia dos escritores do Grupo Literário A ILHA. Estaremos reunindo num só livro a maioria dos membros do grupo, publicando a sua obra seja ela poesia, crônica, conto ou literatura infantil. Então, queridos leitores, tenham um excelente Natal e um também excelente ano de 2020 e continuem conosco, pois continuaremos nossa trajetória abrindo espaços para a literatura do nosso tempo. O Editor

Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br 3


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Morte? Dor? Vida?

TRILOGIA Edltraud Zimmermann Fonseca

Que importa a inversão? Não é essa a trilogia Do destino?

A dor Aperta laços Fortalece elos Acorrenta Força, Energia, Vida, Dor, Morte

Vida, Dor, Morte, Ou Dor, Morte e finalmente Vida?

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PELAS CRATERAS, MIRANDO O PLANETA AZUL...

Sônia Pillon Jaraguá do Sul, SC

Das recordações que me trazem lúdicas lembranças, uma das mais marcantes é quando costumava ficar na janela, mirando a lua e as estrelas mais brilhantes, procurando localizar as constelações. Durante a infância, na casa dos meus avós maternos, em Porto Alegre, onde o ritmo era mais cadenciado e sobrava tempo para observações e boas conversas, eu conferia no calendário mensal as mudanças da lua. Na casa da oma Clara, lia muito aqueles “almanaques” distribuídos nas farmácias (ou pharmacias,

que garantiam ter “remédio” para tudo nesta vida!). Ela colecionou esses livretos, ricamente ilustrados, por décadas, como se fossem relíquias! Bons tempos que deixaram saudades… Lembro bem que esses impressos, à época tão disputados pelos consumidores, entre outras coisas abordavam as fases lunares e suas influências: na agricultura, no crescimento capilar e até no humor das pessoas. Li certa vez que, especialmente os períodos de lua cheia,

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são caracterizados por provocarem ações passionais, muitas delas acabando na delegacia… Na adolescência, a Astrologia me fascinava, especialmente em relação à influência desse satélite misterioso, que os astrólogos chamam de “planeta”, regente dos nascidos no signo de Câncer. E como ficar indiferente às referências ao Apolo 11, ao voo espacial norte-americano que levou os astronautas Neil Armstrong e Buzz


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Aldrin a pisarem na lua pela primeira vez? Lá se vão 50 anos, completados no dia 20 de julho deste ano, e até hoje esse feito tão aclamado por uns (e negado por outros!), mexe com o imaginário humano. Tudo isso, aliado a uma imaginação fértil, à curiosidade aguçada de uma criança que se surpreendia ao descobrir o mundo e ao espírito sonhador, possivelmente levaram minha oma à afirmar, certo dia, se referindo a mim: “Esta guria está sempre

no mundo da lua!”. E não é que ela estava certa?! E foi justamente por essa frase tão reveladora e marcante que não tive dúvida em escolher o título “No Mundo da Lua” para a minha coluna

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de literatura. Ao escrever crônicas e contos, me sinto como se tivesse alçando voo, entrando em processo de alunissagem. Pisando na superfície lunar, pelas crateras, mirando o planeta azul. Sim, por um breve espaço de tempo, até concluir e ouvir o chamado d a m e n t e : Te r r a c h a m a n d o ! Te r r a c hamando! Nesse momento, o cotidiano e seus desafios diários voltam a falar mais alto e preciso retornar imediatamente. É hora de colocar os pés bem fixos no chão, como tem que ser...


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ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS A ideia de fazer uma Academia Brasileira de Letras nos moldes da instituição similar francesa foi do escritor Lúcio M e n d o n ç a (18 5 4 1909) e concretizava o desejo de vários intelectuais brasileiros. As reuniões para deliberarem sobre o assunto começaram em dezembro de 1896 e, cerca de um mês depois, os estatutos da ABL já estavam aprovados pelos quarenta membros fundadores. Machado de

Assis foi eleito presidente por aclamação e, m a i s t a r d e, a o falec er, declarado “Presidente eterno” da instituição. Foram instituídas quarenta cadeiras, cada uma delas representada por um patrono efetivo, cujo nome teria sido representativo para as letras brasileiras. Entre eles, To m á s A n t o n i o Gonzaga, Gonçalves D ia s, Á l vares de Azevedo, Castro Alves, José de Alencar e Raul Pomp e i a . M a i s t a r d e, foram criadas mais vinte cadeiras para “sócios correspon7

dentes”. Sem sede própria, o s i nte gra ntes da Academia reuniam-se em város locais, incluindo o salão do Real Gabinete Português de Leitura. Em 1904, o governo destinou uma parte d o Sil o g eu B ra s i leiro, que sediava outras instituições culturais, para abrigar a Academia Brasileira de Letras. Sua sede definitiva só foi conquistada e m 19 2 3 , g r a ç a s à inter venção do governo francês, que doou à Academia o prédio do Pa v i l h ã o Fr a n c ê s – ré p li c a d o Pet it


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Trianon de Versalhes. As instalações s ão b elís s ima s e, embora a ABL conte ainda com o Palácio Austregésilo de Athayde (um grande complexo moderno como anexo), o pavilhão continua sendo o mais importante. A ri c a c onstruç ão é adornada de lustres, porcelanas, esculturas, quadros e tapeçarias. Seu maior patrimônio, porém, são os livros, documentos e objetos pessoais dos grandes escritores brasileiros que ela guarda. N o t é r r e o, d e s t a cam-se o saguão de entrada; o Salão Nobre, destinado às s e s s õ e s s o l e n e s; a Sala Machado de As sis, na qual estão a escrivaninha, o pince-nez, as penas de escrever, um retrato a óleo e o ut r os o b j etos d e uso do autor; a Sala d os Fun dad ores; o S a l ã o Fr a n c ê s ,

onde aqueles que vão tomar posse permanecem a sós antes da cerimônia; a S a l a Fr a n c i s c o Alves; além da Sala dos Poetas Românt i c os, q ue guar da os bustos dos que honraram o primeiro movimento literário genuinamente bras i l e i r o. A f a m o s a Sala de Chá, local em que os acadêmicos se reúnem às quintas-feiras, fica n o s e g u n d o p i s o. Nesse andar encontram-se também a Sa la d e Ses s õ es, o n d e s e d ell i b e ra questões relativas à instituição; a Bibliote c a , d e s t i na da a pesquisadores e aos membros da ABL e o Espaço Machado de Assis, que abriga 8

peças do mobiliário da casa na qual viveu o autor de Dom Casmurro, além do Núcleo de Informação e Referência sobre a obra d o e s c r i t o r. H á , também, a Galeria de Exposições e a Sala de Projeções. Marcando hora, é p o s s í ve l a s s i s tir a vídeos e filmes s o b r e o b r u xo d e Cosme Velho. A Academia abriga três bibliotecas, acervo museológico, c o l e ç ã o d e multimídia e de publicações sobre todos os acadêmicos desde a fundação e mantém intensa agenda de atividades culturais de interesse público.


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A COR DOS TEUS OLHOS

SENTIR

Pierre Aderne - Portugal

Rita Pea - Portugal

gosto dos teus olhos não sei se teus olhos são verdes ou talvez da cor da jaboticaba talvez até sejam azuis ou como as amêndoas que tenho no quintal brilham como os olhos da porta bandeira no domingo de carnaval pois quando vejo teus olhos tenho montanha e tenho mar vejo as vinhas nos socalcos e as maçãs no pomar nem sei porque nunca de fato quis saber qual seria a cor dos teus olhos mas só de pensar nos teus olhos, fecho os meus e vejo paisagens... a mata atlântica e os desertos... coisas bonitas que raramente vejo com meus olhos abertos .

Sempre quis beber, na sombra do holocausto, a leveza da emoção. Sentir na fonte delinquente do verbo, a aragem fresca que arrepia os lábios de um corpo exilado, no pretérito imperfeito. A respiração que transborda a alma, inundando o coração… Nasce no ventre do rio a solidão… 9


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NO HOSPITAL Flávio Augusto Orsi de Camargo – Vacaria, RS

ESPAÇO Rita Marília

Eis que surge a Paciência de branco a Perseverança de verde e o Alento de azul. Com passos leves, sorriso aberto, abnegados seres batalham com anjos da morte que bailam soturnos nas brancas paredes. Nunca finda a esperança nem desanimam e mesmo a batalha perdida é o saber que fica arma de guerra do eterno combate.

No livro Cabe Uma dor, uma tristeza Uma palavra, uma vontade Um cometa e uma estrela. No livro Cabe Teu beijo na partida Teu olhar na minha lágrima Teu corpo na minha vida Teu intangível... ...minha sombra. No livro cabe o mundo. No livro cabe o silêncio do mundo O rufar dos tambores O tufão, o furacão Apocalipse Só não cabe o nosso adeus. 10


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AVENTURA NATALINA Conto de Luiz Carlos Amorim

- Psiu, garoto! Júnior voltou-se, rapidamente, para ver quem lhe tocava as costas, chamando-o. Era um homem alto, de c a b el os gr is alhos, usando óculos e um terno bastante surrado. Não o conhecia. - O senhor está falando comigo? – perguntou, não muito interessado pelo desconhecido. Acabara de sair da escola e estava voltando para casa, eufórico porque era final de ano e tinha sido seu último dia de aula. Além de ser hora do almoço: sabia que sua mãe não gostava que chegasse atrasado. - Si m, eu g os t a r ia que você me fizesse

um favor – disse o homem, em tom a n s i o s o, o l h a n d o para os lados, ao mesmo temp o em q u e s e g ur ava u m dos ombros de Júnior – quero que entregue este pacote na última casa daquela rua – mostrou-lhe um embrulho menor do que uma caixa de sapatos e apontou a rua que começava logo adiante – Eu lhe pago. - Eu entrego, sim senhor – entusiasmou-se, com a promessa de remuneração. - Então, tome – entregou- lhe o pac ote, metendo a outra mão no bolso, de onde tirou duas notas de dez reais meio amarrotadas. Deu-as a Júnior e foi embora, apressadamente. O garoto guardou, feliz, o dinheiro e saiu com o pacote debaixo do braço, balançando a maleta escolar com a outra mão. Tinha 11

apenas nove anos e sua família não era das mais privilegiadas, por isso aquele dinheiro significava uma fortuna para ele. Tinha alguma noção de valor e pensou logo que podia comprar algumas guloseimas e, quem sabe, até algum brinquedo. Afinal, estava chegando o Natal e não sabia se seus pais poderiam lhe dar alguma coisa, pois não era o único filho, tinha três irmãos. Além disso, sentia-se orgulhoso porque ele o estava ganhando por um trabalho que estava prestando e nem sentiu curiosidade de saber o que havia no pacote. Desceu a rua e foi até a casa indicada, b a te u n a p o r t a e esperou. Um homem carrancudo, com ar desconfiado, abriu a porta apenas o suficiente para enfiar a cabeça para fora e perguntar: - O que você quer,


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garoto? - Pediram que eu entregasse este pacote aqui. O homem pegou o pacote e fechou a por ta. Só então Júnior sentiu o sabor de mistério que envolvia sua pequena missão. Considerou a q ui l o uma ave n tura. Afastou-se e parou para perscrutar a casa: era, na verdade, um casarão velho e, se não soubesse que alguém m orava ali, jul gá-lo-ia abandonado. Interessante, nunca prestara atenção naquela parte da rua – ele morava numa rua mais acima e não costumava vir até ali. Foi para casa e, no caminho, parou na banca de revistas: não resistiu e comprou um pouco de balas e um chocolate. Afinal, podia pagar. Ao chegar, sua mãe, preocupada com o atraso, quis saber onde arranjara

dinheiro para comprar as guloseimas que estava comendo. - Ganhei de um homem, para entregar um pacote na casa velha lá do fim da rua de baixo. - Já lhe disse que não deve aceitar nada de estranhos, filho. Não deve sequer falar com desconhecidos na rua. Vá lavar as mãos e venha almoçar. Apesar da bronca, Júnior ficou fascinado com a sua pequena aventura e, no dia seguinte, resolveu voltar ao casarão. Foi brincar com os irmãos e acabou se separando deles, esgueirando -se rua abaixo. O b s e r vo u a c a s a por algum tempo e decidiu explorá-la. A porta da frente estava fechada. Olhou pela janela, mas não viu ninguém. Foi para os fundos e experimentou a porta – estava aberta, apenas 12

encostada. Entrou no que deveria ser a cozinha, m o b i l i a d a a p e na s com uma mesa, duas cadeiras e um fogão. Em cima deles, panelas e pratos sujos. Pa s s o u p o r o u t r o c ô m o d o, va zi o, e entrou num quarto. Viu um homem dormindo em cima de um colchão estendido no assoalho, a um canto. Ao seu lado, sobre uma cadeira, uma garrafa e um copo – e o pacote que entregara no dia anterior, entreaber to. Aproximou-se para ver o que havia dentro dele, mas o assoalho estalou e o homem acordou. Uma arma surgiu instantaneamente em sua mão. - Que está fazendo aqui? – perguntou o homem, o mesmo que lhe atendera na manhã anterior. Júnior, assustado, d e u m e i a vo l t a e saiu correndo, mas o


