A Infância no País do Futebol: olhares sobre a F.P. Futsal Clarissa Natsumi Fuzihara Dirce Maria Moreira Batista de Souza Pósgraduandas em pedagogia do esporte escolar (UNICAMPSP)
Resumo Este artigo pretendeu apontar questões sobre como se tem tratado a infância no chamado país do futebol - o Brasil - especificamente na cidade de São Paulo, no espaço da Federação Paulista de Futsal (FPFsal). Procurou-se olhar para as condições a que são submetidas crianças de cinco a sete anos, envolvidas particularmente no futsal. Partiu-se da organização do campeonato estadual de futsal para as categorias de base1 e da observação de alguns jogos. A idéia central é a de apresentar alguns autores que discutem os efeitos nocivos de um trabalho extremamente especializado para esta faixa etária, e que, ao mesmo tempo, apontam como saudável uma iniciação esportiva no lugar de uma especialização esportiva precoce. A conclusão procurou valorizar a iniciação esportiva para um desenvolvimento infantil mais equilibrado, valorizando a importância do brincar e da diversidade dentro das práticas esportivas para a criança. "Na imensidão do espaço, o herói se prepara para cruzar as estrelas em busca de aventuras. A selva densa é cheia de mistérios, e a missão é voar em um cipó por entre as árvores. Enquanto isso, uma torre da altura do céu aprisiona uma donzela, mas o dragão monta guarda e o valente cavaleiro desembainha sua espada e parte para salvá-la".
(Nilton Silva - revista mensal do Sesc - novembro de 2003 - nº5 - ano 10) Quem nunca brincou de ser o herói ou a heroína, diante de um complexo e atraente desafio, no quintal de casa ou num canto do quarto? Esta cena nos remete a um momento do mundo infantil onde o jogo simbólico permeia as relações e muito do aprendizado da criança. Ela apreende o mundo adulto e suas regras quando brinca, seja sozinha ou com seus pares. Isso significa que a infância, além de valer por si, momento presente de descobertas e prazer, pode ser considerada um momento de transição, para que a criança, gradativamente seja colocada e compreenda o mundo que se apresenta lá no futuro. O chamado mundo adulto! Isso tudo nos coloca diante de inúmeras questões: existem diferenças entre a infância e a idade adulta ou adolescente? Que condições se têm oferecido às crianças para que vivam plenamente a infância, onde o eixo central gira em torno do brincar? Onde está o lugar da alegria, do barulho, do choro, da ingenuidade, da descoberta de um mundo diverso, incoerente às vezes, e acolhedor nos momentos necessários? Foram estas e outras muitas perguntas que nos fizemos quando pesquisamos via internet no site da própria FPFsal, e após uma conversa telefônica no referido lugar. As questões se tornaram infinitamente mais intensas e mais provocadoras quando assistíamos a uma das etapas do campeonato estadual de futsal para as categorias de base, num ensolarado domingo de manhã. Estacionamos o carro e um barulho ensurdecedor nos leva a crer que os dois ginásios da FPFsal - localizados na zona leste da cidade - estivessem com as arquibancadas lotadas. Engano! Eram duas torcidas rivais hostis entre si, pouco numerosas, talvez compostas por vinte pessoas de cada lado, todas de familiares das pequenas crianças atletas. Agitavam freneticamente bexigas coloridas e berravam sem parar o nome do time, de alguns jogadores e, até, algumas agressões verbais. O barulho vinha de todos os lados. Da arquibancada acompanhamos também o barulho produzido pelos técnicos, supervisores, auxiliares e pais. O único barulho que não se percebia nos espaços era o
de crianças. Geralmente quando estão em atividade são as mais ouvidas: seus gritos, suas risadas, seus choros, suas perguntas enchem o espaço, além de seus corpos constantemente em movimento. Onde estavam as crianças? A cada jogo observado, foram dezesseis minutos de crianças caladas, algumas no jogo, outras eternamente no banco de reservas, de rostos e mãos tensas, de olhares perdidos, de dedos na boca, de muito esforço físico para a bola ser colocada em jogo quase sempre no meio da quadra, de tentativas de obedecer a ordens que muitas vezes eram "pedidas" aos berros, às vezes ao "pé do ouvido" de um jogador em especial e no geral, nos pedidos