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homem o alcançou. Te n to u s e g ur á - l o, mas o garoto começou a espernear e a gritar e teve que dar-lhe uns safanões. Olhou em volta, procurando alguma coisa para amarrá-lo. O menino parou de gritar, apenas choramingava. Enquanto o amarrava com tiras do lençol que rasgara, com a ajuda dos dentes e uma mão – a outra segurava o garoto – reconheceu-o. - Mas foi você quem trouxe a mercadoria, ontem, não foi? - Sim, o pacote – apontou para o embrulho desfeito que, agora mais próxim o, deixava ver uns saquinhos plásticos contendo um pó branco. - O que é isso? – perguntou, mais por c u r i o s i d a d e, p o i s não imaginava o que pudesse ser. O homem respondeu com outra pergunta: - O que você veio

fazer aqui? Por que voltou? - Estou com fome. Quero ir para casa... *** Era quase uma hora da tarde e Júnior não chegara. Dona Lúc ia , a prin cíp i o preocupada, estava desesperada, pois seus filhos não costumavam sair de casa a não ser quando iam à escola, ou quando saíam com ela ou com o pai, e nã o te n d o a p a r e cido Júnior à hora do almoço, junto com os irmãos, foi com “seu” Simão para a rua procurá-lo, em vão. Pediram ao mais velho, Carlos, que c ui das se d os irmãos e recomendaram-lhes que não saíssem e não abrissem a p or ta para ninguém. Andaram pela rua, perguntaram se o m en in o não t in ha s i d o v is to e, s em nem mesmo considerar a possibilidade 13

de Júnior ter ido à casa velha do fim da rua, voltaram para casa para ver se ele não tinha chegado naquele meio tempo. Não chegara. Estava se aproximando a hora de “seu” Simão voltar para o trabalho, mas não poderia sair sem saber onde estava o filho. - Ele nunca sumiu assim – murmurou dona Lúc ia, apertando as mãos com força. Foi então que lembrou dos doces com os quais Júnior aparecera do dia anterior – comprara-os com o dinheiro dado por um desconhecido, para levar alguma coisa à última casa da rua de baixo. Foram à polícia. *** O menino continuava chorando, pedindo q u e o d e s a m a rrasse e reclamando de fome. O homem amordaçou-o. Era quase três horas,


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quando o desconhecido que dera os vinte reais a Júnior chegou, muito afobado. Ficou perplexo ao ver Júnior ali. - O que é que este pirralho está fazendo aqui? Já não bastava a polícia ter ficado de olho em mim, hoje, novamente? - Pois é, ele voltou e estava fuçando por aí, viu o que havia no pacote e achei melhor prendê-lo até você chegar, para d e c i d i r m o s o q ue fazer com ele. - Nós temos que dar o fora daqui, antes que a polícia descubra onde a gente se esconde. - E o garoto? – Zé estava ansioso para se livrar dele. - Va m o s d e i x á - l o aqui. Ele conseguirá romper esses trapos e irá embora. Se o levarmos conosco, só vai atrapalhar. Ouviu um ruído de c a r r o s s e a p r ox i mando e correu para a janela.

- É a p olíc ia, Zé. Te m o s q u e s a i r daqui e o garoto vai servir de refém para podermos fugir. Não atirarão em nós se o levarmos conosco. Zé pegou o garoto e o outro pegou o pacote, cada um empunhando seu revólver. Tentaram sair pela porta dos fundos, para irem até o carro, estacionado ao lado da casa. Deram de cara com um policial. - Mas é Zé Bigorna, o traficante que estávamos procurando há tanto tempo – reconheceu logo – e o outro está realmente envolvido, como desconfiávamos. - Esperem aí – gritou Zé – nós estamos c om o garoto e é melhor vocês ficarem bem afastados, porque ele pode sair ferido, se vocês não fizerem exatamente o que mandarmos. - Júnior! – gritaram a um só tempo, dona Lúcia e “seu’ Simão. 14

- Não façam mal ao meu filho – pediu dona Lúcia. Diante daquela situação, impotentes, os pais c horavam desesperados. Um dos policiais, que deveria ser o delegado, dirigiu-se aos demais: - Façam o que eles dizem. Não queremos que o garoto se machuque. Júnior, no entanto, vendo os pais, conseguiu, num repente, soltar-se do braço do traficante e correu na direção deles. Zé, apavorado, começou a atirar. Um dos tiros atingiu Júnior, que caiu. Os policiais, que tinham se afastado, atiraram também, ferindo os marginais, agora desprotegidos, sem o garoto. Dona Lúcia e “seu” Simão correram para o menino, no chão, sangrando. - Filho, fale com a mamãe – pediu dona Lúcia, chorando,


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enquanto levantava sua cabeça, segurando-a. - Dói muito, mãe... – g e m e u J ú n i o r, desfalecendo. A ambulância chegou logo em seguida e o menino foi levado para o hospital, onde ficou por alguns dias. Felizmente o feri mento era na perna e não quebrou nenhum osso. A recupe ração foi boa, mas alguns dias depois, a véspera de Natal pegou-o com a ferida ainda não completamente curada. A aventura, apesar do dinheiro que ganhara, não fora um bom presente de Natal...

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CRÔNICA DO DIA Em http://lcamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano. Todo dia um novo texto. 15


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DEIXE ESTAR

O MOMENTO

Jacqueline Aisenman – Genebra, Suiça

Teresinka Pereira - USA

a vida seguirá
 independentemente de mim 
de nós
 de qualquer coisa…
 ela levará com ela
 apenas o que fizermos 
e que chamaremos destino…
 então deixe estar
 leve o dia leve, leve, leve…
 não enfrente os dragões
 ame-os e liberte-os de dentro de si…
 não se abale com as nuvens negras
 elas choverão, serão cinzas, brancas
 e desaparecerão para então
 surgir novamente mais adiante…
 é a vida… ela segue…
 ela se move…
 dance com ela, solte os braços, 
erga os pés… lave a alma com a chuva…
 e deixe estar.
 deixar estar para somente ser.

O momento é teu e podes usá-lo como a rosa ou fazê-lo durar como o carvalho. O presente será sempre precioso e profundamente insensível e desmemoriado. Outros dizem que a momentânea rosa só existe para ocultar os espinhos da paixão. Desfruta a etérea esperança da flor que se mergulha no tempo sem ao menos tocar o seu desejo. 16


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A POESIA NA EDUCAÇÃO Dulce Rodrigues – Oeiras - Portugal

O que é a poesia? A palavra poesia pressupõe algo de muito particular na sua natureza: Algo que pode existir no poema quer este obedeça a regras m é t r i c a s o u n ã o; como também pode existir na prosa. Algo que até dispensa o uso de palavras, pois pode revelar-se através de sons musicais, como no caso da música. Algo que se

manifesta através da contemplação estética, como no caso da linguagem da escultura, da pintura, da arquitectura. A poesia tem como finalidade agir sobre as sensibilidades da alma e o seu oposto não é a prosa, mas sim os fatos, as ações. Enquanto os fatos se concentram em se tornarem credíveis, convincentes ou persuasivos, ou mesmo compreensíveis, a poesia dirige-se aos sentimentos e às emoções, oferecendo à sensibilidade assuntos de contemplação. Todas estas considerações sobre a natureza da poesia nos permitem então

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afirmar que, num sentido geral e alargado, a poesia pode ser definida como a expressão da imaginação. A poesia existe desde a aurora da humanidade, quando o homem primitivo aprendeu a dançar e a cantar, a imitar a natureza, imprimindo a essas ações e a todas as outras do seu quotidiano um certo ritmo e ordem, proporcionando prazer e abrindo o espírito ao deleite. A poesia está onipresente na nossa vida, concede paixão aos nossos atos; harmonia ao esplendor da imaginação; melodia, cadência e ritmo à linguagem. Como mencionei no início, não vou fazer a defesa da poesia segundo os autores da Antiguidade, mas defender a poesia como componente do ensino, da Educação: Poesia no sentido literal da palavra, o que nos remete para o poema. Poesia no sentido figurado o que pressupõe um leque de assuntos


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muito mais abrangente. E falando sobre a presença da poesia na educação, falemos primeiramente sobre a poesia no sentido literal ou seja: como poema na Educação. Para as crianças, a poesia-poema tem de ter letra simples de memorizar, fácil de compreender e com temas ligados à própria realidade infantil. Haverá melhor escolha do que a popular cantiga de roda? Apesar de existir uma riquíssima colecção de cantigas de roda, este patrimônio de tradição oral tem sido relegado a segundo plano por vezes, mesmo esquecido na educação das crianças. Contudo, este tipo de canção popular melodiosa e rítmica além de ter uma letra simples de memorizar, está recheado de rimas, repetições e trocadilhos, o que logo à partida faz da canção uma brincadeira, a qual é normalmente ainda enriquecida com certas coreografias. Usando

episódios fictícios, os temas da cantiga de roda falam muitas vezes da vida dos animais e comparam a realidade destes à realidade humana. Outras vezes, os temas incidem sobre objectos do quotidiano das crianças, da família, como é o caso do tema do amor, que as crianças idealizam semelhante ao amor dos próprios pais. Há ainda as cantigas que retratam simplesmente uma estória divertida e engraçada. Mas todas elas fazem com que a atenção da criança fique presa à história contada, estim ul a n d o a s s i m a sua imaginação e memória. Pois, inconsc i entemente, s em se aperceber disso, a criança vai assimilando a letra e associando a letra à música. Esta forma de poesia além de despertar na criança a percepção de emoções e sentimentos e uma sensibilidade musical, 18

dá-lhe a conhecer usos e costumes, paisagens, flora, fauna, crenças e muitas outras coisas do mundo que a rodeia. Dentro de um registro semelhante de poesia que consegue captar o interesse da criança através da sua narrativa e cujos temas abrangem universos semelhantes, encontramos a fábula. A fábula é acima de tudo uma estória contada de modo a captar a atenção do leitor/ouvinte, as crianças, no caso presente, e despertar nelas emoções que lhe permitam apreender a beleza das coisas, como um espelho que torna belo aquilo que está desfigurado. As personagens da fábula são sempre animais com defeitos e virtudes semelhantes às do ser humano. O carácter educativo da fábula é ressaltado pela mensagem moral que passa através de toda a narrativa, mas que se torna evidente no final da fábula.


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O RENASCER DO NATAL

A DEMORA Mia Couto Moçambique

Luiz Carlos Amorim

Um menino vai nascer, neste Natal. Trará consigo a paz, a pureza verdadeira e o amor, quase esquecido. Trará ternura nas mãos, compreensão e carinho e esperança no olhar. Nós sabemos o seu nome. E nós sabemos, também, da flor do jacatirão, que aparece todo ano, lhe anunciando a chegada. E quase ninguém a vê... Um menino vai nascer. E a flor do jacatirão, arauto humilde e singelo, lhe festeja o nascimento, preparando as boas vindas. Saberemos nós, os homens, imitar a natureza?

O amor nos condena: demoras mesmo quando chegas antes. Porque não é no tempo que eu te espero. Espero-te antes de haver vida e és tu quem faz nascer os dias. Quando chegas já não sou senão saudade e as flores tombam-me dos braços para dar cor ao chão em que te ergues. Perdido o lugar em que te aguardo, só me resta água no lábio para aplacar a tua sede. Envelhecida a palavra, tomo a lua por minha boca e a noite, já sem voz se vai despindo em ti. O teu vestido tomba e é uma nuvem. O teu corpo se deita no meu, um rio se vai aguando até ser mar. 19


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TUMULTOS NO NOBEL DE LITERATURA JOSÉ EDUARDO AGUALUSA - Portugal

A Academia Sueca entregou o Nobel a um escritor que exalto u um g e n o c i d a . Choveram protestos. Alfred Nobel deixou escrito que o prêmio deveria ser atribuído ao trabalho mais notável, defendendo ideais elevados. Esta segunda premissa tem originado larga controvérsia. Em primeiro lugar, porque o que é um bom ideal para uns pode não ser para outros. Em segundo, porque, algumas vezes, os escrito res defendem uma ideia (eventualmente ideias torpes), e a sua obra, outra. Nem sempre os acadêmicos suecos

têm s i d o c a pa zes de distinguir a obra do autor. Jorge Luis Borges não teria ganho o Nobel de Literatura por simpatizar com o chileno Augusto Pinochet. Borges, é verdade, defendeu, enquanto c i d a d ã o, r e g i m e s abjetos e ideias repugnantes — era, por exemplo, francamente racista. Contudo, quem ler os seus contos não encontra neles a defesa de nenhuma dessas ideias, muito pelo contrário. Não há nada nos contos de Borges que leve alguém a defender Pinochet. Por outro lado, em 20 01, a Academia

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Sueca premiou V. S. Naipaul, um homem antipátic o, misó g i n o, m a c h i s t a , e tão ou mais racista do que Borges. Na época também houve protestos, sobretudo devido a uma série de bizarras declarações do escritor, logo a seguir ao prêmio, e a testemunhos da violência e desr e s p e i to c o m q u e teria tratado duas das suas antigas companheiras. Os suecos, sabiamente, premiaram não o cidadão V. S. Naipaul, mas um conjunto de romances excelentes, que traçam um retrato pouc o otimista da


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Humanidade. Reler “A curva do rio” já conhecendo a biog r a f i a d e N a i p a ul pode ser uma exper i ên c ia in c ôm o da , pois é impossível não associar o e s c r i t o r a o p e rsonagem principal que, a determinada a l tura , es pan c a a mulher. Porém, uma vez mais, ninguém conclui o livro sentindo-se encorajado a espancar mulhe-

também esses leitores podem tirar bom proveito das obras em questão. Hemingway gostava de touradas, e escreveu m a g níf i c a s l i n h a s sobre touros e toureiros. Quando leio o que ele escreveu não me sinto compelido a ver touradas. Quero é sair para as ruas gritando contra um espetáculo que, depois de ler as tais linhas, me parece

res. Finalmente, há escritores que escrevem apaixonadamente sobre conceitos que aos olh os d e outros parecem errados. No entanto,

ainda mais arcaico e vil e degradante. Nunca li Peter Handke. Agora que a Academia Sueca lhe deu o Nobel, vou ler. A admiração de Handke por um cri21

min os o d e guer ra horroriza-me. O seu l on g o silênc i o em relação aos massacres perpetrados pelas forças sérvias d ura nte a guer ra , n os an os 19 9 0, é inadmissível. “Sou escritor, venho de Tolstói, Homero e Cer vantes. Dei xem-me em pa z e não voltem a fazer-me perguntas sobre esse assunto”, disse Handke, há poucos dias, tentando escapar às dezenas de jornalistas que cercavam a sua casa. Espero que os jornalistas continuem a fazer-lhe perguntas sobre esse assunto. Handke deve ser criticado e condenado pelas posições que tom ou. Porém, s e os seus livros são bons, se não enverg o n h a m To l s t ó i , Homero e Cer vantes, então merecem ser premiados e lidos. Tão simples quanto isto.


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SIDERAÇÕES Cruz e Sousa

Para as Estrelas de cristais gelados As ânsias e os desejos vão subindo, Galgando azuis e siderais noivados De nuvens brancas a amplidão vestindo… Num cortejo de cânticos alados Os arcanjos, as cítaras ferindo, Passam, das vestes nos troféus prateados, As asas de ouro finamente abrindo… Dos etéreos turíbulos de neve Claro incenso aromal, límpido e leve, Ondas nevoentas de Visões levanta… E as ânsias e os desejos infinitos Vão com os arcanjos formulando ritos Da Eternidade que nos Astros canta…

CONTABILIDADE Julio de Queiroz – Céu dos Poetas

Quantos Goethes, quantos Schillers, quantas Nonas, quantas Odes à Alegria para apagar-se a vergonha por milhões de incinerados? Quantas Lourdes, quantas Fátimas, quantos Sudários fabulados para afogar-se o grito lacinado por inquisições aguabentadas? Quantos Einsteins, quantos Sabins, quantos Buchenwalds e Belsen-Belsens até o equilíbrio entre as matanças de Josué nas invasões da terra alheia? Quando, adultos, riremos, por fim, dos deuses carniceiros fabricados por nossa infância? 22


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PROJETO BIBLIOTECA PARQUE EM COQUEIROS Jéssica Trombini Florianópolis

Em uma tímida tenda montada no Parque de Coqueiros no Dia das Crianças de 2019, c omeçaram as atividades da Tenda Biblioteca Parque Comunitária. A atividade, que ocorrerá todo final de s emana , é um projeto de extensão do curso de Biblioteconomia da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) e deverá ter empréstimo de livros, contação de histórias, saraus, entre outras ações culturais.

O projeto está sendo desenvolvido em conjunto com a Associação d e M o ra d o res d e Coqueiros. “O objetivo da Biblioteca Parque é fornecer um espaço de cult ur a d a e p a r a a c o m u n i d a d e, q u e tem que ap oiar e se apropriar desse espaço, para que as atividades tenham continuidade”, diz a profes s ora Ana Maria Pereira. A equipe do projeto estará no parque todo final de semana, mas a tenda será montada a cada 15 dias, por um acordo feito com a Prefeitura de Florianópolis. A ideia de uma

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biblioteca no Parque de Coqueiros é da b i b li ote c ár ia e

p e d a g o ga M ô n i c a Barreto, que em 2013 deu início ao Piquenique de L i v r o s: e l e a c o n tece anualmente no mês de outubro e em 2019 está em sua sétima edição. A vontade de todos os envolvidos no projeto é que a biblioteca seja um espaço permanente, e, c om o envolvimento da sociedade, que é o maior interessado, isso pode se tornar realidade.


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Em plena meditação? Sou tão pouca e preciosa Não posso me dispersar Este poço é meu guardião! Que queres tu, menina, diz-me lá. Então?' Enquanto eu afundava, em sua profundeza escura Eu mesma me questionava... Como fui incauta ao mergulhar Assim de impulso, atabalhoada! Mas na minha vida à beira mar Ondas fortes e agitadas Transformavam todo o tempo, pedras e corais em sedimento. Como podia esta água parada Ociosa, inanimada Preferir ficar inerte Enquanto a relva definhava? Eu não entendia a situação! Quis dar-lhe um propósito Trazer-lhe movimento, Para tirá-la desta prisão Mostrando o poder do mar De mudança e renovação.

ÁGUA PARADA

Chris Abreu – Florianópolis, SC

Lá estava ele, o poço, profundo Cercado de pedras frias Cor de chumbo A relva o circundava Ressecada pelo sol inclemente Caminhei morosamente Até alcançá-lo Havia água em seu interior Parada como tarde sem vento Que incongruência, pensei Um poço cheio d'água E a relva ao redor, esturricada! Se eu pular ali dentro Eu crio um chafariz Capaz de irrigar esta terra Enrijecida, sem vida, infeliz No mesmo instante me atirei A água agitou-se e reverberou: 'Quem vem cá me perturbar

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HILDA HILST, PALAVRA E EMOÇÃO Cintia Fabiana Scatolini Baldin

Com um título muito s u g e s t i v o, o c u rt a - m e t r a g e m “A O bs c ena Senhora Si l ê n c i o” r e l at a a vida da menina que deixou de ser bailarina, como era a vontade de sua mãe, para se tornar uma escritora de sucesso, com estilo marcante e de escrita peculiar, a inconfundível Hilda Hilst. O roteiro de Leandra Lamber t revela traç os

importantes e curiosos da vida dessa escritora, inclusive questões relacionada s à e p ifa nia , transcomunicações e visões do sobrenatural. O cur ta-metragem d ir i gi d o p ela p r ó pria Leandra e por Alexandre Gwaz apresenta trechos protagonizados pela própria escritora que, com maestria, conta recortes significativos de sua vida, conversa com o amigo José Fuentes e mostra a casa onde viveu “a Casa do Sol” cercada por seus animais, envolvendo-nos numa linguagem criativa e, por vezes, com pre-

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sença de humor que lhe é muito peculiar. A simplicidade das imagens de Hilda, em meio a sua vida c ot i d ia na , c o nt ra p õ e - s e ao mun d o complexo, emotivo e misterioso que a roteirista nos apresenta e, sobretudo, possibilita-nos a entrar nesse clima de mistura de sensações. As imagens, sons e a narração de trechos de suas obras, em sua própria voz, mexem com nosso imaginário e nos levam a mergulhar nesse mundo particular de Hilda. A sequência dos fatos apresentados, intercalados por trechos da obra de Hilda Hilst, reportam-nos a um passado interessante que compõem momentos marcantes de sua vida. No que tange às questões sobrenaturais apontadas na obra, há indícios de uma personalidade incomum e, por isso,


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a curiosidade que se desperta quando assistimos ao curta. Pela expressividade da obra da es c ri tora e pelo fato de, em vários momentos, ter o seu próprio olhar sobre sua vida, o curta-metragem é instigante e, sobretudo, revelador de uma personagem que nos leva a refletir acerca do mundo hilstiano e nos aponta características marcantes de seu estilo. Ao assistir ao curta-metragem, ficamos instigados a conhecer mais sobre sua v i d a e, p r i n c i p a l m ente, s o b re s ua obra, já que o produto cultural nos

permite internalizar questões essenciais e características fundamentais da vida e obra dessa mulher, muitas vezes, indecifrável. Além da apreciação do curta-metragem e de suas c arac terísticas, esse produto cultural revela condições de ser trabalhado em sala de aula, sobretudo, para analisar o estilo da autora e identificá-lo em

outras obras, inclusive àquelas citadas no próprio produto. Outra possibilidade de trabalho é apresentar a obra aos educandos e, através de uma sequência bem elaborada de ativi dades, ex pl o ra r a s d i m e n s õ e s de produção, e em seguida, proceder ao ensino do gênero resenha.

Um poema de Hilda: Mas tu podes ainda A palavra na língua Aquietá-los. Mortos? O mundo. Mas podes acordá-lo Sortilégio de vida Na palavra escrita. Lúcidos? São poucos.

Mas se farão milhares Se à lucidez dos poucos Te juntares. Raros? Teus preclaros amigos. E tu mesmo, raro. Se nas coisas que digo Acreditares. 26


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CORAÇÃO DE IMIGRANTE

O AMOR

Selma Franzoi Ayala – Jaraguá do Sul, SC

Erna Pidner – Ipatinga, MG

À procura do amor Andei por terras distantes Em minha imaginação. Num deserto causticante Pés descalços, no caminho Um oásis de ternura. Prendi a respiração! Não era ali o lugar Em que o haveria de encontrar... O amor é muito mais Que uma simples ternura Levando a criatura A sublime bem querer, Nem somenos é paixão Pairando avassaladora Em alcovas sensuais... Amor é aurora de luz Lastro de ouro mais puro Das jazidas da emoção, Diamante lapidado Nos reveses da existência, Rocha de cristal sem falhas Visão cósmica centrada No canto alegre da cigarra Botão de rosa entreaberto noite estrelada, sol ardente. O amor é simplesmente Sonata em dó maior; Canção de muito valor Na orquestra do Criador!

Olho pelos olhos do tempo... Vento de ilusões Que retrata sonhos e saudades Retratos de infância Povoando minh´alma criança Caminhos de fartas emoções Cheiro de jasmim Flor de goiabeira Pássaros multicolores Nos frutos da pitangueira Olho pelos olhos do tempo... Ao longe, uma velha canção Na voz ainda imigrante Dialeto imigrante Coração eternamente imigrante... 27


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LIMA BARRETO: LITERATURA QUE SE CONFUNDE COM VIDA PESSOAL Historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz mostra como a “escrita de si” de Lima Barreto denunciou perseguições racistas e o fim de uma utopia de inclusão que não se concretizou no fim da escravidão

Lima Barreto na época da 1ª edição do Recordações do Escrivão Isaías Caminha e detalhe de crônica inédita do escritor encontrada após sua morte

Lima Barreto, autor de Triste fim de Policarpo Quaresma, hoje um clássico da literatura brasileira, na s c eu n o dia 13 de maio de 1881 e tomou a data como “predestinação” em

sua vida, visto toda sua obra representar “uma forma d e rev is ão c rít i c a do período em que existiam escravizados no Brasil e do contexto do pós-em a n c i p a ç ã o “. E m 28

ar tigo na revista Es tud os Avan ç a dos, a professora da USP Lilia Moritz Schwarcz analisa como, em boa par te da criação literária de Lima Barreto, vida e obra se confundem. O escritor “ficcionaliza sua própria vida”, gerando a “escrita de si”. Prova disso é que três de seus personagens prediletos, Gonzaga de Sá, Isaías Caminha e Vicente Mascarenhas são funcionários públicos, como o e s c r i to r, s of re n d o c om o rac ism o, o


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preconceito e a discriminação social que os negros e negras vivenciaram nes s e p erío d o d o

pele e aos seus posicionamentos que “denunciavam uma sociedade predominantemente racista“.