de tempo. Enquanto isso, três cenas muito interessantes aconteciam no entorno das quadras, dentro dos ginásios: Cena 1: um grupo de crianças de diferentes idades (algumas uniformizadas) brinca de futebol, a revelia de uma enorme placa que sinalizava o seguinte: "É PROIBIDO JOGAR FUTEBOL NESTE LOCAL". Ouviam-se gritos, discussões, risadas e comemorações espontâneas no momento do gol. Cena 2: outro grupo de crianças uniformizadas se entretêm com um pião que ganha movimento pelas mãos de todos; olhares atentos e comentários que propunham aperfeiçoar o brincar. Cena 3: três crianças, também uniformizadas, brincam com uma bexiga numa tribuna, no alto da arquibancada. Os risos chegam aos nossos ouvidos e a descontração parece necessária àqueles momentos de tensão. Diante destas inquietações, da nossa crença de que a felicidade e a coerência pedagógica precisam caminhar lado a lado com o desenvolvimento e com as atividades infantis, e de tudo que se observou, apresentamos alguns autores que têm discutido o tema da especialização precoce e apontado algumas alternativas de trabalho com a iniciação aos esportes que respeitem o desenvolvimento integral da criança. Entendemos ser necessário conceituar o termo especialização precoce antes mesmo de discutir sua adequação ou não nos trabalhos com crianças pequenas. Além disso é necessário que entendamos o significado do esporte enquanto fenômeno social e cultural, já que se encontra muito presente em nossa realidade. Especialização esportiva precoce, conforme alguns autores é: - termo utilizado para expressar o processo pelo qual as crianças tornam-se especializadas em um determinado Esporte cedo demais do que a idade apropriada para tal. A prática especializada das habilidades de um determinado esporte, sem a prática das atividades motoras características da idade das crianças, quase sempre traz como conseqüência o abandono prematuro da prática esportiva (BARBANTI, 1994, 1994, p.107), - o treinamento especializado precoce acontece quando crianças são introduzidas, antes da fase pubertária, a um processo de treinamento planejado e organizado em longo prazo, e que se efetiva em um mínimo de três sessões semanais, com o objetivo do gradual aumento do rendimento, além , de participação periódica em competições esportivas (KUNZ, 1994, apud MOREIRA 2003, P. 59). Segundo Paes (2002) se torna fundamental entender o esporte, não mais uma prática apenas para atletas, sendo cada vez mais popular, já considerado um patrimônio Cultural da Humanidade. Nesse sentido tem ocupado espaço no campo profissional e no campo do lazer, assumindo assim funções diferenciadas. Para que se respeite tal função, o autor acredita ser necessário pensarmos num tratamento pedagógico adequado para que a criança e o adolescente venham a conhecer, gostar e praticar os esportes de um
modo geral, com objetivos diferenciados aos daqueles que se buscam no campo profissional. Além disso, estando o esporte no campo da cultura, exerce grande influência na formação de valores e no comportamento infantil. Tem-se uma prática carregada de um potencial educativo que muitas vezes não se percebe. Com isso, o autor nos apresenta um "referencial sócio-educativo" que caminha ao lado do desenvolvimento da técnica. Este referencial é formado pela cooperação, convivência, participação, emancipação e co-educação, elementos básicos na formação de crianças e jovens. Neste contexto torna-se importante oferecer uma gama de atividades esportivas tal que a criança possa ser apresentada a esse mundo e desenvolva suas habilidades e capacidades motoras básicas, amplie seu convívio social, suas relações afetivas e cognitivas de forma ampla, para mais tarde optar por um dos esportes que mais gostar, e aí sim, preocupar-se em se especializar ou não. Neste mesmo caminho, SANTANA (2003), acredita que o problema não está em inserir crianças pequenas no futsal, por exemplo, mas em como esta atividade será apresentada e desenvolvida junto à criança. Quer dizer: se a criança for induzida a se especializar em gestos técnicos da modalidade, jogar somente em uma posição, treinar mais que três vezes na semana, treinar intensamente, classificá-la em titular ou reserva, deixar de brincar, competir