Lima Barreto e a “escrita de si”: muitos dos personagens do autor têm relação com suas próprias vivências

pós-emancipação. Os personagens presentes na obra do escritor contam com características semelhantes, seja na maneira de viver e local de moradia - nos subúrbios cariocas -, seja na atuação profissional: “Sua literatura, ao mesmo tempo que espelha, também cria o contexto que o viu nascer“, afirma a autora. Arrimo de família, o escritor se deparou com divers a s p e r s e g ui ç õ e s devido à cor de sua

Além de romancista, Lima Barreto escreveu car tas, peças de teatro, romances, contos, crônicas, atuando também como jornalista em um m omento c r u cial da história do Brasil, o período a p ós a lib er t aç ão dos escravos. Com a República e o período “pós-emancipação“, nunca se acreditou tanto na uto p ia p ela in c lu são social. Como ela não veio, o escritor denunciou a exclusão, a discriminação 29

e lutou pela efetiva igualdade e legítima liberdade. Para a pesquisadora, Lima Barreto foi “uma voz aguda, e muitas vezes solitária“, no Brasil da Primeira República, “que o distinguia dos demais literatos de época“, contra o racismo vigente no Brasil, os estrangeirismos e a realidade da pobreza que migrava da capital para as periferias do Rio de Janeiro. O escritor também jamais negou que fazia “literatura de si”, chegando mesmo a confundir-se com sua história pessoal, “com uma certa história do Brasil que prometeu inclusão, mas entregou muita exclusão social“. Na verdade, seus fantasmas são seus pró pr i os p er s onag en s e “ s ua o b ra de ficção acabava ganhando realidade n e l e m e s m o“. O “Diário do Hospício”, livro escrito quando


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internado no Manicômio Nacional, “é tanto relato de sua realidade quanto p e ç a d e f i c ç ã o “. Loucura e racismo dialogam nessa e em outras obras. Em Triste fim de Policarpo Quaresma, uma espécie de “D. Quixote Nacional ”, Policarp o se parece com seu criador: repleto de ideias que nunca se realizam. Lima Barreto, ao mesmo tempo e m q u e d e s e j ava e s t a r p r óx i m o d o ambiente literário, desprezava-o, assim como alguns costumes dos subúrbios e de seus vizinhos. O escritor bem repre-

sentou uma voz dissonante na literatura ao denunciar o constrangimento, ou mesmo a humilhação que a população n e gra enf rent ava . O artigo ressalta que, se a fotografia naq uel e m o m e nto era instrumento “ d a s e l i te s e d a s populações brancas“, c om relação

a o s n e g r o s h av i a um c onstrangedor silêncio: as imagens não captavam personalidades negras ou afrodescendentes, que acabavam “branqueadas” pela te c n ol o gia , c er t a mente “não pelo tempo, mas por efeito do racismo estrutural e institucional vigente no Brasil“.

LEIA o Blog CRÔNICA DO DIA

Em http://lcamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano, poesia. Todo dia um novo texto: um conto, uma crônica, um artigo, um poema. 30


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TRANSMUTAÇÃO Maura Soares – Florianópolis, SC

É NATAL

Rosângela Borges Wiemes – México

Há espaços na gaveta Pra você guardar Suas meias e seus papéis. Há espaços nos armários Pra você esconder Suas manias e suas histórias. Há espaços nas calçadas Pra você andar, Sentar no chão E olhar o mundo Bem de perto… Há espaços em mim Pra você sentir o corpo Passar o tempo E dar um sorriso… Há espaço no meu coração Pra você mandar flores Pedir carinho E ganhar um beijo… Há espaços em minha vida Escuros e velhos Fechados e frios Esperando você…

Transforma em canção o teu lamento Oh, poeta, e canta com acordes do teu coração as mágoas do passado transmutadas em saudade. Corre tuas mãos pelas cordas, acaricia as formas do teu violão como se ele fosse tua amada. Beija com teus dedos todas as notas e eleva teu pensamento num só sentimento, o desejo de amar, o desejo de estar e, num lampejo, sugar um doce beijo que só os amantes sabem dar. (6.2.2010) 31


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A HISTÓRIA DA ESCRITA

Enéas Athanázio – Baln. Camboriú, SC

Adovaldo Fernandes Sampaio é um dos maiores linguistas do país. Tem produzido obras fundamentais sobre os temas de sua especialidade e que são autênticos marcos no campo da linguística. Cabe mencionar, dentre elas, “Línguas e dialetos românicos e germânicos”, livro

enciclopédico, revelador de impressionante erudição, e que comentei nesta coluna (Editora Kelps – Goiânia – 2010). No ano anterior, pela Ateliê Editorial (S. Paulo), havia publicado “Letras e memória – Uma breve história da escrita”, livro que encanta pela beleza e fascina pelo conteúdo. Em tamanho grande e fartamente ilustrado, é o resultado de anos de pesquisas, trabalho e dedicação de quem não se contenta com o comum, o ordinário, o convencional.

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Não satisfeito com as fontes disponíveis, o ensaísta estendeu uma rede de contatos com entidades e especialistas de diferentes áreas do conhecimento em todo o mundo. Com paciência e organização, fez contatos que lhe trouxeram informações valiosas que enriqueceram seu trabalho e lhe deram ainda maior base científica. Consultando a relação desses contatos surgem pessoas e instituições da Mauritânia, Croácia, Rússia, Cazaquistão, Alemanha, França, Inglaterra, Índia, Etiópia, Austrália, Geórgia, Turquia e muitas outras, obtendo de cada uma informações, documentos, fotografias e reproduções que lhe forneceram material para enriquecer seu notável ensaio. O resultado foi


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um livro que considero único.

Mas na busca da história da escrita, objeto maior do livro, o autor afundou no passado da humanidade na caça dos mais rudimentares resquícios da escrita até seu pleno desenvolvimento através de longo e tortuoso avanço. Começa informando que o orgulhoso homo sapiens passou nada menos que 150.000 anos em estado de selvageria e de barbárie. Não tinha a

menor ideia do que fosse escrever; era ágrafo. Entre 45.000 e 35.000 anos, movido pela necessidade de comunicação, começou a gravar em paredões sinais e figuras que podem ser considerados os embriões da escrita. Esse costume evoluiu no correr dos tempos e surge na Mesopotâmia a escrita cuneiforme e, mais tarde, no Egito, aparecem os hieróglifos gravados em papiros. São in-

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venções revolucionárias, permitindo o aparecimento da literatura sobre variados assuntos e a formação de bibliotecas. Os fenícios contribuem com seu alfabeto e de avanço em avanço o homem chega ao alfabeto latino que muito tem servido às línguas que o utilizam. A criatividade sem limites conduz por caminhos jamais imaginados até a escrita real e a virtual. Línguas surgem e prosperam; outras morrem ou são abandonadas. E assim, no mundo de hoje, a escrita está em toda parte e as sociedades se organizam em torno dela.
 
 N a sequência, o livro exibe incontáveis reproduções de todos os tipos de escrita e de línguas. É espantosa a quantidade e a variedade desses elementos obtidos pelo autor,


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permitindo ao leitor fazer ideia segura do que está lendo. Surgem figuras rupestres, caracteres cuneiformes, escrita chinesa, etrusca, hieróglifos e outras. A seguir o livro se estende por diferentes línguas e diferentes escritas. O alfabeto grego, hebraico, árabe, copta, aramaico, samaritano, híndi, cingalês, armênio, persa, gaélico e uma infinidade de outros. Aborda a escrita gótica, o alfabeto cirílico, a escrita quíchua, o alfabeto quadrado, escritas mongol, iídiche, malaio, abcázio e incontáveis outras línguas e escritas, antigas e mo-

dernas, faladas por muitos ou por poucos, vivas e mortas, deixando herdeiras ou não. Também há lugar para a língua de sinais, o alfabeto braile, o código Morse, o semáforo, a escrita matemática, a escrita musical, a escrita pictográfica, línguas e escritas imaginárias, escritas universais, escrita hip-hop (grafite e pichação) e até a escrita epidérmica (tatuagem). O Latim, de onde veio nosso musical português, merece tra tame n to esp e cial.
 
 Tudo isso ilustrado à farta, com clareza e boa definição, num trabalho gráfico da melhor categoria, formando

um conjunto impressionante. Acentuo a imensa tarefa que o autor se impôs, manuseando por longo tempo uma enormidade de línguas e dialetos, milhões de palavras, símbolos e desenhos, escritas estranhíssimas, algumas grafadas da direita para a esquerda e caracteres indecifráveis. Trabalho sem simil a r. 
 R e g i s t r o , p o r fim, a bibliografia de que se valeu o autor. É espantosa pela quantidade, toda estrangeira e da melhor qualidade.

Dizer que o Prof. Adovaldo merece parabéns é muito pouco. Ele merece a consagração.

EXPEDIENTE SU PL EM EN TO LI T ER Á RI O A I L H A – Ed i ç ã o 151 – Dezembro/2019 – Ano 39 - Editor: Luiz Carlos Amorim Edi ç ões A ILHA – C ont ato: l c aes c ritor@gmail.c om e revisaolca@gmail.com A ILHA na Internet: Por tal PROSA , POESIA & CIA .: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br 34


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NATAL DO RENASCIMENTO Aracely Braz – Céu dos Poetas

JOÃO DE BARRO

Else Sant´Anna Brum – Joinville, SC

Levando barro no bico Pra fazer sua casinha O João-de-barro trabalha Desde manhã à noitinha. É muito amigo do homem Pois, não raro, faz seu ninho Nos beirais de sua casa Para ficar bem pertinho. Quase sempre escolhe os postes Pra assentar sua morada. Seu canto bem ritmado Parece uma gargalhada. Este pássaro alegre Dá lições de bem viver, Pois a sua companheira Ele só deixa ao morrer.

Ah! Quem me dera Reviver outros natais Ouvir das cigarras em coro Um assovio que ensurdece, Ver os jacatirões que florescem Anunciando o Natal. Ah! Quem me dera Desenrolar meu presente: Dos irmãos transformação, Ao invés De violência e maldade Viver de Jesus a humildade Ternura, crença, atenção; Que brotem nos corações Novas sementes de amor Num abraço fraternal Com Paz, o Pão e a Presença, De Cristo, o semeador Renascendo neste Natal. 35


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QUALQUER GUARDACHUVA SERVE Conto de Irene Rios – Rio, RJ

No primeiro sábado de cada mês, sempre pela manhã, Arthur ia ao barbeiro. No caminho, comprava o jornal e um pacote de balas de café que seriam levados intocados para casa, causando alvoroço na turminha que o esperava.
 
 G ostava daquele hábito de c or tar seu c abelo c om o b om Paradelas, com quem já estava habituado há mais de 20 anos. Um, culto e educado, gestos finos, português escorreito. O outro, com sotaque carregado, simplório, só português. Mas como se davam bem! Tão bem que, quando Paradelas se aposentou, Artur

o convidou para ir à sua casa, regularmente, cor tar o cabelo dos homens, pois os filhos, já ra pa zola s, fa ziam questão de estar tão bem cuidados quanto o pai.
 
 E Paradelas chegava sempre com um caso a ser cont ad o, c at i va n d o a clientela que, àquela altura, já era formada por alguns vizinhos e amigos. Minucioso, lavava as mãos com um bom sabonete p e r f u m a d o, a n te s de forrar a mesa da varanda c om uma toalha que trazia em sua valise para, só então, arrumar os apetrechos de cabelo e barba na ordem em que os usaria. Espalhava talco na

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nuca do cliente da vez, colocava-lhe um avental e começava s e u of íc i o. S i l e n cioso, esperava que lhe fosse dado um sorriso de aquiescência para que também começasse a falar. E vinham as estórias, como sempre estórias que começam com "um certo dia...” Só que essa tinha endereço certo.
 
 “ Dia de chuva forte que c aír a i n e s p e r a d a mente, calçadas alagadas, entra um distinto senhor no estabelecimento querendo um corte b e m r e n t e, p o d i a demorar o tempo que fosse. O salão estava cheio, pessoas esperavam em pé, mas cada um que


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chegava não se incomodava com essa espera. E o Paradelas, sabendo que, na verdade, estavam se refugiando da chuva, aproveitava para engordar sua féria com aqueles atendimentos extras. De vez em quando ele o b s e r vava a q uel e senhor, frequentador habitual, mas que i n ex p l i c ave l m e n te o l h ava c o m v i n t e olhos tudo que se passava em volta. 
 
 Até q u e c h e g a a vez do tal homem, que se senta e fica com os olhos fixos no espelho. Naturalmente a conversa se desenrola e o cabeleireiro, curioso, quer saber se tudo está bem, se algo errado hav i a a c o nte c i d o, além daquele tempo horroroso que atrapalhava a todos.

E o senhor se lamenta de ter esquecido seu guarda- chuva da última vez em que lá estivera. Se tivesse tido tempo teria vol-

tado para pegá-lo, mas os afazeres foram se acumulando e ele acabara por esquecer. Agora que estava ali, aproveitaria para levá-lo. Seria em boa hora, com aquela c huva que não cessava.

 - Pois não. Como é m e s m o s e u g ua rda- chuva? Se esqueceu aqui nós o guardamos, certamente.

Com leve ar ingênuo, o elegante freguês complementa: - É um guarda-chuva comum, bem velhinho, até mesmo com defeito. Estive olhando as pessoas que pegavam seus abrigos ao sair. Ninguém se incomodou

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com um que continua ali no cantinho, tal qual como quando eu cheguei. Ele não tem mesmo dono, então deve ser o meu.

 - Onde? Me mostra. Não estou vendo!
 
- Ali, ó! À esquerda, no cabide quase escondido pelo espelho. - E vira a cabeça do barbeiro para que este visse a direção que indicava.

 - O q u ê? A q u e l e arrebentadinho ali? Aquele é o meu!”
 
 E o Ar thur, entrando naquele momento na varanda, pisca marotamente: - Ora, Paradelas, em chuva que molha os ossos qualquer guarda-chuva serve!


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NUDEZ MORENA

HERESIA

Adir Pacheco

Adir Pacheco

Ó homens loucos, de lucidez encravada. Ó almas loucas de consciência alterada. Abortai do útero a insensatez do malfadado ato. A heresia de teu credo, presença obscura do ego. E foge de teu ser na abstrata presença onírica do caos sem sentido no espaço, no ocaso do eco. Ó insensatos que espectros navegais entre os absurdos das próprias torpezas em tantos ais. Onde está a consciência dos chamados racionais?...

Negra empoderada, é ela mulher cheia de graça, deslumbrante, vaidosa, toda dengosa, eminentemente poderosa. E quando ela passa, mostra a beleza e a força da raça. É a grande guerreira de sorriso matreiro. Tem no andar a leveza de uma altivez soberana. Cisne negro de grande beleza, apresenta-se íntegra de elevada nobreza, brilhante como o ébano, de porte altivo, plena de gentilezas. É ela a mulher, a líder, a guerreira. que ri, que chora, que sonha, que canta e que inflama sua força incansável, de influência africana. 38


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AMIZADE LITERÁRIA

Mia Couto e José Eduardo Agualusa são amigos há três décadas, conhecem-se como poucos, completam as frases um do outro e até escrevem textos a quatro mãos – um exercíc io raro em literatura. O livro O Terrorista Elegante e Outras Histórias, um conjunto de três novelas assinadas por ambos, que chegou no mês passado às bancas, nasceu assim, a dois. Foi apenas um pretexto para um despique de ideias sobre a amizade, a natureza

humana, os extremismos nos dias de hoje e as latitudes por onde se movem: Angola, Moçambique, Brasil e, claro, Portugal Pe r g un t a - L e m bram-se de como se conheceram? São amigos há quantos anos?
 José Eduardo Agualusa:
 P erfeitamente, foi há 30 anos.
 Mia Couto: Ele é que se lembra, para mim foi um trauma!
 Agualusa: Eu fazia crítica literária para o Expresso e escrevi uma re c ens ão d e Vozes Anoitecidas, 39

o primeiro livro dele, e lembro-me de que fiquei muito entusiasmado, teve um impacto muito forte em mim, e ele gostou da crítica.
 Mia Couto: Achei pouco!
 Agualusa: Uma amiga em comum, a Ana Mafalda Leite, professora de Literaturas Africanas, fez um jantar em casa e convidou-nos: conhecemo-nos assim.
 Mia Couto: O Zé estava a acabar de publicar ou ia publicar A Conjura, o seu primeiro livro, publicamos na mesma altura.


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Pergunta: E o que vo s u n e h á t r ê s d é c a d as? É uma relação literária ou uma relação de amizade que vai para além disso?
 Mia Couto: Relação literária é a última coisa, eu não sou dessa tribo mesmo… Há uma história que é muito paralela…
 Agualusa: Creio que nos reconhecemos: no fundo, há uma história que começa na literatura e vai muito além disso.
 Mia Couto: … Uma coisa que acontece é que ele não me deixa falar!
 Agualusa: Eu descubro aquele livro e encontro um universo com que me identifico completamente e que fazia falta, não existia...
 Mia Couto: ... Mas a ve r d a d e é q u e conhecemos muitos escritores com cujo texto temos uma relação de afeto, mas depois não acontece o resto. E quando digo

o resto, o melhor é dizer que, bom, não é o que se possa pensar. É uma coisa especial. Acho que é uma amizade quase de irmãos – temos origens comuns, temos o mesmo tipo de história, países que atravessaram const a ntes r uptura s e reencontros, o pai dele foi ferroviário e o meu também, não somos da primeira cidade, mas os dois da segunda. Em cada um dos nossos países, há um percurso que ajudou a criar a nossa própria história, que é muito comum. E depois há uma coisa que é a

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medida de qualquer a m i z a d e, é c o m o ela autoriza a infância: estamos juntos e vamos rindo o tempo todo – há pouco nem conseguíamos tirar uma fotografia juntos. É uma espécie de licença que nos damos um ao outro: não temos de representar que somos escritores e nos levamos muito a sério. Pergunta: Em Moçambique, os homens amigos falam de mãos dadas. A vossa relação também é assim, afetuosa?
 Agualusa: Em Angola, era mais nos mei os rurais, n os


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urbanos não.
 Mia Couto: Não, não fa l a m o s d e m ã o s dadas, quem sabe... lá chegaremos! Mas é verdade: na Beira, quando eu era jovem, os homens caminhavam de dedo mindinho ligado, era muito bonito. Temos de replicar isso, com o mindinho ainda vá! Pergunta: O que vos acrescenta a condição de serem ambos escritores africanos?
 Agualusa: O que os nossos países têm é muitas histórias para serem contadas – Angola e Moçambique são países que sofreram um passado recente de grande agitação política e são países com grande riqueza étnica e que atraem pessoas de várias partes do mundo – isso para um escritor é precioso. Temos acesso a um manancial infinito.
 Mia Couto: E essas histórias traduzem uma relação com o

mundo em que essa fronteira entre o que é realidade e ficcional não está muito presente; isso ajuda-nos muito. Isto é arriscado de dizer, porque sempre vem a conversa de África como uma coisa exótica e à parte, mas quando nos falam do realismo mágico nos nossos textos, se eu disser em Moçambique que a árvore é uma casa voa d o r a o u o u t r a coisa com dimensão poética, nada disto é extraordinário. Pergunta: É o dia a dia, não é?
 Agualusa: Sim. E os jornais e o jornalismo integram estas histórias. Somos capazes de encontrar notícias nos jornais com elementos do fantástico, do maravilhoso. Que são lidas como coisa corrente. Escrever em Angola e Moçambique sem esses elementos é como tentar escrever sobre Amesterdão sem as bicicletas, ou sobre Buenos Aires 41

sem o tango. É possível fazer isso, mas estaríamos a falsificar a realidade. Porque a nossa realidade integra esses elementos.
 Mia Couto: A nossa realidade é pouco real. Pergunta: E o que reconhecem da vossa ascendência portuguesa?
 M i a C o u t o: U m a coisa que eu identifico como algo que os meus pais trouxeram de Portugal, uma idiossincrasia portuguesa, é uma certa propensão para a melancolia. Eu tenho tendência para ser melancólico, mas a diferença é que olho para ela e dou-me bem, não sofro. Perguta: A melancolia não lhe é penosa?
 Mia Couto: Não, é como se só entendesse bem o mundo se tivesse acesso a esse olhar. Ela abre-me c oisas que o outro lado mais festivo e alegre não abre.


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Agualusa: Isso também é muito moçambicano, porque tem um lado oriental. No meu caso, e acho que também no do Mia, é a própria literatura que nos influencia. Os meus pais tinham uma biblioteca razoável, os teus pais também, e isso foi importante. O Eça de Queirós foi e ainda é, hoje, o autor mais importante para mim.
 Mia Couto: Não é uma tentativa de fugir à pergunta, mas é difícil definir o que são características típicas dos portugueses. Há mil opiniões diferentes. Há uma coisa que provavelmente não é o Portugal de hoje, mas uma coisa que eu identificava como esse Portugal que era trazido pelos meus pais e vizinhos era esta coisa de excomungar a desgraça nomeando-a. Essa coisa da doença… “Ah, eu estou doente!”, e responde o outro:

“Ah, mas eu estou muito mais doente.” Ninguém quer ficar atrás e nunca se pode dizer que se está bem. Os africanos são diferentes: celebram o lado mais positivo das coisas, até porque celebrar o negativo chama maus espíritos. Pergunta: Uma

vez, o Mia contou-me uma história de um tradutor brasileiro que, em pleno palco, numa conferência, lhe disse “não entendi nada, inve nt a qualque r merda”, e que isso lhe ficou como uma espécie de lema para a vida. 42

E ss e e spírito d e improviso e “desenr a s c a n ç o” m u i to português também o tem?
 M i a C o u t o: S i m , “desenrascar” é, aliás, uma palavra que não existe em mais lado nenhum, mas os nossos dois países também têm muito i s s o: a s p e s s o a s estão habituadas a resolver problemas de forma pontual. Não sei se isso é português, mas vem dos povos que têm de encontrar soluções. Pergunta: Indo aos livros, o que vos distingue aos dois em termos de escrita?
 Mia Couto: Ele é muito melhor do que eu.
 Agualusa: Acho que o que distingue a escrita do Mia é a presença da poesia. São textos com uma carga poética muito forte – a realidade pode ser dura, mas é sempre temperada por um grande lirismo e encantamento pela


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vida. E ele tem essa paixão pelos pequenos seres e pelas pessoas mais desprotegidas. Pergunta: E agora ao contrário: Mia, o que aprecia na escrita do José Eduardo?
 Mia Couto: Eu aprendo muito com o Zé, embora ele não acredite. Acho que essa dimensão poética está lá e o que admiro nele é exatamente uma maior capacidade de contenção no uso dessa beleza que não tem de se exibir e estar à mostra. É uma pedra preciosa que se encontra, porque se descobre na frase ou na história... Quando escreve sobre Angola, faz de coisas banais c oisas ex traordinárias… e o Zé traz Angola sempre com ele. Estamos condenados aí, Zé, eu também – por onde quer que a gente vá, levamos nem que seja estas nações inven-

tadas conosco. É um orgulho ter um amigo que faz uma coisa destas. Pergunta: Escrever é quase por definição um ato solitário. Como foi escrever este livro a quatro mãos? Só o conseguem porque são muito amigos?
 Agualusa: Trata-se de peças de teatro, foi um desafio que nos colocaram. Mas sim, é difícil fazer isso sem ter uma grande intimidade e admiração pela outra pessoa.
 Mia Couto: Creio que aceitamos os dois que era alguma coisa que não sabemos. E esse não saber não nos assustou…
 Agualusa: … A nossa principal característica é a irresponsabilidade.
 Mia Couto: Sim, isso mora um pouco em nós! Mas sempre não enganando ninguém, declaramos que vamos tentar e ver o que sai. Pergunta: E divertiram-se pelo 43

caminho?
 Agualusa: Muito! A primeira peça escrevemos em três dias e foi um disparate. A primeira é a do Chovem Amores na Rua do Matadouro, que não é um título muito feliz.
 Mia Couto: É horrível!
 Agualusa: Um dia destes, o Mia deu uma entrevista ao Globo e disse: “Chovem Tiros na Rua do Matadouro.” E eu telefonei ao Mia a dizer: “Estes jornalistas cada vez estão piores! Nem vão à internet confirmar.” E ele disse: “Não, mas fui eu que me enganei!”. Este título até era melhor do que o outro. 
Pergunta: Escrever é-vos penoso ou um prazer? Há escritor e s p ara que m é um sofrimento: o Hemingway dizia que se sentava à secretária e sangrava, José Cardoso Pires também confessava um sacrifício enorme.


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Ag u a l u s a: Eu s e sofresse não escrevia. Eu escrevo ao encontro da surpresa. Há muitos escritores que quando começam a escrever já têm o livro todo na cabeça, já o têm montado, isso é um trabalho no sentido etimológico da palavra. Mas essa não é a nossa escola: nós escrevemos e não sabemos o que vai acontecer. Pergunta: Sentam-se para escrever e deixam simplesm e nte a his tóri a fluir?
 M i a C o u t o: S i m , é como um jogo. A história é que vai dizer-nos o que é a história e, ao mesmo tempo, vai revelar-nos quem somos.
 Agualusa: Para nós, a escrita é um processo de descoberta e de surpresa e de encantamento permanente.
 M i a C o u t o: M a s houve um livro em que eu sofri. P 
 ergunta: Qual?

Mia Couto: No Terra Sonâmbula, eu sofri para escrever aquilo. Porque quem me conduzia naquela história eram vozes de gente que morreu, os meus colegas que me interpelavam… de noite, e u a c o r d ava c o m aquela coisa. Não me deu grande prazer, sinceramente. Depois,

colocam nos livros e nas crônicas. Entendem que uma escrita que não tem isso tem menos préstimo?
 Agualusa: Nos nossos países, seria um desperdício não usar a literatura enquanto reflexão e terreno de debate.
 Mia Couto: Mas há

sim, quando consegui sentar-me lá em cima do cavalo e dominar aquilo e dizer: “Agora a história é minha, já não é vossa...” Aí, sim. Mas foi o único livro que me custou. Pergunta: Os dois são escritores que olham para o mundo e para a sociedade à vossa volta e os

literatura que não se propõe, de uma maneira imediata, a refletir sobre as coisas do momento e não deixa de ser boa.
 Agu a lus a: É verdade. Mas nos nossos países há uma urgência. Aquelas vozes são vozes que têm de se manifestar, aquelas histórias precisam