formalmente, cobrança de resultados em curto prazo, ou seja, todas essas coisas para essa faixa de idade são precoces. Levanta prováveis problemas gerados por uma especialização esportiva precoce: estresse de competição, saturação esportiva, lesões, formação escolar deficiente, unilateralização de desenvolvimento e reduzida participação em jogos e brincadeiras infantis. O que fazer então? O autor propõe que as aulas devem buscar vivência das habilidades específicas, habilidades básicas, atividades diversificadas, diferentes posições, participação de todos, brincadeiras e jogos, cooperação e um ambiente livre de pressões e expectativas. COELHO (1988), nos coloca que a prática muito formal, intensiva e muito competitiva é igual à especialização precoce, pois a criança não tem ainda maturidade física, fisiológica, psíquica e emocional para enfrentar este tipo de treinamento. Levanta algumas desvantagens da especialização precoce: vitória maior que o lúdico, utilização de modelos adultos, menor desenvolvimento de um leque alargado de técnicas corporais, unilateralidade, treino intenso e superação de limites, menores oportunidades de pertencer, participar e contribuir e a exclusão de crianças de menores habilidades do esporte. Acredita que cabe aos responsáveis propiciar às crianças o gosto pelo esporte, orientar corretamente as suas expectativas, promover o seu desenvolvimento físico geral, equilibrado e harmonioso assim como a aprendizagem e aperfeiçoamento das técnicas fundamentais e promover a satisfação pessoal da criança e não dos adultos (grifo nosso). SANTANA (1996), defende que: O esporte é alguma coisa apaixonante, mas é preciso saber que este está a serviço da criança e não o contrário. Por isso, pede cautela: não podemos fazer do esporte o protagonista deste espetáculo. A estrela é outra: a criança. A idéia é aproveitar o potencial formativo que o esporte tem e explorá-lo ao máximo, para o bem da criança. PAES (1996) também nos coloca que "o importante não é o esporte e sim quem joga".
Considerando as questões que procuramos levantar acreditamos que seja muito prudente entender o mundo infantil e buscar referências teóricas, além das práticas, de como as crianças aprendem enquanto crescem. Saber quem é o sujeito das ações que propomos e qual é o melhor caminho para que cresça de maneira respeitosa e tranqüila, sem que precise se transformar num mini-adulto, podendo ser criança de verdade. Nesse sentido, acreditamos também ser fundamental uma proposta voltada à iniciação esportiva - com elementos presentes nos esportes coletivos e individuais - para um desenvolvimento infantil mais equilibrado, tendo como eixo central à importância do brincar e da diversidade dentro das práticas esportivas para a criança. As crianças têm que encontrar espaços para jogar, brincar, vivenciar, descobrir, criar, errar, aprender para se desenvolver. Os adultos não devem pressionar, querer resultados em curto prazo, rotular as crianças de adulto em miniatura e sim apoiar, ajudar e desmistificar a busca da vitória a qualquer preço e a crença de que o quanto antes especializar melhor. Neste papel a FPFsal, como formadora de opinião tem grande responsabilidade social, e, portanto, educativa, em levar para os clubes e para as famílias esta discussão. Referências: BARBANTI, VJ. Dicionário de Educação Física e do Esporte. São Paulo: Manole, 1994. COELHO, O. Pedagogia do desporto: contributos para uma compreensão do desporto juvenil. Lisboa: Livros Horizontes, 1988. MOREIRA, SM. Pedagogia do Esporte e Karatê-do: considerações acerca da iniciação esportiva e da especialização precoce. Campinas - SP: (Dissertação Mestrado) FEF/ UNICAMP, 2003. 233 p. PAES, RR. Aprendizagem e competição precoce: o caso do basquetebol. 2ª ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996. _________. A pedagogia do esporte e os jogos coletivos. In: esporte e atividade física na infância e adolescência: uma abordagem multidisciplinar. Porto alegre: Artmed Editora, 2002. SANTANA, WC. Futsal: Metodologia da participação. Londrina: Lido, 1996. _________. Riscos de uma especialização precoce. Out. 2003a. Seção Apontamentos. Disponível em http://www.pedagogiadofutsal.com.br/texto_029.php. Acesso em: 04 dez 2003.