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de ser contadas. Para mim, é isso que distingue a atual literatura africana – são tantas e tão diferentes. Pergunta: Literatura ou crônica – o que vos dá mais prazer?
 M i a C o u t o: Pa r a mim é o conto, algo a meio caminho. Tem esse efeito surpresa, aquela reviravolta, e fazer acontecer tudo num espaço concentrado – é a mesma lógica da anedota.
 Agualusa: É uma alegria rápida, o romance dá uma felicidade a longo prazo.
 Mia Couto: Eu já estou na fase das alegrias rápidas! Mas porque é que conseguimos fazer este texto teatral juntos? Porque juntos já fizemos muita coisa, algo que não sei se é tão comum entre escritores: nós trocamos textos há muito tempo; antes de eu publicar, envio para o Zé e digo: “Olha lá para isto e vê se está bem.” Pergunta: A capaci-

dade de indignação é uma coisa que vos faz carburar e escrever?
 Agualusa: Sem dúvida. Há duas c ois a s diferentes: por um lado, escrevemos movidos por um en c ant amento pela realidade e pela c o m o ç ã o; o u t r a s vezes, movidos pela indignação. A indignação, para escrever crônicas, é ótima. Nesse estado, escreve-se uma crônica em cinco minutos.
 Mia Couto: Em minha casa, diz-se muito: “Ah, isso só podia ter acontecido contigo...”, porque há certas situações que me acontecem na rua, no quotidiano, complemente irreais. Acontece-me de tudo. Acho que isso só tem que ver com a disponibilidade que temos para ver e escutar.
 Agualusa: Mas nós atraímos muita coisa. A melhor história é uma que aconteceu com o Mia, e que dá 45

uma boa imagem do Brasil de hoje. O Mia foi apresentar um livro numa escola católica. E quando lá chegou, as professoras quiseram falar com ele em privado. Pegaram num livro dele e disseram: “Há aqui uma situação aborrecida. O senhor tem aqui uma cena de sexo, entre um camponês e uma jumenta.”
 Mia Couto: Eu fiquei embasbacado, tentei disfarçar e elas perg u n t a r a m: “ E f o i consensual? Não?! Então foi um estupro!” Pela primeira vez na vida, eu não sabia o que havia de dizer! Vou desmaiar? Vou chorar? Pergunta: Parece uma anedota. E isso é tudo muito bom material para escrever.
 Mia Couto: O mundo tem muito mais do que a gente pensa. É mesmo melhor do que a ficção.
 Agualusa: Nos nossos países, temos


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de cortar as asas à realidade para caber na ficção. Pe r gunt a: O qu e foi feito com a Fernanda Montenegro, no Brasil, é inacreditável.
 M i a C o u t o: S i m , ela simboliza o respeito que o Brasil granjeou no mundo. Não há respeito por nada! Houve algumas vozes, mas falta uma coisa concertada. Uma cidade que pôs dois milhões de pessoas numa parada gay não pode pôr dois milhões de pessoas que se sentem ofendidas com o que se passou com tudo isto? Pergunta: Como é que dois homens da escrita que olham a sociedade explicam este crescimento das extremas-direitas em todo o lado?
 Agualusa: É um movimento de resistência contra a mudança: há coisas que estão a acontecer no mundo que não vão ter recuo, como

o avanço das minorias. E há um grupo de pessoas que não consegue entender nem aceitar isso. Pergunta: O pro blema é que se começam a dizer coisas impronunciáveis antes. As pessoas sentem-se legitimadas a dizer o qu e r e a lm e nte

pensam?
 Mia Couto: Isso é verdade. Mas há uma coisa que não se diz, e que é a incapacidade da esquerda – e eu sou de esquerda – de questionar alguns dos seus exageros. Quando se levou a luta do politicamente correto àquele nível de coisa ridícula… em 46

países como a Itália, já não se põe pai e mãe, põe-se responsável 1 e responsável 2. Há coisas absurdas como esta. Estás a dar à extrema-direita um sentimento de insegurança que está a capitalizar: Bolsonaro recebeu de bandeja coisas que foram erros que a esquerda tem de saber que cometeu, e tem de questionar-se a si própria.
 Agualusa: E depois há uma tentação totalitária em muitos destes movimentos. A partir do momento em que se começa a defender a queima de livros, é muito sintomático. Pergunta: O apagamento do passado nunca faz sentido.
 Agualusa: Falar em livros proibidos, isso são autos de fé. Aí, eu recuo com os dois pés.
 Mia Couto: Há uma certa esquerda que tentou p ur ifi c ar o mundo...


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Agualusa: ... E é preciso dar atenção a isso e não deixar que essa bandeira – a da diversidade, a da tolerância – caia nas mãos da direita. Pergunta: Mudando de assunto. Algo que vos une é uma forte consciência ambie ntal. Ante s de o tema estar na ordem do dia, já o Mia, que é biólogo, estudava estes te m a s , e o Jo s é Eduardo foi diri gente ecologista na faculdade. Acreditam que finalmente as pessoas estão a perceber a urgência do estado do planeta? É uma calamidade?
 Agualusa: Sim, é uma calamidade. Infelizmente, a maioria das pessoas ainda não se apercebeu, continua a ignorar os sinais e a viver como se não existissem limites.
 Mia Couto: Eu tenho o receio de que parte das campanhas este-

jam a produzir efeitos contraproducentes. Muitas vezes se usa, para falar de Natureza, um discurso apocalíptico. Esse sentimento de fim do mundo cria angústias que facilitam a busca de salvadores, a construção de fortalezas protetoras e de identidades essenciais. Há, por outro lado, uma res p ons a b ilizaç ão do cidadão comum quando se distribui por todos a mesma carga de culpa: “Estamos a destruir o meio ambiente.” E logo a seguir se apela para que poupemos água e energia em nossas casas. Esse discurso pode ser pedagó gico para quem tenha água e luz em casa (e uma grande parte da Humanidade nem isso tem), mas deve ser acompanhado pela tomada de consciência de que o grande poluidor e esbanjador não é o cidadão comum mas os grandes inte47

resses económicos, a atitude predadora da grande indústria, da mineração e da agricultura. É preciso, por último, que os assuntos ambientais sejam “desambientalizados”, isto é, que não sejam olhados em si mesmos, mas como parte de um questionamento mais vasto. A Amazô n i a n ã o é um a preocupação para os ambientalistas. É um assunto político, económico e necessita de ser encarado de um modo mais integrado e radical. É preciso que se deixe de conceber o património natural como recursos naturais. Já nem questionamos que as pessoas sejam chamadas de recursos humanos. Pe r g un t a: N ã o é estranho que prec i s e m o s d e um a criança de 16 anos para nos vir alertar para o mesmo que cientistas andam a dizer há 30?


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Agualusa: Alguém com 16 anos não é mais criança. Uma pessoa com 16 anos já tem consciência, ou deveria ter, dos grandes problemas que enfrentamos, e é não só natural, como desejável, que queira intervir. Nem me surpreende. Os jovens da idade da Greta serão os principais atingidos pelos erros e pelos crimes das gerações mais velhas.
 Mia Couto: Eu partilho da ideia do Agualusa. Mas, por outro lado, creio que a presença dessa menina dá conta de uma ausência: onde estão os outros, as pessoas adultas e as instituições de Ciência que deviam estar na linha da frente? Pergunta: Mia, no Terrorista Elegante, há um homem que fala com um passarinho na mão. Sei que os pássaros são uma espécie de superstição para si. Deixam-lhe mensa-

gens? A Natureza fala consigo?
 Mia Couto: Sempre construí um entendimento de que os p á s s a r o s (c o m o todos os outros animais e plantas) não são apenas criaturas naturais mas são parentes nossos, bem mais próximos do que pensamos. O curso de Biologia não me deu exatamente um “saber”, mas um modo de estar em sintonia com esses outros que pensamos distantes. Misturo literatura e ciência biológica para recuperar uma relação simbiótica que persistiu durante centenas de milhares de anos entre a Humanidade e os outros seres. Pergunta: De que forma a tecnologia e

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as redes sociais nos estão a transformar como seres human o s? S o m o s o s primeiros ciborgues, telemóveldependentes?
 Mia Couto: Eu tenho a crença de que estas telas que hoje tomaram posse do nosso horizonte não substituirão nunca a necessidade profundamente humana de trocarmos olhares e de sentirmos a presença corpórea dos outros. O adolescente que publica uma selfie no Facebook procura, afinal, um momento que nenhuma tela lhe pode proporcionar, esse suspiro que buscamos quando murmuramos: “Ela (ou ele) olhou para mim!”
 Agualus a: A tec -


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nologia pode, como sempre aconteceu ao longo da História da Humanidade, ser utilizada para o bem ou para o mal. Utilizada para o bem, está a servir para democratizar a informação. Hoje, é possível um jovem angolano isolado numa localidade remota ter acesso a jornais e a inúmeros títulos gratuitos, por exemplo, uma boa par te dos grandes clássicos da literatura universal. Isso é extraordinário. Pergunta: Hoje, foi divulgado o Nobel de Literatura. Quão importante ainda é

esta distinção? Imaginam o que seja viver obcecado a sonhar com um prémio destes?
 Agualusa: Todos os prémios são importantes, embora uns sejam mais úteis do que outros para impulsionar traduções, ou seja, para internacionalizar a obra de um escritor. Nunca perdi o sono por causa de um prémio, nem mesmo quando fui finalista do Booker, e existia a possibilidade real de o ganhar. Não penso nisso. Se acontecer, muito bem, fico feliz. Nem eu nem o Mia prestamos muita

atenção, nem aos aplausos, nem às vaias. Continuamos a escrever como no início, quando ainda não tínhamos leitores e ninguém nos conhecia. Com o mesmo deslumbramento pela surpresa de ver uma boa história se ir desenhando diante dos nossos olhos, como meninos brincando, descobrindo o mundo. Somos maravilhosamente irresponsáveis.
 Mia Couto: Os prémios são bons quando eles se lembram de nós e nós nos esquecemos deles. (Filipe Luis)

REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com

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NATAL

Luís Laércio Gerônimo Pereira -

Família toda reunida, celebremos o Natal Luz Em comunhão com a vida e o bem que nos conduz Louvemos a Deus pela vida, ao rei ouro, incenso e mirra, saudemos ao menino Jesus! Imbuídos de fantasia, felizes olhamos pra o céu Zumbidos do alto se ouvia, eram as renas recitando um cordel.

Numa noite de magia, muita paz e harmonia A nós chegou o Papai Noel. Todos ficaram maravilhados, nessa noite fenomenal A árvore, as guirlandas, os presentes, a neve e a catedral Lampejos de luz que clareiam e todos em torno da ceia, desejam um Feliz Natal!

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LIBERDADE, BATE AS ASAS SOBRE NÓS! Valquiria Imperiano – Genebra, Suiça

O tempo passa, corre, corre, desaparece nas nuvens dos sonhos e nós procurando alcançá-lo nas noites longas. O tempo corre, corre. E eu me vejo aqui correndo atrás de fazer, buscando realizar coisas e mais coisas, enquanto o sono não me ataca. Eu às vezes peço,

nas minhas orações, para que a insónia me ataque, assim sentirei talvez que eu controlo meu tempo. Poderei, assim, realizar tudo o que penso, executar meus projetos, criar a cada instante, finalizar o que comecei. Poderei apagar da minha mente os sentimentos de impotência de não poder realizar. Poderei apagar a impotência de não poder terminar, de não poder mais criar, de não poder inventar, de não ter tempo pra fazer, de ter que encurtar o meu verbo fazer.

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Ah, se eu pudesse continuar todo dia e toda hora a transformar os instantes e reuni-los e transformá-los em momentos eternos! Queria que o meu tempo não fosse marcado pelo por do sol. Que o poder de criar não se extinguisse com o cansaço, que não precisasse renascer todos os dias. Queria tanto, tanto a energia da criação, de p oder fazer todo instante sem precisar parar para repousar, sem precisar parar para comer. Transformar o fazer e o criar no meu alim e n t o, n a m i n h a energia vital. Eu olho o tempo, aprecio a natureza, gosto dela, ela é bela, motivadora, inspiradora, mas o sol que é uma estrela que nun c a d or me não para o universo, ele está aceso, a realiz a r, a m o t i va r, a transformar a vida e


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Eu aqui embaixo na terra sendo obrigada a seguir o curso e a rotação desse planeta que continua seu circuito para que nós os terráqueos possamos parar à noite, acordar de dia e produzir apenas quando a rotação nos permite. E nós aqui tão pequenos, tão simples só sabemos marcar o tempo, porque o tempo para nós existe. E eu, contida nesse nós impotente, estou presa nessa terra, estou nesse corpo limit a d o, l i m i t a d o n a minha ação, limitado no meu pensamento, limitando minha juventude, limitando minhas energias.

Eu limitada pela impotência e fragilidade desse corpo que exige sempre um descanso, que exige uma parada e não pode continuar

funcionando a todo instante e que um dia vai desaparecer forç ad o p el o c an saço e pela idade. Menos mal, assim vou li b erar m inha alma, meu espí-

r i to e q u e m s a b e depois de liberado possa realizar, possa criar sem ter medo do tempo, nem do dia. Sem precisar os momentos e nem os segundo, sem precisar prestar atenção ao por do sol como a marca do tempo limitado, apenas apreciando o por do sol com a beleza que ele necessita e precisa. Tempo, tempo é o que a terra nos obriga a pensar, a refletir durante seu circuito que marca nossas vidas. O tempo passa, corre, corre. O tempo voa e nós presos à terra sem correntes. Liberdade bate as asas sobre nós!

NOVA ANTOLOGIA A ILHA, NO QUADRAGÉSIMO ANIVERSÁRIO DO GRUPO Em 2020, o Grupo Literário A ILHA e esta revista, os mais perentes do gênero, completam 40 (quarenta) anos de existência e resistência, de literatura e cultura, de divulgação das letras brasileiras e lusófonas. Para comemorar, estaremos organizando e publicando uma antologia de verso e prosa, reunindo gêneros como poesia, conto, crônica, etc. Os membros do Grupo Literário A ILHA estarão lá reunidos. Aguardem, leitores, e preparem seus textos e poemas, escritores. 52


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POESIA DOURADA

Eloah Westphalen Naschenweng Florianópolis, SC

Quero escrever uma poesía dourada que tenha versos de mil cores onde a beleza seja de azul cobalto da mesma cor que o mar se veste nas manhãs de pleno verão. Que suas palavras tenham no bojo o preciosismo puro e o branco da ternura. Que do sentimento carregue o vermelho forte do coração e da paixão. Que o verde traga lembranças em forma de natureza e o amarelo a simplicidade das margaridas reunidas em abundância. Das rosas exale o aroma e a realeza dos sonhos e da alegria imprima o alaranjado aberto de um belo sorriso. Que tenha o cheiro e a cor enluarada das noites claras para que eu possa trazer junto às palavras o rico colorido das rimas e nos versos o brilho do meu querer. 53


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CARTA DE ATAHUALPA PARA KATTY

Por Urda Alice Klueger – Palhoça, SC

Querida Katty: A ma nhã va i fa zer três anos que a gente s e ac ord o u a ú l t i m a ve z na nossa casinha rosa e branca. A Urda foi comigo d a r a vo l t i n h a d e sempre e depois e u t o m e i c a fé n a minha janelinha de espiar para a mata. Então fomos para o carro, eu, Manue lita Saenz, uma mala e uma caixa com coisas de camping e descemos a rua. Paramos na casa da Terezinha para nos despedirmos e ela entrou em casa chorando e trouxe o vestido vermelho dela e deu de presente para a Urda. Então, parti-

mos. Eu ia deitado n o s m e u s t r ave s seiros e Manuelita i a d e nt r o d e um a caixa de gatos, no chão do carro. Sabe como é, gatos são sempre mais chatos, e a Urda tinha que fi c ar c onver s an d o com ela o tempo todo, para que ela se sentisse segura. Às vezes dizia coisas a s s i m: “ C o nfo r m e Michael Foucauld, a análise do discurso...”, coisa que eu não entendia, mas que acho que Manuelita entendia, p orque parava de miar. O t r â n s i t o e s t ava bom, e em duas horas e meia chegamos a esta enseada e à casa aonde íamos morar. Era uma casa alugada, muito antiga, c heia de quartos e quar tinhos, e acampamos lá dentro para Manuel i t a s e a c o s t um a r com ela antes de a m u d a n ç a c h e g a r, 54

e c ome ç ou n os s a n o v a v i d a! H a v i a um grande espaço de jardim e pomar e íamos passear na praia ao menos três vezes por dia. Eu e r a a i n d a u m cachorrinho assustado, criado em a p a r t a m e n t o, q u e não se afastava da Urda, mas era muito bom viver ali! Havia diversos outros cachorros e gatos nas casas ou nas ruas, e quatro horas depois que chegamos, a Urda já tinha u m a n ova a m i g a , a Cida. E outras e outras pessoas foram entrando na nossa vida, como a Dona Julita, a Dona Juracy, a Sheila e o W i l l y, o G u i e a Mara ... n os s a , como é diferente e bom morar aqui! Uns dias depois veio a Maria Antônia, e a Celina, e a Izabel, e a Raquel, e a Dona Nilza, e o Nei e a Dona Nega... até perc o a c onta


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de contar quantos amigos temos agora! Quem não se deu bem foi a Manue lita. Ela ficou muito assustada quando a mudança chegou e se enfiou no forro da velha casa. No princípio, descia à noite, quando ouvia o barulhinho da TV e a Dona Julita aparecia para uma visitinha. A gente estava há um mês naquela casa aonde fomos tão felizes quando apareceu um carro com uma mulher estranha e um cachorrinho. A maré estava muito alta, e a mulher jogou o cachorrinho muito l on ge, para q ue el e m or res s e afogado. As pessoas da comunidade que estavam ali brigaram com a mulher e ela se mandou – quando nós chegamos à praia, o cachorrinho estava justamente conseguindo sair da água a salvo. Katty, ele só tinha pelos, pulgas

e fome. Quando a U r d a o l ev o u a t é nossa casa para ver s e ele c omia , ele avançou numas sobras de dois dias atrás, que eu abandonara na varanda e que estavam cheias de formigas, e comeu tudo, inclusive as formi-

gas. Tinha tão pouca carne que teve que esperar quinze dias p a r a p o d e r to m a r vacinas. Ele parecia uma raposinha preta, e acabou sendo o nosso Zorrilho. Um mês depois, o Chapéu, morador daqui, encontrou 55

uma gatinha abandonada na Cachoeira e a trouxe e a deixou na entrada da nossa rua. Acabamos ficando com ela também, e como eu a AMAVA, mas a Urda não deixava eu brincar com ela porque poderia machucá-la com o m e u p e s o, t ã o minúscula ela era. Nem desmamada estava. Era uma gatinha de carinha diferente, parecida com os gatos daqui, e ganhou o nome de Domitila Chungara. Q uando ela c res ceu um pouquinho, ficou muito amiga do Zorrilho, com quem dormia abraçadinha. Bem, a chegada de Domit ila foi c om o veneno para Manuelita. Abandonou-nos de vez, só a víamos vez ou outra bem longe, no pomar ou na mata, e o resto do tempo ficava enfurnada no forro da casa. A Urda botava comida para


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ela num lugar onde havia uma prateleira bem alta, e não sei como ela sobreviveu. No total, ela ficou esc ondida por um ano e oito meses, e aí no meio também c h e g o u Te r e z a Batista, uma cachorrona de 25 quilos, alaranjada e branca, que vivia na rua e andara mordendo algumas pes s oas. Ela veio se esconder conosco na noite em que a comunidade iria matá-la. Com a Tereza Batista, completou-se a família de cinco bichos que vivem com a Urda, e então... Então ela comprou

esta casinha aonde vivemos todos felizes agora! Manuelita relutou um bocado em ser nossa amiga de novo, mas acabou dando tudo cer to. Somos uma grande família, com tantos amigos e mais alguns cachorros de rua, que são o TIjucano, a Loba e o Pa ç o c a , m a s quem cuida mais deles é o nosso vizinho Moisés, que dá até vermífugo e põe coleiras antipulgas neles. Mas comida, q ua s e to d a a r ua dá. Eles são bem amigos da gente e gostam de correr à frente do carro da

Atahualpa, o cão de Urda.

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Urda a cada vez que ela sai - só que não vão muito longe, pois lá adiante tem outra família de cachorros que a gente chama de A Turma da Zona Nor te e que fá-los voltar. E amanhã faz 3 anos que este tempo maravilhoso começou, e a Urda e a Maria Antônia, vão comemorar num restaurante que se chama Nossa Senhora Aparecida, onde, além da boa comida e da gentileza no atendimento, ganham pacotes de deliciosas sobras para nós! M e u , K a t t y, j á está na hora de ir dormir. Muitas lambidas para você e não esqueça de nós. Vamos ficar esperando que você venha aqui um dia. Muito, muito carinho, Atahualpa Klueger Sertão da Enseada de Brito, 03 de novembro de 2019.


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UM LINDO SÁBADO DE SOL

Tamara Zimmermann Fonseca

O vento brinca com meus cabelos Me acaricia o rosto, Me faz sorrir. Estou em meu lar No jardim Em meio às acerolas! Após uma temporada de chuvas O sol chegou tímido

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Nesse lindo sábado! Meus cães correm pra lá e pra cá Felizes também É uma verdadeira festa A música chega baixinho de dentro de casa, Me pega na mão e me leva para passear em algumas boas lembranças! Num piscar de olhos, estou novamente no meu jardim Sorrio e agradeço pela vida. Obrigada meu Deus!


Florianópolis–SC • Dezembro / 2019 • N. 151 • Edições A ILHA • Ano 39

DESAPEGO

MICHELE STRINGHINI

Que o desapego seja da depressão.

Que todo desapego seja da falta de respeito,

Depressão, estado de desconsolação.

Pois todos têm o seu espaço. Que o desapego seja de toda falsidade, pois a verdade sempre aparece.

Que o desapego seja de quem Nem se importa com o nosso bem.

Que o desapego seja de toda individualidade, pois somos seres sociáveis.

O bem que Deus prometeu Aquele que O tem como primeiro.

Que o desapego seja de toda imoralidade, pois todo culpado jamais será inocentado.

Que o desapego seja de tudo que nos leve para o erro.

Que o desapego seja de todo egoísmo, pois nunca sabemos de quem dependeremos.

Que o desapego seja de toda revolta que não produz nada. Que todo desapego seja da omissão.

Que o desapego seja de qualquer tipo de prostituição,

Pois os maus dias estão com os dias contatos.

Pois se deve valorizar e valorizar o outro com respeito.

Dias contatos: Gritando tudo o que há encoberto e mal projetado.

Traz honra e consolo em qualquer momento. Que o desapego seja da falta de vontade de desapegar.

Que o desapego seja de toda manifestação de ódio.

Desapegar daquilo que te bloqueia em avançar.

Que todo desapego seja da impaciência que reina no mundo moderno. 58


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CHIMARRÃO

Michele Stringhini - Londrina, PR

Chimarrão, a “erva do diabo”?

Chimarrão, o tipo de cuia se

Chimarrão a bebida que chama

escolhe:

“confraternização”.

Porcelana, vidro, madeira ou

Chimarrão, Roda de chimarrão.

plástico.

Chimarrão amargo ou “mate”.

O material porongo é o mais viável.

Chimarrão, folhas secas e

Chimarrão, sem preconceito,

trituradas:

sem estereótipo.

Ilex paraguariensis, sabor

Chimarrão, todos estão

amargo.

convidados.

Chimarrão, tradições de cuia a cuia. Chimarrão, a prenda e o gaúcho. Chimarrão, o bom humor é abençoado. Chimarrão, inverno ou verão. Chimarrão, Rio Grande do Sul. Chimarrão, Paraná e Santa Catarina. Chimarrão, Argentina e Chile. Chimarrão, Uruguai e Paraguai. 59


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LINDA MULHER Negra Luz

Qual é a tua, mulher?

Ou faça tranças, mulher.

Que cor é a tua, mulher?

Sede rainha, mulher.

Já se amou, mulher?

Em ti a força, mulher.

Que fé cultua, mulher?

Mostre suas contas, mulher!

Já se encontrou, mulher?

O axé reforça, mulher!

Não negue a origem, mulher.

Não tema a luta, mulher!

Tu és bonita, mulher.

Teu o horizonte, mulher!

Pele que brilha, mulher.

Quebre as correntes, mulher!

Solte os cabelos, mulher.

És Negra! Linda, mulher!

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SONHO EM BRILHO

Maria Teresa Freire - Curitiba, PR

Silenciosa escuridão me envolve Aguardo o momento que a luz Abrilhante momentos, horas, dias e noites vindouros Envolvidos em festivo contentamento Retiram-me do local escondido Livram-me do papel de seda que me protege Apreciam minha beleza singela Ainda que imponente Colocam-me em lugar de destaque Acima das mazelas humanas Para que a luz forte como um farol Encaminhe à esperança e à fraternidade Do alto do meu pedestal Observo o meu entorno colorido Ao som dos desejos e cumprimentos expressados E das preces emocionadas Do alto do meu pedestal Reafirmo meu ‘sonho de Natal’ Sou a Estrela que guiou os Reis Magos Sou a Estrela que guia ao amor e à renovação do mundo!

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UMA HISTÓRIA DE NATAL Harry Wiese Ibirama, SC

J á f a z t e m p o, n a minha cidade, numa rua pouco movimentada, moravam duas senhoras distintas e muito respeitadas. Estavam de bem com a vida e deixaram-na passar sem preocupações e aborrec imentos. Re c e b ia m p o u c a s visitas, mas eram benquistas na comunidade. A mulher mais idosa tinha noventa anos e se c hama Mari chen. Ela era a mãe. A outra, mais nova, tinha 72 e se chamava Maria Isabel. Era a filha. Mãe e filha moravam juntas numa casinha de madeira. Na frente da casa havia um jardim muito bem c ui dad o e fl or i d o.

No meio dele, um estreito caminho ligava a residência à rua. Um pouco mais distante existia um mercado que vendia de tudo, quase vinte e quatro horas por dia. Lá, as duas senhoras gastavam o dinheiro da aposentadoria, que sobrava da conta da farmácia. M a r i c h e n, a m ãe, não tinha mais ninguém, exceto Maria Isabel, a filha. A filha também não tinha ninguém além da mãe. Ambas pass a r a m p o r m ui t a s dores e aflições na vida. Maria Isabel perdeu o marido num acidente automobilístico. A única filha morreu aos vinte e três anos, dois meses depois do noivado, de uma doença que até os médic os não c on seguiram explicar. Desde então, uma vive para a outra, relembrando e planejando timida62

mente alguma ação para o futuro. Quase nada! Naquele ano, o Natal, como todos os outros, veio devagarzinho, com al gumas c i garras cantando e a rádio da cidade transmitindo propagandas de presentes e festas. Um carro de som também passava de vez em quando anunc iando maravilhas: vinhos, champanhes, chocolates, panetones, frutas desidratadas, nozes e outros produtos do gênero. Marichen, a mãe, e Maria Isabel, a filha, providenciaram uma árvore natalina, colhida nos fundos da casa. Ali havia três araucárias que abasteceram os últimos natais, num processo de revezamento. Após o cor te, surgiam n ovo s b r o t o s q u e se desenvolviam e a cada três anos


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estavam aptos para enfeitar o Natal naquela casa. Na noite da véspera, como em todos o s a n o s , a s d ua s s enhoras ac en de ram as velas da ár vore enfeitada com bolas coloridas e algodão. Esta-

vam sentadas lado a lado, apreciando as pequenas c hamas refletidas nos enfeites da ár vore. Era lindo! Depois de permanec erem as sim p o r l o n g o t e m p o, Marichen disse para Maria Isabel: ─ Que tal comprar-

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mos uma garrafa de vinho lá no mercado para comemorar o Natal? Ainda deve estar aberto. Vai ser b o m to m a r v i n h o, hoje! Algum tempo depois, Maria I s a b e l, u m p o u c o assustada com a decisão da mãe, respondeu: ─ Nã o a c h o uma boa ideia comprarmos vinho. A senhora tem n ovent a an os e o vinho pode lhe fazer mal. Eu também não posso tomá-lo por causa do remédio. É melhor c omprar outra coisa. ─ Tomar vinho uma vez p or an o, c om certeza, não vai-nos fazer mal. Vai lá e c o m p r a u m a g a rrafa de vinho tinto ─ voltou a pedir a mãe. Maria Isabel não tinha esc olha. Em meia hora, elas estavam saboreando aquela bebida festiva.


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Depois ficaram abraçadas em silêncio. A mãe não se conformou com aquela solidão e voltou a intervir: ─ E se nós adotássemos um menino, Maria Isabel? ─ O quê? ─ Nós poderíamos adotar um menino para nos fazer companhia e acabar com este tédio, você não acha, filha? ─ Mas aonde vamos encontrar um menino a estas horas? Não há ninguém para ser adotado. Não tem orfanato na cidade e o Fórum de Justiça está fechado! Maria Isabel então se lembrou de que no baú, velho móvel guardador de lembranças e coisas antigas, havia uma r e líq ui a , q u e p e rtenc ia à filha que tão cedo deixou a vida terrena. Foi até ao quarto e depois de revirar as bugigan ga s en c ontrou

u m a b o n e c a fe i t a menino, com roupas de menino, cabelos de menino, parecido com anjo. Puseram-na em uma caixa à luz da árvore de natal, era q ua s e i gua l a um cocho que há muitos anos haviam visto na igreja, no lado d o a l t a r, t a m b é m debaixo de uma árvore colorida. Elas ficaram muito tempo apreciando aquela cena, enquanto se deliciaram com os pensamentos bons e bonitos que teimavam em perpetuar-se em suas mentes com os últimos goles de vinho da garrafa. Quando as velas sumiram e

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as luzes começaram a se apagar, a mãe, meio em transe, disse à filha: ─ Veja , M ar ia Isabel! A nossa b onec a está vi va! Está se mexendo! Olha, está se mexendo! Maravilhadas as duas senhoras não entenderam o que estava acontecendo. Devia ter sido milagre. Como uma boneca, tantos anos guardada num baú, pôde virar gente? Quando a hora de dormir chegou, pegaram o menino, trocaram-lhe a roupa e o deitaram na cama, no meio delas para que pudesse ser cuidado


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e recebesse o amor que lhe era devido. Trocaram beijos e abraços, abençoaram a criança e a desejaram vida longa e boa. Na manhã seguinte, deitaram o menino na caixa, parecida com um cocho, debaixo da árvore de natal. Ao s eu re d or c ol o c ar a m um h o m e m e u m a m u l h e r, q u e tinham a felicidade refletida nos rostos e, algumas figuras de animais que estavam espalhadas pela casa e pelo jardim. Ta m b é m c o l o c a ram uma estrela sobre a caixa. Para deixar o lugar mais sugestivo, tiraram os anjinhos da árvore e os colocaram mais perto do m enin o. Para que ele tivesse mais companhia, providenciaram três figuras masculinas, que olhando bem, tinham manias

de reis. Um deles era nigérrimo e de beleza singula r. U ma lâ m pada elétrica iluminou o a m b i e n t e, p o r q u e não havia mais velas na casa. Com alegria estampada nos rostos como há muito tempo não se viu, abraçadas, andava m p e l o e s t r e i t o caminho que ligava a casa à r ua . Q ua n d o c h e g a r a m a o p o r t ã o, cumprimentaram as pessoas que ali passaram e dese jaram-lhes boas festas. Os transeuntes que se dirigiram à igreja para assistirem à missa e aos cultos natalinos perceberam a alegria das duas senhoras, as s ua s voze s f o r t a lec i das e os seus passos mais firmes e mais rápidos, tanto que bradavam em alto tom: ─ Que alegria é essa, senhoras! 65

Estão bem de saúde? Sem perder tempo, Marichen e Maria Isabel falaram: ─ Ontem à noite, n ós ad ot am os um m e n i n o! P o r i s s o estamos felizes! ─ O quê? ─ Querem ver? Está lá dentro! Ele é parecido com um anjo! Incrédulas, algumas p es s oa s entraram na casa de Marichen e Maria Isabel e se maravilharam com que viram. Durante vários dias aconteceu uma p eregrinaç ão àquela casa para ver e adorar o menino que vivia debaixo da ár vore de natal. Hoje, alguns anos depois, Marichen não vive mais e Maria Isabel, a filha, mora sozinha. Sozinha? Não! Tem um menin o que c ui da d ela e, d e mui t a s outras pessoas que lhe querem bem!


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INFINITO CONTIDO Adir Pacheco

...E trago contido no peito o infinito dentro d’alma, no universo da noite que se demora. E se demora, no infinito contido deste agora que não tem hora. E nesta infinitude presente, reflito contido os meus credos, meus conflitos, os meus medos. E reflito a própria Espiritualidade no paradoxo deste encontro. Neste universo infinito Tão contido... Tão distante... Tão presente!

TROVADOR Adir Pacheco

No rumo de uma sombra o trovador chorou. Era um choro triste e lento na forma profunda de um lamento. A página da mocidade findou. Uma boca de mulher, um leito, a vida impura. Ante a sepultura um canto abandonado. E o moço... Ah! Aquele moço que era eu em doce lira a musicar uma canção. Quantos versos em sintonia!... Agora em oração, o céu em cortesia abre-se ao trovador num sorriso de ironia. 66


Florianópolis–SC • Dezembro / 2019 • N. 151 • Edições A ILHA • Ano 39

Vivo agora a honrar teu nome, meu poeta

“ALZEMIRO LÍDIO VIEIRA” Imortalizado pela tua vasta e Iratan Curvelo – Florianópolis, SC

nobre arte

És o meu patrono, o meu guia, o meu mestre

Alma límpida, imortal e eterna Luz reluzente a guiar meus passos

Imensidão de cantilenas, esculturas e poemas

Zenite das afáveis letras da flor do lácio

Reluzindo tuas gotas de afeto e teus sentimentos

Espelha-me nos teus transparentes versos

Abraçando este humilde poeta neste mundo neutro.

Mutante que não nega a sua ancestralidade Ícone da literatura Josefense que se fez presente Radiando sua genialidade criativa nas artes Obras primas imortais cintilantes Lanterneiro, multifacetário das artes Imanente na literatura catarinense Declamo e derramo estes singelos versos Imaginando-te agora com teus braços abertos Onipresente em mim ocupando este espaço 67


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VIDA EFÊMERA (Tributo ao poeta João da Cruz e Sousa)

RIO EM NÓS

Iratan Curvelo – Florianópolis, SC

Luiz Carlos Amorim

Hoje o neto Rio Desaguou em nós Um rio caudaloso De carinho e ternura. Hoje Rio Nos deu boas-vindas Em Luzboa E nós lhe demos As boas-vindas Em nossas vidas. Há poucos dias Rio chegou E inaugurou nossa avozice. Hoje Rio inaugurou Nossos colos de avós. Seja bem-vindo, Rio, De águas claras e mansas, Rio grande e belo Que se espraia em nós.

João da Cruz e Sousa vive Meu negro poeta simbolista Tua vida triste foi efêmera Mas tua vasta obra é eterna Foste em tua vida esquecido E na grandeza dos teus versos Expressaste ao mundo inteiro Tua glória magistral de poeta Foi a efemeridade da tua vida Que te negou a glória merecida Enquanto simplesmente escrevias Meu cisne negro Desterrense És agora a glória da tua gente Que povoas todos os continentes.

Meu presente de aniversário, de Páscoa, de Natal…

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Malcom X e Mandela. Quantos lamentos e sofrimentos!... Mas o vermelho sangue da raça que pulsa forte nas veias do bravo, nas lutas presentes do exescravo, não se entrega, não se nega. Levanta-te na tua negritude forte e brava. Não és mais um moribundo; rompe as barreiras da discriminação e mostra teu valor ao mundo.

ÁFRICA

Adir Pacheco

Ah! Negra cor do preto, a vestir-se da grandeza no vermelho sangue que pulsa nas artérias negras da raça. Ah! Negra cor que emociona, na negra raiz que me chama, me domina e arrasta ao princípio de um passado negro, no lamento triste da escravizada casta. África! África!... ó negra África! Ainda ouço teu negro grito, no horror negro sentido, doído, sofrido. Ainda vejo tuas lágrimas amarguradas, pela raça dilacerada, ultrajada. Ainda sinto o choro da humilhação, na cruel e triste escravidão. Tão presente nas favelas, nas ruas em toda nação, no preconceito e discriminação. África! África!... Negra mãe de tantas chagas, De Zumbi, Luther King, 69


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GRATIDÃO!

Lorena Zago – Pres. Getúlio, SC

UM OLHAR AO INFINITO Lorena Zago – Pres. Getúlio, SC

Sonoridades integram-se ao magnífico cenário. Sensações relaxantes emanam a calmaria reinante, Vibrações de harmonia e de paz. Lá fora o Universo conturbado, Sequer imagina tão mágica calidez. Ao perceber-me caminhando, Sobre a campina de flores, Sinto-me projetada ao conforto irmanado, O sol, o céu, o azul conjugado. Lentas ondulações perfilam o gramado, Um olhar de saudades suscita memórias.

Gratidão é um sentimento Que cala forte o coração, Manifesta a humildade, Traduzida na emoção. Um olhar de compreensão, Ilumina os pensamentos, Que revelam ao Universo Os mais belos sentimentos.

Fecho os olhos e permito a viagem interior, De flutuar ao recôndito do infinito, E lá permanecer, Em luz - somente em luz, A vida conceber!

Entre gestos de ternura E manifestos de esperança, Há um tanto de formosura, Que aos Céus apontam lembranças, Emanando a gratidão Com notas do coração! 70


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(IN) FINITUDES

Vera Verá Florianópolis, SC

Frio no corpo é melhor que ter alma fria. A ti falarei de um sonho vencido, porque os homens gostam de falar de prazos. Mas o coração é sempre desobediente. Os cientistas dirão que não. Os poetas dirão que sim. E tu, que dirás, enfim? Que tudo vai passar. Passam os dias... Passam os astros... Todo dia é dia de fim. Passado x Presente é igual a um buquê de (in)finitudes. Em cada bairro existe um homem com rosto de estrela. Não é menos universal que o legado do Museu do Louvre. E no meu universo particular existe o Museu Livre. É o relicário maior do mundo. Nele, uma gaveta do passado me traz o mal passado da primeira picanha argentina. Já uma outra me guarda outro passado, que só se iguala ao bem passado do terno de linho azul do meu pai.

LITERARTE FEIRA DO LIVRO DE FLORIANÓPOLIS Acontece neste mês de Dezembro, no Cento Histórico da capital catarinense, mais uma Feira do Livro de Florianópolis. O Grupo Literário A ILHA estará marcando presença, com o lançamento desta edição do SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, do livro HISTÓRIAS DE NATAL, de Luiz Carlos Amorim e da edição 6 da revista ESCRITORES DO BRASIL. Estaremos apresentando, também a antologia POETAS DA ILHA, do Grupo Literário A ILHA, publicado no ano passado. E estaremos exibindo o VARAL DA POESIA, com poemas dos poetas do grupo.

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LITERARTE RELEMBRANDO

A partir da próxima edição, estaremos republicando matérias sobre eventos importantes havidos no decorrer dos quarenta anos do Grupo Literário A ILHA. Para dar uma ideia, publicamos nesta edição flagrantes da posse do presidente e fundador do grupo na cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras e da entrega do prêmio de Personalidade do Ano a Luiz Carlos Amorim, pela Academia Catarinense de Letras e Artes.

Prêmio Personalidade do Ano

Posse de Amorim na Academia Sulbrasileira de Letras.

SENHOR LITERATURA O Grupo Movimento Nacional Elos Literários, com sede em Salvador, capitaneado pela escritora Pérola Bensabath, convidou o editor de A ILHA, Luiz Carlos Amorim, para receber o título de Senhor Literatura. A entrega

das medalhas a vários escritores pertencentes ao grupo Elos Literários, de todo o Brasil, será em março, numa grande festa literária. Amorim é único escritor não membro do grupo a receber a honraria.


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